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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.43-44 Canoas ago. 2014

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Estresse em adolescentes: estudo com escolares de uma cidade do sul do Brasil

 

Stress in adolescencents: a study with schoolars from a city in southern Brazil

 

 

Lígia Braun SchermannI; Jorge Umberto BériaI; Maria Helena Vianna Metello JacobI; Guilherme ArossiI; Mariana Canellas BenchayaII; Nádia Krubskaya BischII; Sofia RiethI

I Universidade Luterana do Brasil
II Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre

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RESUMO

Estudo analítico transversal com objetivo de avaliar a prevalência e os fatores associados ao estresse em adolescentes escolares de Canoas/RS. Participaram do estudo 475 adolescentes, de 14 a 18 anos, que responderam a Escala de Stress para Adolescentes (ESA) e a um questionário sobre dados sociodemográficos, relações familiares, sexualidade, uso de drogas e comportamento de risco. Os resultados apontaram prevalência de estresse de 10,9 %. Além do ambiente familiar, os fatores associados a níveis mais elevados de estresse foram 'achar possível contrair AIDS', 'ter sofrido acidente no último ano', 'não ter usado camisinha na primeira e na última transa' e 'já ter tido alguma DST'. Conclui-se que especialmente o ambiente familiar e as práticas sexuais são significativos ao aumento de estresse em jovens e, portanto, necessitam de intervenções que promovam comportamentos saudáveis para esta população.

Palavras-chave: Adolescente, Estresse, Sexualidade.


ABSTRACT

Study with analytic cross sectional design that aimed to evaluate the prevalence and associated factors related to stress in school adolescents from the city of Canoas/RS. The sample consisted of 475 adolescents, aged 14-18 years, who answered the Stress Scale for Adolescents and a questionnaire about socio-demographic data, family relations, sexuality, drug use and risk behavior. The results revealed 10.9% of stress prevalence in the adolescents. Besides the family environment, factors associated with higher levels of stress were 'possibility to contract AIDS', 'having suffered an injury in the last year', 'have not used a condom in the first and in last sex intercourse' and 'have had an STD'. In conclusion, the family environment and sexual practices are especially significant to the increased stress in the studied adolescents and therefore require interventions that promote healthy behaviors for this population.

Keywords: Adolescent, Stress, Sexuality.


 

 

Introdução

Os adolescentes têm sido confrontados, na sociedade atual, com inúmeros componentes estressores da vida diária, além das mudanças emocionais, cognitivas e fisiológicas características do seu estágio do desenvolvimento (Bluth & Blanton, 2014). O estresse pode ser definido como um conjunto de reações corporais a determinado estímulo que ameaça o seu equilíbrio, constituindo um mecanismo de defesa fisiológico inato do homem. Este evento pode ser positivo ou negativo e pode desencadear respostas hormonais e comportamentais (Wosiski-Kuhn & Stranaha, 2012; Margis, Picon, Cosner & Silveira, 2003).

Inúmeras pesquisas científicas têm se dedicado ao detalhamento das variáveis associadas ao estresse que atinge crianças e adolescentes (Sbaraini & Schermann, 2008; Mota & Rocha, 2012; El-Sheikh, Tu, Erath & Buckhalt, 2014; Rozemberg, Avanci, Schenker & Pires, 2014). Há evidências de que o estresse está associado a vários comportamentos de risco no adolescente, especialmente relacionados à sexualidade (uso indevido e/ou insuficiente de camisinha), mau relacionamento familiar e uso de drogas (Beserra, Araújo & Barroso, 2006; Elkington, Bauermeister & Zimmerman, 2010; Souza & Baptista, 2008).

Na adolescência, o processo de desenvolvimento adquire características especiais, como busca de identidade, independência, juízo crítico, sensibilidade, afetividade, elaboração de um projeto de vida, sexualidade e educação. (Bee & Bjorklund, 1999; Bee, 2000; Olds & Papalia, 2013). O produto final decorrente de todas estas características leva o adolescente a definir o que considera de importância fundamental: o seu estilo de vida (Câmara, Aerts & Alves, 2012). Nesta fase do desenvolvimento há uma ambivalência demonstrada nas atitudes contraditórias, oscilações de humor, incertezas, angústias e sensibilidade ao prazer, as quais os adolescentes vivenciam intensamente (Ferreira, Alvim, Teixeira & Veloso, 2007; Senna & Dessen, 2012). Tais características podem contribuir para uma maior vulnerabilidade desta faixa etária no que se refere a comportamentos de risco. Além disso, aspectos emocionais também estão associados com a vulnerabilidade presente na adolescência, tais como mudanças de humor e baixa habilidade no manejo de eventos estressantes (Silva, Horta, Pontes, Faria, Souza, Cruzeiro & Pinheiro, 2007; Coutinho & Heimer, 2014). Estes aspectos reduzem a capacidade do adolescente em apresentar respostas adaptadas e adequadas frente a situações e pressões sociais, o que pode contribuir para o surgimento de sintomas de estresse.

A presente pesquisa objetivou conhecer a prevalência de estresse em adolescentes escolares e os fatores associados, enfatizando-se os aspectos relacionados à família, à sexualidade, ao uso de drogas e comportamentos de risco. Esta pesquisa faz parte de um estudo mais amplo sobre "Sexualidade na Adolescência em Tempos de Aids", no município de Canoas/RS (Bielenki , 2008; Rolim, 2008)

 

Método

O estudo possui delineamento analítico transversal, sendo realizado com 475 adolescentes de 14 a 18 anos matriculados nas 13 escolas estaduais de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Canoas/RS, região metropolitana de Porto Alegre, no ano de 2007.

Os instrumentos utilizados foram a Escala de Stress para Adolescentes (ESA) e um questionário. A ESA, elaborada por Tricoli & Lipp (2005), é composta por 44 itens e verifica a existência, ou não, do sintoma de estresse, bem como a fase do estresse, em adolescentes de 14 a 18 anos e de ambos os sexos. A Escala também permite relacionar o estresse a sintomas psicológicos, cognitivos, fisiológicos e interpessoais. No presente estudo, utilizou-se somente dados referentes à existência ou não do sintoma de estresse. A ESA foi validada e padronizada em adolescentes moradores de diversas cidades do estado de São Paulo, Campo Grande (MS) e João Pessoa (PB), sendo obtido coeficiente alpha de Cronbach de 0,9394 para a frequência (sintomas) e de 0,9398 para intensidade (fase).

O questionário, baseado em Béria et al., (1998), contém questões referentes a dados sociodemográficos (sexo, idade, escolaridade, estado civil, religião, trabalho, moradia, renda), relações familiares (relacionamento com o pai e a mãe, ambiente em casa, interesse dos pais pelo desempenho escolar, morte familiar significativa no último ano), comportamento de risco, uso de drogas e abuso (conhecimento sobre sexo, proteção contra a AIDS, possibilidade de contrais AIDS, consumo de álcool, uso de drogas injetáveis, abuso sexual, acidentes no último ano com atendimento médico) e práticas sexuais (já transou, preferência sexual, uso da camisinha na primeira e última transa, pessoa da última transa, número de pessoas com quem transou nos últimos 3 meses, conversa com parceiro sobre AIDS, contração de DSTs, gravidez).

A ESA e o questionário eram anônimos e autoaplicáveis, sendo respondidos em sala de aula, sem a presença do professor. O anonimato garantiu o sigilo dos indivíduos, minimizando possíveis vieses dos dados coletados.

Após contatos com a equipe diretiva das escolas, foram agendadas datas de visitas para a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aos menores de 18 anos era solicitado o consentimento assinado pelo responsável. A professora da turma recolhia os TCLE assinados e, na sequência, era agendado o dia da coleta de dados. Para aplicar o instrumento aos alunos que estavam ausentes, os pesquisadores retornaram às escolas em até duas ocasiões subsequentes.

Previamente ao início da coleta de dados, foi realizado um estudo piloto em uma escola de cidade vizinha, para verificação e adequação dos procedimentos envolvidos.

Os dados obtidos foram digitados em um banco desenvolvido no programa Epidata versão 3.1, sendo realizada dupla digitação independente para verificação de inconsistências, que foram corrigidas. A análise estatística foi estratificada por presença, ou não, de estresse, utilizando-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 18.0. Foi realizada análise bivariada para verificar a associação das variáveis independentes com o desfecho, calculando-se a razão de prevalência bruta e seus intervalos de confiança. O nível de significância adotado para todas as análises foi menor do que 5%.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos e Animais da Universidade Luterana do Brasil, sob o número 2005-384H, estando de acordo com as normas vigentes da Resolução número 196-96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.

 

Resultados

A prevalência de estresse na amostra estudada foi de 10,9 %, sendo 10,3% nos rapazes e 11,4% nas moças. Em relação às características dos adolescentes, a maioria é do sexo feminino (58,9%), possui entre 14 e 15 anos (48,6%), está cursando o ensino médio (84,2%), é solteiro (95,1%), pratica alguma religião (60,2%), não trabalha (79,9%) e mora com os pais (95,6%). O pai é quem possui a maior renda em casa (63,1%) e 42,7% deles tem o ensino médio como escolaridade. A Tabela 1 apresenta a comparação das variáveis sociodemográficas entre os adolescentes com e sem estresse. Não foi observada diferença significativa em nenhuma análise realizada.

No que concerne ao ambiente familiar (Tabela 2), a maioria dos adolescentes estudados manifestou bom relacionamento com o pai (70,9%) e com a mãe (85,2%), bom ambiente em casa (79,8%) e pais que se interessam pelo desempenho escolar (97,2%). Quando comparados os adolescentes com e sem estresse, observa-se uma maior prevalência de estresse nos adolescentes que classificaram seu relacionamento com o pai e com a mãe como regular/ruim e naqueles que manifestaram ser o ambiente em casa regular/ruim. Ainda, os pais dos adolescentes com estresse são percebidos como se interessando menos pelo desempenho escolar de seus filhos do que os pais dos adolescentes sem estresse. Um pouco menos da metade dos adolescentes (41,2%) relatou morte de alguém significativo no último ano.

As características sobre comportamentos de risco, uso de drogas e abuso estão apresentadas na Tabela 3. A maioria dos adolescentes classifica seu conhecimento sobre sexo como bom (75,9%), diz proteger-se contra a AIDS (61,2%), faz uso eventual do álcool e não sofreu abuso sexual (97,1%). Não considerar possível pegar AIDS e não ter sofrido acidentes com atendimento médico no último ano aparecem como fatores de proteção com, respectivamente, 46% e 54%. menos prevalência de estresse no adolescente. Apenas dois adolescentes com estresse utilizaram drogas injetáveis.

No que se refere às práticas sexuais (Tabela 4), os dados mostram que, no momento da coleta, 50,1% do total da amostra ainda não havia mantido relação sexual. Dentre aqueles que já haviam transado, 94,8% preferiam manter relação sexual com pessoas do sexo oposto. A maioria usou camisinha na primeira e na última transa (82,1 e 74,3% respectivamente), transou no último mês (53,2%), transou a última vez com alguém que já conhecia (90,4%), nos últimos três meses transou com somente uma pessoa (60,3%), conversa com seu parceiro sobre AIDS (56,3%), não teve nenhuma doença sexualmente transmissível (91,8%) e não engravidou (94,3%). Quando comparados os adolescentes com e sem estresse, aqueles que não usaram camisinha na primeira e na última transa apresentaram, respectivamente, 4 e 2,4 vezes mais chance de apresentar estresse e os que não tiveram nenhuma DST apresentaram 94% menos prevalência de estresse.

 

Discussão

A prevalência total de estresse na população adolescente de 14 a 18 anos do presente estudo foi de 10,9%. Esse dado está próximo ao obtido por Machado, Veiga e Alves (2011), que identificou 13% de prevalência de estresse entre alunos do 3º ano do ensino médio do Distrito Federal. Outros estudos identificaram maiores níveis de estresse em crianças e pré-adolescentes de 8 a 14 anos (18,2%) (Sbaraini & Schermann, 2008), bem como em estudantes de medicina (49,7%), (Aguiar, Vieira, Vieira, Aguiar & Nóbrega, 2009).

As características sociodemográficas não mostraram associação significativa com o estresse dos adolescentes na presente pesquisa. Este dado discorda de relatos da literatura, onde as meninas aparecem como mais estressadas que os meninos, especialmente por mostrarem-se mais preocupadas e insatisfeitas com sua estética e beleza (Caires & Silva, 2011; Calais, Andrade & Lipp, 2003; Sbaraini & Schermann, 2008 ).

Os dados obtidos no presente estudo apontam o ambiente familiar como importante modulador do nível de estresse dos adolescentes. Há maior prevalência de estresse em jovens que julgam o ambiente familiar, o relacionamento com o pai e o relacionamento com a mãe como "regular/ruim", comparativamente aqueles que os julgam "bom". Este resultado corrobora o estudo de Souza e Baptista (2008), que associa suporte familiar e saúde mental, e caracteriza a família como a fonte estressora mais expressiva, ressaltando a maneira como afeta a saúde mental dos sujeitos. Para Ximenes (2011), a estrutura e o funcionamento familiar mostram-se associados ao desenvolvimento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O bom funcionamento familiar é relatado como possuindo um efeito protetor para jovens que passam por situações de perda e trauma. No estudo citado, a violência familiar aparece associada ao TEPT em crianças e adolescentes, relacionando o ambiente familiar com a prevalência de estresse.

Ainda em relação ao ambiente familiar, a percepção dos adolescentes de que os pais não se interessam pelo seu desempenho escolar mostrou-se associado ao maior nível de estresse. Segundo Souza e Baptista (2008), o suporte familiar pode ser determinado com o grau de atenção, carinho, proximidade afetiva e diálogo que sustenta o relacionamento. A falta de interesse no desempenho escolar pode ser compreendida como uma falta de atenção, diálogo e afeto dos pais. Deste modo, a falta de suporte familiar, que engloba o interesse na instância escolar/acadêmica, pode ser geradora de estresse e afetar a saúde mental do adolescente. Igualmente, estudo com adolescentes escolares de Porto Velho/RO mostrou associação entre falta de suporte familiar e início precoce de vida sexual (Vanzin, Aerts, Alves, Câmara, Palazzo, Elicker, Evangelista & Neto, 2013).

Pesquisa de comportamento, atitudes e práticas da população brasileira, realizada pelo Ministério da Saúde, em 2011, revelou que em termos de indicador de conhecimento correto de formas de transmissão do HIV, os menores percentuais foram obtidos pelos jovens de 15 a 24 anos (51,7%). Estudo com jovens cearenses entre 13 e 16 anos, com enfoque na promoção de saúde, relatou que a prática de educação em saúde possibilitou apreender informações sobre as DSTs e Aids. As políticas públicas para a saúde vêm, nos últimos anos, desenvolvendo atenção especial à população jovem, fato este justificado pela vulnerabilidade aos riscos à saúde (doenças transmissíveis e sexualmente transmissíveis) (Costa, Camurça, Braga & Tatmatsu, 2012). Apesar disso, 40% dos novos casos de HIV estão na faixa dos 15-24 anos (Organização Panamericana de Saúde, 2012), o que ilustra a pouca efetividade dos programas educativos sobre sexualidade e do papel da informação, que, por si só, ainda é controverso, merecendo investimentos das políticas públicas.

Os adolescentes do presente estudo que não usaram camisinha na primeira e na última relação sexual, apresentaram mais prevalência de estresse do que aqueles que usaram. Estes achados estão em consonância com os dados de Elkington, Bauermeister e Zimmerman (2010), onde o sofrimento psicológico, mensurado em instrumentos que avaliam depressão e ansiedade (sintomas resultantes de excesso de estresse) está associado ao uso inconsistente de camisinha. No entanto, os autores entendem o comportamento sexual de risco, uso inadequado do preservativo, como um fator relacionado indiretamente ao sofrimento psicológico, estando associado fortemente ao uso de substâncias psicoativas, sendo estas, por sua vez, relacionadas diretamente ao sofrimento psicológico.

Conforme Wong, Kipke, Weiss e McDavitt, (2010), eventos estressores parecem estar associados ao aumento da prevalência de uso de drogas e de transmissão de HIV também em adolescentes homossexuais do sexo masculino. Estes autores compreendem o sofrimento psicológico proveniente dos eventos aversivos como influenciador dos comportamentos de risco à saúde como uso de drogas e uso inconsistente de preservativos, principalmente em homens que buscam no "consumo e distração" como uma ferramenta para lidar com o estresse (Caires & Silva, 2011). Todavia, estes pesquisadores não entendem o estresse e o sofrimento psicológico como fatores de risco determinantes com relação à exposição a Aids, ressaltando a importância das estratégias de coping e o suporte familiar como instâncias protetoras. Estudos apontam ainda a associação entre o uso de métodos contraceptivos e a prevalência de depressão e estresse (Hall, Moreau, Trussell & Barber, 2013a; Hall, Moreau, Trussell & Barber, 2013b). A consistência no uso de contraceptivos semanais foi 15% mais baixa em mulheres que apresentam estresse moderado ou severo, apresentando, conforme outro estudo, duas vezes menos prevalência de uso contraceptivo.

Segundo Santos (2008), existe relação entre uso de preservativo por jovens e estrutura familiar, sendo o uso de preservativo mais frequente em adolescentes cujos pais não são divorciados/separados, defendendo a hipótese de que famílias monoparentais ou reconstituídas podem estar relacionadas aos comportamentos de risco nos adolescentes. Considerando a influência do suporte familiar e a qualidade dos relacionamentos familiares na prevalência de estresse dos adolescentes, e a relação da mesma com a frequência do uso de preservativos, verifica-se semelhança entre os resultados e a literatura.

O quadro frágil agrava-se quando falamos do ambiente familiar, onde não raro os pais consideram-se despreparados para conversar com seus filhos sobre sexualidade e fatores associados. Somado a isso, a ociosidade na comunidade juvenil pode ser mal preenchida, com o uso de drogas e a marginalidade (Beserra et al., 2006). Apenas dois indivíduos com estresse fizeram uso de drogas injetáveis nesta pesquisa, e nenhum dos não estressados. Caires e Silva (2011) relatam que meninos com estresse buscam a distração e consumo de drogas como alternativas para controlar o estresse, o que pode explicar resultados aqui encontrados. Dado corroborado por Farias Jr et al., (2009), que identificaram um significativo maior consumo de drogas entre meninos.

A partir do exposto, observa-se que o estresse está associado a inúmeros comportamentos de risco no adolescente, relacionando-se com uso indevido/insuficiente da camisinha (Elkington, Bauermeister & Zimmerman, 2010), mau relacionamento familiar (Souza & Baptista, 2008) e uso de drogas (Beserra, Araújo & Barroso, 2006).

Além disso, outros estudos evidenciam o estresse como um fator associado aos diversos comportamentos que acarretam um aumento da vulnerabilidade. Os resultados da presente pesquisa mostram que os adolescentes com estresse apresentaram mais episódios de acidentes com atendimento médico no último ano do que aqueles sem estresse, o que pode ser consequência de um estilo de vida mais vulnerável. Embasando isso, Ozdemir, Bayrakci, Teksam, Yalçin e Kale, (2012) publicaram estudo sobre casos de envenenamentos atendidos entre 1985 e 2008 em uma rede hospitalar. Os dados mostram que 67.4% dos envenenamentos foram acidentais, e a maioria dos casos no gênero feminino aconteceram nas idades entre 13 e 16 anos. Outro estudo investigou adolescentes de 12 a 18 anos, com diagnostico de autolesão não suicida, filhos de veteranos de guerra com estresse pós-traumático relacionado ao combate. A autolesão não suicida é um problema clinico significativo nos adolescentes – filhos destes combatentes – a qual parece ser influenciada por fatores clínicos e familiares (Boričević Maršanić, Aukst Marbetić, Ožanić Bulić, Duretić, Kniewald, Jukić & Paradžik, 2014).

Um estudo epidemiológico com 233 estudantes (media de idade 14,47 anos) examinou a frequência de comportamentos problemáticos na adolescência e a associação com o estresse psicológico autorreferido. Os adolescentes que reportaram estresse psicológico apresentaram maior chance de praticar automutilamento, fumar regularmente, consumir maconha ou destruir coisas (Lacina, Staub-Ghielmine, Bianchi, Schmeck & Schmid, 2014). Acidentes com veículos motores lideram causas de morbidade e mortalidade em adolescentes. No entanto, um estudo conduzido no Alabama (EUA) sobre colisões de veículos automotores com adolescentes mostrou correlação negativa nos últimos 12 anos. Os autores atribuem tal fato às leis mais rígidas para condutores adolescentes, ao maior uso do cinto de segurança e à maior conscientização dos comportamentos de risco na condução de veículos por sujeitos na adolescência (Monroe, Irons, Crew, Norris, Nichols & King, 2014). Tais estudos reforçam a importância de identificar fatores de risco e introduzir medidas preventivas associadas ao estresse na adolescência.

Neste sentido, Murta, Borges, Ribeiro, Rocha, Menezes e Prado (2009) desenvolveram um programa de habilidades para a vida para adolescentes de 12 a 14 anos, com o intuito de psicoeducar e praticar habilidades sociais, cognitivas e de manejo de estresse. Foi realizada uma avaliação de follow-up com os pais dos adolescentes, um ano após o término do grupo de habilidades para a vida. Foram relatadas diversas melhoras comportamentais e sociais pelos pais, assim como melhora no estado geral de saúde dos filhos e ausência de envolvimento com álcool, drogas, de casos de gravidez e doenças sexualmente transmissíveis. Dessa forma, os achados da presente pesquisa são corroborados pela literatura científica, apontando para uma associação entre prevalência de estresse e comportamento sexual de risco e enfatizando a importância da prevenção.

Por fim, como limitação do estudo, salienta-se a impossibilidade de estabelecer relações causais definitivas por tratar-se de um delineamento transversal.

 

Conclusão

Pode-se concluir, a partir da análise e discussão dos resultados desta pesquisa, que (1) o ambiente familiar (qualidade do relacionamento do adolescente com pai e mãe e qualidade do ambiente domiciliar) é um componente essencial para evitar o estresse em jovens, sendo significativa a valorização e interesse dos pais pelas atividades dos filhos; (2) comportamentos de risco, como acidentes e o sexo desprotegido geram estresse, podendo criar ciclos viciosos que retroalimentam o próprio estresse; (3) apesar de terem acesso ao conhecimento, muitos jovens se expõem à DST, e isso gera estresse; (4) há uma relação entre o uso de camisinha na primeira e última transa e o estresse na adolescência.

O estudo sugere ações públicas de (1) conscientização dos pais sobre sua importância no desenvolvimento psicológico dos filhos adolescentes; (2) maior atenção ao manejo de estresse de meninos e (3) campanhas de intensificação sobre práticas sexuais saudáveis. Ainda, os dados obtidos demonstram que há urgência na ampliação de ações e estratégias em relação à educação para a saúde na adolescência, buscando a conscientização do público juvenil, de seus pais e da sociedade. Sobretudo, novas investigações com caráter longitudinal devem ser elaboradas para verificar causas e consequências dos comportamentos que podem estar relacionados ao estresse.

 

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Endereço para contato
E-mail: lschermann@gmail.com

Recebido em março de 2015
Aceito em abril de 2015

 

 

Lígia Braun Schermann: Professora Adjunta do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da ULBRA.
Jorge Beria: Professor Adjunto do Curso de Medicina e do Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde da ULBRA.
Maria Helena Vianna Metello Jacob: Professora Adjunta do Curso de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da ULBRA.
Guilherme Arossi: Professor Adjunto do Curso de Odontologia e do Programa de Pós Graduação em Promoção da Saúde da ULBRA.
Mariana Canellas Benchaya: Psicóloga, Doutoranda em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Nadia Krubskaya Bisch: Psicóloga, Doutoranda em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre.
Sofia Rieth: Bolsista de Iniciação Científica, Curso de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da ULBRA.

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