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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.38-39 Canoas dic. 2012

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Guarda judicial de netos: tempo e dinheiro nas interações familiares1

 

Judicial guard of grandchildren: time and money in the familiar interactions

 

 

Vanessa Silva CardosoI; Liana Fortunato CostaII

I Faculdade Avantis-Balneário Camburiu/SC
II Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura PCL/IP/Universidade de Brasília

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RESUMO

O presente estudo trata-se de uma pesquisa qualitativa com objetivo de analisar as mudanças nas relações familiares provenientes da guarda judicial dos netos, em disputa com seus filhos. Nesse texto, enfatizam-se as questões sobre tempo e dinheiro e suas influências sobre essas relações. Para a construção dos dados, foram utilizadas entrevistas semiestruturadas e visita domiciliar. Seis famílias participaram da pesquisa, em um contexto de avaliação psicossocial em uma Vara de Família de uma grande capital. Os resultados apontam que os processos que envolvem avós como requerentes da guarda de um neto, mantêm de forma velada conflitos familiares e a sentença judicial não necessariamente trará resolução. Compreende-se que a guarda judicial de netos envolve muitos paradoxos com relação ao tempo e ao dinheiro. A guarda de netos pode ainda se constituir em um desafio de adaptação para o idoso em função de seu momento no ciclo de vida.

Palavras-chave: Idoso, Família, Guarda judicial.


ABSTRACT

The text is about a qualitative research aiming at analyzing the changes in the familiar relations arising from the judicial guard of grandchildren, in dispute with their sons. In the text emphasis is placed in the section that points out the matters about time and money and their influences on these relations. For the elaboration of the data semi structured interviews and home visit were utilized. Six families participated in the research, in a context of psychosocial evaluation of a great capital Family Court. The results indicate that the processes involving great parents as applicants of the guard of a grandson maintain, in a veiled way, familiar conflicts and the judicial decision will not necessarily bring a resolution. It is understood that the judicial guard of grandchildren involve many paradoxes in relation to time and money. The guard of grandchildren may still represent a challenge of adaptation for the elder as a consequence of his moment in the life cycle.

Keywords: Aged, Family, Judicial guard.


 

 

Introdução

O tema da disputa de guarda de netos por avós é um assunto recente na literatura, sobretudo, em estudos realizados no contexto judicial, como é o caso desse texto. As questões que envolvem dinheiro e tempo assumem uma dimensão de importância em função de termos uma realidade de país pobre e de uma grande parte de famílias sobrevivendo com até três salários mínimos. Estamos somente iniciando conhecimento sobre esse tema nesse contexto, desse modo nos deparamos com limites em relação à busca por uma literatura que enfoque estudos dessa natureza.

As publicações têm lugar a partir do final da década de 1900. As citações são feitas apenas com o intuito de apresentar exemplos. Teses e dissertações: Antonio, 2006; Cardoso, 2010. Artigos: Araújo e Dias, 2010; Dias, Hora e Aguiar, 2010; Kipper e Lopes, 2006; Santos e Dias, 2008. E, finalmente, textos estão sendo apresentados em coletâneas: Dias, Aguiar e Hora, 2009; Dias, Ataíde, Magalhães e Albuquerque, 2011; Fontes, 2008; Vitale, 2007. No entanto, sobre essa temática, considerando o contexto judicial como acesso a esses sujeitos, não se encontrou estudos nas bases de dados pesquisadas (Scielo e BVS-Psicologia ULAPSI Brasil no período de 2005 a 2012).

O referencial teórico adotado baseia-se na perspectiva da Teoria Familiar Sistêmica, pois esta compreende a família como um sistema e, como qualquer sistema, é um todo organizado, no qual os seus elementos são necessariamente interdependentes. (Esteves de Vasconcellos, 2002). Assim, compreende-se a família como um todo e não como duas partes litigantes, uma vez que todos são coparticipantes do problema, diferenciando-se da noção em que há culpados e inocentes (Cardoso, 2010; Santos & Costa, 2007).

Em tempos em que a longevidade cresce progressivamente, o convívio dos mais jovens com os idosos de hoje, pode torná-los cientes de todos os processos e mudanças que acompanham o desenvolvimento humano, podendo, assim, transformar seu cotidiano diante do preconceito e quiçá prepará-los para a velhice. A importância das relações intergeracionais diante do envelhecimento se dá devido ao seu inegável papel social nas relações sociais, que conta com um número cada vez maior de idosos no mundo atual. A análise intergeracional da família é pertinente porque traz uma análise vertical e expandida, tornando visíveis os movimentos e mudanças ao longo do tempo, além de possibilitar o acesso às interconexões entre os fatos, que trarão condições para discutir políticas públicas e sociais (Carter & McGoldrick, 1995; Vitale, 2007).

Contudo, tratando-se de uma situação permeada por conflitos envolvendo crianças e idosos cabe refletir a respeito do quão complexo e difícil é para o idoso expor algo de cunho interpessoal e familiar no âmbito da Justiça. Dessa forma, a inserção da Justiça no domínio da família é um tanto quanto paradoxal, uma vez que o idoso precisa mostrar sua casa, suas opiniões, sua família e seus sofrimentos, sentindo-se, desse modo, invadido e ao mesmo tempo aliviado. Além disso, entendemos que todo o processo de "abrir-se" para o Judiciário demanda energia por parte dos envolvidos na disputa, uma vez que é um caminho um tanto quanto moroso (Cardoso & Costa, 2011).

Assim, nossa intenção em ressaltar a questão do tempo na perspectiva das relações se faz devido à complexa rede de significados de sentidos, contradições e incongruências que são atribuídos ao processo de guarda judicial. A esse respeito, Boscolo e Bertrando (1996) afirmam que isso se deve, possivelmente, ao caráter auto reflexivo do tempo (quando falamos do tempo, estamos vivendo no tempo) ou à presença de uma pluralidade de tempos, relacionados com os diferentes níveis de realidade. Embora seja uma tarefa impossível unir os tempos subjetivos e objetivos, ou a percepção subjetiva da duração do processo, não se pode perder de vista que o tempo não é um objeto, senão uma abstração derivada da nossa experiência de sucessão e mudança, de um lado, e por outro lado, de constância dos objetos que mudam.

Salienta-se, ainda, a questão de trazer para o contexto judiciário conflitos que anteriormente eram dirimidos nos contextos familiares e/ou sociais. A chamada Judicialização da vida cotidiana é um fenômeno novo e que tem chamado à atenção de diversos juristas, psicólogos, assistentes sociais e cientistas sociais, em função da preocupação com idosos, crianças e mulheres (Rifiotis, 2003). E a decisão de solicitação de guarda de netos por parte dos avós, no âmbito da Justiça é um fenômeno que surge cada vez mais com frequência.

A partir do que foi exposto, este estudo tem como objetivo investigar as interações que são estabelecidas entre as famílias que recorrem ao judiciário para resolução de conflitos envolvendo guarda de netos. Esses conflitos referem-se, especificamente, a situação de guarda judicial de netos requerida por avós em disputa com seus filhos, e nesse artigo, vamos enfatizar o recorte da pesquisa que trata das questões que envolvem tempo e dinheiro.

 

Método

Essa pesquisa foi do tipo pesquisa-ação (Greenwood & Levin, 2006) responsável pela produção de conhecimento válido, do desenvolvimento teórico e de melhorias sociais, o que a torna uma promissora ferramenta para mudanças. O presente estudo foi realizado concomitante às atividades inerentes ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), especificamente junto ao Serviço de Atendimento a Famílias com Ação Cível (SERAF).

Esse serviço tem como objetivo principal fornecer elementos psicossociais junto ao magistrado que subsidiem sua tomada de decisão, compreender e explicitar a dinâmica relacional familiar subjacente à existência do processo judicial; potencializar a capacidade de resolução de conflitos da família de forma a estabelecer acordos que priorizem o bem-estar dos filhos. No que tange aos atendimentos, estes são realizados por meio de um contrato com a família em que serão realizados quatro atendimentos, podendo variar para mais ou para menos; acontecem com datas e horários fixos e todos são responsáveis juntamente com a Justiça para encontrar uma decisão e possuem em média 2 horas de duração por encontro. Por fim, é elaborado um parecer técnico, cujo conteúdo a família é informada de seu teor, e eventuais encaminhamentos. Na presente pesquisa não houve mudança no modo particular do SERAF acessar as famílias.

As seis famílias que colaboraram com essa pesquisa são descritas com nomes fictícios: Família Alves, Brito, Carvalho, Dias, Espíndola e Fernandes, de modo que seus nomes sejam preservados e suas identidades mantidas em sigilo. A renda familiar será considerada em salário mínimo referente ao ano de 2013.

Família Alves – Constituída pela avó, Sra. Júlia, 64 anos, aposentada, viúva, seus quatro filhos homens com 27, 21, 19 e 24 anos, sendo que este último filho é o pai de seu de seu neto de dois anos e quatro meses (Lucas). A família é evangélica e declarou renda mensal no valor aproximado de cerca de 3 salários mínimos. A mãe do neto, 18 anos, engravidou ainda adolescente e durante o quinto mês de gestação foi residir com a família da Sra. Júlia, que havia acabado de se tornar viúva. Após a criança completar três meses, a mãe saiu de casa deixando Lucas aos cuidados da avó paterna, e foi morar perto para garantir a proximidade do filho. Hoje, a mãe de Lucas esta estudando, mora com sua mãe adotiva e concorda com a Sra. Júlia sobre o fato de que, no momento, não possui condições para melhor educar e criar seu filho. No entanto, solicita que Lucas passe mais tempo com ela nos finais de semana, incluindo o pernoite, fato este que não é admitido pela Sra. Júlia. Com relação ao pai de Lucas, está pouco envolvido com as rotinas e cuidados do filho.

Família Brito – Núcleo familiar formado por Sra. Beatriz, 61 anos, do lar, analfabeta, seu esposo Ronaldo, 59 anos, pedreiro, juntamente seus dois netos gêmeos bivitelinos de 6 anos (Lívia e Henrique). A mãe das crianças faleceu de câncer de mama, aos 35 anos, quando as crianças ainda não tinham completado um ano de idade, e o pai, portador do vírus HIV, tem destino incerto, sabendo-se apenas que mora em outro estado. As crianças residem com os avós maternos desde os seis meses de idade, quando o estado de saúde da mãe estava grave. Os avós são assessorados por uma filha do casal, que auxilia as crianças com as questões escolares e mostram-se preocupados em relação à pensão que as crianças recebem da mãe (um salário mínimo).

Família Carvalho – Composta por Sra. Bárbara, 62 anos, avó materna da criança em questão (Fernanda, 6 anos), divorciada, auxiliar de educação no período vespertino em um centro educacional. Fernanda foi fruto de um relacionamento temporário e permeado por violência, de Jaqueline, 24 anos, filha da Sra. Bárbara. Esta declarou renda mensal no valor aproximado de cerca de dois salários mínimos e meio. A família reside em apartamento próprio, Jaqueline, Sra. Bárbara e Fernanda. A Sra. Bárbara vive em constante conflito com esta filha que é usuária de drogas. Jaqueline, apesar de ter residência fixa com a Sra. Bárbara, ausenta-se de casa e dorme com frequência na casa de amigos, sem que a mãe saiba seu paradeiro. Dentre as queixas apresentadas pela Sra. Bárbara, destaca-se o fato de sua filha já ter utilizado maconha na frente da neta, além de já ter levado pessoas estranhas com a intenção de pernoitar na casa. A principal preocupação da avó materna consiste no fato de que Jaqueline saia com sua neta sem dizer aonde vai e quando tempo vai ficar fora de casa. Visando a proteção da neta dos comportamentos impulsivos de Jaqueline, a Sra. Bárbara ajuizou a Ação de Guarda e Responsabilidade de sua neta. O pai da criança é falecido. O filho mais velho da Sra. Bárbara encontra-se preso por envolvimento com drogas, e o filho do meio foi assassinado. A Sra. Bárbara tem ainda dois outros netos, que residem com suas respectivas mães, mas que foram criados por ela.

Família Dias – A família é formada pelo Sr. Marcelo, 77 anos, sua esposa, D. Ângela, 69 anos, analfabeta, e seus três netos, Bruno, Antônio e Gregório. Apenas Gregório (13 anos) é o adolescente em questão. A mãe dos adolescentes, 41 anos, nunca chegou a viver com a família. O requerente da presente Ação de guarda e Responsabilidade é o avô paterno, aposentado por invalidez que declarou renda mensal de um salário mínimo, acrescida da pensão alimentícia referente ao neto, no valor de menos de um salário mínimo. Ademais, declarou ainda um recebimento de um quinto de um salário mínimo referente ao aluguel de um imóvel. Total da renda: dois salários mínimos e um quinto. Bruno e Antônio são gêmeos com 19 anos de idade. Todos os netos estudam. A mãe dos adolescentes vive em outro estado com um filho de 7 anos. Os avós decidiram ficar com seus netos a partir de visita que fizeram à filha, e constataram que ela viajava e os adolescentes ficavam sós em casa. Os adolescentes têm contato esporádico com a mãe biológica.

Família Espíndola – O núcleo familiar é composto pela Sra. Branca, avó paterna da criança em disputa, 57 anos, funcionária pública, com renda mensal declarada no valor de cerca de 3 salários mínimos, um filho de 26 anos (Tiago, pai de Mariana), Mariana e uma babá. A residência é própria. O requerente do processo é o Sr. Moisés, esposo da Sra. Branca, que faleceu um mês antes da realização do estudo psicossocial. Em função deste falecimento, Isabela, a mãe da criança, solteira, 25 anos, sentiu-se fortalecida para solicitar a guarda da filha. Isabela declarou receber renda mensal de um salário mínimo, e reside com sua mãe em outra cidade. Isabela engravidou de Mariana aos 17 anos de idade e teve com Tiago um relacionamento com sucessivas rupturas. Contudo, quando se separaram a criança foi deixada aos cuidados paternos, ou seja, com Tiago na casa dos pais. O pedido de Guarda e Responsabilidade da neta foi feito para poder proporcionar à criança melhor atendimento médico em função de constante necessidade de tratamento das vias respiratórias e melhor possibilidade de ensino formal.

Família Fernandes – A Sra. Naiane, 68 anos, viúva, analfabeta, avó materna do adolescente em questão (Guilherme, 13 anos, estudante) residente em casa própria, juntamente com seu neto. A Sra. Naiane é pensionista, declarou uma renda mensal de dois salários mínimos, referente à pensão alimentícia do neto. O pai do adolescente, Sr. Fabrício, 33 anos, é solteiro, desempregado, declarou não dispor de renda própria e convive maritalmente com uma mulher, 33 anos, com renda mensal de três salários mínimos e meio. A mãe do adolescente, Sra. Rosana, 28 anos, solteira, desempregada, declarou não dispor de renda própria e possuir o diagnóstico de problemas psiquiátricos. Os pais do adolescente conviveram por pouco tempo quando tinham 14 (a mãe) e 17 (o pai) anos. Com a separação de Fabrício e Rosana (Guilherme tinha 2 anos de idade), os avós maternos descobriram que o neto não estava com nenhum dos pais, e havia sido dado a uma vizinha. Na ocasião, os avós foram buscá-lo, e a partir daí, a avó materna passou a assumir os cuidados com o neto. Atualmente é o neto que eventualmente visita a mãe. Além disso, avós maternos e paternos são vizinhos, e assim facilitam o contato com o neto.

Para a construção dos dados da presente pesquisa-ação foram utilizados os mesmos instrumentos utilizados no estudo psicossocial do SERAF, a saber: entrevistas semiestruturadas com as famílias e a visita domiciliar. Para obtenção das informações específicas do objetivo da pesquisa, foram agregadas as seguintes questões: O que você acha que vai mudar na sua vida em termos de rotinas e atividades cotidianas ao obter a aguarda do seu neto? Quais são os projetos e planos para você e para seu neto? O que você acha que mudará em termos de relacionamentos familiares? Como você vê (ou via) o relacionamento do seu filho com seu neto? Você o considera apto para educar uma criança? Quais são os pontos positivos e negativos de se ter a guarda de um neto? Como é seu dia a dia com a guarda do neto? Quem faz o quê? Que atividades desempenham junto? Quem dorme com quem? Quais foram os motivos que o levaram a solicitar/aceitar a guarda de seu neto? Quem são as pessoas que o apoiaram em sua decisão? Quem o criticou?

Inicialmente, as pesquisadoras integraram a equipe técnica participando dos atendimentos que foram agendados conforme a disponibilidade do serviço. Foram realizados em torno de três atendimentos com as famílias e as partes envolvidas no processo. Esses atendimentos se constituíram nas entrevistas que foram gravadas em áudio com o consentimento da família, e aconteceram nas dependências do próprio serviço. Foi feita ainda uma visita domiciliar com cada família. Nos atendimentos eram realizadas as entrevistas semiestruturadas com o intuito de conhecer a história da família, a fim de caracterizar os motivos que levaram esse avô a requerer a guarda do neto e mapear as interações familiares. Cada atendimento e visita tiveram a duração média de uma hora. Para a construção das informações do presente texto, as entrevistas e as visitas familiares foram às principais fontes. As entrevistas foram transcritas na íntegra e utilizadas para a interpretação e análise. A coleta de dados foi realizada ao longo de sete meses (julho a dezembro de 2008).

O estudo obteve autorização do Presidente do TJDFT em 16 de maio de 2008. Além disso, este projeto foi submetido e aprovado junto ao Comitê de Ética do IH/UnB na reunião do dia 4 de julho de 2008. Os participantes foram informados acerca do sigilo dos nomes e de quaisquer dados que pudessem identificá-los.

Os dados provenientes dos atendimentos e das visitas domiciliares foram analisados a partir da proposta de Análise de Conteúdo de González Rey (2005), cuja construção-interpretação dos dados é feita por Zona de Sentido. De acordo com este autor, a zona de sentido consiste em um campo de inteligibilidade produzido ao longo do processo científico.

 

Resultados

A concessão da guarda aos avós e suas várias consequências

Implicações sobre o ciclo de vida do idoso – compreendeu-se que os estudos sobre o idoso devem situar esse sujeito em relação ao seu ciclo de vida, mormente quando se trata de concessão da guarda de crianças que ficarão sob sua responsabilidade.

Implicações sobre as relações afetivas entre as gerações – quando os idosos assumem a guarda e responsabilidade financeira sobre seus netos, essa decisão tem função paradoxal, o paradoxo contempla dimensões de ajuda necessária ao neto e de interferência na função parental de seu filho.

Implicações sobre a situação financeira da família – o aumento dos casos de pedido de guarda judicial feita por avós em relação a seus netos, coloca em pauta os direitos do avô/ó de ter os gastos, relativos a essa guarda, reconhecidos em lei, evidenciando a importância da consideração da vida financeira para a decisão judicial.

Implicações sobre a questão do tempo no momento do ciclo de vida do idoso – a questão do tempo indica outro paradoxo, na medida em que o idoso tem urgência para resolução do pedido de guarda, e os conflitos advindos desse pedido incluem, muitas vezes, necessidade da passagem do tempo.

 

Discussão

A guarda judicial de netos envolve muitos paradoxos. Quando aludimos à questão do tempo versus ciclo de vida, estamos nos referindo ao tempo que as famílias necessitam para estabelecer mudanças, ao tempo que os profissionais necessitam para as tomadas de decisões relacionadas às famílias e ao tempo que as famílias levam até recorrer à Justiça quando estão em crise. Além disso, é importante ressaltar que as famílias pesquisadas encontram-se no momento do ciclo vital em que estão em transição para o Estágio Tardio e que o estágio seguinte é a morte, exigindo serenidade para a resolução de suas questões (Carter & McGoldrick, 1995). Também nos referimos ao tempo em termos cronológicos de tramitação dos processos no contexto Judiciário. No que diz respeito ao dinheiro, estamos fazendo menção à forma em que os jogos relacionais da família se desenvolvem no que se relaciona ao uso e ao significado que é atribuído ao mesmo, já que a decisão de guarda implica em pagamento de pensão, bem como o requerente da guarda, no caso aos avós, acessarem benefícios legais (como direito a seguro saúde) aos netos, ou mesmo desconto legal no imposto de renda. Para o fim da indicação dos resultados fizemos uma organização das informações no sentido de discriminar os achados prioritários: o ciclo de vida, a afetividade, a situação financeira e o tempo de vida do idoso. No entanto, chama-se a atenção para a necessidade de se considerar esses aspectos em conexão, sendo que na vida prática, eles se encontram não dissociados. Na discussão, procurou-se seguir essa interdependência de consequências.

Implicações sobre o ciclo de vida do idoso e a situação financeira da família

Fizemos a opção em unir essas duas instâncias, pois, a nosso ver, são questões que têm uma relação estreita com o tema do envelhecimento e a dinâmica familiar, e foram dois temas recorrentes em todas as famílias pesquisadas durante as entrevistas. Com relação ao dinheiro, verificamos que o fato da geração intermediária (filho dos avós e pais das crianças em questão) ter feito a transição para a parentalidade ainda jovens, em tempos em que o trabalho formal e assalariado vem perdendo sua hegemonia, paradoxalmente, encontra na aposentadoria dos avós a suposta estabilidade financeira para o cuidado de seus netos. Por sua vez, é justamente a instabilidade socioeconômica que possibilita uma maior solidariedade entre as gerações, ainda que o núcleo familiar esteja em crise, por meio dos conflitos. É a manutenção da relação entre as gerações que permite a sobrevivência da ligação entre pais e filhos, que nestas famílias ocorreram por meio da dependência financeira (Araújo & Dias, 2010; Dias, Aguiar & Hora, 2009; Féres-Carneiro, Ponciano & Magalhães, 2007; Vitale, 2007).

A respeito do aspecto econômico e o ciclo vital do idoso, ressaltamos que algumas mudanças especificamente na vida dos avós ocorreram na esfera financeira, qual seja, a redução da renda familiar, o consequente decréscimo das finanças e o aumento do número de pessoas convivendo em sua residência. Com a redução salarial, após a aposentadoria, os idosos tiveram que se adaptar a mais uma mudança, que foi viver com uma renda inferior em relação à que tinham enquanto trabalhavam.

Avô Família Dias: A gente sempre viveu com pouco (...) mas de uns dez anos para cá, quando eu me aposentei, a renda diminuiu e a gente teve que se virar.

Optou-se por apresentar algumas falas dos sujeitos, que por questão de espaço, serão exemplos bem específicos do que queremos discutir ancorados no que até aqui foi exposto sobre a situação financeira das famílias que estão no estágio tardio do ciclo vital e o pedido de guarda de netos.

Em algumas famílias, houve alteração no padrão de vida, sobretudo com a chegada dos netos para viver na mesma casa, gerando a necessidade de reestruturação da vida como um todo, a partir de menos recurso financeiro. Entretanto, houve ainda uma avó participante que retornou ao mercado de trabalho, de modo informal, para receber um complemento, ainda que pequeno. Isto vai ao encontro do novo perfil de aposentado, apontado por Peixoto (2004), que hoje se configura de outra maneira, o retorno ao mercado de trabalho para complementar a renda curta.

Assinalamos aqui que os idosos desta pesquisa viveram ao longo da vida as crises e mudanças financeiras que acometeram o Brasil nos últimos trinta anos, diminuindo diversas vezes o poder aquisitivo da população. Esta é a razão por que adquirir a casa própria assumiu para os avós pesquisados um valor em termos de importância, constituindo numa premiação pelos anos de luta e uma bonificação por terem deixado sua terra natal na busca de melhores condições de vida em uma capital. Contudo, apesar da diminuição da renda desses avós, estes possuíam a estabilidade financeira capaz de atender às necessidades dos membros da família.

Implicações sobre a situação financeira da família e as relações afetivas da família

Observou-se que ocorre uma necessidade concreta do ponto de vista pecuniário por parte da geração intermediária (a dos pais). Muitos avós são complacentes com esta situação ao assumirem o papel de autoridade no sistema familiar, impedindo, assim, que seus filhos sejam autônomos e assumam as responsabilidades específicas em seus papeis parentais. Entretanto, existe uma relevante especificidade, as famílias de origem desses avós eram todas oriundas de outros estados brasileiros e muitos deles eram os únicos representantes de sua família nessa capital. Isso representa ausência de contato com a família extensa, que pode representar uma rede de apoio. Por outro lado, manter as relações intergeracionais sob o mesmo teto é uma possibilidade de manutenção de herança e continuidade, com vistas a preservar os aspectos culturais de seu estado de origem. Assim, os vínculos familiares se cultivaram estruturados por questões financeiras. Vale salientar, ainda, que a proximidade do final da vida gera dúvidas, solidão e incertezas na geração dos avós, que podem ser aparentemente diluídas com a presença de todos residindo na mesma casa.

Do ponto de vista dos filhos, Féres-Carneiro et al., (2007) ressaltam que a saída dos filhos da casa paterna representa um passo significativo de diferenciação das figuras parentais e que o estabelecimento de uma residência permite e requer independência emocional, funcional e financeira. A nosso ver, associa-se a este fator a questão de que a dependência emocional pode ser mantida, ainda que o filho more distante dos pais. Contudo, o que nos chamou a atenção nas famílias pesquisadas, foi o fato de alguns membros da geração intermediária estabelecerem o padrão de pseudoindependência, em que havia o afastamento físico dos pais, mas a manutenção do vínculo com a família de origem permanecia intacta por meio da presença do neto na casa paterna (Carter & McGoldrick, 1995). Desse modo, a manutenção financeira da criança ou adolescente passou para a responsabilidade dos avós. Esse padrão de relação foi possível constatar nas famílias Dias e Fernandes.

Todavia, encontramos outra configuração de moradia familiar, delineando outra dinâmica familiar em que todas as gerações coabitavam, na qual a figura do avô era a de provedor afetivo, financeiro, material, dentre outros tipos de provisão. A partir dessa constatação, entendemos que a geração intermediária que continuou morando com os pais obteve uma série de benefícios em termos práticos e de facilidades, mas isentandose do cuidado para com seus filhos, não alcançando sua autonomia, permanecendo em uma condição de filhos. Podemos questionar sobre seu crescimento emocional, esta dupla condição de aparente independência de comportamento e dependência financeira, configura uma situação que evidencia inabilidade para assumirem a responsabilidade por seus próprios filhos.

Avó Família Carvalho: Deixa-me eu perguntar uma coisa? A minha filha vai poder ficar levando a Fernanda para lá e para cá? Ela vai poder fazer isso? Adianta eu ter no papel a guarda da Fernanda se a mãe ta fazendo o que quer?

Genitora Família Carvalho: Ela tem que se preocupar é com outros netos dela lá ó, que não tem pai, não tem mãe e fica se preocupando com a minha filha. Aí ela fica com essas gracinhas aí de querer pegar a guarda da Fernanda. Ela tem é que sair do meu pé, saco. É toda hora me perguntando, aonde que eu vou. Ai eu pego e sumo mesmo minha vida e nem da minha filha é da conta dela.

Assim, os avós, preocupados com o destino de seus respectivos netos, acabam assumindo todo o cuidado deles. De forma recursiva, a geração intermediária acata essa inciativa, ainda que por meio de conflitos, e mantém-se na condição de dependência, e, assim, mantém-se a homeostase do sistema (Esteves de Vasconcellos, 2002). Diante desse contexto, entendemos que as dinâmicas relacionais que essas famílias estabelecem apontam para um baixo grau de autonomia de seus membros, uma demonstração de união familiar que tem um preço bem estabelecido, que é a via do conflito e da dependência financeira.

De acordo com os profissionais que atuam junto ao SERAF/TJDFT, é uma prática muito comum dos juízes encaminharem ao setor psicossocial os processos cujos avós são os requerentes, com intuito de verificar se de fato estes possuíam relação de proximidade e cuidado com os netos. No entendimento desses juízes, muitos idosos ajuízam esse tipo de ação de guarda com a intenção de redução de imposto de renda, pois são conhecidos alguns casos de avós que fazem o pedido sem exercerem de fato a responsabilidade financeira dos infantes. De modo geral, parece haver uma desconfiança no judiciário sobre o real motivo dos pedidos de Guarda e Responsabilidade de avós em relação a seus netos (Beatriz Ros, psicóloga, comunicação pessoal em agosto de 2008). No entanto, nas famílias pesquisadas, constatamos que todos os avós eram os principais provedores financeiros das crianças em questão, ainda que os genitores tivessem o desejo de assumir algumas responsabilidades parentais.

Diante disso, percebemos atitudes de autoridade dos avós sobre seus filhos, muitas vezes dificultando o relacionamento dos netos com os pais. Nossa observação nos leva a compreender a impossibilidade de se chegar a generalizações. Encontramos mais situações paradoxais e conflitos ainda sem resolução do que indicação de uma situação única explicativa para essa configuração familiar ambivalente. Por assumirem financeiramente as crianças, esses avós sentem-se no direito de assumir integralmente o cuidado das mesmas, excluindo os genitores do exercício dos papeis parentais em outras esferas, que não a financeira (Dias et al., 2009; Dias et al., 2011) .

Genitora Família Espíndola: Eu sei que eu ganho pouco e não vou poder dar para minha filha o que os avós podem dar (...) Mas eu queria colocar ela para dormir, passar algumas coisas minhas para ela da minha religião que lá na casa dos avós ela não tá recebendo nada.

Nesse contexto, inseriu-se a importância do estudo psicossocial com ênfase no referencial sistêmico, pois na medida em que os encontros aconteciam, estas questões foram tornando-se claras para todos os que compõem o sistema familiar. Cada parte podia evidenciar seu ponto de vista e juntamente com os profissionais foi possível para a família dialogar a respeito de novas formas de interação. Esse exemplo ilustra como a participação da Justiça pode ser transformadora das relações familiares, pois em um dos encontros no serviço psicossocial, a questão da religião foi colocada em pauta e todos concordaram que a criança poderia ir à Igreja com a mãe, o que até então não acontecia.

Em suma, em relação à questão do dinheiro, podemos compreender que o desejo dos avós de serem responsáveis financeiros por seus netos se justifica diante das respostas dos filhos em não assumirem essa condição parental de provimento e cuidado em relação a seus próprios filhos. Por outro lado, o dinheiro pode assumir significados de disputa já que é uma prova palpável que qualifica a irresponsabilidade os filhos, e promove a condição parental dos avós, que assumem ser "pais" dos netos. O dinheiro é uma justificativa concreta para a expressão de conflitos de autoridade entre avós e seus filhos.

Implicações sobre a questão do tempo no momento do ciclo de vida do idoso

No que diz respeito à questão do tempo, associado ao que Santos e Costa (2007) pontuam, vimos que as famílias entendem que todo o tempo em que estão envolvidas com o processo judicial é um tempo de sofrimento: Avó Família Brito: é muito triste ter que contar toda a minha história de novo. Falar dessa história me faz lembrar, me faz sofrer.

De acordo com o exemplo citado, para a história familiar chegar até ao setor psicossocial levou algum tempo, e o conteúdo do requerimento possivelmente foi narrado diversas vezes, para advogados, defensores públicos, com o sofrimento revivido toda vez que era narrado. Entretanto, entendemos que esse mesmo tempo gasto é também vivenciado como uma possibilidade de ressignificação das experiências vividas e de elaboração de novas concepções.

Nesse sentido, concordamos com o que Santos e Costa (2007) apontam para um aspecto da realidade dos dias de hoje que é o aumento significativo do protagonismo social e político dos tribunais na vida dos cidadãos comuns. Anteriormente já nos referimos ao tema da judicialização da vida cotidiana (Rifiotis, 2003), aqui observado. Processo, que tratam da definição da guarda de um neto, é um fenômeno contemporâneo. Historicamente esse tipo de processo não era comum no âmbito das relações entre pais e filhos, sendo que houve grande incremento dessas petições a partir dos anos 2000 (Beatriz Ros, psicóloga, comunicação pessoal em agosto de 2008). Assim, mesmo que o grupo familiar tenha interesse na resolução do caso, é necessário que todos tenham o tempo necessário para a elaboração emocional da sentença. Pode-se supor que, após a decretação da sentença, siga um período de possível acirramento de conflitos para a adaptação da família à decisão judicial. Cabe apontar que avós, filhos e netos têm interesses distintos. Dependendo da idade cronológica e do nível de maturidade emocional de cada um, serão atribuídos significados ao processo à luz de suas experiências. Para Santos e Costa (2007), do ponto de vista emocional, cada parte terá um tempo específico para elaborar uma nova forma de estar no mundo, existindo diferentes tempos – cronológico legal e, principalmente emocional – para que tal aconteça. Para a criança o tempo dispendido no processo pode ser longo demais, para os avós idem, pois estão em fase tardia de seu desenvolvimento, a variável tempo está diretamente relacionada à proximidade da finitude da vida. No entanto, para os pais das crianças e dos adolescentes pode ser curto demais, pois o tempo pode significar oportunidade de mudança de conduta e reaproximação com o filho.

Avô Família Dias: Eu só tenho pressa de decidir isso logo porque daqui a pouco eu to morrendo e esses meninos ficam sem pai, sem mãe, sem vô e sem ninguém.

Tivemos a experiência, em uma das famílias pesquisadas, a Família Espíndola, em que a morte do avô aconteceu um mês antes da visita domiciliar. Tal processo havia sido iniciado um ano e dois meses antes da referida visita. No primeiro momento em que chegamos à casa da avó, viúva recentemente, esta nos recebeu da seguinte forma:

Avó Família Espíndola: Vocês demoraram demais para vir aqui. Agora meu marido morreu e era o sonho dele ter a guarda dessa menina.

Cabe apontar aqui, a queixa em relação à morosidade do processo e a angústia diante da perda do companheiro e o que sucedeu diante do falecimento do avô requerente. Todo o jogo relacional da família modificou, de modo que a genitora, que anteriormente não se via capacitada para cuidar da filha, em função dos conflitos com o avô falecido, sentiu-se mais fortalecida. A reconfiguração familiar proporcionou mudança de hierarquia, e em consequência, motivação para um enfrentamento da disputa.

Genitora Família Espíndola:

Eu entendo que no início eu passei uma boa parte da minha responsabilidade de mãe para ele, mas ao mesmo tempo quando eu fui caminhando, começando a trabalhar e ver a vida de uma outra forma eu fui vendo que não era aquilo que eu queria. Que o que eu queria era dentro das minhas possibilidades dar para a minha filha aquilo que eu poderia e que ela tinha direito, educação, saúde, segurança. Nisso eu acho que ele já tinha me rotulado de imatura né? E a gente tinha problemas. Agora que ele se foi ficou tudo mais fácil.

Entrevistador: Ele te criticava?

Genitora Família Espíndola:

Como criança, como (pausa). Ele nunca foi de conversar muito comigo, já apelava. Já ocorreu um fato, um dia que ele chegou a me colocar pra fora da casa dele (...). A gente sempre teve problemas assim de comunicação mesmo sabe? Mas com a avó da minha filha eu nunca tive. Eu to vendo que a minha filha tá sofrendo com a morte do avô, mas por um lado as brigas acabaram tudo agora pode ficar mais fácil porque o problema era com ele (...) Não que antes eu não quisesse assumir mas era difícil a convivência com ele.

Sabemos que a morte de qualquer membro da família rompe o equilíbrio familiar. A morte do avô nessa família trouxe à tona o papel de autoridade que este senhor ocupava na família, e após seu falecimento houve uma diminuição significativa dos conflitos. A função central que este avô ocupava representou uma perda desse lugar e pode impulsionar a genitora a cuidar de sua filha. De acordo com Brown (1995), podemos evidenciar o grau de dependência emocional de uma família em relação ao indivíduo que faleceu, a partir das reações que seus membros assumem diante da vida. No caso em questão encorajou a mãe a assumir suas responsabilidades para com a filha.

É interessante considerar que os processos encaminhados para um setor psicossocial dependem da interpretação do juiz, no que diz respeito aos prazos e ao sofrimento da família. Santos e Costa (2007) afirmam, o Juiz de Vara de Família tem conhecimento dos fatos relacionados à família, por meio dos autos e das leis que irão respaldá-los em suas decisões. Já os profissionais psicossociais, entram em contato com outras significações atribuídas pelas famílias aos conflitos, que muitas vezes são paradoxais em relação ao que é apreendido pelos juízes nas audiências. A esse respeito, concordamos com Santos e Costa (2007), quando consignam que um processo mais completo de significação ocorre concomitante a um tempo diverso daquele dos processos judiciais, que é o vagaroso processo de elaboração psíquica e emocional de vivências habitualmente tão sofridas e traumáticas.

Contudo, não podemos deixar de colocar em evidência a questão do pouco tempo que o idoso tem de vida e o quanto é preocupante para esses avós a iminência da morte. As questões que envolvem a guarda dos netos ainda estão em aberto, tanto em termos do envolvimento da geração intermediária nos cuidados, quanto em termos da regularização diante da lei. Nesse momento do ciclo de vida dos avós, surgem alguns dilemas. Se resta pouco tempo de vida aos idosos, de que forma a geração intermediária assumirá essas crianças? Se os avós exigem celeridade da Justiça, será que estão cientes da preparação dos genitores para assumir os netos? Como conciliar os diferentes tempos da família, do juiz, do psicossocial e da proximidade da morte? Se o idoso já reconhece que não tem mais tanto tempo de vida o que o levaria a entrar em disputa com seu filho/genro/nora por seu neto?

Esses inevitáveis questionamentos não possuem uma única resposta, pois possuem uma série de elementos contraditórios. Os anos 2000 nos colocaram diante de questões que ainda não se constituíam como problemas, e menos ainda problemas a serem resolvidos no âmbito do judiciário. A presente questão de pesquisa, pedido de guarda de netos por avós em processos judiciais que configuram disputa com seus filhos, é um exemplo de problema ainda pouco conhecido. Contudo, o pouco que se sabe nos faz acreditar que cada família precisa de um tempo específico para vivenciar e processar sua passagem pelo judiciário, tanto em termos das intervenções que o setor psicossocial possa fazer, em seu objetivo avaliativo da dinâmica familiar, como dos efeitos sobre o tempo decorrido da decisão judicial, que pode oferecer oportunidade de reorganização familiar.

 

Considerações finais

A passagem das famílias pelo processo de avaliação do setor psicossocial trouxe à baila oportunidade de reflexão e reformulação, no espaço de conversação familiar, assim como exigiu tempo para a elaboração de soluções nos conflitos familiares. O aspecto financeiro evidenciou-se como um elo entre os membros do sistema familiar, indo da união à desunião. Não podemos deixar de evidenciar essa natureza paradoxal da ajuda financeira que os avós podem oferecer aos netos. O tempo que transcorre ao longo de um processo judicial alude a um tempo compartilhado, mas com nuances de diferentes significados para cada um dos membros do sistema familiar. A avaliação da questão financeira pode evidenciar-se como uma dúvida sobre as motivações para o pedido de guarda do neto, porém há que se reconhecer que a concessão da guarda restaura direitos e restabelece uma dimensão de proteção para os avós, numa perspectiva, e para os filhos e netos, em outra perspectiva. A questão é adequar esses direitos às circunstâncias de modo que direitos respeitados não impliquem em direitos rompidos. Avós e netos se encontram em situações equidistantes em etapas do desenvolvimento, início e fim da vida. O respeito aos direitos pertinentes a essas etapas é primordial. Por estarmos lidando com uma questão pouco conhecida, seja pela temática do idoso, seja pelo conhecimento construído em contexto judicial, reconhecemos que temos muito a avançar. Precisamos entender melhor como o judiciário pode se constituir em um contexto de mudanças para essa disputa que vem mascarada de intenção à proteção de crianças e adolescentes. Ou, ainda, como compatibilizar o oferecimento de um tempo de elaboração desse conflito em uma intervenção, quando o sentimento da família é de que não possuem mais tanto tempo assim.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: vanessinhasc@gmail.com

Recebido em outubro de 2011
Aceito em maio de 2013

 

 

Vanessa Silva Cardoso: Psicóloga, Terapeuta Conjugal e Familiar, Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura – UnB, Docente do curso de Psicologia da Faculdade Avantis-Balneário Camburiu&/SC.
Liana Fortunato Costa: Psicóloga, Terapeuta Conjugal e Familiar, Psicodramatista, Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo, Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura PCL/IP/UnB.
1 Esse texto apresenta parte dos resultados da Tese de Doutorado "Os Avós e a Concessão de Guarda Judicial de Netos na Perspectiva do Ciclo de Vida Familiar", defendida perante o Programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica e Cultura da Universidade de Brasília, em julho de 2010.