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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.40 Canoas abr. 2013

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Perfil e nível de resiliência dos cuidadores informais de idosos com Alzheimer

 

Profile and level of resilience of informal caregivers of elderly people with Alzheimer's

 

 

Sandra Ribeiro de Almeida LopesI; Carolina de João Massinelli

Universidade Presbiteriana Mackenzie

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RESUMO

Os objetivos do estudo foram identificar o perfil dos cuidadores de idosos com Alzheimer e o nível de resiliência. Foram realizadas entrevistas e aplicação da Escala de Resiliência com 10 cuidadores informais. A maioria dos cuidadores era de mulheres, a idade média do doente era de 84 anos, o tempo médio de diagnóstico era de 03 anos. Sete cuidadores eram casados, escolaridade entre os níveis superior e médio completos. Seis entrevistados contavam com a ajuda de ao menos uma pessoa. Metade dos idosos permanecia parte do dia no centro de convivência. Os cuidadores apresentaram nível de resiliência alto. Negligenciavam cuidados com a própria saúde e não pensavam na possibilidade de institucionalização do idoso. Concluiu-se que, receber a ajuda de pessoas, manter atividades de interesse pessoal, além de contar com um local que ofereça assistência profissional são fatores que contribuem para o melhor enfrentamento da situação pelo cuidador.

Palavras-chave: Cuidador, Doença de Alzheimer, Resiliência.


ABSTRACT

The study objectives were to identify the profile of caregivers of patients with Alzheimer's disease and the level of resilience. It was done interviews and appliance of resiliency scale with 10 informal caregivers. Most caregivers were women, the average age of the patients was 84 years, and the average time of diagnosis was 03 years. Seven caregivers were married, with education between college graduated and high school completed. Six interviews counted with the help of at least one person. Half of the elderly remained part of the day at leisure center. Caregivers had high levels of resilience. They used to neglect their own health care and were not thinking about the possibility of institutionalization of the elderly. It is concluded that receiving help of people, maintain activities of personal interest, in addition to having a place that offers professional assistance are factors that contribute to better cope with the situation by the caregivers.

Keywords: Caregiver, Alzheimer's disease, Resilience.


 

 

Introdução

O aumento das doenças crônicas está associado a hábitos pouco saudáveis, resultado do estilo de vida atual. A tecnologia médica, cada vez mais aprimorada, identifica precocemente e cuida de patologias propiciando o aumento da expectativa de vida, elevando assim os índices de doentes crônicos na população mundial.

A prevalência de doenças crônicas não transmissíveis é maior entre os idosos e o perfil da doença, com características progressivas e incapacitantes, como é o caso das demências, leva seu portador à dependência e à necessidade de cuidados sistemáticos de seus familiares. Estas limitações demandam mais recursos financeiros para a realização de reabilitação, assistência domiciliar e institucionalização.

Segundo dados do censo demográfico brasileiro do IBGE (2009) as projeções para o ano de 2020 são de que os idosos atingirão 25 milhões de indivíduos, destes 15 milhões serão mulheres, e representarão 11,4% da população total. Com o envelhecimento da população há, consequentemente, uma maior incidência de doenças crônicas degenerativas, entre elas as demências, que atingem de 3 a 11% das pessoas com mais de 65 anos de idade e de 20 a 50% dos idosos com mais de 85 anos de idade, sendo a mais frequente a Doença de Alzheimer.

A Doença de Alzheimer é definida por Lima e Marques (2007) como uma desordem neurodegenerativa progressiva e incapacitante, que se caracteriza pela degeneração cognitiva e da memória acompanhada da perda de autonomia e consequente impossibilidade do desempenho das atividades diárias.

Segundo Simonetti e Ferreira (2008) é possível observar que uma doença crônica pode trazer transtornos, tanto para o seu portador como para o responsável pelo cuidado desse indivíduo. Isto porque, desempenhar este papel pode gerar mudanças e sobrecarga, bem como estresse, interferindo no cotidiano do cuidador.

De acordo com Lima e Marques (2007), as relações interpessoais familiares passam por várias fases durante o processo da Doença de Alzheimer: o primeiro momento se caracteriza pela falta de memória dos idosos e é vivenciada por ele com ansiedade e sofrimento. A família, de um modo geral, reage com irritabilidade e incompreensão. O segundo momento se caracteriza por um processo depressivo, e o meio familiar responde superprotegendo o idoso, tirando-lhe a possibilidade de controlar o seu meio; e a terceira fase é marcada por despersonalização, pois o idoso desconhece a si mesmo e aos outros. Neste momento o idoso passa a ser um estranho para a família, esta por sua vez, começa a cristalizar o sofrimento.

Frente a este quadro, os familiares começam a conviver com uma nova situação que implica em sobrecarga, ansiedade e tristeza.

Desta forma, os cuidadores informais (familiares) podem, por falta de conhecimento, incentivar um modelo totalmente dependente que por consequência só irá atrapalhar certos progressos possíveis de serem conquistados pelo paciente. Também sentirão a angústia decorrente da sobrecarga física e emocional, já que muitas vezes dedicam a própria vida unicamente ao paciente. Fica explícito assim como a família pode intervir no processo, e também como a doença pode desestruturá-la.

Quando as relações entre os membros da família já não são muito saudáveis, as dificuldades podem se intensificar com a doença. Desta forma os irmãos podem se distanciar devido a experiências passadas dolorosas, tentativas de socorro fracassadas, raiva diante de um comportamento destrutivo ou medo de que possam ser impelidos a um poço sem fundo de cuidado abnegado (Walsh, 2005). Observa-se quanto é importante o apoio da família na Doença de Alzheimer, mas para que isto aconteça a família precisa estar bem estruturada.

Sendo assim, o comportamento resiliente é essencial tanto para a superação da doença por parte da família, como a do paciente. "Em vez de dispor uma doença crônica em termos de batalha contra uma enfermidade, pode ser mais conveniente reconhecer a influência da condição, enfrentar o possível, aceitar o que está além do controle e conseguir conviver com ela" Walsh (2005, p.224).

Ralha-Simões (2001) discute o conceito de resiliência destacando que não se trata de uma espécie de escudo protetor que alguns indivíduos teriam, mas a flexibilidade interna que lhes tornaria possível interagir com êxito, modificando-se de uma forma adaptativa em face dos confrontos adversos com o meio exterior. Assim, resiliência não seria uma forma de defesa rígida, ou mesmo de contrapressão à situação, mas uma forma de manejo das circunstâncias adversas, externas e internas, sempre presentes ao longo de todo o desenvolvimento humano.

Nesta constante movimentação, o indivíduo resiliente será flexível e saberá encarar os desafios de forma adaptativa, passando por situações conflituosas, mas sempre aprendendo com as dificuldades. No nível afetivo, pesquisas sugerem que as emoções positivas podem ter efeitos comprovadamente benéficos quando presente durante períodos de estresse, demonstrando que estas podem agir a serviço do bem-estar, não só com a finalidade de interromper a experiência do estresse diário, mas também para evitar dificuldades quanto à adaptação frente a novos estressores (Ong, Bergeman & Boker, 2009).

Diante de uma intensa sobrecarga é importante a sociedade encontrar alternativas para os cuidadores informais, já que estes estão frequentemente em tempo integral com os pacientes, adiando ou em muitas vezes desistindo definitivamente de seus objetivos, planejados com cuidado no percurso de suas vidas.

Uma das saídas para as famílias sobrecarregadas seria receber o apoio dos sistemas de atenção à saúde e dos recursos comunitários. Para que a Política Nacional de Saúde do Idoso possa ser praticada na sua essência, uma das necessidades é a capacitação de recursos humanos especializados e o desenvolvimento de programas para os cuidadores informais (Diogo, Ceolim & Cintra, 2005).

De acordo com os problemas que são observados na realização da assistência, os cuidadores necessitam de programas de apoio, que poderiam ser atendimento domiciliar, serviço de cuidador substituto, serviços de orientação e encaminhamento para profissionais da área da saúde (Brasil, 1998).

Porém, há casos em que esta possibilidade não se faz presente, por diferentes motivos, como a indisponibilidade de serviços públicos, a não aderência de muitos cuidadores, acabando por sobrecarregar somente uma pessoa da família, ou então a ausência de outros cuidadores, por se tratar de uma família muito pequena e que não conta com apoio social. Nestes casos, visualiza-se outra opção que poderia ser escolhida pelo cuidador sobrecarregado, a institucionalização.

Quanto maior o número de pessoas morando no domicílio do idoso, melhor a relação afetiva e o auxílio que o idoso recebe, mas há casos em que certas condições não permitam que isso aconteça, sendo a institucionalização uma solução plausível, porém nem sempre esta opção é levada em consideração pelas famílias. Devido a nossa herança cultural, pode existir certo preconceito frente a esta escolha, pois estamos acostumados a nos responsabilizar por nossos geradores, já que no Brasil a maioria da população idosa vive com a família, caracterizando a convivência multigeracional (Ramos, Rosa, Oliveira, Medina & Santos, 1993; Camarano, 2002). Nossa cultura preza o cuidado dos mais idosos e quando esta tradição é rompida, aparecem sentimentos de culpa pelo abandono e também o preconceito de que a instituição não poderá cuidar tão bem do paciente quanto o cuidador informal.

Tivemos como objetivos neste estudo identificar o perfil e o grau de resiliência dos cuidadores informais de idosos com doença de Alzheimer, investigar a natureza dos cuidados prestados pelos familiares ao idoso, a condição e as consequências da sobrecarga física e emocional exigida pela tarefa e as alternativas de enfrentamento.

 

Método

A amostra foi constituída por 10 cuidadores informais (familiares) de idosos acometidos pela Doença de Alzheimer, de faixa etária a partir de 40 anos, de ambos os sexos e de qualquer nível de escolaridade, que exerciam a função de cuidador do mesmo idoso há, pelo menos, um ano.

Foi utilizada a entrevista semiestruturada, constituída por perguntas previamente estabelecidas, elaboradas especificamente para atender os objetivos deste estudo. Foram abordados aspectos referentes ao perfil sociodemográfico, saúde, cotidiano, tarefas desempenhas e formas de enfrentamento.

Foi aplicada a Escala de Resiliência, desenvolvida por Wagnild e Young (1993), com o objetivo de medir o grau de resiliência do sujeito. Constituída por 25 itens, com respostas que variam na pontuação entre 1 a 7, sendo que o menor valor significa que há discordância total em referência a afirmação e o maior a total aceitação a esta. Na correção do teste a amplitude teórica está entre 25 a 175 pontos considerando que quanto maior este valor, maior será a resiliência. A adaptação brasileira da escala foi feita por Pesce et al., (2005), sendo considerada bem adaptada para população brasileira, sem grandes alterações de conteúdos. Com relação aos escores da Escala de Resiliência, cujos valores vão de 25 a 175, considerou-se 'baixo' os escores compreendidos entre o intervalo de 25 a 75, 'moderado' de 75 a 125 e 'alto' de 125 a 175 de acordo com Góis et al., (2009).

O projeto foi aprovado pela Comissão Interna de Ética em Pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie com protocolo de aprovação nº T020/11/10. Os indivíduos que concordaram em participar da pesquisa, após esclarecimentos sobre os seus objetivos, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido da mesma forma que a instituição que autorizou o contato com os participantes.

Realizou-se um estudo exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, com uso do método da análise de conteúdo, que segundo Bardin (2000), se vale de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. A escala foi corrigida conforme sua orientação específica e seus escores, juntamente com os dados da entrevista, foram organizados, analisados e comparados com a literatura referente ao tema.

A partir do conhecimento de uma instituição (centro-dia), que atua como semi-institucionalização para idosos, primordialmente com aqueles que apresentam Doença de Alzheimer, foi possível ter acesso a cinco entrevistados que atendiam aos critérios de inclusão e que concordaram em participar da pesquisa. As entrevistas foram realizadas em uma sala específica, cedida pela unidade. Estes por sua vez, indicaram mais 05 outros cuidadores de seu ciclo social. Os encontros foram realizados no domicílio dos entrevistados, garantindo o direito de sigilo e privacidade As entrevistas e a aplicação da escala foram realizadas no mesmo dia, com uma duração média de uma hora e trinta minutos cada. A coleta de dados ocorreu no período de março a abril de 2011.

Foi utilizada a entrevista semidirigida, constituída por algumas perguntas previamente estabelecidas, devido a temas relevantes levantados durante a revisão bibliográfica, como estabelecer perfil do entrevistado, investigar suporte social e familiar, se há sobrecarga familiar e sentimentos suscitados diante do cuidado.

 

Resultados e discussão

O perfil dos entrevistados se constitui por uma população formada predominantemente pelo sexo feminino, sendo nove mulheres (filhas) e apenas um homem (esposo), na faixa etária média de 57 anos. Pesquisas evidenciam que, em sua maioria, os cuidadores são do sexo feminino, predominante esposas e filhas, com idade variando entre 50 e 65 anos (Cruz & Hamdan, 2008). Segundo Simonetti e Ferreira (2008), apesar da emancipação feminina e da sua crescente presença no mercado de trabalho, as atividades domésticas ainda são assumidas pelas mulheres, trabalhando ou não fora de casa. O homem pode contribuir secundariamente (transporte, promoção de atividades sociais, questões legais, dentre outros), mas os cuidados primários são prestados por mulheres, na maioria dos casos, pelo próprio papel que ela desempenha no contexto familiar.

A idade do portador da Doença de Alzheimer variou de 79 a 89 anos, com distribuição regular entre as faixas etárias. Quanto ao tempo de diagnóstico houve uma variação de 06 meses a 07 anos, com predomínio de 03 anos.

Quanto ao estado civil, sete cuidadores são casados, dois divorciados e somente um solteiro. O fato de o cuidador principal ser casado parece contribuir favoravelmente quando o (a) companheiro (a) demonstra calma, compreensão e colaboração na divisão de tarefas. Em alguns casos, no entanto, quando o companheiro não aceita conviver com o familiar doente, podem ocorrer desconfortos e conflitos prejudicando a dinâmica familiar e servindo mais como um fator de risco do que de proteção ao idoso.

Em relação ao grau de escolaridade, cinco pessoas realizaram o ensino superior completo e cinco o ensino médio completo. A renda familiar varia entre 04 e 11 salários mínimos.

Estudos revelam que cuidadores com maior experiência e grau de informação tendem a apresentar desempenho mais adequado quanto ao manejo de sintomas, adotam condutas apropriadas, porém inconsistentes indicando disponibilidade e bom senso no cuidado, porém sem avaliação das consequências do uso de estratégias de manejo, o que implica em muitos casos na necessidade da intervenção de um cuidador profissional (Paulino, Duarte, Schwartz, Bartholomeu & Degaki, 2009).

É possível depreender que as famílias estudadas contam com uma renda mensal satisfatória, que lhes permitem além de garantir o próprio sustento e arcar com os gastos referentes aos cuidados como o familiar com Doença de Alzheimer, usufruir de programas de lazer ou entretenimento Na maioria dos casos as cuidadoras não estavam exercendo qualquer atividade remunerada.

Através da análise do questionário foi possível obter algumas informações relacionadas à divisão de tarefas com outra pessoa. Observou-se que seis entrevistados responderam que contam com a ajuda de ao menos uma pessoa enquanto os outros quatro responderam que não contam com nenhum auxílio. O número de indivíduos que compõem o núcleo familiar varia de um a seis, tendo em média três pessoas, variando também o número de irmãos de um a seis.

Quanto ao apoio familiar, a ajuda financeira é normalmente oferecida, mas quando a divisão de tarefas é solicitada, frequentemente esta não é bem aceita. Em alguns casos, os filhos auxiliam, já em outros, as entrevistadas não têm coragem sequer de pedir auxílio, em especial para os filhos do sexo masculino, utilizando como justificativa um aspecto de ordem cultural, como: "eles são homens e é melhor não lhes causar incomodo".

Ter grande quantidade de irmãos também não quer dizer que estes aceitarão dividir as tarefas, conforme observado em nossa amostra, já que estas não eram igualitariamente distribuídas.

Ainda com relação à divisão de tarefas, entende-se que não é sempre que a família, diante de uma nova situação, consegue organizar-se, pois encontramos que:

Embora todas as famílias mudem diante uma crise, muitas precisam de ajuda para ajustar os papéis, regras de liderança para conseguir um novo equilíbrio que maximize recursos e habilidades de enfrentamento à medida que a doença entra numa fase mais crônica, mais prolongada. (Walsh, 2005, pp.206)

Muitas famílias se unem diante da crise, como relatado por 06 participantes deste estudo, porém para uma das entrevistadas a maior consequência do aparecimento da doença foi "o esfacelamento da família", uma vez que a doença propiciou a separação dos seus membros.

Portanto, foi possível observar que certas famílias obtiveram êxito na divisão de tarefas e se sentiram confortáveis desta forma, mas outras não reconheciam a ajuda em casa como uma real divisão de tarefas e assim queixavam-se de sobrecarga e insatisfação.

Apesar da ajuda recebida em casa não corresponder à divisão igualitária de tarefas, segundo alguns entrevistados a simples presença do outro e a disponibilidade para ajuda serviam como fatores de proteção, o que Couto (2005) considera como sendo fator potencial para minorar eventuais efeitos negativos ou disfuncionais na presença de risco.

É possível observar a inversão de papéis que se configura na relação, por ser a dependência do doente bastante evidente, este acaba se transformando em uma criança a ser cuidada, refletindo por parte do cuidador uma mistura de carinho e impaciência. Diante disso, depoimentos como: "agora tenho um "bebezão" em casa para cuidar", analogias com atitudes infantis são constantes nos discursos dos cuidadores. De certa maneira, essa relação ajuda a restabelecer ou fortalecer os vínculos afetivos preenchendo de certa forma o vazio e o distanciamento que progressivamente vai se delineando.

O tempo médio de atenção dispensada ao doente durante a semana é de 05 a 06 horas diárias, uma vez que 05 doentes permanecem um período do dia no centro de convivência. Já aos finais de semana, para maioria dos entrevistados, o tempo é integral (24 horas diárias), o que corrobora os dados da literatura, que em média, os cuidadores despedem 60 horas semanais em responsabilidades de cuidador. (Haley, 1997; Mohide, 1993 citados por Cruz & Hamdan, 2008).

De forma geral, quem optou por levar o familiar ao centro-dia acabou usufruindo o tempo livre com atividades relacionadas ao autocuidado, lazer e atividades comunitárias. Por outro lado, os entrevistados que não tiverem essa opção referiram maior estresse e cansaço. Um dos entrevistados procurou auxílio psiquiátrico, porque chegou a pensar em suicídio.

Diversos trabalhos apontam para necessidade dos cuidadores desenvolverem outros interesses e atividades. Cuidadores que têm um suporte social, ou seja, que se engajam em atividades na comunidade, que participam de grupos de apoio, com melhor adaptação à função de cuidador apresentam menor impacto, (Cerqueira & Oliveira, 2002; Dunkin & Hanley, 1998; Garrido & Almeida, 1999; citados por Cruz & Hamdan, 2008) níveis mais baixos de depressão e maiores níveis de satisfação (Haley, 1997 citado por Cruz, 2008) do que cuidadores que têm pouca disponibilidade de suporte social. Foi relatado ainda que o centro-dia também auxilia na manutenção do sono do portador de Alzheimer, pois o tempo que ele está na instituição se mantém acordado, e, desta forma, consegue dormir melhor durante a noite, favorecendo também o repouso dos cuidadores durante este período.

Quanto à avaliação do grau de resiliência encontramos que o escore médio desta população foi 147,2, considerado alto.

 

 

É possível inferir que esta população apresenta adaptação psicossocial positiva em relação ao enfrentamento de eventos importantes e adversos. Esta capacidade aliada ao apoio recebido, tanto financeiro quanto social (ainda que limitado) e familiar congregam condições que atuam como fatores de proteção, tornando-os assim mais fortalecidos para enfrentar os desafios. Não podemos ainda esquecer que, cinco idosos contam com assistência profissional no centro de convivência, o que também contribui de maneira significativa para o descanso e bem estar do cuidador.

Gaioli, Furegato e Santos (2012), concluíram que o idoso com Doença de Alzheimer, em seu contexto familiar e social, poderá ter melhores condições de saúde e qualidade de vida se o cuidador tiver maior capacidade resiliente, pois este mantém o equilíbrio mental e físico, o que favorece a realização da sua tarefa de cuidar.

Todos os entrevistados referiram ter uma crença religiosa, afirmando que esta contribui de maneira significativa no enfrentamento dos desafios diários, dado que corrobora os achados de Kasen, Wickramaratne, Gameroff e Weissman (2012) que concluíram, após estudo longitudinal, que a religiosidade pode contribuir para o desenvolvimento da resiliência em indivíduos com alto risco de depressão.

Quando questionados a respeito da possibilidade de institucionalização, um entrevistado afirmou que já pensou na possibilidade e nove disseram não pensar sobre o assunto.

Quanto a aderir futuramente à opção de institucionalização, sete entrevistados responderam que sim, um entrevistado afirmou que não, e dois disseram estar indecisos quanto a isto.

A concepção que a população entrevistada tem sobre a institucionalização é de que os familiares com Alzheimer estarão em um lugar que cuida somente da parte médica e negligencia sentimentos e afetos, como amor e carinho. Entendem que o local é como se fosse um depósito, onde deixarão seus parentes e serão impedidos de ter um contato próximo ou manter vínculos afetivos com eles. Nas entrevistas, encontramos afirmações como: "nenhum filho gosta de ver a mãe enclausurada", refletindo uma visão de internação comparada à prisão.

Oliveira, Souza, Freitas e Ribeiro (2006) apontam para realidade de que a maioria dos asilos públicos, além de não possuir um número de profissionais qualificados para prestação dos serviços, a dieta oferecida muitas vezes não é correta, não há espaços como pátios ou jardins para a deambulação dos pacientes e realização de atividades recreativas para garantir o bem-estar e uma boa qualidade de vida aos idosos, confirmando de certa forma o que muitos familiares pensam a respeito das instituições asilares. Por outro lado, o mesmo estudo afirma que nas instituições asilares privadas, preferencialmente chamadas como casas geriátricas ou hotel-residência para idosos, os idosos recebem atenção individualizada e possuem uma dieta específica para suas necessidades, além de atividades recreativas, no entanto seu custo é muito elevado.

Os entrevistados acreditam ainda, que a institucionalização tenha que ocorrer quando já não há mais possibilidade de uma convivência saudável, seja devido aos comprometimentos emocionais e/ou físicos. Porém, durante as entrevistas, pode-se perceber que a institucionalização somente é cogitada quando a doença atingiu o nível em que o paciente já não mais reconhece os parentes próximos ou quando está em condições físicas frágeis, necessitando, portanto, de cuidados médicos sistemáticos.

Percebe-se, no entanto, que a semi-institucionalização é uma opção mais aceita pelos familiares, que expressam o desejo de poderem contar com os centros-dia como auxílio. Segundo Walsh:

Os indivíduos mantidos em casa em regimes de dose baixa de medicamento ou sem medicamento não mostram reduções tão graves em suas competências como aqueles mantidos em instituições, que tendem a ser muito medicados e isolados das pessoas e dos ambientes que lhes são familiares. O cuidado durante o dia por outras pessoas pode aliviar parcialmente a carga familiar. (Walsh, 2005, pp.209)

Estudos mostram que os próprios idosos institucionalizados têm consciência, em sua maioria, de que a família muitas vezes não tem condições psicológicas e financeiras para cuidar deles. Oliveira et al., (2006) afirmam que 17,28% dos idosos entrevistados achavam que a família tinha condições de levá-los para casa, já 39,39% considerava que a família não dispunha de condições financeiras e/ou psicológicas para cuidar deles.

Quanto à saúde dos entrevistados evidenciou-se a falta de tempo para cuidarem de sua própria saúde, uma vez que a preocupação constante é a de acompanhar o familiar doente, adiando assim os próprios cuidados. Foram citados problemas de saúde gerais como: sistema nervoso abalado, estresse, cansaço e depressão. Pinto et al., (2009) em estudo realizado para investigar a qualidade de vida dos cuidadores de idosos com Doença de Alzheimer concluíram que esta mostrou-se alterada, e os domínios mais afetados foram: aspecto físico e emocional, saúde mental, dor física e aspecto social. Ser mulher, morar e cuidar do paciente por muitas horas na semana foram variáveis que se correlacionaram com pior qualidade de vida dos cuidadores. A qualidade de vida do cuidador mostrou-se pior quando a capacidade funcional do idoso estava mais comprometida.

Quando questionados a respeito da utilização de serviços públicos, cinco entrevistados responderam que utilizam algum serviço ou auxílio e cinco entrevistados responderam que não os utilizam. Os participantes que recebem auxílio governamental não participam de projetos, apenas recebem os remédios de alto custo. Somente uma pessoa citou fazer parte de um projeto para idosos que oferece exames de rotina gratuitos para esta população. Apenas parte da população utiliza o centro-dia, que não é um serviço público.

Em outros países este suporte está mais presente e não é tão limitado quanto no Brasil, conforme cita Karch (2003) já que tanto nos Estados Unidos como na Europa há investimentos em políticas públicas a fim de construir e manter redes de suporte a idosos e a cuidadores. Um exemplo disso é a rede de suporte que se define como community care, cujo objetivo é manter o idoso em casa, oferecendo suporte para a família e para o cuidador, trazendo, por exemplo, um profissional para alternar os cuidados.

Em relação às mudanças ocorridas após o descobrimento da doença, podemos observar que foram diversas. Porém, para a totalidade da amostra o que mais os incomoda é o fato de perder a liberdade para viajar, fato este comentado por quase todos os entrevistados.

Foi muito citada também a postergação de cursos que gostariam de realizar, além de outras privações, como fazer exercícios físicos, frequentar clubes, não poder sair com amigos para ir ao cinema ou teatro e de ter maior liberdade e privacidade em casa. Lemos, Gazzola e Ramos (2006) em pesquisa realizada com cuidadores de portadores de Alzheimer concluíram que o afastar-se de seu meio de convívio social e evitar a presença de amigos pode provocar diferentes problemas de saúde nos cuidadores.

 

Conclusões

A população de cuidadores informais estudada se constituiu predominantemente por mulheres (filhas), na faixa etária média de 57 anos. A idade do portador da Doença de Alzheimer variou de 79 a 89 anos, com distribuição regular entre as faixas etárias. Quanto ao tempo de diagnóstico houve uma variação de 06 meses a 07 anos, com predomínio de 03 anos. Quanto ao estado civil, sete cuidadores eram casados, dois divorciados e somente um solteiro. Em relação ao grau de escolaridade, cinco pessoas realizaram o ensino superior completo e cinco, o ensino médio completo. A renda familiar variou entre 04 e 11 salários mínimos.

A maioria da amostra conta com o apoio de ao menos uma pessoa, a ajuda financeira é normalmente oferecida, mas quando a divisão de tarefas é solicitada, frequentemente esta não é bem aceita. O tempo médio de atenção dispensada ao doente durante a semana é de 05 a 06 horas diárias, uma vez que 05 doentes permanecem um período do dia no centro de convivência. Já aos finais de semana, para maioria dos entrevistados, o tempo é integral (24 horas diárias).

De forma geral, quem optou por levar o familiar ao centro-dia acabou usufruindo o tempo livre com atividades relacionadas ao autocuidado, lazer e atividades comunitárias. Por outro lado, os entrevistados que não tiverem essa opção referiram maior estresse e cansaço.

A concepção que a população entrevistada tem sobre a institucionalização é de que os familiares com Alzheimer estarão em um lugar que cuida somente da parte médica e negligencia sentimentos e afetos, como amor e carinho. Entendem que o local é como se fosse um depósito, onde deixarão seus parentes e serão impedidos de ter um contato próximo ou manter vínculos afetivos com eles. Os entrevistados acreditam ainda, que a institucionalização tenha que ocorrer quando já não há mais possibilidades de uma convivência saudável, devido aos comprometimentos emocionais e/ou físicos.

Quanto à saúde dos entrevistados evidenciou-se a falta de tempo para cuidarem de sua própria saúde, uma vez que a preocupação constante é a de acompanhar o familiar doente, adiando assim os próprios cuidados. Foram citados problemas de saúde gerais como: sistema nervoso abalado, estresse, cansaço e depressão.

Os cuidadores revelaram alto índice na Escala de Resiliência, sendo possível inferir que a capacidade de adaptação psicossocial positiva diante de situações adversas aliada ao apoio tanto financeiro quanto social e familiar ameniza a sobrecarga física e emocional, tornando-os mais fortalecidos para enfrentar os desafios, menos vulneráveis a problemas de saúde e mais aptos a oferecer assistência de melhor qualidade ao idoso.

Dada a relevância do tema, seria importante a condução de novas pesquisas a respeito, uma vez que os resultados obtidos neste estudo não podem ser generalizados por tratar-se de uma amostra reduzida.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: salmeidalopes@uol.com.br

Recebido em agosto de 2013
Aceito em outubro de 2013

 

 

Sandra Ribeiro de Almeida Lopes: Psicóloga, Doutora em Ciências da Saúde e Mestre em Psicologia Clínica, Docente do curso de psicologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Carolina de João Massinelli: Psicóloga, Especializanda em Psicologia Hospitalar.