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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.33 Canoas Dec. 2010

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Priming semântico em crianças: efeitos da força de associação semântica e frequência do alvo

 

Semantic priming in children: effects of prime-target association strength and target frequency

 

 

Candice Steffen Holderbaum; Jerusa Fumagalli de Salles

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Psicologia

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RESUMO

O priming semântico é um tipo de memória implícita que se caracteriza pelo efeito facilitador de um estímulo precedente no processamento de um estímulo posterior, causado pela relação semântica existente entre os dois. O objetivo deste estudo foi verificar relações entre os efeitos de priming semântico em crianças de 3ª série do Ensino Fundamental e as variáveis força de associação entre prime e alvo e frequência do alvo. Para isso, foram feitas correlações entre estas variáveis. Os resultados mostraram que quanto maior a frequência de ocorrência da palavra-alvo, mais rápidas e precisas eram as respostas das crianças na tarefa de decisão lexical. Além disso, verificou-se uma fraca correlação negativa entre a força de associação prime-alvo e as variáveis tempo de reação e precisão das respostas. Estes achados trazem implicações para a construção e interpretação de tarefas/experimentos de avaliação de funções cognitivas com estímulos linguísticos. Além disso, demonstram há necessidade de controlar e/ou manipular certas variáveis psicolinguísticas dos estímulos para aumentar a qualidade dos experimentos.

Palavras-chave: Priming semântico, Força de associação, Frequência.


ABSTRACT

The semantic priming effect (SPE) can be understood as an improvement in performance derived from the context, in which a target processing is facilitated by the preceding stimulus (prime) because of a semantic association between them. This study aimed to verify if the association strength between prime and target and the frequency of the target is related to semantic priming effects found in third graders. For that, tests of correlations were done among these variables. Data demonstrated negative correlation between frequency of the target and variables reaction time and error percentage. Besides, it was also found a weak negative correlation between these variables and the association strength. These findings bring implications to the construction and interpretation of tasks and experiments that evaluate cognition with linguistic stimuli. Moreover, they demonstrate the need to control or manipulate some psycholinguistic variables of the stimuli in order to improve the quality of the experiments.

Keywords: Semantic priming, Association strength, Frequency.


 

 

Introdução

Diversos estudos têm relatado a influência de variáveis na existência e magnitude do efeito de priming semântico em crianças e adultos (Busnello, Stein & Salles, 2008; Nation & Snowling, 1999). O objetivo do presente estudo foi avaliar se as variáveis frequência do alvo e força de associação semântica prime-alvo se correlacionavam ao efeito de priming semântico encontrado em crianças estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental (Holderbaum, 2009; Holderbaum & Salles, no prelo).

Priming semântico

Aproximadamente quatro décadas se passaram desde que Meyer e Schvaneveldt (1971) publicaram seu experimento sobre priming semântico. Deste período até a presente data, diversos estudos foram feitos com o objetivo de avaliar o efeito de priming semântico em crianças (Assink, Bergen, Teeseling & Knuijt, 2004; Betjemann & Keenan, 2008; Hala, Pexman & Glenwright, 2007; Schvaneveldt, Ackerman & Semlear, 1977; Simpson & Lorsbach, 1983; Simpson & Lorsbach, 1987; Torkildsen, Syversen, Simonsen, Moen & Lindgren, 2007), adultos (Basnight-Brown & Altarriba, 2007; Coney, 2002; Davenport & Potter, 2005; Frost & Bentin, 1992; Hutchison, 2007; McNamara, 1994; Nobre & McCarthy, 1995; Perea & Gotor, 1997; Perea & Rosa, 2002; Valdés, Catena & Marí-Beffa, 2005) e idosos (Giffard, Laisney, Mézenge, Sayette, Eustache & Desgranges, 2008; Hernandez, Costa, Juncadella, Sebastián-Gallés, & Reñé, 2008; Rogers & Friedman, 2008).

O priming semântico ocorre quando um estímulo precedente (prime) facilita o processamento de um estímulo posterior (alvo), devido a relação semântica existente entre os dois (Salles, Jou & Stein, 2007). Essa facilitação é verificada atráves da diminuição do tempo de reação e do aumento da precisão da resposta na tarefa (leitura ou decisão lexical) na condição estímulos relacionados semanticamente, comparado a condição controle. O cálculo desta facilitação, conhecida como magnitude do efeito de priming semântico, é feito através da subtração dos valores encontrados na condição controle (estímulos não relacionados semanticamente, prime não linguístico ou ausência de prime) e dos valores da condição com prime relacionado.

Em um experimento típico de priming semântico, pares de estímulos linguísticos são apresentados aos participantes. O primeiro estímulo do par (prime) em geral não exige nenhuma resposta por parte do participante e pode estar em uma das três seguintes condições: relacionado ao alvo (ex.: dia), não relacionado ao alvo (ex.: boi) ou neutro (ex.: ####). O segundo estímulo é chamado de "alvo" (ex.: NOITE) e é sobre ele que é realizada a resposta do experimento, na maioria das vezes nomeação ou decisão lexical (Salles, Jou & Stein, 2007).

Na tarefa de nomeação, o participante é requisitado a ler o estímulo em voz alta, enquanto na decisão lexical pede-se que o participante decida se o estímulo é uma palavra real ou se é uma pseudopalavra. Em ambas as tarefas os participantes são instruídos a responder o mais rápido possível. O intervalo de tempo entre a apresentação do prime e a do alvo é chamado de Stimulus Onset Asynchrony (SOA). O SOA é uma das variáveis mais importantes nos estudos sobre priming semântico, pois não só interfere nas características do efeito, como também no processo subjacente a este efeito.

A seleção dos estímulos (alvos e/ou primes) utilizados nos experimentos tem um papel determinante na qualidade dos resultados obtidos, uma vez que algumas variáveis influenciam diretamente o acesso ao léxico (Parente & Salles, 2007; Salles & Parente, 2007), habilidade exigida na tarefa de decisão lexical usada neste estudo. Dentre as características dos alvos que influenciam este processo destacar-se a familiaridade, frequência de ocorrência na língua, concretude (Hillis, 2001; Janczura, 2007; Janczura, Castilho, Rocha, Van Erven, & Huang, 2007; Parente & Salles, 2007), regularidade da relação grafema-fonema, extensão, quantidade de "vizinhança" estrutural (ortográfica) ou semântica, ambiguidade semântica, e extensão.

Variável relacionada ao alvo: frequência de ocorrência

Considerando a frequência de ocorrência na língua, uma das variáveis investigadas neste estudo, palavras com alta frequência são reconhecidas mais rápida e precisamente do que as de baixa frequência (Parente & Salles, 2007). Isso pode ser explicado pelo fato de que as primeiras possuem representações lexicais mais acessíveis do que as palavras de baixa frequência (Hillis, 2001; Parente & Salles, 2007). Para o português brasileiro, existem listas de frequência de ocorrência de palavras para crianças (Pinheiro, 1996) e para adultos (Sardinha, 2003), que podem auxiliar na escolha de estímulos. Alguns estudos inclusive já mostraram a relação entre frequência do alvo e o efeito de priming semântico em outras tarefas de memória implícita (Busnello, Stein & Salles, 2008; Oliveira & Janczura, 2004).

Busnello, Stein e Salles (2008) avaliaram o efeito de priming de identidade subliminar (prime e o alvo são a mesma palavra, mas o primeiro é apresentado muito rapidamente) em universitários brasileiros através de uma tarefa de decisão lexical e demonstraram que as palavras com baixa frequência tiveram mais facilitação (maior efeito de priming) do que palavras mais frequentes. Esses achados corroboram Oliveira e Janczura (2004), que afirmaram que, em testes indiretos de memória, as palavras menos frequentes são mais lembradas do que as mais frequentes. Porém, ainda faltam estudos para avaliar esta variável no contexto do paradigma de priming semântico, em tarefa de decisão lexical.

Variável relacionada aos pares associados: força de associação

No que se refere a variáveis relacionadas aos pares associados, a força de associação é de extrema importância na avaliação do priming semântico. A força de associação entre o prime e o alvo é obtida com o mesmo método utilizado para verificar o número de associados semânticos (tamanho do conjunto). Estudos tradicionalmente perguntam aos participantes qual a primeira palavra que vem a cabeça quando pensam em determinada palavra. A força de associação é calculada analisando-se qual a porcentagem dos participantes que evocou a mesma palavra para cada palavra-alvo. Esta relação é considerada fraca quando há uma concordância de respostas menor do que 10%, média quando a concordância fica entre 10% e 24% e forte quando é maior do que 25% (Coney, 2002; Janczura, 1996; Van Erven & Janczura, 2004).

Diversos estudos analisaram a relação entre força de associação prime e alvo e o efeito de priming semântico em adultos (Anaki & Henik, 2003; Canãs, 1990; Coney, 2002; De Groot, Thomassen, & Hudson, 1982; Perea & Rosa, 2002) e em crianças (Assink & cols., 2004; Nation & Snowling, 1999). No caso desta relação em crianças, Assink e cols. (2004) e Nation e Snowling (1999) encontraram resultados diferentes. Assink e cols. (2004) avaliaram o efeito de priming semântico em uma tarefa de nomeação, em crianças de 11 anos de idade (7ª série) que apresentavam dificuldades de leitura e duas amostras controles, pareadas por idade e por habilidade de leitura. A força de associação foi uma das variáveis manipuladas neste estudo e apresentava-se em duas condições: fraca e forte. Seus achados não mostraram efeito principal nem interações envolvendo esta variável, ou seja, foi encontrado efeito de priming semântico tanto em pares com fraca quanto com forte força de associação.

Ao contrário, Nation e Snowling (1999) encontraram evidências de relação entre a força de associação e o efeito de priming semântico, através de uma tarefa de decisão lexical auditiva, realizada por dois grupos de crianças, com e sem dificuldades de leitura (média de idade de 10 anos). Os dois grupos de crianças apresentaram efeito de priming semântico quando a associação entre prime e alvo era temática (ex.: praia-areia), independente da força de associação. No entanto, as crianças com dificuldades de leitura demonstraram efeito de priming semântico quando a relação entre prime e alvo era categórica (ex.: cachorro-gato) somente para pares com forte força de associação (média de 37,65%). As crianças sem dificuldades de leitura mantiveram o padrão de quando a relação era temática, apresentando efeito de priming semântico tanto para pares com forte como para pares com fraca força de associação.

Objetivo

Após a constatação de que crianças brasileiras mostraram efeitos de priming semântico em tarefa de decisão lexical em SOAs de 500 e de 250ms (Holderbaum, 2009; Holderbaum & Salles, no prelo), o presente estudo investigou alguns fatores que podem estar relacionados a esta facilitação contextual nas crianças estudadas. Para isso, avaliou-se qual a relação entre o efeito de priming semântico e duas variáveis relacionadas às características dos estímulos usados no experimento: a força de associação prime-alvo e a frequência do alvo.

Se estas relações forem estabelecidas é mais um indicativo de que os experimentos envolvendo estímulos linguísticos precisam ser cuidadosamente delineados, evitando vieses de interpretação. Conforme salienta Janczura (2005), a utilização de palavras nas tarefas de avaliação dos processos cognitivo-linguísticos necessita de seleção cuidadosa destes estímulos, considerando que esses atributos podem produzir, se não apropriadamente controlados, efeitos indesejáveis de confusão nos resultados. Como já está demonstrado que o SOA é um fator importante na determinação do efeito de priming semântico em crianças (Holderbaum, 2009; Nievas & Justicia, 2004), outro objetivo deste estudo é investigar se o papel das variáveis força de associação prime-alvo e frequência do alvo se mantém tanto em SOAs curtos quanto longos.

 

Método

Delineamento

O estudo apresentou um delineamento correlacional. Analisou-se correlação entre o efeito de priming semântico e as variáveis força de associação prime-alvo e frequência do alvo na língua.

Participantes

A amostra deste estudo foi composta por 57 crianças, sendo trinta e sete do sexo masculino (65%) e 20 do sexo feminino (35%). Todas eram estudantes da 3ª série do Ensino Fundamental de um colégio particular de Porto Alegre-RS. A média de idade dos participantes foi 8,39 anos (desvio-padrão = 0,49). Os participantes tinham o português como língua materna, nunca tinham sido reprovados pela escola e não apresentavam dificuldades de leitura segundo o relato da professora. Nenhum participante apresentou diagnóstico de doença neurológica, psiquiátrica ou dificuldades visuais não corrigidas.

Instrumentos

1. Questionário de dados sociodemográficos e de saúde geral: onde constavam informações sobre idade; escolaridade dos pais; queixa de dificuldades visuais ou auditivas não corrigidas, repetência escolar e histórico de dificuldades de leitura, histórico de problemas neurológicos adquiridos e/ou em tratamento com neurologista, entre outras. O objetivo deste instrumento foi atender aos critérios de inclusão na pesquisa, sendo as informações obtidas com as professoras dos estudantes.

2. Avaliação do efeito de priming semântico:

O experimento consistiu na apresentação de 78 pares de estímulos (para exemplos, ver Tabela 1), metade destes pares era composta por palavra (prime) – palavra (alvo) e a outra metade por palavra (prime) – pseudopalavra (alvo). As 39 palavras utilizadas como alvos foram selecionadas de uma lista de estímulos normatizados para crianças de 3ª série do Ensino Fundamental (Salles, Machado & Holderbaum, 2009). Estas mesmas palavras serviram como base para a criação das pseudopalavras usadas como estímulo alvo no experimento. As pseudopalavras foram formadas através da troca de duas letras do estímulo inicial (palavras alvo), mantendo uma estrutura similar e a pronunciabilidade (ex.: NOITE e NEITO).

 

 

Os primes que precediam as pseudopalavras foram selecionados das palavras evocadas por apenas uma criança (respostas idiossincráticas) no estudo de Salles e cols. (2009). Portanto, estas palavras não foram as mesmas usadas na formação dos pares palavra (prime) – palavra (alvo). Já os primes que antecediam as palavras alvo eram divididos em duas condições: semanticamente relacionado ou não relacionado ao alvo.

Os pares semanticamente relacionados foram determinados por um estudo prévio (Salles & cols., 2009), no qual alunos de 3ª série do Ensino Fundamental responderam qual era a palavra que lhes vinha à mente quando pensavam em cada uma das 50 palavras alvo pré-determinadas. A palavra selecionada para ser apresentada como prime relacionado ao alvo foi a mais evocada pelas crianças. Foi estabelecido um critério de força de associação mínima de 25%, ou seja, mais de 25% das crianças da amostra deveria ter evocado a mesma palavra.

Os primes não relacionados foram escolhidos entre os dados deste mesmo estudo (Salles & cols., 2009) seguindo o mesmo critério dos primes das pseudopalavras. Cuidados extras foram tomados para garantir que estes primes tivessem extensão semelhante ao prime do contexto relacionado e que não houvesse relação semântica ou estrutural com a palavra alvo.

Cinco pares foram formados (três palavra-palavra e dois palavra-pseudopalavra) para serem utilizados no treino dos participantes. Foram utilizadas palavras facilmente lidas por crianças de 3ª série do Ensino Fundamental. Nenhum dos estímulos do treino aparecia novamente no experimento. Através destes procedimentos, foi esperado que todas as palavras apresentadas na tarefa fizessem parte do léxico das crianças que estavam sendo avaliadas.

Procedimentos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (número do protocolo 25000.089325/2006-58). Após o consentimento dos pais, cada criança foi avaliada individualmente em uma única sessão com cerca de 15 minutos de duração através da tarefa de decisão lexical em uma sala dentro da própria escola. As avaliações aconteceram dentro de um período de uma semana. O pesquisador leu para cada criança a instrução apresentada na tela do computador: "Você precisa prestar bastante atenção em todos os estímulos que vão aparecer na tela do computador. Tente ler silenciosamente a primeira palavra (apresentada em letras minúsculas). Depois vai aparecer uma Cruz (+) que sinaliza que o próximo estímulo será apresentado. Você vai decidir, o mais rápido e corretamente possível, se este segundo estímulo (apresentado em letras maiúsculas) é uma palavra real (que existe), apertando a tecla "SIM", ou uma palavra que não existe, apertando a tecla "NÃO". Atenção!! A primeira palavra aparecerá bem rápido. Se não der tempo de ler, não tem problema. Continue a tarefa. Pressione qualquer tecla para continuar."

Para garantir a compreensão, o pesquisador retomava resumidamente a instrução antes de dar início à tarefa. Os participantes, então, realizavam a tarefa de decisão lexical sobre os alvos (segundo estímulo de cada par), o mais rápido e acuradamente possível. As crianças foram divididas aleatoriamente, de forma que aproximadamente metade dos participantes viu os estímulos apresentados com um SOA de 250ms e a outra metade com um SOA de 500ms.

Os alvos foram apresentados em letras maiúsculas, enquanto que os primes apareceram na tela do computador em letras minúsculas. A apresentação dos pares prime-alvo, semanticamente relacionados e não relacionados, foi contrabalanceada intragrupos (duas versões de cada experimento). Por exemplo, se na versão 1 o alvo foi precedido por um prime relacionado (ex.: maçã/FRUTA), na versão 2 este mesmo alvo foi precedido por um prime não relacionado (ex.: arma/FRUTA). Assim, nenhum participante viu o mesmo estímulo duas vezes. A ordem de apresentação dos pares foi feita de forma randômica entre os participantes. Houve o cuidado de variar a tecla de respostas para as respostas sim e não. Para metade da amostra o dígito 1 foi a resposta "SIM" e o digito 3 a resposta "NÃO". Para o restante da amostra, foi o inverso.

Análise dos dados

Em um primeiro momento, foi feito o cálculo e a descrição das médias de tempo de reação e de porcentagens de erros na decisão lexical para cada palavra alvo, divididos nas condições de prime relacionado e não relacionado, em ambos os SOAs (250ms e 500ms). O cálculo da média do TR foi feito considerando somente respostas corretas. Além disso, TRs menores que 100ms e maiores que 4000 foram considerados erros e excluídos das análises. Este critério foi adaptado de Hala e cols. (2007), que excluíram latências menores que 200ms e maiores que 2000ms. A magnitude do efeito foi calculada através da subtração dos valores (TR e % de erros) da condição com prime não relacionado e os da condição prime relacionado.

Para verificar a presença de correlação entre as variáveis (frequência do alvo, força de associação entre prime e alvo, tempo de reação e porcentagem de erros nas condições com prime relacionado em ambos os SOAs) foi feito o teste de correlações de Spearman. Este teste foi escolhido devido à distribuição não normal dos dados.

 

Resultados

Na Tabela 2 se encontram os valores de força de associação prime-alvo, frequência de ocorrência do alvo, e magnitude do efeito para velocidade (TR) e precisão (% de erros) para cada uma das palavras-alvo do experimento.

 

 

Os resultados da análise de correlações entre, de um lado, velocidade (os TR) e precisão (as porcentagens de erros) na tarefa de decisão lexical no contexto de primes relacionados, e as magnitudes de efeito (valor referente à subtração entre a condição com prime não relacionado e a com prime relacionado), e de outro lado, as características dos estímulos (variáveis força de associação entre prime e alvo e frequência de ocorrência do alvo) indicaram que: 1) a força de associação prime-alvo se correlacionou fraca e negativamente com a magnitude do efeito de priming semântico em termos de precisão (porcentagem de erros) quando o SOA era de 250ms (ρ=- 0,334; p=0,038) e 2) com a magnitude do efeito de priming semântico em termos de velocidade (TR) quando o SOA foi de 500ms (ρ=- 0,332; p=0,039). Então, quanto maior a força de associação prime-alvo menor foi o efeito de priming encontrado (tanto no SOA curto, em termos de medida de precisão de resposta à decisão lexical, quanto no SOA mais longo, 500ms, considerando a medida de velocidade de resposta a decisão lexical).

Por sua vez, a frequência de ocorrência do alvo na língua apresentou uma correlação negativa moderada com o efeito de priming semântico em termos de velocidade (média de TR na tarefa de decisão lexical), quando o SOA era de 250ms (ρ=- 0,434; p=0,006), e uma correlação negativa fraca com a precisão (porcentagem de erros) na tarefa de priming quando o SOA era de 500ms (ρ=- 0,322; p=0,046). Depreende-se que no SOA curto, quanto maior a frequência das palavras-alvo mais rápidas (TRs menores) eram as respostas na tarefa de decisão lexical. No SOA mais longo, quanto maior a frequência do alvo na língua menor a porcentagem de erros, ou seja, mais precisas foram as decisões lexicais.

 

Discussão

O presente estudo teve dois objetivos principais. O primeiro, de averiguar a existência de correlações entre as variáveis força de associação e frequência do alvo e o efeito de priming semântico encontrado em crianças de 3ª série do Ensino Fundamental. O segundo objetivo era verificar se estas correlações variavam entre um SOA curto e um longo. Os resultados mostraram a existência de algumas correlações e que estas aconteciam diferentemente de um SOA para outro.

Mais especificamente, os resultados mostraram uma fraca correlação negativa entre a força de associação prime-alvo e a magnitude do efeito de priming semântico em termos de precisão (porcentagem de erros) quando o SOA era de 250ms e a magnitude do efeito em termos de velocidade de respostas (TR) quando o SOA era de 500ms. Pares mais fortemente associados tendem a produzir menor facilitação contextual. Dito de outra forma, a magnitude do efeito de priming semântico foi maior quando os estímulos eram fortes, mas não muito fortes.

Assink e cols. (2004) e Nation e Snowling (1999), que apresentaram a variável força de associação em seus estudos de priming semântico com crianças, utilizaram uma ANOVA para comparar a presença ou ausência de efeito em palavras com fraca e com forte força de associação. Porém, destaca-se que a fraca correlação encontrada e a ausência de correlação entre a variável força de associação e as demais variáveis pode estar associada ao fato de que todas as palavras-alvo do experimento apresentavam uma força de associação considerada alta, ou seja, maior do que 20% de ocorrência (Coney, 2002; Janczura, 1996, Van Erven & Janczura, 2004).

Em relação à frequência de ocorrência do alvo, foram observadas correlações desta variável com a velocidade de respostas (média de TR) quando o SOA era de 250ms e com a precisão de respostas (porcentagem de erros) quando o SOA era de 500ms. Ou seja, quanto maior a frequência de ocorrência da palavra-alvo, mais rápidas e precisas eram as respostas das crianças na tarefa de decisão lexical. Este achado corrobora a hipótese de que palavras mais frequentes têm o seu significado acessado com mais facilidade do que palavras de baixa frequência (Hillis, 2001; Parente & Salles, 2007). Alguns estudos já encontraram indícios de que a frequência de ocorrência do alvo de fato influencia tarefas de memória implícita (Busnello & cols., 2008; Oliveira & Janczura, 2004).

Uma variável pouco falada ao longo deste estudo também merece ser destacada: a ambiguidade semântica, a qual parece dificultar a decisão lexical ou o reconhecimento de palavras (Rodd, Gaskell & Marslen-Wilson, 2002). Durante a análise dos dados, foi percebido que uma palavra-alvo havia gerado um número muito grande de erros, chegando a ultrapassar os 50% quando o SOA foi de 500ms. Considerando as características desta palavra, após a verificação de que nenhum erro podia ser creditado ao próprio experimento, constatou-se que a única diferença entre esta palavra, MEIA, e os outros alvos era sua ambiguidade semântica. Por ser a única palavra ambígua da lista, supomos que esta disparidade de resultados seja, pelo menos em parte, consequência desta característica, uma vez que o acesso lexical de palavras homógrafas (ambíguas) é dificultado pela existência de mais de um sentido (Nievas & Justicia, 2003).

 

Considerações finais

Os achados apresentados neste artigo demonstram a existência de algumas correlações entre o efeito de priming semântico e variáveis relacionadas ao alvo e ao par associado. Por este motivo é necessário considerar, na construção de experimentos com estímulos linguísticos e na interpretação dos achados, as características dos estímulos, neste caso, em termos de frequência na língua e de força de associação semântica. O processamento semântico em tarefas indiretas de memória (priming), tanto por mecanismos automáticos (quando o SOA de 250ms) quanto controlados (quando o SOA de 500ms) parece relacionar-se em algum grau a tais características.

Dentre as limitações deste estudo, destaca-se o pequeno número de estímulos-alvo que fossem palavras reais (39). Essa medida foi tomada no experimento para evitar efeito de fadiga ou desatenção durante a avaliação. Planeja-se, para experimentos futuros, aumentar o número de palavras-alvo. Além disso, o fato de todos os pares associados apresentarem uma forte força de associação pode ter impedido a visualização de interferências decorrentes de pares com uma fraca força de associação. Por isso, seria importante a realização de estudos posteriores que manipulem esta variável em amostras de crianças.

Sugere-se ainda que novos estudos sejam feitos para a criação de normas atuais de frequência de ocorrência na língua e que novos estudos sejam feitos utilizando pares com forte e fraca força de associação. Recomenda-se também que seja analisado o desempenho dos participantes ao longo dos experimentos para verificar possíveis processos de aprendizado da tarefa que diminuiriam o TR e aumentariam a acurácia das respostas. Ressalta-se que sejam realizados trabalhos que visem compreender o papel de variáveis como tamanho do conjunto do prime e frequência do alvo em amostras infantis e adultas para um melhor entendimento sobre como estas interferem no efeito de priming semântico em tarefas linguísticas. Por fim, estudos como o aqui relatado precisam ser realizados considerando outras amostras, como a amostra de universitários apresentada em Holderbaum (2009) e Holderbaum e Salles (no prelo), por exemplo.

 

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Endereço para contato
E-mail: candibaum@hotmail.com

Recebido em 18/10/2010
Aceito em 05/10/2011

 

 

Candice Steffen Holderbaum: Psicóloga. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, UFRGS.
Jerusa Fumagalli de Salles: Fonoaudióloga, Doutora em Psicologia, UFRGS. Profa. Adjunta do Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.