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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.34 Canoas abr. 2011

 

RESENHA

 

Progresso, ciência e tecnologia: resenha de “A Psicologia no futuro: os psicólogos mais destacados do mundo falam sobre o futuro de sua disciplina"

 

 

Vicente Cassepp-Borges

Universidade Federal da Grande Dourados

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Como será o futuro da Psicologia? É uma pergunta muito importante para o psicólogo e de difícil resposta. Um questionamento tão complexo que pouco se fala sobre o assunto nas graduações de Psicologia, que teriam o objetivo de formar os profissionais do futuro. Muito se fala sobre o passado, e a justificativa para isso é a de melhor compreender o presente e tentar prever o futuro. Mas são poucos os pesquisadores que se aventuram a falar sobre este conjunto de incertezas.

“A Psicologia no futuro: os psicólogos mais destacados do mundo falam sobre o futuro de sua disciplina" é uma tradução para língua portuguesa (Ardila, 2011) do original em espanhol (Ardila, 2002) que tem por objetivo discutir e instigar a discussão sobre o futuro da Psicologia. Na introdução, o autor reflete sobre a situação da humanidade. A destruição do meio ambiente e a guerra nuclear são alguns dos principais perigos contemporâneos, que devem afetar todas as profissões neste início de século. A partir daí, são discutidas seis características as quais acredita que terá a Psicologia do futuro: 1. Maior ênfase na ciência; 2. Maior ênfase na temática social; 3. Teorizações e utilização de modelos matemáticos; 4. Trabalhos sobre problemas complexos; 5. Maior profissionalização e especialização, e 6. Integração da Psicologia em torno de um paradigma unificador.

Posteriormente, o livro traz entrevistas com 50 psicólogos, considerados profissionais de destaque internacional. As entrevistas estão divididas em sete blocos. O primeiro bloco de entrevistas não se encontra na versão original em espanhol (Ardila, 2002), somente na versão brasileira (Ardila, 2011). Trata-se das entrevistas com Arrigo L. Angelini e Maria Regina Maluf, sobre a visão pessoal do futuro da Psicologia a partir do Brasil.

No segundo, “a Psicologia como disciplina", os entrevistados refletem acerca do lugar que a Psicologia irá ocupar no mundo. Falam a respeito das respostas que a Psicologia científica, a Filosofia da Mente, as Neurociências e as ciências cognitivas oferecem a problemas complexos sobre a mente, o psiquismo e o comportamento. Esse capítulo contém uma entrevista com B. F. Skinner realizada em 1973, na qual ele reitera a preocupação com um futuro no qual não esteja desenvolvida uma tecnologia para o comportamento.

O terceiro bloco fala sobre o desenvolvimento da Psicologia. As reflexões neste capítulo são feitas por dois estudiosos da área de História da Psicologia (Josef Brožek e Helio Carpintero). Um consenso de ambos é o de que a Psicologia continuará sendo uma área dividida em muitas outras, ideia até certo ponto diferente da do autor do livro.

A seguir, no quarto bloco de entrevistas, o tema proposto é o futuro da investigação científica. Um dos grandes focos que deverão nortear a pesquisa em Psicologia no futuro será o advento de novas tecnologias, como as técnicas de neuroimagem, a genética e a farmacologia. Porém, também se acredita em uma ciência mais transcultural e interdisciplinar. Horácio J. A. Rimoldi sugere que a Matemática deverá ajudar muito no desenvolvimento da Psicologia, assim como foi uma peça fundamental no desenvolvimento da Física e da Biologia.

No quinto bloco, reflete-se a respeito da profissão de psicólogo. Embora importante a reflexão sobre a ciência, a maioria dos profissionais de Psicologia não atua na área da ciência. Na profissão, acredita-se que o computador ganhará um lugar de destaque, inclusive na psicoterapia. Também é falado que a prática profissional estará mais embasada no conhecimento produzido pela ciência psicológica. Discutem-se a interdisciplinaridade e os principais campos de atuação do psicólogo neste século.

As reflexões do próximo bloco são a respeito dos grandes problemas da Psicologia. Mais especificamente, sobre como serão as pessoas com quem a Psicologia irá lidar. Como será a saúde e o bem estar no humano? Seremos otimistas ou pessimistas? Como a tecnologia irá influenciar a personalidade do cidadão comum? A humanidade caminhará para a guerra ou para a paz? Todos os psicólogos entrevistados concordam que estes são problemas importantes e que devem ser estudados a partir de uma perspectiva científica.

No último bloco, “o contexto social da Psicologia", são abordados temas que vão desde pequenos grupos à Psicologia das massas. É bastante citada a importância de se estudar cientificamente este assunto. Neste ponto, são citados o avanço das ciências biológicas e a metodologia transcultural como auxiliares nesta tarefa. Deve ocorrer uma reavaliação de alguns dos métodos “qualitativos", para que os mesmos demonstrem maior validade. Temas como a espiritualidade, a guerra e a globalização deverão ser cada vez mais estudados.

Mais da metade dos entrevistados pertence ao continente americano. Apesar disso, uma das grandes contribuições que este livro traz para o contexto brasileiro é a de entrevistar personalidades de partes do mundo muito diferentes umas das outras. Ao mesmo tempo em que são entrevistados psicólogos da Europa Ocidental, de realidade semelhante à América Anglo-Saxônica, são trazidos psicólogos implicados com a causa social, de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, muitos deles com histórias de conflitos armados, o que pode servir de lição à América Latina.

Prever é diferente de desejar. Previsões implicam que sejamos otimistas e pessimistas ao mesmo tempo. Ardila (2011) lembra que muitas previsões do passado realmente se concretizaram, como a manipulação psicofisiológica do cérebro, o desenvolvimento da genética auxiliando os psicólogos e a tendência de estudos transculturais em Psicologia. Porém, houve previsões que, pelo estágio atual da Psicologia, são muito difíceis de um dia chegarem a se confirmar. Acreditava-se que a Parapsicologia ocuparia um lugar de destaque nas ciências psicológicas, assim como se acreditava que a humanidade teria um saber completo sobre o inconsciente, podendo dar nome a qualquer sofrimento psíquico. São observações que nos levam a ter medo de prever o destino da nossa área, pois é bastante provável que um leitor de 2050 não compreenda como podemos ter feito previsões tão estapafúrdias, ao mesmo tempo em que veja como demasiadamente simples o raciocínio que nos levaram aos acertos. No entanto, não é por isso que devemos deixar de ousar e prever o futuro. A possibilidade de erro é parte do processo criativo, do avanço da humanidade e, muitas vezes, antecede o acerto.

O futuro da Psicologia está vinculado com o futuro da tecnologia. As técnicas de neuroimagem devem ser cada vez mais baratas e portáteis. O mapeamento cerebral poderá ser feito em ambientes como o local de trabalho e a sala de aula. Talvez tenhamos no futuro computadores simulando o comportamento humano, ou modelos muito mais aperfeiçoados do que os que possuímos hoje. Com o aumento do rigor ético na pesquisa e o avanço da inteligência artificial, é plausível pensar que teremos modelos computacionais substituindo modelos animais e mesmo humanos. Cada tecnologia nova modifica o ser humano, consequentemente a ciência psicológica também terá que mudar de acordo com a tecnologia.

É muito mais fácil a tarefa do historiador do que a do profeta. Porém, a dificuldade da tarefa do profeta a torna mais instigante. Pode-se dizer que o profeta, embasado na história, traz contribuições interessantes sobre o futuro que irão nortear a ciência. Não é difícil prever o crescimento da Psicologia no futuro. A dificuldade está em descrever como será este crescimento. A Psicologia já acumulou muito conhecimento e beneficiou bastante a humanidade, mas esses feitos ainda são pequenos se comparados ao potencial da área.

A discussão sobre o futuro da Psicologia deveria ser mais comum na formação do psicólogo, em disciplinas presentes na maioria dos currículos brasileiros, como Introdução à Psicologia, Teorias e Sistemas Psicológicos e História da Psicologia. Além da formação, este debate também deve ser feito por pesquisadores de alto nível, a fim de construímos a ciência psicológica da maneira que desejamos. A tradução para língua portuguesa de “A Psicologia no futuro" deve ajudar a tornar esse debate bastante interessante mais comum na nossa área.

 

Referências

Ardila, R. (2002). La psicología en el futuro: Los más destacados psicólogos del mundo reflexionan sobre el futuro de su disciplina. Madrid: Pirámide.         [ Links ]

Ardila, R. (2011). A Psicologia no futuro: os Psicólogos mais destacados no mundo falam sobre o futuro de sua disciplina. São Paulo: Vetor.         [ Links ]

 

 

Endereço para contato
E-mail: cassepp@gmail.com

Recebido em 29/08/2011
Aceito em 22/01/2012

 

 

Vicente Cassepp-Borges: Doutor em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela Universidade de Brasília. Professor Adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados.