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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.43-44 Canoas Aug. 2014

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Compartilhando saberes: relato de uma intervenção com professores

 

Sharing knowledge: report of an intervention with teachers

 

 

Magda PozzobonI; Fernanda Aparecida Szareski PezziII; Angela Helena MarinI

I Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)
II Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM)

Endereço para contato

 

 


RESUMO

O presente artigo consiste no relato da experiência de uma intervenção desenvolvida com 55 professores de uma escola pública da rede de ensino fundamental de São Leopoldo/RS. Esta consistiu em três encontros mensais, realizados na própria instituição, cujo objetivo foi facilitar um ambiente para reflexões sobre motivação para o trabalho, comunicação e relacionamento entre colegas e entre professor-aluno, além de destacar a importância do papel do professor. Constatou-se que os participantes mostravam-se ávidos e dispostos a buscar soluções para os conflitos que viviam no trabalho e ficou explícita a necessidade de serem reconhecidos e manterem-se motivados diante dos dilemas profissionais. Aponta-se para a necessidade de intervenções de fluxo contínuo que possam instrumentalizar os professores, especialmente no que tange às questões de motivação, relacionamento interpessoal e autoestima.

Palavras-chave: Professor, Trabalho docente, Intervenção.


ABSTRACT

This paper is a report of an intervention developed with 55 teachers of an elementary public school of São Leopoldo/RS. This consisted of three monthly meetings held at the institution with objective to facilitate reflections on work motivation, communication and relationship between colleagues and between teacher and student, highlighting the importance of the teacher's role. Participants showed up eager and willing to seek solutions to the conflicts that they lived at work and it was explicit their need to be recognized and remain motivated to face professional dilemmas. It points to need for continuous flow of interventions that can improve the teachers´ work, especially in motivation, interpersonal relationships and self-esteem.

Keywords: Teacher, Teaching, Intervention.


 

 

Introdução

O trabalho com professores e equipes diretivas do sistema de ensino da rede pública possibilita observar a ansiedade e o sofrimento emergentes no cotidiano escolar. Nesse sentido, os professores são bastante exigidos em suas habilidades de resolução de conflitos, seja com seus alunos ou colegas de trabalho, sentindo-se, muitas vezes, emocionalmente despreparados e desgastados, o que pode levar ao estresse e à Síndrome de Burnout, especialmente quando se percebem pouco valorizados e instrumentalizados para a realização de suas atividades (Leite & Löhr, 2012; Barutçu & Serinkan, 2013).

A docência exige do professor a capacidade de se comunicar afetivamente, de motivar o aluno e incentivá-lo nos seus desafios e progressos (Demetriou & Wilson, 2009; Immordino-Yang & Damasio, 2007), além da habilidade de resolver problemas interpessoais inerentes ao convívio grupal (Ribeiro, 2010). Desta forma, a atuação do professor acaba influenciando a motivação do aluno e o seu envolvimento com o estudo (Cunha, 2005; Del Prette & Del Prette, 2001; Ribeiro, 2008). De igual forma, o modo como o professor se expressa e compartilha sua autoridade imprime um padrão de funcionamento na turma (Guimarães, 2001; Guimarães & Boruchovitch, 2004), podendo prevenir, inclusive, o bullying, fenômeno que tem atingido em proporções preocupantes (Oliveira-Menegotto, Pasini, & Levandowski, 2013).

Nesta perspectiva, compreende-se que apesar das muitas dificuldades e desafios existentes no sistema escolar e no processo de ensino-aprendizagem, como em qualquer profissão, ensinar tem suas possibilidades e limites e os professores devem ser desafiados a assumirem suas responsabilidades, seu papel, visando mais eficácia em suas atividades e atitudes (Mellouki & Gauthier, 2004). Para tanto, sua instrumentalização se faz necessária (Guimarães & Boruchovitch, 2004), tendo em vista que, quando bem preparados, constituem uma grande ajuda para os alunos, podendo ensiná-los e ajudá-los a enfrentar problemas emocionais ou interpessoais.

Em contraponto, estudos indicam que o professor não se encontra instrumentalizado, pois tem havido uma perda progressiva de seu poder e sua autoridade, reforçada pela concomitante perda de autoridade das figuras parentais, sinalizando um momento de carência de referências para todos: pais, professores e alunos (Antelo, 2004). Tal dado reforça a necessidade de repensar a formação dos professores, pois um profissional autômato, sem poder, com sua identidade fragilizada pouco consegue auxiliar na construção de um ser autônomo. Conforme Honorato (2011), é preciso preparar-se para os desafios que este momento exige, buscando o maior empoderamento do professor, o encontro de sua identidade e consequentemente, sua capacidade de formar cidadãos.

Nesse sentido, intervenções com professores no sistema escolar têm sido indicadas com vistas a auxiliá-los a lidarem com o estresse e o adoecimento oriundo de sua profissão (Barutçu & Serinkan, 2013) e algumas têm sido desenvolvidas e avaliadas por pesquisadores (Andaló, 1984; Cunha & Betini, 2003; Honorato, 2011; Leite & Löhr, 2012; Patias, Blanco, & Abaid, 2009). De modo geral, tais intervenções, por se constituírem como espaços que auxiliam a ressignificar o modo de ver e de fazer dos professores, proporcionam a eles se moverem de uma posição de culpabilização para uma postura de mediação, pois ampliam seu olhar, escuta, sensibilidade, identidade, consciência e motivação frente ao processo de ensino-aprendizagem. Assim, acredita-se na validade de intervenções que instrumentalizem o professor, mesmo que sejam pontuais e de curta duração.

Com esse intuito, o objetivo do presente estudo foi descrever uma intervenção desenvolvida com professores de uma escola pública da rede de ensino fundamental de São Leopoldo/RS. Esperava-se proporcionar um espaço de escuta e discussão com vistas a perceber a motivação dos professores, bem como auxiliá-los na busca de um novo posicionamento em relação à comunicação e a resolução de conflitos entre colegas e em sala de aula. Além disso, pretendia-se valorizar e destacar a importância do papel do professor na sociedade atual.

 

Método

A proposta da intervenção nasceu da necessidade, observada pela equipe diretiva de uma escola pública da rede de ensino fundamental de São Leopoldo/RS, de motivar os profissionais a pensar em possibilidades de maior aproximação entre eles e seus alunos, visando imprimir maior envolvimento e comprometimento de todos para fortalecer o processo de ensino-aprendizagem de crianças e adolescentes. A equipe diretiva possibilitou que os encontros fossem realizados no horário das reuniões já previstas na carga horária docente. Participaram, portanto, todos os professores da escola, totalizando 55 profissionais. A coordenação da intervenção foi realizada por duas psicólogas que já estavam inseridas nesta escola por serem mestrandas no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), que tinha estabelecido uma parceria com o local para desenvolver uma proposta de pesquisa.

Como dito, este estudo faz parte de um projeto de pesquisa maior1, motivo pelo qual os procedimentos éticos de autorização da Secretaria de Educação de São Leopoldo-RS e a carta de anuência da Direção da Escola para a realização da intervenção já haviam sido cumpridas (Protocolo de aprovação do CEP-Unisinos N° 12/084).

A intervenção consistiu na realização de três encontros de frequência mensal com os professores no auditório da escola, que foram planejados e organizados de acordo com a disponibilidade do grupo na ocasião. O primeiro e o terceiro encontros tiveram uma hora e meia de duração e o segundo, uma hora. Foram abordados os seguintes temas: 1) motivação; 2) comunicação e relações interpessoais; 3) importância do professor e sua relação professor-aluno. Destaca-se que os temas dos dois últimos encontros foram sugeridos pelos próprios participantes. Como uma forma de avaliação, ao final de cada encontro, os professores responderam a um questionário sobre o trabalho desenvolvido.

 

Resultados e discussão

No primeiro encontro a intervenção teve seu início com a exibição do filme motivacional intitulado "O sapinho surdo", cujo objetivo principal foi mostrar a importância da motivação diante dos desafios do cotidiano. A intenção era estimular a reflexão sobre o trabalho em equipe (apoio, estímulo), motivação individual e grupal e rede de apoio. Foi proposto que os professores se reunissem em grupos por afinidade e debatessem sobre o tema motivação, a partir de duas perguntas: 1) o que mantém sua motivação diária para o trabalho? 2) Quais as motivações que a/o mantém nesta profissão?

Esta atividade foi seguida pela exposição dos conteúdos debatidos em quatro grupos (G1-G4) e vários temas foram explicitados, tais como a necessidade de contar com os colegas e a importância de manter a motivação, apesar do cansaço, conforme explicitam as falas: "É muito difícil se "automotivar" diante das dificuldades. Precisamos de parcerias que realmente funcionem para não nos sentirmos isolados diante dos problemas" (G1)2; "O que nos move é a necessidade do trabalho, a construção de amizades sinceras e o reconhecimento!" (G2); "O que nos motiva é realizar sonhos, metas e objetivos (...) os desmotivadores também nos motivam!" (G3); "Apoiar-se uns nos outros, procurando apoiar quem está mais vulnerável e buscar amparo naqueles em quem confiamos quando estamos exauridos e desesperançados" (G4).

Um dos professores relatou emocionado uma experiência pessoal, relacionando o sucesso em sua carreira e a relação prazerosa na sua vida particular decorrente de sua profissão. Ele referiu a sensação de orgulho e felicidade por poder sustentar sua família e ter comprado sua casa, o que o mantém motivado. Por outro lado, outros professores relataram as dificuldades que encontravam em manter sua motivação frente aos desafios diários. Alguns rostos na plateia apresentavam sinais de cansaço e seus corpos revelavam uma postura de desânimo e desmotivação.

Seguiu-se uma roda de elogios, em que cada um se dirigia ao centro do grupo e suas qualidades eram nomeadas e reconhecidas por todos os demais integrantes. O encontro foi finalizado com uma música e muitos professores dançaram espontaneamente, demonstrando prazer por participarem desta atividade lúdica. A coordenadora da escola, orientada anteriormente por uma das psicólogas, tomou a palavra e elogiou todo o grupo de professores, parabenizando-os pela colaboração, persistência e profissionalismo que vinham demonstrando. A seguir, foi solicitado o preenchimento de uma avaliação da atividade e sugestões para os próximos encontros. As principais temáticas sugeridas foram: relações interpessoais, resolução de conflitos e convivência.

Observou-se que o clima tenso do início foi aos poucos sendo amenizado e os debates aqueceram o encontro, motivando a participação e o envolvimento de todos. A roda de elogios emocionou muitos participantes e tornou o grupo mais receptivo. Houve troca de abraços e muitas lágrimas. A música também trouxe o desejo e a motivação para cantar e dançar em grupo, imprimindo sensibilidade ao encontro. Contudo, nenhum questionamento foi proferido pelos professores às psicólogas durante todo o encontro, causando a sensação de que aceitaram as atividades, mas não se sentiram à vontade para interagir, perguntar, contrapor, dar opinião de forma livre ou participar mais ativamente, lembrando a passividade a que se refere Honorato (2011). Alguns professores também foram embora sem preencherem o instrumento de avaliação. No entanto, nenhum deles deixou o ambiente da escola durante a realização da atividade, pois, de acordo com a equipe diretiva, o abandono durante as formações era uma atitude que vinha se repetindo nesta escola há bastante tempo.

O segundo encontro, por sua vez, ocorreu um mês após e iniciou com a apresentação de slides que contemplaram o tema "comunicação e relacionamento interpessoal". Um elo de relação com o primeiro encontro foi estabelecido em busca de reforçar as aprendizagens adquiridas, seguido por uma vivência de comunicação em duplas, na qual cada professor deveria escutar o colega e, em seguida, era pelo outro escutado. Após este exercício, foi promovida uma reflexão sobre como cada um se percebeu ao escutar e ser escutado. Em uma discussão dinâmica entre as psicólogas e os professores, exemplos da forma como a comunicação e as relações interpessoais se estabeleciam no seu cotidiano foram trabalhados.

Os professores mostraram-se, novamente, esquivos no início das atividades, mas a tentativa de proximidade e a utilização de humor e exemplos do cotidiano por parte das psicólogas possibilitou risadas e respostas mais espontâneas. A temática trabalhada mobilizou bastante o grupo e proporcionou reflexões sobre o comportamento e a responsabilidade de cada um frente aos desafios do convívio entre colegas, na relação com os alunos e também com seus familiares. Perceberam-se reações afetuosas e algumas expressões de raiva, observadas no questionário de avaliação do encontro, que foi respondido com fortes traços do lápis na resposta "ruim" ou "insatisfeito" com as atividades desenvolvidas. Entende-se que responsabilizar-se por seus comportamentos significa não culpabilizar o outro e este entendimento pode passar por uma primeira fase de negação.

Por fim, no terceiro encontro, teve-se como objetivo exaltar a importância do professor e da relação afetiva entre professor-aluno, especialmente porque o encontro ocorreu no "Dia do Professor". Para este momento, foram preparadas atividades com a utilização de recursos expressivos, tendo em vista a importância da arte como expressão da subjetividade humana e a suas possibilidades lúdicas e terapêuticas (Vasconcellos & Giglio, 2007). Na tentativa de propiciar novos agrupamentos entre eles e evitar a tendência percebida de trabalharem sempre com as mesmas pessoas foram distribuídos papéis contendo números de um a seis e solicitado que se reunissem pelo número, assim formando seis grupos (G1 a G6) de professores de vários locais do auditório.

Cada grupo foi separado em uma sala de aula. Foi dado o poema "O professor e o aluno", de autoria de Silas Corrêa Leite, e solicitado que lessem e trocassem opiniões, impressões e emoções sobre ele. Ao final da discussão, cada grupo foi orientado a expressar a essência do que foi debatido por meio de recursos expressivos e apresentar ao grande grupo, sendo que: o G1 deveria fazer uma peça teatral e o G2 um teatro mudo; o G3 confeccionaria algo utilizando sucatas (garrafas pet descartáveis, potes, caixinhas, linhas, fitas, lãs, papéis diversos, tintas, pincéis); o G4 faria uma colagem em papel pardo, utilizando papéis coloridos, revistas, tesouras, cola, grampeador, fitas, lã, canetas coloridas, lápis e giz de cera; o G5 faria uma pintura a guache em cartolina branca; e o G6 comporia a letra para uma melodia já existente, fazendo uma paródia.

As apresentações dos trabalhos realizados ocorreram em meio a risadas e palmas de uma plateia receptiva, que homenageava cada grupo que se apresentava. Após as apresentações, houve uma dinâmica na qual os professores foram comparados a luzes, pois iluminam mentes, corações, sonhos e caminhos, ajudando a construir futuros. Cada um segurou uma pequena vela e, a partir de uma chama inicial, todos foram acendendo sua luz, incitando a ideia de que podem se iluminar, acendendo motivações e outros sonhos entre eles, para que sempre se sintam aquecidos nesta chama. O encerramento ocorreu com uma música trazida pelos próprios professores.

Constatou-se que no início do terceiro encontro ocorreram algumas reclamações sobre a separação dos grupos e as tarefas propostas. Entretanto, as atitudes de rejeição desapareceram ao longo do encontro e todos se comprometeram com as atividades. Os grupos trabalharam com coesão, criatividade e a colaboração foi homogênea. A dinâmica com as velas causou bastante emoção, mas novamente o encerramento revelou um rápido afastamento entre os colegas, numa demonstração de que seriam necessários vários encontros para que uma aproximação mais efetiva ocorresse.

Considerando o conjunto dos encontros, algumas questões se destacaram e é importante refletir sobre elas. O trabalho teve início num clima tenso, por isso buscou-se fazer a aproximação entre os professores e as psicólogas através da empatia. Falou-se sobre a admiração pela profissão, sua importância social e de que modo a intervenção poderia colaborar para que todos refletissem sobre temas que considerassem importantes em seu fazer diário. Apesar disso, houve tentativas de esquiva ao contato por meio da escolha de lugares situados ao fundo do auditório, comportamento que se repetiu a cada novo encontro, como se não houvesse possibilidade de avançar na aproximação e intimidade. Assim, cada novo encontro era um recomeço, o que nos remete às considerações de Mahoney e Almeida (2005) e de Ribeiro (2010) quando se referem às dificuldades afetivas que podem envolver o processo de ensino-aprendizagem, especialmente devido às limitações dos profissionais de educação na expressão de seus sentimentos.

Neste mesmo sentido, Patias et al., (2009) encontraram resistência por parte dos professores na intervenção que realizaram, mas obtiveram resultados satisfatórios quanto à instrumentalização destes profissionais. Leite e Löhr (2012) também discutiram que o início de um trabalho de intervenção com professores e o estabelecimento de um vínculo podem ser dificultados devido ao processo de culpabilização que ocorre na escola, ou seja, a tendência de a culpa pelas dificuldades encontradas serem atribuídas a eles e o consequente julgamento de que uma intervenção poderia ter a mesma intenção. Assim, para os autores, as intervenções devem ter o objetivo de instrumentalizar estes profissionais com vistas à deslocá-los da postura de culpabilização para a da mediação e resolução das dificuldades encontradas no cotidiano profissional. A brevidade da intervenção realizada não possibilitou este movimento, mas percebeu-se o desejo dos professores de continuarem obtendo ajuda para este fim, pois mesmo com os aparentes comportamentos evitativos, constatou-se que todos permaneciam até o término das atividades.

Ressalta-se, também, que durante duas oportunidades em que as psicólogas foram convidadas pela equipe diretiva para lanchar junto com os professores, não houve nenhuma tentativa de aproximação, mas sim de afastamento. Este comportamento pode ser entendido como timidez, baixa autoestima ou baixa capacidade dos professores em se relacionarem afetivamente, haja visto que os temas relações interpessoais e resolução de conflitos foram solicitados pela maioria deles. Por outro lado, o convite para o trabalho tinha partido da equipe diretiva e não havia o estabelecimento de um vínculo anterior com esses profissionais, o que pode ter intimidado os participantes e dificultado o contato. Nesta perspectiva, ressalta-se a importância da construção de uma relação de confiança e afeto entre os professores e os coordenadores da intervenção, bem como entre seus pares, afim de que este espaço se torne potencializador de aprendizagens (Nunes, Pontes, Silva, & Dell'Aglio, 2014).

Juntamente com as reflexões apresentadas, pode-se pensar sobre a perda de poder e autoridade à qual se refere Antelo (2004), que também foi expressa pelos professores através do modo como se omitiram de fazer perguntas, contrapor as psicólogas ou oferecer outro ponto de vista, mantendo-se numa posição passiva diante das propostas trabalhadas nos encontros. Essa passividade remete a pensar na possibilidade de fazer parte do contexto que apontam Cunha (2005), Del Prette e Del Prette (2001) e Ribeiro (2008), sobre a carência de uma formação mais global destes profissionais, que inclua razão, emoção, consciência e curiosidade por uma visão histórico-cultural mais ampliada.

A pouca instrumentalização dos professores para lidarem com os conflitos em sala de aula e o escasso desenvolvimento de habilidades para o relacionamento entre colegas foi sinalizada pelos próprios participantes, o que vem ao encontro do que sugere Woolfolk (2000) sobre a importância de oferecer aos professores um melhor preparo acerca das dinâmicas de comportamento humano, para reconhecerem melhor suas próprias emoções e, em consequência disso, as de seus alunos e dos colegas. Estes ganhos poderiam marcar a mudança que o processo de ensino-aprendizagem necessita e merece. Destaca-se, assim, que é possível pensar em estratégias simples que venham ao encontro do resgate e fortalecimento da relação professor-professor-equipe diretiva e professor-aluno, para que possam superar as dificuldades decorrentes das situações cotidianas dentro do sistema escolar (Wagner, Dotta, & López, 2006).

Quando incentivada, a equipe diretiva conseguiu acolher os professores, elogiando-os e parabenizando-os. Este seria um comportamento importante de manter, pois, de acordo com Leite e Löhr (2012), a falta de reconhecimento pode reforçar o desânimo e o desgaste emocional dos professores, colaborando para o aumento do adoecimento no trabalho. Foi possível perceber o esforço da equipe diretiva para auxiliar os profissionais e manter os momentos de formação apesar das inúmeras demandas de ordem institucional e burocrática que precisavam dar conta em conjunto com os professores, naquele único horário remunerado que dispunham para decidir essas questões.

Por fim, salienta-se que o processo de ensino-aprendizagem é multifacetado, construído nas relações escolares e na história de vida de cada participante e, portanto, interligado às estruturas sociais e políticas (Asbahr & Lopes, 2006). Desta forma, ao planejar estratégias e intervenções, não se deve atribuir responsabilidade maior a equipe diretiva, professor ou aluno, mas refletir sobre a importância destes personagens na história e na construção do processo de ensino-aprendizagem.

Considerações finais

Frente ao exposto, acredita-se que cada professor teve a possibilidade de refletir sobre essas questões propostas para tentar se reposicionar frente aos seus colegas e alunos. A experiência de trabalho com esse grupo foi bastante positiva e reforça a necessidade da realização de mais trabalhos de apoio na área educacional. Sabe-se que historicamente a psicologia contribuiu com a educação na produção de laudos e pareceres dos alunos e, atualmente, o desafio centra-se em promover a saúde mental na escola, considerando os diferentes agentes e os seus papeis na instituição (Guzzo, Mezzalira, Moreira, Tizzei, & Neto, 2010).

Uma limitação importante do presente estudo diz respeito à motivação dos professores para participarem das intervenções, pois esta decorreu de uma solicitação da escola, considerando o cumprimento de carga horária remunerada. Portanto, não foi possível avaliar até que ponto era um desejo deles permanecerem e participarem dos encontros. Quanto ao fato de os professores evitarem expressar opiniões e escolherem uma posição mais passiva diante das atividades, podemos inferir que o receio de críticas ou julgamentos por parte dos colegas pode ter intimidado os profissionais, visto que, de acordo com as avaliações dos encontros, os professores, em sua maioria, mostraram-se satisfeitos. Para uma melhor efetividade, sugere-se a realização de intervenções com um grupo menor de professores, pois um grande grupo não permitiu maior aproximação, aprofundamento do vínculo, apoio às individualidades e um trabalho motivacional mais consistente.

 

Referências

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Endereço para contato
E-mail: magdapozzobon@hotmail.com

Recebido em março de 2015
Aceito em abril de 2015

 

 

Magda Pozzobon: Psicóloga. Mestranda em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Fernanda Aparecida Szareski Pezzi: Psicóloga. Mestre em Psicologia pela Unisinos. Professora do Curso de Psicologia da Sociedade Educacional Três de Maio (SETREM).
Angela Helena Marin: Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora dos Cursos de Graduação e de Pós-graduação em Psicologia da Unisinos.
1 Projeto de pesquisa financiado pelo CNPq, que tem como título: "Fracasso escolar: sintoma e/ou reatividade ao sistema de ensino?", coordenada pela Dra. Angela Helena Marin.
2 A letra e o número entre parênteses identificam o grupo no qual a fala foi verbalizada.

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