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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.41 Canoas ago. 2013

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Consumo de álcool e tabaco em escolares da rede pública de Santarém-PA

 

Consumption of alcohol and tobacco in students of public schools of Santarém-PA

 

 

Luiza NaderI; Denise AertsI; Gehysa AlvesI; Sheila CâmaraI,II; Lilian PalazzoI; Zilma PimentelIII

I Universidade Luterana do Brasil
II Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
III Universidade do Estado do Pará

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RESUMO

Objetivo: Investigar a prevalência de uso na vida e nos últimos 30 dias de álcool e tabaco e sua associação com características de escolares do oitavo ano da rede pública de Santarém-PA em 2010. Material e métodos: Estudo transversal com amostra representativa de 689 escolares, sendo os dados coletados em entrevista e analisados com regressão de Cox. Resultados: O uso na vida de tabaco foi de 12,1% e, destes, 36,1% consumiram nos últimos 30 dias. Houve associação entre uso na vida de cigarro e sexo masculino, consumo pelos pais e amigos, e experiência com álcool pelo jovem. O uso na vida de álcool foi de 40,7% e nos últimos 30 dias, 50,7%. Encontrou-se associação entre uso na vida de álcool e uso de tabaco na vida pelo jovem e consumo de álcool pelos pais. Conclusão: Os resultados apontam relação significativa entre consumo dessas substâncias pelos pais e pelos filhos.

Palavras-chave: Álcool, Tabaco, Saúde do adolescente.


ABSTRACT

Objective: investigate the prevalence in life and in the last 30 days of alcohol and tobacco use and the association with adolescent students from the eighth grade of the public schools in Santarém-PA, 2010. Method: Cross-sectional study, with 689 students. Data were collected using validated questionnaires and analyzed with Cox regression. Results: The tobacco use was 12,1%, of these 36,1% in the last 30 days. There was an association between the lifetime use of cigarettes and the male population, the consumptions by parents and by friends, and the experience with alcohol by the teenagers. The lifetime use of alcohol was 40,7% and in the last 30 days 50,7%. An association was found between the lifetime use of alcohol by the teenagers with the lifetime use of tobacco and the consumption of alcohol by parents. Conclusion: It is indicated a significant relationship between the consumption of the parents and the children.

Keywords: Alcohol, Tobacco, Adolescent health.


 

 

Introdução

A adolescência é uma etapa crucial para o crescimento e desenvolvimento do ser humano. É nela que o indivíduo consolida sua identidade, através de suas relações no contexto social. No entanto, a adolescência é considerada como uma etapa de risco no ciclo vital (Saito, 2000). Devido às diversas transformações que ocorrem nessa fase – biológicas, cognitivas, emocionais e sociais-, o adolescente pode se tornar mais vulnerável a comportamentos que comprometam sua saúde, como o tabagismo e o consumo de álcool (Tavares, Béria & Lima, 2001; Vieira, Aerts, Freddo, Bittencourt & Monteiro, 2008,).

Atualmente, o consumo de álcool e de tabaco pelos adolescentes é considerado um importante problema de saúde pública, não só no Brasil, mas no mundo (Selukic, Ostojic, Ostojic, Hajdarevic & Ostojic, 2012). O uso indevido dessas substâncias vulnerabiliza o adolescente, pois frequentemente determina a ocorrência de outros problemas, como doenças respiratórias, maior incidência de câncer e risco de acidentes. Além disso, traz dificuldades não apenas para o usuário, mas também para sua família, escola e sociedade em geral. Estas situações estão cada vez mais prevalentes, em função da idade precoce com que os jovens estão fazendo uso de álcool e tabaco (Malcon, Menezes & Chattkin, 2003, Sanceverino & Abreu, 2004).

De acordo com o sistema de informação global de álcool e saúde, o consumo de álcool resulta em 2.5 milhões de mortes anuais (OMS, 2005). Em função disso, é de extrema importância o reconhecimento dos fatores relacionados à experimentação e ao consumo, como os demográficos, psicossociais e relações interpessoais fora e dentro da família, tanto para a prevenção quanto para o tratamento deste problema (Baus, Kupec & Pires, 2002, Tavares, Béria & Lima, 2004).

O tabagismo é, hoje, a principal causa de enfermidades evitáveis e incapacidades prematuras. Na população adolescente o uso do cigarro tem sido cada vez mais precoce, repercutindo em baixo rendimento escolar, menores oportunidades de empregos e maior probabilidade de se tornar um adulto fumante (Malcon, Menezes & Chattkin, 2003).

Um ambiente inadequado pode propiciar o abuso de álcool e tabaco (Moreira, Silveira & Andreoli, 2006). Por isso, acredita-se que o contexto familiar tenha importante papel na vida do jovem, tanto na promoção de sua saúde quanto na adoção de hábitos pouco saudáveis. O fato de pelo menos um dos pais fumar está diretamente associado ao tabagismo do filho (Malcon, Menezes & Chattkin, 2003). Da mesma forma, o consumo de bebidas alcoólicas pelos pais está associado ao consumo de álcool na adolescência. Por outro lado, um grande suporte por parte dos cuidadores pode atenuar este efeito (Brown & Rinelli, 2010).

Dentro das estratégias para a prevenção do consumo das drogas lícitas, destacase o papel da escola como ambiente importante de referência para o processo de desenvolvimento saudável do ser humano (Saito, 2000). É um lugar de formação e de inclusão social, e não apenas um espaço de transmissão de informação e de desenvolvimento de hábitos promotores da saúde física e emocional (Moreira, Silveira & Andreoli, 2006).

Assim, o presente estudo tem como objetivo investigar a prevalência de uso na vida e nos últimos 30 dias de álcool e tabaco e sua associação com características demográficas, psicossociais e familiares, em escolares do oitavo ano da rede pública de escolas de Santarém-PA, em 2010.

 

Métodos

Esta pesquisa fez parte de um estudo maior intitulado "A saúde do escolar da rede pública de ensino na região Norte, Brasil", realizado em três municípios dessa região, onde participaram adolescentes escolares do oitavo ano da rede pública em 2010. Os dados aqui analisados referem-se à Santarém-PA.

O cálculo do tamanho da amostra foi baseado no número de alunos matriculados no oitavo ano na rede pública em 2009 (3358), em uma prevalência estimada dos diferentes desfechos de 50%, em um erro máximo tolerado de +4% para um nível de confiança de 95%. Considerando tais parâmetros, calculou-se o tamanho de amostra em 422. Visto que o delineamento do estudo era transversal, foi aplicado um efeito de delineamento de 1,5, acrescido de 25% para repor possíveis perdas, totalizando 791 escolares.

A amostra foi coletada respeitando-se a proporcionalidade de 66% da rede estadual e 34% da municipal. No total, foram sorteadas 30 turmas em 20 escolas, considerando-se a turma de aula como o conglomerado. Do total de alunos selecionados, 11,8% foram considerados como perda: 51 alunos transferidos, 15 alunos que os pais/responsáveis ou os próprios se recusaram a participar da pesquisa e 26 casos foram excluídos por dados ignorados. Assim, a amostra estudada foi composta por 689 sujeitos, tendo o poder de 80% para detectar as associações de interesse maiores ou iguais a 1,5.

A coleta de dados foi realizada nas turmas sorteadas. Os alunos responderam os questionários autoaplicados com questões fechadas em sala de aula, que foram recolhidos pelos pesquisadores ao final do preenchimento do mesmo. O instrumento de coleta de dados referente ao uso de substâncias foi baseado no questionário da Organização Mundial da Saúde para escolares (OMS, 2005). Desse questionário, foram investigadas as seguintes variáveis: idade que fumou pela primeira vez, idade que experimentou bebida alcoólica pela primeira vez, número de cigarros que fumou nos últimos 30 dias, lugar onde fuma, local onde tomou bebida alcoólica pela primeira vez, pais fumantes, amigos fumantes, número de vezes que ingeriu bebida alcoólica nos últimos 30 dias, problemas relacionados ao consumo de álcool nos últimos 30 dias (falta à escola, envolvimento em brigas, problemas com os pais), número de vezes que ficou embriagado na vida, reação da família se chegasse embriagado em casa, ingestão de bebida alcoólica pelos pais e com quem costuma beber.

A inserção econômica foi obtida a partir da classificação da Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa- ABEP (ABEP, 2013). Esta se caracteriza por um sistema de pontos que visa estimar o poder de compra das famílias urbanas categorizadas em cinco classes. Os escolares foram reagrupados em função do pequeno número nas categorias extremas em classes A+B (maior poder aquisitivo), C, D+E (menor). Foram também estudadas as variáveis idade, sexo e cor da pele autorreferida, coletadas em outro instrumento. Inicialmente, os dados foram analisados utilizando-se a estatística descritiva. Variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão e as categóricas por frequências absolutas e relativas. Após, para a investigação das associações de interesse, foi utilizada a regressão de Cox univariada modificada para estudos transversais. O nível de significância adotado foi de 0,05 e as análises foram realizadas no programa Stata, versão 6.0.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil (2009-251H). Além disso, as Secretarias de Educação de cada um dos municípios permitiram a entrada nas escolas. Foram ainda entregues aos pais ou responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE para a assinatura dos mesmos. O estudo obedeceu às determinações da Resolução 10/196, de outubro de 1996, do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

 

Resultados

Entre os estudantes entrevistados, 393 (56,0%) eram do sexo feminino e 565 (81,6%) declararam-se como não brancos. Em relação à inserção econômica, 27,9% foram classificados na categoria A+B; 58,4% na C e 13,7% nas categorias D+ E.

Quanto ao consumo de álcool, do total dos adolescentes, 40,7% já haviam experimentado, sendo que a média de idade dessa experimentação foi de 12,16 anos (DP±2,0 anos). Ao serem questionados sobre a reação da família, 33,7% dos estudantes afirmaram que a família iria perceber e ficaria muito chateada se o mesmo chegasse embriagado em casa, e 48,5% informaram que desconheciam qual seria a reação da família (Tabela 1).

 

 

 

 

Entre os que já fizeram uso na vida de álcool, 50,7% afirmaram terem bebido nos últimos 30 dias anteriores à coleta dos dados. Em relação ao local onde bebem, 42,9% dos estudantes afirmaram fazer uso de bebida alcoólica em casa e 15,7% na casa de amigos ou outras pessoas. Quando questionados com quem costumam beber, 40,3% responderam beber com os amigos e 28,9% com a família. Apresentaram pelo menos um episódio de embriaguez na vida 22,1% desses jovens. Além disso, 12,7% relataram terem, uma ou duas vezes, sentido-se mal, apresentado problemas com os pais, faltado à escola ou se envolvido em brigas por terem ingerido bebida alcoólica nos últimos 30 dias (Tabela 1).

Em relação aos fatores associados à experiência com o álcool, os escolares filhos de pais que bebem tiveram uma prevalência de uso na vida 71% maior do que seus pares de referência e os que já fizeram uso de tabaco na vida tiveram mais que o dobro. O uso de álcool nos últimos 30 dias esteve também associado ao uso de bebidas alcoólicas pelos pais e de tabaco nos últimos 30 dias pelos jovens. Não foram encontradas associações entre o uso de álcool, gênero e cor da pele (Tabela 2). O uso de álcool nos últimos 30 dias esteve também associado ao uso de bebidas alcoólicas pelos pais e de tabaco nos últimos 30 dias pelos jovens. Não foram encontradas associações entre o uso de álcool, gênero e cor da pele (Tabela 2).

 

 

Em relação ao consumo de tabaco, 12,1% afirmaram já terem experimentado essa substância. A média de idade da experiência com cigarro foi de 12,37 anos (DP±1,84 anos) e, dos adolescentes que já fizeram uso dessa substância, 36,1% a consumiram nos últimos 30 dias. Quanto ao número de cigarros fumados nos últimos 30 dias, 73,3% estudantes relataram terem fumado, no máximo, um cigarro. Apenas um escolar informou ter fumado mais de 20 cigarros.

Sobre o local onde fuma, a maioria referiu parques, shoppings ou na rua (40,0%) e na casa dos amigos (36,7%), ainda que 26,7% tenham informado fumar em casa ou 16,7% na escola. Em relação ao consumo de tabaco pelos pais, 72,5% referiram que seus pais não fumavam e 50,7% relataram o consumo pelos amigos (Tabela 3).

 

 

Encontrou-se associação estatisticamente significativa entre o uso na vida de cigarro e o consumo pelos pais, pelos amigos e experiência com álcool do próprio jovem. Os filhos de pais fumantes tiveram 76% mais uso na vida de tabaco e aqueles com amigos fumantes e os que eles próprios já experimentaram álcool tiveram, respectivamente, quatro vezes e quase oito vezes mais experimentação de cigarro. Em relação ao consumo de tabaco nos últimos 30 dias, também se encontrou uma prevalência mais alta entre os jovens com amigos que fumavam e os que eles próprios consumiram álcool nos últimos 30 dias (Tabela 4).

 

 

Discussão

O álcool, comparado ao consumo de cigarro, apresentou-se como a substância de maior prevalência, tanto no uso de vida quanto nos últimos trinta dias. Diversos estudos comprovam que seu uso entre adolescentes tem sido bastante comum no Brasil e no mundo (Saito, 2000, Vieira et al., 2008, YRBS, 1991-2007). Nos Estados Unidos, pesquisa de abrangência nacional revelou que a experimentação de álcool pelo menos uma vez na vida foi referida por 81,6% dos adolescentes, em 1997, e 75%, em 2007 (YRBS, 1991-2007). Em pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Álcool e Drogas, 75% dos adolescentes já haviam consumido bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida (CEBRID, 2006).

O documento produzido pela política para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, do Ministério da Saúde, aponta o álcool como o maior problema de saúde pública, com um custo de internações para o SUS superior a 60 milhões de reais, em 2001 (Brasil, s.d.). Segundo este documento, a reversão deste quadro deve ser feita por meio de pesquisas científicas, ações preventivas precoces e da diminuição dos fatores de risco para o uso de álcool, além de reforçar os fatores protetores (Dallo & Martins, 2011).

Quanto ao consumo nos últimos 30 dias de álcool, as proporções também se mostraram elevadas em vários estudos (Strauch, Pinheiro, Silva & Horta, 2009). Segundo os dados do PeNSE, 25% dos adolescentes beberam regularmente nos últimos trinta dias (Malta, Mascarenhas, Pinsky, Zaleski & Caetano, 2011). Em pesquisa realizada nos Estados Unidos, 44,7% dos adolescentes entre 14 e 17 anos, informaram ter bebido álcool no último mês (YRBS, 1991-2007). Possivelmente, a crença de que bebida alcoólica não é droga contribui para o estímulo ao uso de álcool. Além disso, os jovens não são apenas consumidores esporádicos dessa substância, mas sim consumidores regulares das mesmas.

A média de idade de experimentação de álcool entre os adolescentes estudados foi semelhantemente a relatada na literatura. No primeiro levantamento brasileiro sobre padrão de uso de álcool, a idade média de início do consumo de álcool foi de 13,9 anos, um pouco superior a encontrada no presente estudo (Malta et al., 2011). Porém, no estudo realizado com escolares da rede pública dos ensinos fundamental e médio, realizado em 27 capitais brasileiras, a média de início de experimentação foi bastante semelhante à de Santarém (12,5 anos) (Galduróz, Noto, Fonseca & Carlini, 2004). Esse resultado mostra a idade cada vez mais precoce com que os adolescentes estão experimentando álcool, fato esse que irá repercutir em sua vida no futuro. Estudo realizado, em Pelotas-RS, aponta que o consumo antes dos 16 anos aumenta significativamente o risco para beber excessivamente na idade adulta, em ambos os sexos (Strauch et al., 2009).

A maioria dos adolescentes de Santarém relatou que costuma beber em casa e com os amigos. Também se observou uma associação significativa entre o uso na vida e nos últimos trinta dias de álcool com o consumo de álcool pelos pais. Esses dados mostram a extensão do problema. Possuir um familiar bebedor é fator de risco para o uso de álcool (Silva et al., 2003).

Os jovens obtêm álcool de diversas formas, em festas, bares e na própria casa (Malta et al., 2011). Como o álcool é socialmente aceito e seu consumo é estimulado pela mídia na maioria dos países do mundo, tem sido grande a exposição dos adolescentes a essa substância e, portanto, maior chance dos mesmos envolverem-se em situações de risco relacionadas ao álcool (OMS, 2002).

A família tem papel fundamental no desenvolvimento dos adolescentes, sendo o consumo de bebida alcoólica pelos pais um grande influenciador do consumo pelo filho. Dessa forma, são de essencial importância o apoio e o acompanhamento dos pais a seus filhos (Malta et al., 2011), pois, para os jovens, a embriaguez representa uma prova de resistência entre os amigos, funcionando como um meio socializador nas festas (Dallo & Martins, 2011).

Dentre os entrevistados, aproximadamente, um em cada cinco jovens que experimentaram álcool relataram pelo menos um episódio de embriaguez. Esse resultado foi encontrado em adolescentes entrevistados no PeNSE, onde a mesma proporção de escolares relatou embriaguez ao menos uma vez na vida (Malta et al., 2011). Pesquisa conduzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), realizada em 41 países, mostrou que 11% dos alunos pesquisados tinham se embriagado pelo menos duas vezes (OMS, 2008). Tal constatação pode ser considerada grave, visto que aumentam as chances dos jovens apresentarem problemas com a família, na escola e envolvimento em brigas, situações referidas por 8,5% dos alunos desta pesquisa.

No PeNSE, 9% dos estudantes relataram terem tido problemas com o álcool (Malta et al., 2011), sendo que no presente estudo essa proporção de 16,9%. É interessante observar que 22,1% dos jovens relataram episódio de embriaguez, sugerindo que para esses a embriaguez não é considerada como problema.

Outro achado relevante é que a maioria dos estudantes referiu que ignorava qual seria a reação da família se chegasse embriagado em casa. Isto é bastante preocupante, tendo em vista que a família deveria ser um espaço protetor e promotor da saúde do jovem. Porém, as atitudes adotadas pelos pais podem facilitar a experiência e o uso de álcool. Esse resultado diverge dos encontrados na PeNSE, onde 93,8% dos adolescentes afirmaram que seus pais se importariam bastante se os vissem chegando embriagado em casa (Malta et al., 2011). Talvez, essa divergência possa ser explicada pelo fato de que os alunos estudados na presente pesquisa são todos de escolas públicas, diferente dos alunos do PeNSE, onde foram incluídos alunos de escolas públicas e privadas. Diferenças culturais e na inserção econômica podem determinar diferenças na qualidade do diálogo dos filhos com seus pais.

Foram encontradas divergências na literatura quanto ao consumo de álcool entre os sexos. Em Pelotas, houve uma frequência mais elevada de consumo de álcool nos últimos trinta dias entre os meninos (Horta et al., 2007). Resultado oposto foi verificado na PeNSE, onde a experimentação de bebidas alcoólicas foi superior entre o sexo feminino (73,1%) quando comparado ao masculino (69,5%) (Malta et al., 2011). No presente estudo, não foram encontradas associações entre o uso de álcool, sexo e cor da pele. Talvez, isso possa ser explicado pelos diferentes aspectos culturais e características da população pesquisada.

A associação encontrada entre o consumo de bebida alcoólica pelos pais com o consumo de álcool tanto na vida quanto nos últimos 30 dias mostra que a atitude dos pais pode influenciar no comportamento dos filhos de forma prejudicial a sua saúde. A família é o primeiro grupo de referência na vida dos jovens. Por isso, é de extrema importância que os pais se apresentem como modelos saudáveis (Vieira et al., 2008).

O uso de álcool e tabaco, tanto na vida como nos últimos 30 dias, estiveram associados, indicando que o consumo de uma substância aumenta o consumo da outra. Em estudo realizado com adolescentes na Austrália, consumir álcool aumentava em 1,5 vezes a chance de ser fumante (Indig & Haysom, 2012). Isso leva a considerar a importância de que as ações preventivas para evitar o uso de tabaco sejam concomitantes às de combate ao álcool, já que uma parece influenciar o consumo da outra.

Em relação ao consumo de tabaco, a maioria dos estudantes afirmou não fazer uso do mesmo. A média de idade de experimentação foi de 12,37 anos. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, os quais apontam uma associação entre a faixa etária de 11 a 13 anos com o uso de tabaco (Horta et al., 2007, Indig & Haysom, 2012, Tavares, Béria & Lima, 2001). Percebe-se, com isso, que os jovens estão iniciando o consumo dessa substância cada vez mais cedo, o que reforça a importância da orientação sobre os efeitos prejudiciais do tabaco na idade escolar, também prevenindo o consumo na vida adulta. A média da idade de experimentação do álcool e tabaco foi semelhante e precoce, levando a pensar que elas sejam concomitantes.

A maioria dos estudantes investigados relatou não ter fumado nos últimos 30 dias e, nos que relataram terem feito consumo dessa substância, a maioria afirmou ter fumado um cigarro ou menos. Ou seja, são fumantes eventuais. Em Pelotas, os pesquisadores encontraram resultado semelhante, onde 93,1% dos adolescentes referiram não terem feito uso de tabaco nos últimos trinta dias (Strauch et al., 2009). Porém, na análise secundária do levantamento nacional sobre tabaco na juventude, nos Estados Unidos, mais da metade dos adolescentes fumantes (51,9%) relataram terem usado tabaco nos últimos 30 dias (Nasim, Blank, Cobb & Eissenberg, 2012). Além disso, a casa dos amigos e locais abertos, como na rua, em parques, foram onde a maioria dos estudantes relataram fumar.

Em relação ao sexo, identificou-se quase que o dobro de experimentação de tabaco entre os meninos. Porém, existem divergências na literatura em relação à associação entre sexo e consumo de tabaco (Horta et al., 2007). Em Gravataí, os autores não identificaram diferenças entre os sexos (Vieira et al., 2008). Entretanto, assim como em outros (Carlini et al., 2002, Horta et al., 2007), em Pelotas, o consumo de tabaco foi mais prevalente no sexo feminino. Porém, essa pesquisa foi realizada no domicílio com adolescentes entre 15 e 18 anos, diferente do presente estudo no qual os escolares eram mais jovens. Talvez, o comportamento distinto entre os sexos em relação ao consumo de tabaco possa ser explicado pelas diferenças socioeconômicas e culturais entre essa cidade do sul e Santarém.

Quanto à cor da pele, nos Estados Unidos, os grupos de não brancos relataram mais uso de cigarro nos últimos trinta dias (Nassim et al., 2012). Porém, em Santarém, não foram encontradas diferenças quanto o consumo de substâncias entre os escolares brancos e não brancos.

Houve associação significativa entre o uso na vida e nos últimos trinta dias de tabaco com o consumo de tabaco pelos amigos. Também se verificou associação entre a experimentação e o hábito de fumar dos pais. Semelhantes resultados foram encontrados em New South Wales (Austrália), onde 78% de todos os adolescentes que experimentaram tabaco tinham pelo menos um dos pais como fumante e 64% tinham a maioria de seus amigos próximos fumantes (Indig & Haysom, 2012).

De forma semelhante ao que acontece com o álcool, a influência da família e do grupo de amigos favorece o consumo de tabaco pelo adolescente. O fato de o estudante conviver com pessoas próximas que fumam facilita o acesso e a experimentação dessa droga.

Os resultados desta pesquisa devem ser analisados com cautela, pois a população estudada é composta por escolares da rede pública. Portanto, os resultados não podem ser extrapolados para todos os adolescentes de Santarém, em especial para os que estão fora da rede de ensino. É possível que estes, em função do processo de exclusão vivenciado, apresentem outras características relacionadas à experiência e consumo de álcool e tabaco. Além disso, o delineamento utilizado não permite que se estabeleçam relações de causa e efeito, apenas de associação entre os desfechos estudados e as características dos escolares.

 

Considerações finais

Os dados indicaram maior consumo de álcool do que tabaco tanto no sexo feminino como no masculino. Este achado leva a refletir sobre a alta prevalência do uso de álcool na sociedade. Esse é utilizado como marcador da iniciação social do jovem que está em um processo de individuação em relação ao seu grupo familiar. Além disso, a influência do grupo de amigos é um facilitador para o consumo de álcool e de tabaco nos adolescentes escolares.

A preferência do uso de álcool ao de tabaco aponta uma possível diferença em relação à aceitação social: quase todos bebem, mas nem todos fumam. Atualmente, há um combate ao consumo do tabaco por meio de políticas públicas e um comportamento permissivo quanto o uso de álcool.

O estudo também demonstrou o início precoce do consumo dessas substâncias, podendo trazer consequências negativas a curto e em longo prazo para a saúde física e emocional do jovem. Isto aponta para a importância de ações preventivas voltadas para o grupo familiar. Existe uma relação significativa entre o consumo dos pais e o consumo dos filhos. A forte influência do ambiente familiar requer ações preventivas interdisciplinares direcionadas à família. A escola, enquanto agente transformador possui papel de grande influência no comportamento do jovem, pois também funciona como "modelo" propagador de hábitos e atitudes saudáveis. Por isso, a importância de desenvolver atividades educativas de promoção da saúde no ambiente escolar, acolhendo não só o estudante, mas também a família.

 

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Endereço para contato
E-mail: lu_nadi@hotmail.com

Recebido em dezembro de 2013
Aceito em abril de 2014

 

 

Luiza Nader: Acadêmica de Medicina. Curso de Medicina – Universidade Luterana do Brasil.
Denise Aerts: Médica. Curso de Medicina e Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Universidade Luterana do Brasil.
Gehysa Alves: Socióloga. Curso de Enfermagem e Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Universidade Luterana do Brasil.
Sheila Câmara: Psicóloga. Curso de Psicologia e Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Universidade Luterana do Brasil. Departamento de Psicologia – Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Lilian Palazzo: Médica. Curso de Medicina – Universidade Luterana do Brasil.
Zilma Pimentel: Médica. Curso de Medicina. Universidade do Estado do Pará.

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