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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.38-39 Canoas dez. 2012

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Prevalência e fatores associados à dificuldade no cuidado do bebê em mães adolescentes de 14 a 16 anos de Porto Alegre/RS

 

Prevalence and associated factors to baby care difficulty in adolescent mothers between 14 to 16 years old in Porto Alegre/RS

 

 

Sheila Caroline Hnediuk de Melo; Lígia Braun SchermannI

I Universidade Luterana do Brasil (ULBRA)

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RESUMO

Estudo analítico transversal com objetivo de verificar a prevalência e os fatores associados à dificuldade no cuidado do bebê em mães adolescentes de 14 a 16 anos cujos bebês menores de dez meses nasceram em Porto Alegre/RS, no ano de 2009. Foram entrevistadas 430 mães adolescentes em seus domicílios. Os dados foram analisados no pacote estatístico SPSS 18 for Windows através de estatística descritiva e analítica. A prevalência de dificuldade no cuidado do bebê foi de 43,7%. Bebês do sexo masculino, com idade mais avançada, que apresentavam mais choro e cólica e mais dificuldade para se alimentar e para dormir foram percebidos por suas mães como mais difíceis de serem cuidados. A identificação precoce, pelos profissionais da saúde, de fatores de risco no cuidado de mães adolescentes com seus bebês pode contribuir para a prevenção de dificuldades interacionais mãe-bebê e do desenvolvimento da criança.

Palavras-chave: Gravidez na adolescência, Cuidado do lactente, Cuidado da criança.


ABSTRACT

Cross sectional analytical study to verify the prevalence and associated factors to baby care difficulty in adolescent mothers between 14 to 16 years old with babies less than 10 months Born in Porto Alegre/RS in 2009. Interviews were carried out for 430 adolescent mothers in their homes. Data were analyzed by the statistical package SPSS 18 for Windows through descriptive and analytical statistics. The prevalence of baby care difficulty was 43,7%. Male babies, in older ages, who show more cry and colic and presented more difficulties to feed and sleep were perceived by their mothers as more difficult to care. The early identification by health professionals of risk factors in the care of adolescent mothers to their babies can contribute to prevent difficulties in mother-infant interaction process and in child development.

Keywords: Adolescent pregnancy, Baby care, Child care.


 

 

Introdução

A adolescência, que compreende o período entre os 10 e 19 anos de idade, corresponde a uma fase de transição entre a infância e a idade adulta, marcada por intensas mudanças no âmbito físico, com transformações corporais, no âmbito psicológico, com a estruturação da personalidade e no âmbito comportamental caracterizado pelas relações pessoais (Bee, 2011; Carlos, Pires, Cabrita, Alves, Araújo & Bentes, 2007; Diógenes, 2006).

De acordo com a World Health Organization (WHO), 29% da população mundial é representada por adolescentes e jovens entre 10 e 24 anos. A cada ano cerca de 16 milhões de adolescentes de 15 a 19 anos engravidam, representando 11% dos nascimentos em todo o mundo, sendo que a maior concentração de mães adolescentes (95%) encontra-se nos países de baixa e media renda (WHO, 2011).

Conforme o Ministério da Saúde (2011), a prevalência de gravidez na adolescência no Brasil diminuiu significativamente nas últimas duas décadas. A redução de partos em adolescentes no período entre os anos 2000 e 2005 foi de 15,6% e entre os anos 2005 a 2009, de 22%. Mesmo com esta redução nos índices, a gravidez na adolescência tem sido tratada como um problema de saúde pública, visto que os números ainda constituem motivo de preocupação, pois a população adolescente foi responsável por 444.056 partos em todo o país, somente no ano de 2009.

Meninas desta faixa etária se veem expostas a riscos como hipertensão, complicações no parto, prematuridade e bebês com baixo peso no nascimento (Dias & Teixeira, 2010; Gontijo & Medeiros, 2004; Silva, Nakano, Gomes & Stefanello, 2009). Segundo The World Bank (2011), na América Latina o risco de morte materna é quatro vezes maior entre adolescentes menores de 16 anos do que entre mulheres na faixa dos vinte anos. No Brasil as adolescentes são mais afetadas por complicações na gravidez do que as mulheres mais velhas.

Segundo uma revisão de estudos sobre gravidez e maternidade adolescente realizada por Levandowski, Piccinini e Lopes (2008), foram identificados como fatores sociodemográficos envolvidos com a gravidez e a maternidade na adolescência, o baixo nível socioeconômico, o uso de álcool e outras drogas, o não uso ou uso inadequado de métodos contraceptivos e o início precoce das relações sexuais e da menarca. Experiências prematuras de perdas, relação emocionalmente distante com o pai ou privação emocional, abuso sexual, alcoolismo paterno, família monoparental, baixa autoestima, expectativas educacionais modestas, atitudes tradicionais em relação ao papel da mulher na família, gravidez da própria mãe na adolescência e presença de irmã sexualmente ativa ou já mãe, foram os apontados como fatores socioemocionais envolvidos no quadro.

A gravidez provoca desordem na vida da adolescente, alterando sua autopercepção, tendo ela que superar dificuldades financeiras, de relacionamento familiar, sociais e com seu próprio parceiro (Motta, Ribeiro, Pedro & Coelho, 2004). Esta circunstância gera uma mudança de identidade com redefinição de papéis simultânea às modificações físicas e psíquicas que ocorrem neste período (Folle & Geib, 2004; Hoga, Borges & Reberte, 2010; Rocha, Bezerra & Campos, 2005). A maternidade por vezes facilita a passagem do status de menina para mãe/mulher, evidenciando sua maturidade nos ambientes onde há pouca possibilidade de atingir este reconhecimento, o que demanda à maternidade como única perspectiva de vida para algumas adolescentes (Durhand, 2004; Levandowski, Piccinini & Lopes, 2008).

Conforme estudo realizado a partir da analise das representações sociais de oito adolescentes primíparas sobre o cuidado materno ao recém-nascido no âmbito domiciliar, foi evidenciando que o cuidado materno é um exercício conflitivo, ora representando o status de ser adulta e responsável, ora denotando a insegurança, o despreparo e a infantilidade, que afetam o atendimento ao recém-nascido (Folle & Geib, 2004).

As adolescentes grávidas precisam ampliar suas habilidades biopsicossociais para que sejam capazes de auxiliar de forma adequada no processo de desenvolvimento de seu bebê. Além de sentir-se cercada de carinho, a criança necessita de um potencial de cuidados a serem tomados, tais como: um sono tranquilo, alimentação adequada, cuidados de higiene entre outros (Motta, Ribeiro, Pedro & Coelho, 2004).

É imprescindível para saúde e o bem-estar do recém-nascido que a mãe seja sensitiva, reconhecendo e interpretando os sinais que ele emite e respondendo a eles pronta e apropriadamente. Esta sensibilidade influencia na qualidade da interação mãe-bebê (Brum & Schermann, 2004, 2007; Folle & Geib, 2004). A ausência desta habilidade, devido à inexperiência e imaturidade, gera insegurança no cuidado com o bebê e compromete o desenvolvimento da criança (Bergamaschi & Praça, 2008; Brigas & Paquette, 2007; Rocha et al., 2005). O cuidado com o bebê é uma tarefa que representa o alcance da maturidade, a apropriação do filho e intimidade com a família. Entretanto, também se mostra como um tempo difícil e conflitivo de perda do sono, insegurança, despreparo, infantilidade, dependência e conflito de identidade, fazendo com que a mãe não se sinta capaz de cuidar de seu bebê. Frustrações e irritabilidade surgem em função dos novos compromissos por gerarem o afastamento das atividades anteriores e dos amigos (Tomeleri & Marcon, 2009). O conflito entre o ser mãe e ser adolescente muitas vezes impede a adaptação às necessidades da criança, pois se trata de uma fase onde as adolescentes se encontram centradas em si mesmas, sendo conturbada a construção e consolidação do vínculo entre elas e o bebê (Levandowski, Piccinini & Lopes, 2008).

O grande desafio dessas mães é perceber que o bebê possui seus próprios comportamentos e necessidades. A ausência desta percepção acarreta no estabelecimento de uma relação pobre em estímulos e comunicação, instaurando um estado de indiferença quanto às demandas do recém-nascido (Carlos et al., 2007; Folle & Geib, 2004; Santos, Paludo, Koller & Schirò, 2010; Schermann, 2001). O choro, o sorriso e a vocalização da criança são condutas que trazem como consequências previsíveis a interação com a mãe (Frota, Bezerra, Férrer, Martins, & Silveira, 2011). Quando a criança se apresenta disposta e sorridente espera-se a aproximação da mãe e a troca de estímulos. A criança recém-nascida é igualmente responsiva a estimulação do ambiente, reagindo com um tempo curto de latência e comportamentos apropriados. Esta interação segue um modelo recíproco (diádico) onde os comportamentos, tanto da mãe quanto da criança, são modulados proporcionalmente à afinidade desenvolvida entre a díade (Schermann, 2001).

Em estudo realizado por Andrade, Ribeiro e Silva (2006) com mães adolescentes entre 15 e 19 anos de idade, de São Paulo, revelou-se que para a mãe adolescente a experiência de cuidados do filho é impulsionada pela vivência de sentimentos que fazem com que ela desenvolva estratégias de ação e interação, buscando recursos para cuidar de seu filho da melhor maneira possível.

As dificuldades no cuidado do bebê se relacionam com a falta de experiência das mães-adolescentes. Torna-se importante que estas recebam informações a respeito de como cuidar de seu bebê, como segurá-lo, técnicas de amamentação, o significado do choro que expressa fome, sede, dor, frio, calor, fraldas molhadas e outros (Carlos et al., 2007).

Os resultados apontados em um estudo realizado em Porto Alegre, com o objetivo de averiguar a percepção do apoio social recebido por 13 mães adolescentes e 13 adultas, da gestação ao terceiro mês de vida do bebê, voltaram-se para uma percepção positiva da existência de uma rede de apoio afetiva, tanto nas mães adultas como nas adolescentes, sendo que as mães adolescentes solicitavam mais a ajuda da família, pois sentiam maior necessidade de receber apoio principalmente de suas próprias mães do que as mães adultas (Piccinini, Rapoport, Levandowski & Voigt, 2002).

As mães destas adolescentes podem, em um primeiro momento, desenvolver os cuidados e introduzirem as filhas gradualmente às práticas maternas. A família pode auxiliar tirando algumas dúvidas, apoiando, ensinando, incentivando e supervisionando os cuidados da mãe com o seu bebê. Este suporte familiar pode ser demonstrado pelo fato de ter algum familiar presente, transmitindo tranquilidade e segurança, fazendo com que a mãe adolescente sinta-se mais calma durante a realização dos cuidados (Andrade, Ribeiro & Silva, 2006; Tomeleri & Marcon, 2009).

O apoio social influencia positivamente na forma como as mães vivenciam a maternidade, desenvolvendo estratégias maternais mais adequadas, como a preservação, estimulação, apego e o amor pela criança. Estas mães tornam-se mais seguras, felizes, disponíveis para o brincar, e mais sensíveis a criança, conseguindo identificar gradativamente as necessidades do seu bebê e fortalecendo seu vínculo com ele (Bergamaschi & Praça, 2008; Tomeleri & Marcon, 2009).

O presente estudo pretende verificar a prevalência e os fatores associados à dificuldade no cuidado do bebê de zero a dez meses de mães adolescentes de 14 a 16 anos, que tiveram filhos no ano de 2009 em Porto Alegre. Este projeto constitui-se em um projeto satélite da pesquisa "Fatores associados à gestação na adolescência: um estudo de casos e controles com jovens de 14 a 16 anos em Porto Alegre/RS",desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da ULBRA e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (processo nº 551272/2007- 4).

 

Método

Para composição da amostra, tomou-se como base dados do Sistema Nacional de Nascidos Vivos (SINASC) da cidade de Porto Alegre, referentes ao número de bebês nascidos vivos no ano de 2008, de mães adolescentes de 14 a 16 anos (850), estimando-se esse mesmo número de partos entre adolescentes com essas idades para o ano de 2009. Embora tenha sido planejado escolher aleatoriamente 50% das adolescentes que tiveram filho em 2009, a estratégia foi impossível porque muitos endereços não foram encontrados. Todas as elegíveis foram procuradas até três vezes. Quando não encontradas, foram substituídas por outra adolescente do SINASC Porto Alegre até completar a amostra. Segundo esta metodologia, foram entrevistadas 430 adolescentes.

Os dados foram coletados nas residências das adolescentes, mediante entrevista para preenchimento de um questionário estruturado, construído especialmente para este fim, bem como informações contidas na Declaração de Nascidos Vivos (DN). A coleta foi realizada por onze duplas de estudantes da área da saúde da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA Canoas) previamente treinados e sobre supervisão. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) era assinado pelo (a) responsável da adolescente antes da realização da entrevista. Em caso de emancipação da adolescente, ela mesma assinava o TCLE. O controle de qualidade das entrevistas se deu através de contatos telefônicos aleatórios em que algumas questões do questionário eram perguntadas novamente e checada a veracidade das respostas.

Para este estudo utilizou-se perguntas relativas aos fatores sociodemográficos maternos (classe social, idade da adolescente, escolaridade da adolescente), apoio social (quem cuidou da adolescente, reação da família frente à gestação, atitude do parceiro frente à gestação, mora junto com o marido/companheiro, experiência no cuidado de outras crianças), características do bebê (sexo, idade no momento da entrevista) e reações fisiológicas do bebê (quantidade de choro apresentada pelo bebê, quantidade de cólica apresentada pelo bebê, dificuldade do bebê se alimentar, dificuldade do bebê para dormir).

A mensuração da dificuldade no cuidado do bebê foi pontuada conforme uma escala Likert de 5 pontos: muito fácil (1), fácil (2), mais ou menos (3), difícil (4), muito difícil (5), sendo considerada sem dificuldade as pontuações 1 e 2 e com dificuldade as pontuações 3, 4 e 5.

O banco de dados foi construído pelo programa Teleform que consiste no escaneamento dos questionários. Posteriormente, os dados foram migrados para o pacote estatístico SPSS 18 for Windows para fins de análise.

Foram utilizados num primeiro momento, elementos de estatística descritiva. Após foi utilizada a análise bivariada com o objetivo de verificar se as variáveis independentes (fatores sociodemograficos, apoio social, características do bebê ereações fisiológicas do bebê) estavam associadas ao desfecho (dificuldade no cuidado do bebê). Para tanto, foram utilizados o teste do qui-quadrado para as variáveis qualitativas e o teste t de Student para as variáveis quantitativas, sendo o nível de significância menor do que 5%.

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da ULBRA (parecer nº 2008-095H) e pela Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (parecer nº 001.017587.09.3).

 

Resultados

Foram entrevistadas 430 mães adolescentes de 14 a 16 anos cujos bebês nasceram em Porto Alegre/RS no ano de 2009. Excluiu-se três por não cuidarem dos seus bebês, uma por falecimento de seu filho, outra por ter tido gravidez dupla e treze delas por possuírem bebês com idade maior que 10 meses. A amostra deste estudo foi constituída pelas 412 mães restantes com bebês de idade menor ou igual a dez meses.

A Tabela 1 indica que 58% das adolescentes tinham 16 anos no período do parto, 62,6% estavam no ensino fundamental e 53,4% eram da classe social C. A maioria das adolescentes (52,4%) foi cuidada, a maior parte de sua vida, por sua própria mãe. O apoio familiar foi registrado por 85,9% das adolescentes, 78,6% das mães alegaram que seus parceiros terem reagido de forma positiva a noticia da gravidez sendo que 60,4% moravam junto com eles e 33,7% afirmaram não ter experiência no cuidado com outras crianças.

 

 

O sexo masculino abrangeu 53,9% dos bebês e a idade média de todas as crianças da amostra foi de 4,1 meses (DP=2,23). Um pouco mais da metade (50,7%) das mães adolescentes manifestaram que seus bebês choravam muito, 24,8% que apresentavam muita cólica, 6,3% manifestaram dificuldade para alimentar os bebês e 19,4% alegaram problemas em fazê-lo dormir (Tabela 2).

 

 

A prevalência de dificuldade de cuidado com o bebê foi de 43,7% na amostra estudada. Os fatores associados à dificuldade de cuidado foram sexo do bebê, idade do bebê, quantidade de choro e cólica apresentada pelo bebê, bem como grau de dificuldade do bebê se alimentar e dormir (Tabela 2). Bebês do sexo masculino, com idade mais avançada, que apresentavam mais choro e cólica e mais dificuldade para se alimentar e para dormir foram percebidos por suas mães como mais difíceis de serem cuidados.

 

Discussão

A dificuldade no cuidado do bebê tem estreita relação com as demandas que a maternidade na adolescência acarreta (Silva et al., 2009). No presente estudo, 43,7% das mães alegaram ter dificuldade no cuidado de seus filhos. Estudos mostram que parece haver maior dificuldade das adolescentes em comparação com as mães adultas na maternagem de seus bebês (Bergamaschi & Praça, 2008; Folle & Geib, 2004; Rodrigues, Rodrigues, Silva, Jorge & Vasconcelos, 2009; Suzuki, Ceccon, Falcão & Vaz, 2007; Viçosa, 1997), o que confirma o alto percentual encontrado no presente estudo.

A adolescente muitas vezes não esta preparada física, social e psicologicamente para assumir o papel de mãe, que envolve o cuidado de um recém-nascido, devido à justaposição de dois eventos desenvolvimentais importantes: o adolescer e a maternidade (Silva, Nakano, Gomes & Stefanello, 2009; Viçosa, 1997). Em estudo realizado por Correia, Santos, Calheiros & Vieira, (2011), com 140 adolescentes grávidas sobre a presença de estresse na adolescência, identificou-se que 80,7% delas apresentavam algum grau de estresse devido a esta fase de transições de papeis e busca de uma nova identidade que exige da adolescente, competências psicoemocionais de difícil enfrentamento.

A transmissão de tranquilidade e segurança através da presença de um familiar é fundamental. Este suporte faz com que a mãe adolescente sinta-se mais calma durante a realização dos cuidados. Muitas vezes é a avó materna quem inicialmente assume o bebê, pelo fato de a adolescente não sentir-se preparada para o papel de ser mãe. A avó passa a apoiar, ensinar, orientar, introduzindo a filha gradualmente às praticas maternas. Quanto mais cedo à mãe adolescente for motivada a desenvolver uma disponibilidade afetiva para com o bebê, melhor será a interação entre eles. (Andrade, Ribeiro & Silva, 2006; Tomeleri & Marcon, 2009; Viçosa, 1997).

Os principais fatores associados com a dificuldade de cuidados percebidos pelas mães adolescentes foram sexo e idade do bebê, a quantidade de choro e a cólica, e o grau de dificuldade do bebê se alimentar e dormir.

As mães dos bebês meninos manifestaram mais dificuldade de cuidado do que as mães de bebês meninas. Brigas e Paquette (2007), em estudo sobre a qualidade das interações entre a mãe adolescente e seu bebê, afirmam que crianças do sexo masculino são menos responsivas na interação com as mães do que as do sexo feminino.

Igualmente, bebês meninos são descritos como mais irritáveis, contemplam objetos por períodos mais curtos e são mais ativos. Estas diferenças podem estar ligadas a uma maior incidência de complicações pré-natais e neonatais. (Brazelton & Cramer, 1992; Campbell & Eaton, 1999). A atividade motora dos meninos parece ser mais vigorosa, porém apresentam menos comportamento oral quando comparados às meninas. Tais diferenças podem influenciar as primeiras interações mãe-bebe, gerando a percepção de dificuldade no cuidado dos meninos. Além disso, pelo processo de identificação, as mães tendem perceber as filhas meninas com mais facilidade, o que não ocorre com os filhos meninos (Brazelton & Cramer, 1992).

A interação da mãe com seu bebê segue um modelo recíproco (diádico) onde os comportamentos, tanto da mãe quanto da criança, são modulados proporcionalmente à afinidade desenvolvida entre a díade. Sendo assim torna-se importante para os pais conhecer os aspectos ligados às mudanças físicas, cognitivas e emocionais, para entender e lidar melhor com os diferentes comportamentos de seus filhos ao longo de seu crescimento (Brazelton, 2002; Schermann, 2001).

No presente estudo, mães de bebês mais velhos apresentaram maior dificuldade para o cuidado do que as mães de bebês mais jovens. No primeiro ano de vida, a criança apresenta mudanças expressivas que abrangem o crescimento físico, cognitivo e emocional (Papalia, Olds & Feldman, 2008), motivando uma independência para a criança que começa a exigir diferentes formas de cuidados, ao ficar na posição sentada e brincar, alcançar e segurar objetos, engatinhar e por fim caminhar. Este conjunto de novas capacidades estimula o bebê a um nível de ajustamento inteiramente novo, mas também dependente do apoio dos pais. A mãe se torna mais necessária para proporcionar ao bebê a confirmação de sua competência, reforçando-a por meio do reconhecimento e do prazer (Brazelton& Cramer, 1992).

Tendo sido o choro também apontado como um fator associado à dificuldade percebida pela mãe para cuidar de seu bebê, deve-se considerar que, por serem quase completamente dependentes de terceiros para suprir suas necessidades durante os primeiros meses de vida, é através do choro que as crianças pequenas se comunicam. (Zeifman, 2011). O choro do bebê geralmente está associado a algum desconforto seja por fome, cólica, ou por falta de responsividade dos pais, sendo assim as interações se tornam de menor qualidade com suas mães resultando em choro intenso e maior ansiedade, principalmente se o comportamento da mãe é insensível, não proporcionando um ambiente que dê suporte e contenção necessária à criança. (Stifter, 2011; Oberlander, 2011). A sensibilidade materna oportuna e apropriada ao comportamento do bebê é um componente central dos relacionamentos mãe-bebê e do desenvolvimento social e emocional saudável da criança.

A quantidade de cólica apresentada pelo bebê foi registrada como dificuldade de cuidado pelas mães deste estudo. Segundo estudo a respeito do choro e seu impacto no desenvolvimento psicossocial da criança, realizado por Zeifman (2011), o choro persistente e excessivo, dentro do período que abrange os três primeiros meses de vida da criança é justificado por episódios de cólicas, muito comuns nesta fase e de pouca ou nenhuma consequência em longo prazo. As reações parentais negativas ao choro excessivo por cólica do bebê podem acarretar tensão nas interações mãe/filho. Observa-se a cólica do bebê usualmente associada ao choro.

Outro fator associado à dificuldade percebida pela mãe para cuidar de seu bebê identificado neste estudo foi quanto à alimentação. A alimentação constitui um dos elementos mais importante para o desenvolvimento físico e psíquico da criança. Ao longo do primeiro ano de vida, o bebê é preparado para a alimentação sólida. A alimentação inicia-se com o leite materno, o alimento que mais se adequa à insuficiência digestiva e à imaturidade dos primeiros meses de vida. A partir do sexto mês , o leite materno exclusivo já não será suficiente para suprir todas os nutrientes necessários para o crescimento do bebê, deve-se iniciar a alimentação complementar, introduzindo à dieta, papinhas, sopas de legumes, frutas, entre outros. Esta fase poderá ser de difícil adaptação devido a mudança do alimento líquido de fácil deglutição, para alimentos progressivamente mais complexos, sólidos, que irão exigir mais do organismo da criança. (Levy & Bértolo, 2007; Silva & Aguiar, 2011; Gusmão, Béria, Gigante, Leal & Schermann, 2011).

O grau de dificuldade do bebê para dormir também foi associada à dificuldade de cuidado. Os períodos noturnos em que o bebê permanece acordado impedem as mães de dormirem, forçando-as a superarem o sono e o cansaço físico e emocional (Bergamaschi & Praça, 2008). Sampaio (2007) observa em sua atualização sobre as práticas educativas, gênero e ordem de nascimento dos filhos, uma maior tendência por parte dos meninos a permanecerem acordados por mais tempo. As meninas podem apresentar-se menos agitadas, com maiores níveis de inibição/retraimento. É sob o efeito destas peculiaridades que muitas mães acabam por sentirem-se menos eficientes.

A associação da dificuldade do cuidado com a quantidade de choro e cólica e com a dificuldade do bebê se alimentar e dormir já era esperada, pois estes são aspectos intrínsecos que geram dificuldade de cuidado (Formiga, 2009). Estes mesmos aspectos também são identificados em crianças com temperamento difícil (agitação frequente e dificuldade de apaziguamento) quando perduram por um período maior que os quatro primeiros meses de vida (Zeifman, 2011).

É interessante perceber que no presente estudo não foi observada associação da classe social e do apoio familiar com a dificuldade no cuidado do bebê. De acordo com Andrade, Ribeiro e Silva (2006), em estudo realizado com mães adolescentes de condição econômica pouco favorável, na cidade de São Paulo, a maior dificuldade encontrada no cuidado com o bebê demonstrava ser de ordem financeira. Tomeleri e Marcon (2009), afirmam que a experiência de cuidar do filho, para a mãe adolescente, também é repleta de significados positivos e ela apresenta competência para tal, desde que possa contar com uma rede de apoio que ofereça suporte financeiro e emocional.

A superação de toda dificuldade fortalece a expansão do conceito de cuidado. O apego, a preservação e o estimulo exercem papel fundamental na interação mãe-bebê e a percepção das responsabilidades e dos cuidados imprimem o amadurecimento necessário a adolescente, transformando esta em uma mãe adulta.

Atenção especial deve ser dada à mãe adolescente com bebê do sexo masculino e com idade mais avançada. O profissional da saúde vem a somar em todo este processo como uma importante fonte de conhecimento e informação, que auxilia a mãe em sua jornada, aconselhando-a desde o pré-natal, desfazendo mitos, prevenindo e tratando possíveis complicações. Todo este apoio culmina na segurança necessária para mãe prestar cuidados ao seu filho, fortalecendo o processo interativo mãe-bebê.

Por fim, é importante ressaltar algumas limitações dessa pesquisa. Por se tratar de um estudo transversal, ele não pode ser utilizado para estabelecer relações causais definitivas. Além disso, algumas variáveis, por sua estratificação e baixa prevalência, podem ter resultado em baixo poder estatístico, devendo os resultados serem interpretados com cautela.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: sheilahnediuk@gmail.com

Recebido em dezembro de 2012
Aceito em janeiro de 2013

 

 

Sheila Caroline Hnediuk de Melo: Psicóloga – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
Lígia Braun Schermann: Orientadora, Professora Adjunta do Curso de Psicologia e do Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva – Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).