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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.43-44 Canoas ago. 2014

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Motivos da busca de atendimento psicológico em uma clínica escola da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS – pesquisa documental

 

Reasons of search for psychological care in a school clinic in Porto Alegre' Metropolitan Area – documentary research

 

 

Fernanda Pasquoto de Souza; Débora de Freitas Gonçalves Santos; Aline Groff Vivian

Universidade Luterana do Brasil, (ULBRA Canoas)

Endereço para contato

 

 


RESUMO

O presente estudo busca a identificação dos principais motivos de busca dos pacientes que procuram atendimento psicológico em uma Clínica Escola da Região Metropolitana de Porto Alegre/RS. Utilizou-se uma metodologia levantamento retrospectivo documental, de consulta às fichas de triagens realizadas na Clínica Escola no o período de janeiro de 2008 até dezembro de 2012. A amostra do presente estudo foi composta pela análise de 229 prontuários de pacientes adultos que passaram pelo serviço-escola, incluindo os atendimentos não finalizados até o momento da realização da pesquisa. Constatou-se que a maior parte dos atendimentos realizados na clínica-escola foi do sexo feminino (79,9%), com uma faixa etária que variou entre 30 e 39 anos (26,3%) com Ensino Médio Completo (37,6%). Entre os principais motivos de busca por atendimento psicológico constamos que as queixas referentes aos Transtornos de Humor prevalecem com 47,7%, seguida por 26,8% possuíam transtornos relativos à ansiedade e 15,5% buscaram atendimento por queixas relacionadas a problemas psicossociais e ambientais.

Palavras-chave: Motivos de busca, Clínica-escola, Atendimento psicológico.


ABSTRACT

This study aims to identify the main reasons why patients search for psychological care in a School Clinic of Porto Alegre/RS. We used a retrospective documentary research methodology, by examining patients' triages performed in the School Clinic from January/2008 to December/2012. The sample of this study is composed by the analysis of medical records from 229 adult patients who went through the service, including the cases which were not concluded up to the moment of this research making. It was verified that the most of the people assisted in the School Clinic are females (79.9%), with ages ranging from 30 to 39 years old (26.3%), and who have accomplished High School education (37.6%). Among the main reasons of search for psychological care, it was found that complaints related to Mood Disorders prevail with 47.7%, followed by 26.8% of people with disorders related to anxiety, and 15.5% of patients looked for psychological care due to complaints associated with psychosocial and environmental issues.

Keywords: Reasons of search, School clinic, Psychological care.


 

 

Introdução

As clínicas escolas (CEs) foram instituídas após 27 de agosto de 1962, baseadas na Lei 4.119 que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e, que regulamenta a profissão de Psicólogo (Brasil, 1962). Neste momento definiu-se que os cursos de Psicologia deveriam organizar serviços de atendimento para que os alunos pudessem praticar os ensinamentos adquiridos em sala de aula sob a supervisão de um docente. As CEs foram instituídas com o objetivo de atender à necessidade de formação nos cursos de Psicologia, possibilitando a aplicação na prática das técnicas psicológicas aprendidas durante a graduação. Segundo Peres, Santos & Coelho, (2003), as clínicas possuem um papel importante para a formação de profissionais adequadamente habilitados, capazes de atuar, com seus conhecimentos e práticas, diante das demandas atuais da sociedade.

Segundo Mazer e Melo-Silva (2010), o estágio, seja em que âmbito aconteça, possui papel fundamental para o estudante de psicologia no que se refere à formação da identidade profissional. Neste ambiente o aluno dispõe de contato direto com a área de atuação, recebendo orientação para suas atividades. "É por meio dos estágios na graduação e da supervisão que recebe dos professores que o estudante aprende realmente a ser psicólogo" (Mazer & Melo-Silva, 2010).

As CEs cumprem, além do papel de complementação acadêmica, com a atuação supervisionada na prática clínica pelos estudantes em final de formação (Campezatto & Nunes, 2007), mas também um papel social, prestando atendimento e serviços de Psicologia à população em geral. Além disso, os atendimentos de Psicologia nas CEs oferecem ajuda a uma parcela da população que necessitada de auxílio, os pacientes são atendidos por alunos em formação gratuitamente ou a um valor simbólico (Honda & Yoshida, 2012; Santeiro 2008).

Melo-Silva, Santos & Simon, (2005) referem que o termo clínica-escola veio a ser substituído por Serviço – Escola a partir de 2004, quando ocorreu o 12º Encontro de Clínicas-Escola do Estado de São Paulo, este nome passou a ser utilizado com o propósito de abranger maior número de intervenções psicológicas. Segundo as considerações de Herzberg e Chammas (2009), com esta mudança amplia-se também o entendimento de que as intervenções nestes ambientes ultrapassam a atuação clínica, sendo possível a viabilidade da estruturação de intervenções de acordo com a realidade e necessidades observadas pelo local.

O Serviço Escola (SE) referente a esta pesquisa oferece atendimento há 20 anos à comunidade da região metropolitana de Porto Alegre /RS, neste local são oferecidos serviços de fisioterapia e fonoaudiologia, além de atividades de extensão, pesquisa e práticas disciplinares. Os atendimentos realizados SE compreendem duas abordagens teóricas, a cognitivo-comportamental e a psicanalítica, os atendimentos são realizados por estudantes de psicologia através de estágios curriculares supervisionados em Psicologia.

No SE os estudantes realizam supervisão da prática clínica, seminários teórico-clínicos, entrevistas iniciais (triagens) de pacientes, buscando o acolhimento inicial, a identificação do motivo da consulta, levantamento da hipótese diagnóstica e a indicação de encaminhamento ou atendimento no local. No SE é oferecido além de psicoterapia individual, o psicodiagnóstico e a consultoria psiquiátrica, realizada por um psiquiatra do local, para os pacientes indicados através do atendimento psicoterápico individual.

Deste modo, é possível perceber a relevância da realização de pesquisas para o conhecimento e desenvolvimento de novos parâmetros de serviços oferecidos pelos SEs (Serviços-Escolas). Estudos que possam caracterizar o funcionamento das SEs, identificar o levantamento de queixas mostram-se indispensáveis para aperfeiçoar o planejamento de medidas mais efetivas e da eficiência dos serviços oferecidos, fundamentando práticas que atendam as necessidades da população, delineando ações mais produtivas, possibilitando a ampliação dos atendimentos prestados, procurando e adequando as necessidades percebidas, visando à manutenção e a qualidade do atendimento (Boaz & Nunes, 2010; Herzberg & Chammas, 2009).

O presente estudo busca identificar os principais motivos de busca de atendimento psicológico em uma Clínica Escola de Psicologia da região metropolitana de Porto Alegre/RS, abrangendo a faixa etária adulta (acima de 19 anos), visando à identificação do perfil dos pacientes atendidos no período de 2008 a 2012. Cabe salientar que esta pesquisa faz parte de um estudo mais abrangente intitulado Perfil Sociodemográfico de pacientes atendidos em uma Clínica Escola de Psicologia de 2008 a 2012 que tem como objetivo mapear o perfil dos usuários do serviço de Psicologia neste período.

 

Método

O método utilizado no estudo trata-se de um levantamento retrospectivo e quantitativo, realizado através de pesquisa documental que, segundo Oliveira (2007), é aquela que recorre a materiais que ainda não receberam tratamento analítico, chamadas fontes primárias. A amostra foi composta pela análise de prontuários de pacientes que foram atendidos em um Serviço-Escola de Psicologia da região Metropolitana de Porto Alegre, compreendendo o período de janeiro de 2008 até dezembro de 2012. A coleta de dados foi realizada mediante autorização da Coordenação do Serviço-Escola.

Os prontuários são fichas que possuem os dados de frequência do atendimento e motivo da procura por tratamento psicológico. Neste estudo, foram utilizados 229 prontuários de pacientes que passaram pelo serviço-escola. Foram utilizados os seguintes dados: sexo, idade, escolaridade, ocupação profissional, fonte de encaminhamento, tempo de tratamento, tipos de términos dos atendimentos, número de sessões realizadas e motivos de término. Para a classificação das queixas, foram utilizados os critérios diagnósticos do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM –IV- TR.

Após coleta dos dados, foi constituído um banco de dados contemplando as variáveis da pesquisa mencionadas anteriormente. Essa análise constituiu em descrever as características gerais da amostra com relação às variáveis sociodemográficas e clínicas, e a partir da sua interpretação foi possível identificar o perfil dos usuários atendidos pelo Serviço-Escola de Psicologia em questão.

Na análise estatística, as variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas, o teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado. Em caso de significância estatística, o teste dos resíduos ajustados foi aplicado. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05) e as análises foram realizadas no programa estatístico Statiscal Package for the Social Sciences- SPSS, versão 17 para Windows.

É importante informar que todas as pessoas que buscam atendimento no Serviço Escola são informadas da possibilidade de que seus dados sejam utilizados em atividades de pesquisa, deixando autorizado o acesso a essas informações para este fim, mantendo-se sigilo mediante o compromisso da não identificação dos pacientes.

 

Resultados

A amostra do presente estudo foi composta pela análise de 229 prontuários de pacientes adultos, com idade acima de 19 anos. O período dos documentos analisados compreende os anos de 2008 até 2012, incluindo os atendimentos não finalizados até o momento da realização da pesquisa.

 

 

Diante da análise de 229 prontuários de atendimentos, constata-se que a maior parte dos atendimentos realizados no serviço-escola em questão é do sexo feminino, com 79,9% em relação aos pacientes do sexo masculino com 20,1%.

Diante dos prontuários analisados, em uma faixa etária que compreendem idades entre 19 e 79 anos, pode-se constatar que a maior parte dos pacientes atendidos tinham idades entre 30 e 39 anos de idade (26,3%), seguidos dos que possuem idades entre 40 e 49 anos (23,2%),19 e 29 anos (21,5%) e, por fim,11,8% dos pacientes atendidos tinham idade igual ou superior a 60 anos.

Conforme a Tabela 1 pode-se observar que à escolaridade dos pacientes atendidos no SE, 37,6% possuem Ensino Médio Completo e 24,7% possuem Ensino Fundamental Incompleto, sendo que os dados de Ensino Fundamental Completo e de Ensino Superior Completo obtiveram a mesma porcentagem, 5,9% dos atendidos. Quanto aos aspectos referentes à ocupação dos pacientes atendidos no SE foi possível observar que 63,4% não possuem nenhuma ocupação ou trabalho.

A Figura 1 expressa a distribuição dos pacientes por motivos de busca de atendimento, constatou-se que as principais queixas apresentadas como motivo de busca para atendimento no SE, foram às queixas referentes aos Transtornos de Humor com 47,7%, seguida por 26,8% que procuraram o atendimento por apresentarem transtornos relativos à ansiedade e, 15,5% buscaram atendimento por apresentarem queixas relacionadas a problemas psicossociais e ambientais.

 

 

Podemos observar que entre as outras queixas apresentadas na Figura 1 estão o luto com 3,6%, condições médicas gerais e disfunções sexuais apresentaram igualmente o índice de 2,3% dos casos, seguidos pelas referentes aos transtornos alimentares com 1,4% e, 0,5% dos casos por abuso de substância.

Conforme a Figura 2 a busca pelo atendimento psicológico no SE aconteceu em 58,2% dos casos de maneira espontânea, sendo que dos pacientes que buscaram a clínica através de outros encaminhamentos, como aqueles realizados por médicos clínicos gerais e demais profissionais da área da saúde, como fisioterapeutas e fonoaudiólogos chegam a 23,6% dos casos. Dos pacientes atendidos no SE 17,8% buscaram atendimento após serem encaminhados por outros profissionais de saúde mental, como médicos psiquiatras, neurologistas e psicólogos e, somente 0,4% foram encaminhados por instituição escolar.

 

 

A Figura 3 mostra os dados referentes ao tipo de encerramento dos pacientes atendidos no SE. Constatou-se que 56,3% dos atendimentos finalizados ocorreram por motivo de desistência do paciente quanto apenas 23,4% tiveram alta e os que receberam encaminhamentos a outros locais ou profissionais chegam a 18% dos casos. Na presente pesquisa foram incluídos os pacientes que iniciaram atendimento até o mês de dezembro de 2012, destes atualmente 2,3% permanecem em atendimento.

 

 

 

De acordo com a Tabela 2 foi possível constatar associação entre a passagem para outro estagiário e o encerramento do atendimento (p<0,001). Dos 229 prontuários analisados, 218 continham informações sobre a passagem para outro profissional/estudantes durante o atendimento psicoterápico realizado no SE. Dos atendimentos realizados 14,7% dos pacientes atendidos passou por este processo de passagem para outro terapeuta.

 

 

Pode-se constatar a partir dos dados apresentados na Tabela 2 quanto aos serviços oferecidos no SE pesquisado que 55,4% dos pacientes realizaram atendimento psicológico na abordagem psicanalítica, 44,1% foram atendidos na abordagem cognitivo-comportamental, e apenas 0,5%, um paciente, realizou apenas avaliação psicodiagnóstica. Considerando a consultoria psiquiátrica oferecida pelo local obtivemos 187 prontuários para análise, neste item constamos que 81,3 % dos casos não participaram da consultoria.

Dados referentes à Tabela 6 mostram informações quanto ao número de sessões realizadas, sendo que dos 229 prontuários analisados apenas 183 continham dados sobre item, destes 30,6% dos pacientes tiveram de 4 a 12 sessões, 25,1% realizaram no máximo 4 atendimentos, 23,5% dos pacientes atendidos realizaram de 13 a 24 sessões e 20,8% compareceram a mais de 24 sessões.

 

Discussão

Foram analisados 229 prontuários de atendimentos, constatou-se que a maior parte dos atendimentos realizados no Serviço-Escola é do sexo feminino, totalizando 79,9% em comparação com o sexo masculino com 20,1%. A predominância do sexo feminino é demonstrada por autores como Maravieski e Serralta (2011) realizado em uma CE da região metropolitana de Porto Alegre/RS no período de 2003 a 2007. Naquele estudo a prevalência de atendimentos de adultos (acima de 21 anos) foi de 62,1%, e por Costa, Herek, Marutti, Piffer & Camargo, (2007) em um estudo realizado no Paraná com 65% de mulheres, enquanto Gatti e Jonas (2007), apontaram que 75,13% dos pacientes atendidos em seu SE eram mulheres.

No estudo de Campezatto e Nunes (2007), dados referentes ao motivo de maior procura do sexo feminino por atendimento psicológico na literatura existente são insuficientes, o que dificulta associar a uma única causa a maior procura de mulheres adultas por psicoterapia, refere que, para este público, a psicoterapia pode estar associada ao espaço proporcionado de autoconhecimento, reflexão e esperada melhora. Conforme Romaro e Oliveira (2008) a maior procura das mulheres pelo atendimento psicológico pode estar relacionada à maior facilidade e aceitação sociocultural para a exposição de seus problemas ou expressão dos seus sentimentos, enquanto os homens sofrem maior pressão da sociedade na expressão de seus sentimentos ou problemas, que podem ser vistos como uma forma de fraqueza.

As principais queixas apresentadas como motivo de busca para atendimento no SE estudado foram as referentes aos transtornos de humor com 47,7%, seguida por 26,8% que procuraram a clínica por apresentarem transtornos relativos à ansiedade e, 15,5% buscaram atendimento por apresentarem queixas relacionadas a problemas psicossociais e ambientais. Podemos observar que entre as outras queixas apresentadas estão o luto com 3,6%, condições médicas gerais e disfunções sexuais apresentaram igualmente o índice de 2,3% dos casos, seguidos pelas referentes aos transtornos alimentares com 1,4% e, 0,5% dos casos por abuso de substância.

De acordo com a pesquisa realizada por Maravieski e Serralta (2011), os principais motivos de busca foram os sintomas depressivos (26%) e de ansiedade (13,7%). Em uma pesquisa realizada por Bortolini, Pureza, Andretta & Oliveira, (2011) também em um SE, os dados encontrados corroboram com os achados desta pesquisa, no estudo foi identificado como queixa principal os transtornos de humor em 38% dos casos, seguidos por 27,20% das queixas que culminaram em atendimento estavam relacionadas aos transtornos de ansiedade.

Podemos identificar queixas semelhantes aos identificados na pesquisa de Campezzatto e Nunes (2007) que sinalizam como queixas principais encontradas em um SE, um total de 27,88% dos sujeitos pesquisados apresentavam sintomas relacionados aos transtornos de humor, com quadros de depressão, agressividade e de ansiedade. Em outro estudo realizado em um SE na cidade de Guaíba/RS, realizado por Villwock, Coelho, Predebon, Mansur, Hoppe, Fronckowiak, & Devit, (2007) as queixas mais expressivas apresentadas pelos pacientes adultos corroboram os dados deste estudo. As autoras contataram que o principal motivo de busca por atendimento naquele SE foi a depressão (15,2%), seguida pela ansiedade (13,6%) dos casos.

Conforme a Figura 2 a busca pelo atendimento psicológico no SE aconteceu em 58,2% dos casos de maneira espontânea, sendo que 23,6% dos pacientes buscaram a clínica através de outros encaminhamentos, como aqueles realizados por médicos clínicos gerais e demais profissionais da área da saúde, como fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Dos pacientes atendidos 17,8% buscaram atendimento após serem encaminhados por outros profissionais de saúde mental, como médicos psiquiatras, neurologistas e psicólogos e, somente 0,4% foram encaminhados pela escola.

Estes dados estão de acordo com o estudo de Maravieski e Serralta (2011), que constata 50,8 % foram por procura espontânea. Outra pesquisa realizada por Lahm e Boeckel (2008), em SE no município de Taquara/RS com 22 indivíduos, informa que 60% das pessoas que buscaram atendimento na clínica o fizeram espontaneamente.

A Figura 3 mostram dados referentes aos tipos de encerramento dos pacientes atendidos na SE. Constatou-se que 56,3% dos atendimentos finalizados ocorreu por motivo de desistência do paciente quanto apenas 23,4% tiveram alta, sendo que os encaminhamentos a outros locais ou profissionais chegam a 18%. Na presente pesquisa foram incluídos os pacientes que iniciaram atendimento até o mês de dezembro de 2012, destes atualmente 2,3% permanecem em atendimento.

No estudo realizado por Maravieski e Serrlata (2011) encontramos um índice também bastante expressivo de desistência do tratamento psicoterápico, 42,4% dos casos haviam desistido do atendimento por escolha unilateral com ou sem aviso prévio ao terapeuta. Estudos realizados em SE que tratam sobre o abandono da psicoterapia possuem número dentro da média observada na presente pesquisa (Bortolini et al., 2011; Campezatto & Nunes, 2007; Lhullier, Nunes, Antochevis, Porto & Figueiredo, 2000).

Conforme o estudo de Milagre e Dias (2012), sobre o abandono do atendimento psicológico em uma SE, não é possível identificar um único fator determinante na desistência do atendimento, foi percebido que o abandono compreende vários aspectos, que vão desde a localização da clínica, a condução do estagiário no atendimento, as condições financeiras do paciente, tempo de espera para o atendimento e a "resistência" do paciente, entre outros. Segundo as autoras o que se pode fazer a fim de evita-los é uma constante reflexão dos meios e serviços ofertados pelo local, considerando as características e o perfil dos pacientes atendidos, possibilitando uma constante adequação dos serviços oferecidos.

De acordo com os dados obtidos relativos ao número de sessões realizadas no SE estudado foi constatado que 30,6% dos pacientes foram atendidos em média de 4 a 12 sessões antes do abandono, encaminhamento ou término. É importante destacar que este dado pode indicar que estes pacientes desistiram do atendimento ou foram encaminhados a outros locais e serviços de psicologia.

Conforme estudo de Enéas, Faleiros & Andrade, (2000) sobre psicoterapias breves com adultos, a duração média em um SE estudada foi de 9 a 12 sessões e, embora os autores sinalizem que não há consenso sobre a duração adequada da psicoterapia breve, o modelo adotado pelas SEs atendem a proposta do estágio, oferecendo aos estudantes condições de acompanhamento de um processo completo. Segundo os autores o tempo de duração menor pode ainda, favorecer a obtenção de índices menores de interrupção do tratamento, embora possam não influenciar que aspectos subjetivos dos pacientes os levem a desistir da psicoterapia.

Conforme Figura 4 foi possível constatar associação entre a passagem para outro estagiário e o encerramento do atendimento (p<0,001), podendo assim identificá-lo como fator de proteção. No SE estudado, fonte para esta pesquisa é realizado um processo de passagem de terapeuta, nos casos em que seja necessária uma mudança, isto ocorre devido ao término do estágio do estudante de psicologia. Neste processo, até a troca definitiva, o paciente é preparado para a mudança de terapeuta, sendo realizadas algumas sessões com os dois terapeutas a fim de proporcionar melhor adaptação do paciente à passagem.

No presente estudo, dos atendimentos realizados tivemos o resultado que 14,7% dos pacientes passaram por este o processo de passagem para outro terapeuta. Já as autoras Vivian, Santos e Souza, 2014, observaram que a troca de terapeuta não é um motivo de desistência do tratamento, mas sim, que a maioria (56%) que foi atendida por mais de um terapeuta continuou o tratamento e teve alta. Em outro estudo comparativo em uma SE de Psicologia com pacientes que receberam acompanhamento de passagem com dois terapeutas até a finalização da troca de profissional e, aqueles que não participaram do mesmo processo foi possível identificar que o índice de abandono da terapia foi menor no grupo em que houve o trabalho de passagem (Lhullier et al., 2000).

Pode-se constatar a partir dos dados apresentados na tabela 6 quanto aos serviços oferecidos no SE pesquisado, que 55,4% dos pacientes realizaram atendimento na abordagem psicanalítica, 44,1% na abordagem da teoria cognitivo comportamental e 0,5% realizou atendimento com a finalidade de psicodiagnóstico. Observa-se que os números de pacientes atendidos entre uma abordagem e outra são próximos, podemos relacionar isto ao processo de triagem. O processo de triagem ocorre no SE no momento inicial de atendimento ao paciente, trata-se de 3 a 4 sessões de avaliação do paciente, neste processo é possível realizar a coleta de dados, a identificação o motivo de busca pelo atendimento psicológico, possibilitando o planejamento do tratamento e a identificação da abordagem mais adequada para cada caso.

Segundo estudos que tratam sobre os procedimentos de recepção dos pacientes em SE, sejam eles chamados de triagens, entrevistas iniciais ou de acolhimento é possível perceber a importância de tais procedimentos. Os primeiros contatos dos pacientes em um SE proporcionam a identificação das demandas, o conhecimento do perfil do paciente e, possibilitam identificar o tratamento mais indicado ao paciente que procura o atendimento psicológico (Campezato & Nunes, 2007) embora, segundo Bortolini et al., (2011), existam poucos estudos que tratem especificamente dos atendimentos na abordagem cognitivo comportamental.

 

Considerações finais

Considerando os estudos referentes aos públicos usuários de SEs, é possível perceber a relevância de pesquisam que possibilitem a identificação da natureza, motivos de busca e de encaminhamento para os serviços de psicologia disponíveis nestes locais, visto que estes conhecimentos vêm ao encontro tanto do aprimoramento das práticas clínicas dispendidas à população, quanto para a criação de novos serviços ou modalidades de atendimento (Peres et al., 2003).

O presente estudo identificou os principais motivos de busca de atendimento em um SE de Psicologia trouxe resultados relevantes. Conhecer o perfil da clientela e suas respectivas demandas de atendimento psicológico em um Serviço Escola é um procedimento que pode contribuir de forma significativa, tanto para as discussões e reflexões sobre as práticas preventivas em psicologia e saúde, quanto para a verificação das condições de oferta dos serviços prestados às diferenciadas solicitações da comunidade.

Durante a realização da pesquisa observou-se alguns fatores que foram limitadores neste estudo. Na coleta de dados, percebeu-se que algumas informações dos prontuários analisados estavam incompletas, o que impossibilitou as sua utilização. Outro fator importante foi à identificação das queixas, muitos prontuários continham mais de uma queixa descrita como motivo de busca por atendimento, optando-se por padronizar as queixas de acordo com DSM – IV-TR.

Atualmente o local estudado passa por processo de informatização e padronização dos seus dados, os prontuários dos pacientes constituirão um banco de dados do serviço escola, possibilitando sanar a limitação encontrada durante a coleta de dados da pesquisa. Este processo vem contribuir e possibilitar um acesso mais fácil às informações dos pacientes do local, com a padronização dos prontuários em um sistema informatizado os dados servirão como fonte de informação, possibilitando a identificação dos mesmos de forma mais rápida e efetiva. Diante da pesquisa realizada, percebe-se a relevância de estudos que visem à identificação do perfil dos pacientes de CE e seus motivos de busca por atendimento psicológico, para que se possa auxiliar no planejamento de modelos de atendimento à população que procura esse tipo de serviço, visando ampliar e desenvolver mais ações neste contexto, que atendam tanto à demanda da clientela quanto enriqueçam a formação do aluno-estagiário nas atuações clínicas.

 

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Endereço para contato
E-mail: fegps@terra.com.br

Recebido em maio de 2014
Aceito em junho de 2014

 

 

Fernanda Pasquoto de Souza: Mestrado em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil (2008). Professora Titular da Universidade Luterana do Brasil, (ULBRA Canoas).
Débora de Freitas Gonçalves Santos: Acadêmica do Curso de Psicologia. Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS.
Aline Groff Vivian: Psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia (UFRGS). Professora Titular da Universidade Luterana do Brasil, (ULBRA – Canoas).

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