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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.43-44 Canoas ago. 2014

 

RESENHA

 

Avaliação dos comportamentos dependentes

 

 

Leda Rúbia Maurina Coelho; Margareth da Silva Oliveira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Endereço para contato

 

 

Comportamentos dependentes são transtornos complexos que se multiplicam a partir de predisposição genética, processos socioculturais, vulnerabilidades psicológicas, expectativas cognitivas positivas sobre os efeitos e consequências do consumo de álcool e outras drogas (bem como de outros comportamentos), traços de personalidade e temperamento, ausência de um repertório de habilidades de enfrentamento adequadas e baixa autoeficácia. Tal conceito foi postulado pelo modelo biopsicossocial, um modelo integrativo que, segundo Donovan (2009), é o modelo que pode proporcionar maior clareza para a área dos comportamentos dependentes, ampliando a probabilidade de evitar recaídas de forma mais eficaz.

O livro Avaliação dos Comportamentos Dependentes – 2ª edição –, organizado por Dennis Donovan e Alan Marlatt, foi projetado para ser usado em conjunto com a 2ª edição de outro livro organizado também por estes autores Prevenção de Recaída: estratégias de manutenção no tratamento de comportamentos adctivos, visando aumentar a congruência e a inter-relação dos materiais; os mesmos autores de cada capítulo foram convidados a escrever tanto os capítulos de avaliação quanto o de prevenção de recaída. Quando utilizados em conjunto, os livros fornecem informações para o planejamento e a condução de um processo avaliativo mais focado em fatores de risco de recaída em um determinado comportamento dependente e oferece condições de construir um plano de tratamento individualizado destinado a prevenir a recaída e, caso ela ocorra, minimizar seus danos. A base para o planejamento do tratamento e da prevenção de recaída está na avaliação de situações que representam alto risco de recaída, avaliação das habilidades de enfrentamento, das expectativas cognitivas sobre o comportamento e percepção dos benefícios e consequências negativas do comportamento dependente.

Para apresentar diferentes tipos de avaliação em variados comportamentos dependentes a obra está dividida em treze capítulos. No primeiro capítulo é apresentada uma introdução sobre a avaliação dos comportamentos dependentes na prevenção de recaída, discorrendo desde informações históricas até conceitos fundamentais que darão subsídios aos capítulos posteriores. Neste capítulo é apresentada uma breve visão geral da prevenção de recaída, onde a recaída é definida como um retorno à mesma intensidade do comportamento dependente, por exemplo ao abuso de álcool, enquanto que um lapso pode ser descrito como o uso inicial de bebidas alcoólicas depois de um período de abstinência ou um evento discreto, diferente da recaída, que envolve neste exemplo o uso ou abuso continuado depois deste deslize inicial. Ainda neste texto introdutório são apresentados diferentes domínios, fatores, dimensões e tipos de avaliação de comportamentos dependentes, conceituando cada uma destas.

O livro segue apresentando especificidades na avaliação dos comportamentos dependentes em culturas das minorias étnicas onde são problematizadas as diferenças culturais na avaliação neuropsicológica, de comportamentos, de fatores cognitivos, na experiência de autoeficácia, bem como na avaliação de habilidades para múltiplas culturas. Os autores destacam que a validação de instrumentos de avaliação apropriados para uso em culturas diversas é um dos maiores desafios dos pesquisadores sobre dependências. A partir do terceiro capítulo a obra inicia o tratamento de temáticas de avaliação de comportamentos dependentes específicos, sendo o primeiro deles direcionado aos problemas com álcool. Entre as diversas avaliações apresentadas destacam-se as perguntas sobre quantidade e frequência da ingestão de bebidas alcoólicas, gravidade da síndrome de abstinência do álcool, avaliação das dimensões cognitivas e comportamentais (o que inclui a avaliação da prontidão para mudança, autoeficácia, estratégias de enfrentamento e expectativas em relação ao resultado do beber), e a avaliação de psicopatologias comórbidas. A avaliação do comportamento de fumar é descrita na sequência e envolve, entre outros itens, o histórico do fumar e parar, quantidade do fumar e natureza do hábito, diários de automonitoramento, medidas neuroquímicas, motivação para parar, avaliação do humor e outros transtornos psiquiátricos e avaliações relevantes para compreender a recaída.

O quinto capítulo discorre sobre a dependência de cocaína listando diversos instrumentos de avaliação selecionados para populações de usuários de cocaína e derivados que foram construídos para diferentes constructos. O texto descreve os transtornos comórbidos e de personalidade, sugerindo uma avaliação multidimensional que vise auxiliar no planejamento e avaliação dos resultados do tratamento. O texto avaliação dos transtornos por uso de anfetamina apresenta a substância psicoativa, seu histórico e dados epidemiológicos (destacando populações vulneráveis). Apresenta também um sistema de avaliação que contempla critérios diagnósticos que permitem avaliar o uso e a dependência no passado e no presente. Considerações médicas na avaliação dos usuários de metanfetamina e avaliação de condições para alcançar a abstinência também estão descritas em detalhes no decorrer deste capítulo.

Segundo o texto, a avaliação do uso de opioides deve contemplar os critérios diagnósticos, considerando os sistemas de avaliação de sintomas biológicos/físicos – onde a tolerância e a gravidade dos sintomas de abstinência determinam a necessidade de desintoxicação –, avaliação psicológica, de transtornos psiquiátricos e de outros transtorno de uso de substâncias, avaliação social/ cultural e avaliações específicas relacionadas a prevenção de recaída (como por exemplo: situações de alto risco e de eficácia de resposta). Já os transtornos por uso de cannabis são contemplados no oitavo capítulo, onde os autores explanam sobre a aplicabilidade de um modelo biopsicossocial para transtornos causados pelo consumo desta substância específica. Além de ser discutido o papel da avaliação no tratamento são descritos fatores psicossociais, biológicos e de saúde no uso e abuso da maconha. São apontadas como possibilidades de avaliação: a gravidade da dependência, consequências negativas, deficiências cognitivas, situações de alto risco, autoeficácia, habilidades de enfrentamento e expectativas. O nono capítulo inicia conceituando drogas recreativas, alucinógenos inalantes e esteroides, e na sequência versa sobre o diagnóstico de cada uma destas substâncias e dificuldades adicionais a este, em função dos transtornos psiquiátricos concomitantes comuns aos indivíduos que são dependentes deste grupo de substâncias.

Trazendo à tona a questão da avaliação de transtornos alimentares e obesidade, o décimo capítulo apresenta a avaliação dos aspectos comportamentais, psicológicos e sociais dos transtornos alimentares, incluindo as medidas de dimensões múltiplas (cognições e comportamentos) em formato de entrevistas e de inventários estruturados. Também apresenta medidas de cognições relacionadas ao comer e medidas de expectativas do ato de comer. Já os transtornos relacionados ao jogo estão contemplados no décimo primeiro capítulo, onde os autores conceituam o jogo patológico e o discutem como uma questão de saúde pública. São abordados fatos históricos do jogo patológico, sintomas, epidemiologia, estimativas de prevalência, tendências em diferentes segmentos da população, a prevalência de transtornos relacionados, a prática e alicerces da avaliação e diagnóstico, bem como instrumentos de rastreamento e obstáculos deste processo.

Os dois últimos capítulos referem-se, respectivamente, a transgressores sexuais e comportamentos sexuais de risco. No penúltimo capítulo a aplicação da prevenção a recaída na transgressão sexual é descrita sugerindo a identificação do ciclo de recaídas. Ainda são apresentados um exemplo de caso hipotético, explanadas limitações da aplicação da terminologia da prevenção de recaída para transgressão sexual, resultados de pesquisas recentes na área e avaliação dos fatores dinâmicos no planejamento e implementação do tratamento (os quais são exemplificados em um apêndice contendo relatório de avaliação de riscos dinâmicos). O décimo terceiro capítulo finaliza o livro abordando o que são comportamentos sexuais de risco, apresenta o estado do campo de estudo, as propriedades de medidas psicométricas sólidas para aplicação nestes comportamentos e seus modos de administração (que podem ser no formato de questionário autoaplicável, entrevista por telefone, entrevista em pessoa, autoentrevista assistida por computador). Este último capítulo contempla ainda a avaliação culturalmente apropriada dos comportamentos sexuais de risco, considerando diferenças culturais que não podem ser banalizadas nem super enfatizadas, pois se corre o risco de fortalecer a estigmatização.

Por fim, é importante ressaltar que o texto possibilita uma leitura acessível do modelo biopsicossocial a partir de capítulos independentes que contemplam diversas áreas das dependências, indo além do abuso de álcool e outras drogas. A obra se apresenta como uma excelente fonte de inspiração para o planejamento e desenvolvimento de processos avaliativos e intervenções baseadas em evidências.

 

Referências

Donovan, D. M. & Marlatt, G. A. (Orgs.) (2007). Avaliação dos comportamentos dependentes. São Paulo: Roca.         [ Links ]

Donovan, D. M. (2009). Avaliação dos comportamentos dependentes na prevenção da recaída. In: Donovan & Marlatt (Orgs.), Avaliação dos comportamentos dependentes (pp.1-50). São Paulo: Roca.         [ Links ]

 

Endereço para contato
E-mail: ledarubia@yahoo.com.br

Recebido em março de 2015
Aceito em abril de 2015

 

Leda Rúbia Maurina Coelho: Psicóloga. Doutoranda PUCRS.
Margareth da Silva Oliveira: Psicóloga. Doutora Profa. PPG PUCRS.

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