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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.41 Canoas ago. 2013

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Atendimento psicoeducativo em grupo para mulheres no pós-parto: relato de experiência

 

Psychoeducational assistance group for women in the postpartum period: an experience report

 

 

Aline Melo-de-AguiarI; Talita Maria Nunes de Aguiar; Maria Lucia Seidl-de-Moura; Deise Maria Leal Fernandes Mendes

I Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

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RESUMO

Este relato de experiência tem por objetivo abordar uma metodologia de atendimento psicoeducativo em grupo para mulheres no pós-parto de bebês nascidos a termo e prematuros baseada na prática em psicologia clínica de duas das autoras. O atendimento em grupo de mães tem como bases teóricas a Psicologia Evolucionista (PE) e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). A primeira fornece referencial conceitual para a compreensão do processo de desenvolvimento e do que é um bebê humano, e a segunda, a metodologia para o atendimento às mães. As mães relataram diminuição da ansiedade ao participarem dos grupos, bem como do sentimento de solidão por entenderem que suas angústias também aconteciam com outras mulheres. Esse é um estudo inicial, em que não foram aplicados instrumentos para uma avaliação mais objetiva da redução de ansiedade. Desse modo, estudos controlados precisam ser desenvolvidos para testar a validade da proposta de atendimento psicoeducativo no pós-parto.

Palavras-chave: Pós-parto, Psicologia do desenvolvimento, Promoção em saúde.


ABSTRACT

The aim of this experience report is to approach a methodology of psychoeducational care in groups for postpartum women with term and preterm infants, based on both authors' clinical practice. The experience report is based on evolutionary psychology (EP) and cognitive behavioral therapy (CBT). The first provides a conceptual framework for understanding the development process and what a human baby is. The latter, the methodology employed to the care of the mothers. The mothers report a decrease in anxiety after taking part in the group, as well as, feeling less lonely as they learn that other women also suffer from similar anguish. This is an initial study and no instruments were used in order to verify objectively the anxiety reduction. Hence, controlled studies have to be developed as a means to observe the validity of psychoeducational care in the postpartum.

Keywords: Postpartum, Devolopment psychology, Health promotion.


 

 

Introdução

A chegada de um bebê, em geral, traz alterações na rotina de uma família. O momento do pós-parto, aqui compreendido como os três primeiros meses após o nascimento, tem especificidades e requer um conhecimento amplo por parte dos profissionais envolvidos no atendimento às pessoas que fazem parte do núcleo familiar. É preciso conhecimento teórico e prático relacionado a aspectos biopsicossociais do desenvolvimento humano nos diferentes momentos da ontogênese em que se encontram os familiares e o recém-nascido.

Os três primeiros meses após o parto são destacados neste estudo por serem considerados como os mais ansiogênicos e de maior risco de depressão, portanto mais relevantes para uma intervenção psicológica (Maldonado, 2005). Este estudo pretende, através de um relato de experiência, abordar tais especificidades e mostrar como uma prática psicoeducativa por parte da equipe de saúde pode atuar de modo preventivo e promotor de saúde para a mulher e sua família no período após o nascimento do bebê.

A Psicologia Evolucionista (PE) é o referencial teórico que embasa a visão de homem deste estudo, e a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) apoia a intervenção que será descrita. O item seguinte discute estas bases teóricas.

O bebê humano pela ótica da Psicologia Evolucionista

O bebê humano apresenta propensões e especificidades próprias da espécie homo sapiens. A Psicologia Evolucionista do Desenvolvimento aborda a complexidade da chegada de um bebê a uma família, a partir de princípios e noções que explicitam uma visão da natureza biologicamente cultural dos seres humanos e de como essa imbricação da biologia com a cultura afeta o modo como os pais cuidam de seus bebês (Bussab & Ribeiro, 1998).

Um bebê quando nasce traz consigo um pouco da história da espécie, na qual alguns aspectos estruturais do seu desenvolvimento foram selecionados ao longo de milhares de anos. Esses processos não são arbitrários, mas adaptados ao longo do tempo. Um exemplo é a imaturidade com a qual nascem os indivíduos da espécie humana e suas propensões para aprender e se socializar (Vieira & Prado, 2005).

A responsividade materna é considerada uma característica adaptativa, pois uma mãe que atende às necessidades imediatas de seu bebê tem mais chance de permitir sua sobrevivência e futura reprodução. Deve-se, também, levar em conta o temperamento do bebê na interação com sua mãe (Bussab, 2000). Um bebê mais calmo ou mais irritado afeta o comportamento da mãe. As características e reações da mãe também influem nessa interação, constituindo um canal de mão dupla (Wendland-Carro, Piccinini & Millar, 1999).

Os comportamentos do bebê não são apenas influenciados e moldados pela mãe, mas também impactam o comportamento desta. Desse modo, os sinais do bebê podem afetar as trocas com seus cuidadores. Pode-se dizer que o sucesso de nossa espécie só foi possível porque, além de certas características e capacidades iniciais dos bebês, a evolução se encarregou de criar padrões comportamentais maternos e paternos compatíveis com a demanda da prole por cuidado. Para garantir que a mãe cuide do bebê durante um longo período de tempo, através de processos de seleção natural, os bebês, ao nascerem, já apresentam determinadas características que favorecem as interações mãe-bebê (Seidlde-Moura & Ribas, 2005).

Segundo a Teoria do Investimento Parental, na concepção de Trivers (1972), os pais ao realizarem um investimento num filhote específico aumentam as suas chances de sobrevivência e seu futuro sucesso reprodutivo, diminuindo a capacidade de investirem em outro filhote. As decisões de investimento parental são baseadas nas condições ecológicas que os pais vivenciam, incluindo a ordem de nascimento das crianças, as quais se expressam na prevalência de certos estilos de cuidado. Essas estratégias são, obviamente, inconscientes.

Embora o investimento parental seja a condição biológica natural, aspectos do contexto podem dificultar os cuidados parentais. O atendimento psicoeducativo em grupo no pós-parto, a termo ou prematuro, pode ajudar as mães a entenderem o quanto seus filhos necessitam de cuidado e, também, o quanto elas mesmas precisam do suporte de uma rede social de apoio para darem conta da tarefa de atender prontamente às necessidades de um bebê. Sendo assim, a Psicologia Evolucionista embasa o trabalho a partir de uma visão de homem que pertence a uma espécie e, ao mesmo tempo, está inserido em um ambiente histórico e cultural. Os grupos são indicados para todas as mães que desejam participar da troca de experiências, especialmente para aquelas que são primíparas, que possuem pouca rede de apoio social, algum distúrbio emocional e cujos filhos se encontram internados após o nascimento.

A Terapia Cognitivo-Comportamental e seu uso em grupos de atendimento psicoeducativo a mães

A premissa básica da TCC é a de que a maneira pela qual as pessoas interpretam suas experiências determina como elas se sentem e se comportam. Segundo Rangé e Souza (2008), "a noção de que são as interpretações – e não os fatos em si – que trazem sofrimento ao indivíduo é central para compreender a psicopatologia" (p.264). O alvo da TCC é a cognição, que é considerada como englobando tanto o conteúdo quanto os processos envolvidos no pensar. Considera-se que qualquer alteração no conteúdo de uma dada cognição também afeta o estado afetivo e comportamental da pessoa.

Alguns conceitos importantes da TCC são relevantes para a compreensão do trabalho com as mães no pós-parto, tais como: 1) pensamentos automáticos (PA) – avaliações espontâneas, geralmente não muito conscientes, podem ser funcionais ou disfuncionais e são originados a partir das crenças centrais; 2) crenças centrais (ou nucleares) – arraigadas, precoces, supergeneralizadas em relação a si, aos outros, ao mundo; 3) crenças intermediárias (ou condicionais) – revelam estratégias para a pessoa se manter no controle e definem regras e atitudes.

O trabalho é estruturado através de princípios, tais como, ser: 1) ativo – participante e profissional de saúde têm responsabilidade e agem de modo cooperativo; 2) diretivo – atenção dirigida aos problemas no aqui-e-agora, trabalhando pensamentos, sentimentos e comportamentos; 3) psicoeducativo – profissional de saúde ensina o modelo cognitivo às mães; 4) "biblioterápico" – durante o trabalho, são indicadas leituras de acordo com os problemas em questão.

Mesmo usando esses princípios da TCC, a proposta do atendimento no pós-parto não é o de ser uma psicoterapia, e sim um trabalho psicoeducativo. Desse modo, a TCC é utilizada, principalmente, para levantar crenças e pensamentos disfuncionais a respeito dos papéis materno e paterno, do parto, da amamentação, da sexualidade, bem como expectativas sobre o modelo de filho. No próximo tópico serão apresentadas especificidades dos contextos de nascimento no parto a termo e prematuro, cujos próprios contextos já sugerem demandas de intervenção nos dois grupos.

Os contextos do nascimento prematuro e a termo: implicações para a interação entre mãe e bebê

O ciclo gravídico-puerperal encerra-se com o pós-parto. É um período, como a gestação, em que a mulher passa por muitas mudanças fisiológicas e socioemocionais, sendo que, como mãe, a mulher precisa identificar não somente as suas necessidades, mas também as do bebê. O processo de assumir que a mulher será mãe envolve inúmeros aspectos, dentre os quais, uma sutil permissão de sua própria mãe (agora avó, ou outra figura feminina acolhedora) para que passe do papel de filha ao papel de mãe. É um período de intensas modificações psicossociais na família. O pai do bebê também se mostra, muitas vezes, angustiado com as novas responsabilidades e relegado ao segundo plano, em virtude dos cuidados que a mulher presta ao recém-nascido. Os sentimentos de ciúme são comuns, não só do homem, mas também da mulher, que durante a gravidez era o centro das atenções e perde esse lugar para o bebê.

Essas e outras transformações biopsicossociais fazem com que o pós-parto se caracterize por cansaço, labilidade de humor e, por vezes, conflitos familiares, independente de o bebê ter nascido a termo ou prematuramente.

Ao comparar o desenvolvimento inicial de bebês pré-termo com o daqueles nascidos a termo, podem-se identificar diferenças significativas. No nascimento a termo, por exemplo, o bebê pode receber logo após o nascimento os cuidados básicos prestados por seus pais, além de poder entrar em contato mais rapidamente com sua família extensa. Já o bebê prematuro sofre uma separação abrupta de sua mãe para ficar na UTI-Neonatal, além de ter permanecido menos tempo no útero desta. Ele será cuidado predominantemente pela equipe de saúde e, por consequência, receberá menos os cuidados parentais habituais em nossa cultura, já que, por orientação médica, durante algum tempo poderá não tomar banho, nem ser amamentado ao seio, nem ser retirado da incubadora (Ministério da Saúde, 2002).

A mãe do bebê prematuro pode vivenciar diversos fatores que podem influenciar sua relação com o bebê, tais como: labilidade emocional, falta de suporte social, cansaço, dor, estressores socioeconômicos, depressão e atitude negativa sobre ser mãe. O estresse psicológico materno relacionado ao nascimento prematuro tem sido descrito como um fator que interfere no desenvolvimento do apego (Kaaresen, Ronning, Ulvind & Dahl, 2006), na sensibilidade materna em relação às pistas do bebê (Zelkowitz, Bardin & Papageorgiou, 2007) e na interação mãe-bebê (Muller-Nix et al., 2004).

No nascimento pré-termo, a representação mental da mãe sobre o bebê e o recém-nascido pré-termo real, muitas vezes, são bem diferentes. Além disso, a experiência de parto antes do esperado, com menor tempo para preparar-se para o nascimento, a separação precoce do bebê e o medo sobre a segurança deste podem complicar o processo de apego por parte da mãe (Korja et al., 1992).

Nesse sentido, conhecer o bebê é o que leva a mãe a ter um maior envolvimento com ele, e ajudá-la nesse processo é o que se busca nos grupos psicoeducativos. Informações sobre as capacidades dos recém-nascidos para a interação contribuem para apurar a sensibilidade e a responsividade maternas, capazes de auxiliar na sincronia entre a díade e no desenvolvimento do apego (Wendland-Carro, Piccinini & Millar, 1999).

Estudos nacionais e internacionais sobre a experiência de grupos de pais em UTIs-Neonatais descrevem os grupos como um importante espaço para levar informações aos pais, compartilhar sentimentos e favorecer a socialização no ambiente hospitalar (Ferreira, Sakita, Jurfest & Ceccon, 2009; Nicolau & Glazebrook, 2008; O´Shea et al., 2007). Além disso, é uma estratégia de assistência viável, que requer pequeno investimento financeiro e otimiza o tempo de serviço, permitindo ao profissional atender várias demandas e pessoas ao mesmo tempo e podendo, a partir dela, realizar os devidos encaminhamentos (Santos et al., 2012).

Como resultados encontrados na realização dos grupos, são apontados: maior busca de informação por parte dos pais, participação mais ativa dos pais no tratamento, melhor interação dos pais com a equipe e com outros pais que se encontram na internação, mais segurança dos pais para interagir com seus bebês (Ferreira, Sakita, Juferst & Ceccon, 2009).

Em relação aos temas tratados nos grupos descritos nos estudos encontram-se: o relacionamento entre equipe e familiares, normas e rotinas hospitalares, sobrecarga emocional dos familiares, necessidade de estar com o filho, reflexões sobre sentimentos maternos, dentre outros (Duarte, Dittz, Noely e Silva & Rocha, 2013; Santos et. al. 2012; Ferreira, Sakita, Juferst & Ceccon, 2009). Estudo de Nicolau e Glazebrook (2008) aponta que as necessidades de apoio emocional dos pais na internação mudam a cada momento, de tal maneira que nem sempre os pais irão necessitar do suporte. Assim, o profissional responsável pelo programa de apoio deve estar atento a essas demandas e procurar conferir ao atendimento as características de flexibilidade, variação de temáticas e possibilidade de ser sustentável.

Com a realização dos grupos ocorre uma diminuição da ansiedade dos pais que ficam, muitas vezes, pesquisando sobre o quadro similar ao do filho, e chegam a gastar de 10 a 20 horas semanais na coleta de informações, seja com a equipe ou na Internet (Brazy et al., 2001). Assim, o grupo, principalmente o multidisciplinar, sistematiza essa procura dos pais, diminui a ansiedade e até possíveis fantasias dos mesmos.

Conforme a literatura aponta, é relevante o papel dos grupos de apoio no puerpério. Seguem-se a apresentação e a discussão do atendimento psicoeducativo em dois grupos, configurando o relato de experiência do presente trabalho, sendo: 1) mulheres que tiveram o bebê a termo (atendimento em uma clínica particular no Rio de Janeiro); e 2) mulheres com bebês prematuros (atendimento em uma UTI Neonatal pública no Rio de Janeiro).

Grupo para mulheres no pós-parto de bebês nascidos a termo

Pensando em uma mulher-mãe, que, por conta do bebê pequeno, acaba tendo suas relações sociais alteradas, o atendimento em grupo pode tornar-se um importante espaço para trocas de informações e experiências, bem como para a elaboração das angústias e ansiedades inerentes a esta fase. O grupo que serve de referência para este estudo está sediado na cidade do Rio de Janeiro, em uma clínica privada, e atende, em sua maioria, a população oriunda do grupo de gestantes acompanhado pela mesma equipe. A maioria das mulheres tem curso superior e pós-graduação, idade entre 30 e 40 anos, pertence à classe média e já recebeu orientação prévia sobre amamentação e cuidados com bebê, bem como um panorama geral de como é o pós-parto. O grupo é composto por, no máximo, seis participantes, é aberto, com participação voluntária, os temas discutidos são sugeridos pelas mães, e a frequência é, em média, de dois atendimentos, de duas horas cada, por mês.

O trabalho tem por objetivos: 1) acolher e discutir questões fisiológicas e emocionais relacionadas ao pós-parto; 2) fornecer conhecimento sobre as características, o desenvolvimento e cuidados com o bebê; 3) auxiliar a mãe a lidar melhor com as angústias e culpas desse período, o excesso de trabalho e o cansaço; 4) orientar a mãe para a formação de uma rede de apoio; 5) abordar aspectos socioeconômicos e culturais relativos à volta ao trabalho, e à retomada da intimidade do casal; 6) refletir sobre o papel materno, sem perder de vista a mulher; e 7) orientar para a criação de filhos emocionalmente saudáveis.

A metodologia aplicada utiliza dinâmicas de grupo, aulas expositivas, discussão de temas e leituras indicadas baseadas nos temas levantados para discussão. Como apoio adicional, há um grupo de discussão virtual para que as mães possam "dialogar" e discutir o tema que será tratado no encontro. Desse modo, há um apoio constante e não somente quando há o encontro presencial (que pode variar desde encontros semanais a encontros mensais, de acordo com a disponibilidade do grupo).

Em geral, os temas mais abordados são: depressão pós-parto, cansaço dos primeiros meses, cuidados com o bebê, retomada da atividade sexual, amamentação, introdução de alimentos, desenvolvimento infantil orientação para a educação e criação de filhos emocionalmente saudáveis, rede de apoio, escolha de creche/babá, e retorno ao trabalho. Não há uma sequência fixa de exposição dos temas discutidos, pois os mesmos são definidos e discutidos de acordo com a escolha das mães.

Outro tema de grande demanda é relativo ao que a nossa sociedade urbana ocidental espera de uma mulher após parir. Culturalmente, espera-se que a mulher fique feliz após o nascimento do bebê e a própria situação fisiológica e psíquica no pós-parto não se adéqua a essa expectativa social. Essa crença de felicidade pode levar, inclusive, à não detecção da depressão, pois a mulher não se sente à vontade para falar dos aspectos negativos do pós-parto e, consequentemente, buscar ajuda. No grupo, as mulheres são estimuladas a expor seus sentimentos e buscar solução para os problemas.

Quanto à relação direta da mãe com o bebê, durante a gestação a mãe idealizou não só a aparência de seu bebê, mas também seu temperamento. Uma vez nascido, ele poderá ou não corresponder às suas expectativas. Isso ocorre porque as mães precisam realizar uma adaptação da imagem de seu filho ideal para o real.

Maldonado (2005) fala das interpretações fantasiosas da mãe a respeito de padrões de comportamento do bebê. O bebê pode ser visto pela mãe como rejeitador, por exemplo, se tem dificuldade em pegar o mamilo, se mama muito devagar ou dorme durante a mamada; como violento e agressivo, se mama avidamente; como voraz e insaciável, que "seca" a mãe; podendo gerar na mulher sentimentos de insuficiência e necessidade de se proteger. Nestes casos, muitas vezes a mãe não se deixa sugar, podendo começar a introduzir mamadeiras complementares ou mesmo desistir de amamentar. Quando explicamos às mães tal fato, e também as características do recém-nascido, elas podem reelaborar suas crenças, expectativas, pensamentos e, consequentemente, suas condutas.

A sexualidade do casal também não pode ser deixada de lado após o nascimento do bebê. Compreender a vida sexual da mulher e do casal no ciclo gravídico-puerperal, entendendo suas dificuldades, pode ajudá-los a harmonizar maternidade e sexualidade. É fundamental que os profissionais de saúde que trabalham com o ciclo gravídico-puerperal compreendam a dinâmica da interação, por exemplo, entre amamentação e sexualidade, e ajudem a mulher ou o casal a superar os conflitos decorrentes da dicotomia lactante/mulher sexuada, integrando essas duas dimensões fundamentais para a mulher e para a tríade mãe/pai/bebê (Maldonado, 2005).

O profissional deve incentivar os casais a dialogarem sobre as modificações na sexualidade no puerpério e também alertá-los para o fato de que podem ser passageiras e superáveis com o correr do tempo. Alguns aspectos da sexualidade importantes para abordar no grupo são: alertar as mães para a ejeção do leite durante excitação e orgasmo, e orientar sobre possíveis formas de lidar com o fato; esclarecer que tocar a mama com as mãos ou com a boca não é prejudicial para a amamentação, nem contamina o leite; falar da normalidade das relações sem penetração pênis-vagina e alertar para o normal ressecamento da vagina durante a lactação, indicando o uso de creme lubrificante à base de água (Pamplona & Melo-de-Aguiar, 2010).

O desenvolvimento infantil e as características do bebê também são tratados de modo que as mães possam compreender o comportamento da criança e, com isso, lidar melhor com as necessidades de cuidado, com menos ansiedade e incertezas. Quando uma mãe de um bebê de quatro meses de idade, por exemplo, quer repreendê-lo por estar colocando a mão na boca para chupar seu próprio dedo, explica-se que esse é um comportamento normal para a sua faixa etária e que a tendência é que o comportamento desapareça.

Grupo para mulheres no pós-parto de bebês nascidos prematuros

O grupo de mães de bebês prematuros funciona, em geral, dentro do próprio espaço do hospital, no ambiente de nascimento do bebê. O grupo de referência para este estudo está sediado em um hospital militar, na cidade do Rio de Janeiro, que atende a população de mães de alto risco do Brasil inteiro e de várias classes sociais. A UTI-Neonatal deste hospital é composta por pediatra, neonatologista, enfermeira, nutricionista, fonoaudióloga, psicóloga e por técnicos e auxiliares de enfermagem. Tem nove leitos, e fica localizada ao lado da maternidade. A mãe, que está no quarto, e o filho, que se encontra na UTI, ficam bem próximos, no mesmo andar do hospital, sendo os quartos mais próximos à UTI reservados para as mães de prematuros.

No grupo, há participantes de várias idades, a média concentra-se em torno dos 28 anos, a maioria possui ensino médio completo e classe social média. O grupo funciona em uma sala que acomoda até 10 participantes, e é aberto e cíclico, pois constantemente ocorrem altas médicas e novas internações, alterando a configuração das participantes. Ele é realizado semanalmente, com duração de sessenta minutos, sendo composto por uma média de cinco participantes. A principal ferramenta de trabalho do grupo é a fala das mães. São também realizadas dinâmicas e palestras, principalmente quando há a presença de profissionais de outras áreas, além da psicóloga.

A experiência de coordenação desses grupos indicou que os seguintes objetivos são fundamentais: 1) fornecer conhecimento sobre o ambiente do bebê prematuro e sobre seu desenvolvimento; 2) fornecer informações não apenas sobre as limitações dos bebês, mas sobre suas capacidades e sensibilidades; 3) acolher questões das mães sobre o estresse de uma internação prolongada, sobre a imagem que ela fazia de seu bebê e de sua vivência de maternidade em uma UTI-Neonatal; 4) auxiliar a mãe a formar uma rede de apoio de cuidado aos seus outros filhos que se encontram em casa; 5) facilitar, junto à equipe de saúde, o trânsito dos familiares que dão suporte a esta mãe; 6) intermediar a relação entre mães e equipe de saúde; e 7) orientar para a construção de uma maternidade saudável, principalmente quando a alta se aproxima. O grupo se constitui não só como um grupo de reflexão, com o objetivo de criar um espaço para a mãe refletir sobre o que está vivenciando, como também, um grupo de orientação sobre o bebê, que visa fornecer informações e esclarecer duvidas sobre o desenvolvimento do bebê, o tratamento na UTI-Neonatal, e as possibilidades de cuidado a ser realizado pela mãe (Duarte, Dittz, Noelly e Silva & Rocha, 2013).

Enquanto grupo de reflexão, foi embasado pela TCC e como grupo de orientação sobre o bebê e a maternidade foi a Psicologia Evolucionista do Desenvolvimento a base teórica que o norteou. Assim, são apontadas as capacidades do recém-nascido humano, bem como suas limitações, que geram necessidade de cuidados, que são capazes de fortalecer a interação com cuidadores e, com isso, garantir a sobrevivência da espécie. Os prematuros, enquanto estão na UTI-Neonatal, são regulados por práticas de cuidado regidas pela tecnologia e pela ciência técnica médica que, de início, parecem sobrepor-se às práticas de cuidado de sua família. Isto pode parecer aos pais algo ameaçador e arriscado para a sobrevivência de seus bebês. Além disso, reações hipersensíveis dos bebês prematuros, descritas por Brazelton (1988), podem gerar um ciclo no qual os pais sentem que seus filhos não se vinculam a eles, levando-os a se sentirem fracassados. Assim, no grupo, tais crenças podem ser reestruturadas, apontando a relação existente entre o que as mães sentem, pensam e seu comportamento. A partir dessa percepção e de como elas veem a equipe hospitalar, é possível realizar uma estratégia de modelação (Bandura, 1977) dessas mães junto ao grupo de profissionais. Cria-se uma situação em que o aprendizado de tarefas de cuidado do bebê se dá pela observação da equipe lidando com ele, e a equipe passa a ser vista pela mãe como sua aliada.

Na internação prolongada, quando o bebê necessita permanecer por meses na UTI-Neonatal, as mães desenvolvem altos níveis de estresse e sentem-se "presas" no hospital. Algumas desenvolvem a crença de que não podem sair de lá, nem para ir dormir em casa, ou ter alguma atividade de lazer enquanto seu filho está hospitalizado. Acreditam que ele pode morrer, mesmo quando tal possibilidade é remota. No grupo, há a oportunidade de reestruturar essas crenças. As técnicas de relaxamento usadas na TCC também são aplicadas para minimizar o estresse dessas mães, através do uso de imagens mentais e exercícios de respiração.

O grupo da UTI-Neonatal apresenta um caráter multidisciplinar, uma vez que muitos temas perpassam o saber médico, nutricional e da equipe de enfermagem. É necessário, por exemplo, fornecer informações sobre os equipamentos hospitalares que o bebê utiliza, para que os pais possam se valer dessas informações e interagir mais livremente com eles. Isso faz com que os pais se sintam mais suficientes para interagir com seus filhos. Assim, os pais não se sentem monitorados e podem reconhecer mais facilmente as pistas dos seus bebês e ficar mais atentos e vinculados a eles.

O grupo do pós-parto incentiva não apenas a busca de informações médicas sobre o estado de saúde do bebê, mas também apresenta os aspectos positivos possíveis como as capacidades e competências de um recém-nascido. Neste momento, o conhecimento teórico da PE sobre essas competências do recém-nascido é de grande valor para o trabalho do psicológo que acompanha o grupo. Também é trabalhada no grupo a comunicação da alta médica do bebê, visto que, algumas mães apresentam insegurança, acreditam que seus bebês precisarão de uma proteção maior do que os nascidos a termo, ou ainda, que a prematuridade irá deixar sequelas no desenvolvimento. Tais crenças podem vir a comprometer negativamente o estilo de parentalidade em função de certo pessimismo quanto às possibilidades de desenvolvimento típico e saudável para o filho.

Além dessas temáticas, são abordados com as mães temas que dizem respeito ao processo de tornar-se mãe, de reorganização de papéis familiares, entre outros igualmente relevantes. É apontado que esses são temas que interessam não só a elas, mães de bebês prematuros, mas a todas as mães.

 

Considerações finais

De acordo com o relato das mães, em ambos os tipos de grupo, a alternativa de atendimento adotada promoveu a diminuição da ansiedade e as ajudou a lidarem com seus filhos de acordo com o esperado para a faixa etária em que se encontravam. As mães se sentiram menos solitárias por entenderem que suas angústias e receios também acontecem com outras mulheres. Entretanto, esse é um estudo inicial, em que não foram aplicados instrumentos para uma avaliação mais objetiva da redução de ansiedade. Desse modo, estudos controlados precisam ser desenvolvidos para testar a validade da proposta de atendimento psicoeducativo no pós-parto.

O propósito do trabalho psicoeducativo não é o de fazer prescrições específicas ou indicar às mães formas e maneiras prontas para cuidarem de seus filhos e saberem lidar com eles. Pretende-se apresentar e discutir questões que parecem centrais à problemática e sensibilizar as mães para a importância de refletirem sobre possibilidades e de fazerem suas opções por caminhos emocionalmente saudáveis para si, para sua família e para seus filhos. É preciso deixar claro que não existe verdade absoluta e formas certas ou erradas de criar filhos e de ser mãe, mas um diálogo aberto, claro, objetivo e, principalmente, afetuoso pode auxiliar nos cuidados com o bebê e propiciar uma vivência mais feliz e menos ansiosa deste momento tão delicado do ciclo vital.

Entende-se que o profissional de saúde presta grande auxílio quando ouve as mães sobre sentimentos tidos como negativos pela sociedade (raiva do choro do bebê, por exemplo) e acolhe e valida seus sentimentos, mostrando-lhe que isso não as torna uma mãe ruim e não merecedora do filho. Tal profissional deverá prezar pela troca de informações objetivas, em linguagem simples e clara, de modo afetivo e empático, sem, contudo, impor técnicas e métodos.

As mulheres, de um modo geral, precisam de apoio para assumir seu papel materno, precisam de afeto, de cuidado e, principalmente, de compreensão e empatia para atravessar este momento de vivências e mudanças tão intensas dentro do ciclo vital e, ao mesmo tempo, de tanta fragilidade emocional. Desse modo, os grupos de apoio são fundamentais para complementar a rede de apoio e servir de suporte para que as mães possam se perceber capazes de cuidar de seus bebês como eles realmente são, tendo nascido a termo ou prematuros. Os grupos cumprem papel importante também para que as mães não se sintam tão sozinhas.

Desse modo, espera-se contribuir para o avanço da discussão e prática do atendimento a grupos de mães através desta modalidade de assistência profissional, com foco na promoção de saúde destas mulheres, seus bebês e demais membros do núcleo familiar.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: melodeaguiar@gmail.com

Recebido em novembro de 2013
Aceito em abil de 2014

 

 

Aline Melo-de-Aguiar: Psicóloga, Doutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio deJaneiro – UERJ.
Talita Maria Nunes de Aguiar: Psicóloga, Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Maria Lucia Seidl-de-Moura: Psicóloga, Doutora em Psicologia Cognitiva pela Fundação Getúlio Vargas – FGV.
Deise Maria Leal Fernandes Mendes: Psicóloga, Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.

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