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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.37 Canoas Apr. 2012

 

RESENHA

 

Psicologia Clínico-Comunitária

 

 

Ana Luisa Teixeira de Menezes

Departamento de Psicologia e do Mestrado em Educação da Universidade de Santa Cruz do Sul

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A busca de articular o conhecimento da saúde com os sujeitos comunitários, tendo como base o direito à vida, o meio ambiente, o amor, a crítica à propriedade privada e as diferenças entre as classes sociais, revela a profundidade com que esta produção merece ser lida, enquanto uma contribuição para a Educação e a Psicologia. Uma percepção que instiga um debate sobre os sentidos e os desafios do desenvolvimento de um pensamento e de uma prática clínica permeados por uma visão biocêntrica e sociopsicológica que integra a dimensão coletiva e singular, dentro de um processo histórico de construção de uma Psicologia Clínico-Comunitária.

Uma das questões centrais do livro é o fortalecimento dos sujeitos históricos em seu processo de superação e transcendência, em seu percurso de construção de saúde ativa, na responsabilidade por uma convivência transformadora. A saúde é desenhada, enquanto um processo histórico e cultural como prevenção e promoção, nas experiências comunitárias, na discussão sobre o papel do psicólogo nos Programas de Saúde da Família, na implantação de Centros de Atendimento Psicossocial, na Estratégia de Ação da Família e na Saúde Mental.

Essa publicação contribui de uma forma consistente com a prática e com a teorização para uma Psicologia Clínico-Comunitária, que desenvolve o processo terapêutico baseado nos potenciais da identidade humana. Esta proposta vem sendo elaborada pelo autor e outros atores sociais desde a década de sessenta, num momento histórico em que houve uma emergência dos grupos terapêuticos e quando os grupos de encontros de Carl Rogers representaram uma proposta significativa para os trabalhos da psicologia clínica.

Pode-se considerar que o contexto vivido de repressão social e moral, dos movimentos de educação popular, da música popular brasileira, dos hippies, dos trabalhadores e outros mobilizava as pessoas para uma busca de transformação social, uma sede de crítica e uma esperança de que os movimentos dos grupos que emergiam, poderiam ser uma saída para a desordem social e de relações em que se vivia. No entanto, observou-se um declínio que atravessou a década de 70, através do qual os grupos terapêuticos foram sendo criticados como uma proposta superficial que não trazia resultados eficazes, sendo vistos como práticas nas quais poucos profissionais tinham uma formação mais consistente, tanto do ponto de vista teórico como operacional e com um estigma de que grupo era um trabalho mais para os pobres que não dispunham de recursos para pagar um tratamento individual.

Fica evidente que a proposta Clínico-Comunitária descrita nasceu na práxis da Psicologia Comunitária do Ceará que se construiu dentro do processo da derrubada da Ditadura e da participação popular. Esse movimento fez avançar as discussões e práticas no meio acadêmico através de disciplinas de psicologia comunitária na Universidade Federal do Ceará, bem como projetos de extensão realizados a partir do Núcleo de Psicologia Comunitária e enraizados nos movimentos sociais urbanos e rurais. Os marcos teóricos que fudamentaram a Psicologia Comunitária no Ceará foram a psicologia histórico-cultural de Vygotsky, Leontiev e Luria, a educação libertadora de Paulo Freire, a psicologia da libertação de Martin Baró, a biodança de Rolando Toro e a abordagem humanista de Carl Rogers.

Todo esse movimento provocou, na psicologia, como também na educação, uma reflexão sobre novas possibilidades para a ciência e para a clínica, de pensar a relação entre sujeito, grupo e sociedade. Essa discussão é renovada com a leitura desta obra, sem criar dicotomias entre o individual e o grupal, anunciando um alargamento conceitual que, juntamente com propostas metodológicas, produz um pensar epistemológico na direção de um caminho que integra singularidade, grupos e comunidade. E provoca uma discussão para e com a psicologia, sobre a concepção de uma clínica enraizada no movimento, dialógica no sentido freireano, problematizando de forma positiva as noções de participação, consciência e mudança.

É uma abordagem que relaciona diretamente a identidade à comunidade, ou seja, a compreensão de que, ao fortalecer as condições de existência comum, as identidades emergem mais inteiras, mais saudáveis. Nessa perspectiva, mudam os direcionamentos de energias e de olhares sobre a doença, mudam-se as escutas e, necessariamente, os espaços por onde se movimentam as práticas clínicas, a percepção de quem são os atores e, por consequência, onde e com quem devemos trabalhar nossa formação.

Cezar Góis consegue fazer uma recriação, juntamente com Carl Rogers, Paulo Freire, Rolando Toro e outros, sobre a importância dos grupos e da comunidade, refletindo uma psicologia clínica a partir de categorias teóricas consistentes como: identidade, vivência biocêntrica, corporeidade vivida e arte-identidade. O autor sintetiza, com ousadia e comprometimento, um percurso, um modo de atuar de forma clínica e comunitária na atenção primária e na rede social básica, numa visão integrada às políticas públicas, ao terceiro setor e às atividades comunitárias.

Esta obra apresenta uma proposta metodológica que, entranhada com o modo de vida do ser pobre, nos ensina a viver com esta cultura, a partir de um conviver biocêntrico, psicológico e comunitário, tornando-nos mais capazes para lidar existencial e metodologicamente com o sofrimento e com a potência vital. As teorizações e metodologias propostas são fruto de perguntas que nunca calaram na vida do autor: como diminuir o sofrimento e aumentar a potência do povo empobrecido? Onde nos inspiramos? Quem procuramos para pensar juntos? A quem devemos escutar? Com quem necessitamos compartilhar um mundo novo?

A visão biocêntrica, na qual a vida é percebida como o centro do universo, permeia essa publicação que, reconhecendo o poder pessoal, propõe também a transcendência do humano. A visão da saúde, a noção de participação e de mobilização desenvolvidas evocam a identificação com uma cosmovisão que pensa a relação com a natureza como uma condição de saúde.

Ao longo dos capítulos, fica claro que a percepção de Clínico-Comunitária desenvolvida no livro implica uma noção complexa, viva, não linear e construída socialmente, que necessita ser ressignificada na história vivida do encontro com o ser saudável. Nesse enfoque, a saúde é considerada possível quando o ser humano reconhece a existência de outros seres vivos e a relevância de perceber-se como um ser que vive em comunidade, na relação consigo e com a natureza, com toda a diversidade que representa a vida.

 

Referências

Góis, C. W. de L. (2012). Psicologia Clínico-Comunitária. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil.         [ Links ]

 

 

Endereço para contato
E-mail: luisa@unisc.br

Recebido em julho de 2012
Aceito em agosto de 2012

 

 

Ana Luisa Teixeira de Menezes – Psicóloga (UFC). Mestre em Psicologia (PUCRS). Doutora em Educação (UFRGS). Pró-reitora de extensão e relações comunitárias da Universidade de Santa Cruz do Sul e professora do departamento de Psicologia e do Mestrado em Educação da UNISC.