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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.45 Canoas dez. 2014

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Comportamentos antissociais e delitivos em adolescentes

 

Antisocial and delictive behaviors in adolescents

 

 

Camila Dias; Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro; Maria Aznar-Farias

Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano da Universidade Federal de São Paulo

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RESUMO

A violência tem atingido a população mais jovem do país. Baixo nível socioeconômico e ser do sexo masculino são fatores que têm sido apontados em associação à presença de comportamentos delitivos. O presente estudo objetivou avaliar autorreferências de condutas antissociais e delitivas em adolescentes, verificando diferenças quanto às variáveis: sexo, grau de ensino e inserção em escolas públicas ou privadas. Foram participantes 453 adolescentes, 13 a 19 anos, ambos os sexos, estudantes do ensino fundamental II e médio, de seis escolas da Baixada Santista (SP). Foi utilizada a Escala de Condutas Antissociais e Delitivas e feita análise descritiva e inferencial dos dados. Os resultados indicaram baixa autopercepção de manifestação de comportamentos antissociais e delitivos em toda amostra. Foram encontradas diferenças significativas, para maior, nos meninos e em escolas privadas. Ficam sugeridos novos estudos sobre a problemática para subsidiar programas preventivos voltados para o desenvolvimento positivo dos jovens.

Palavras-chave: Adolescentes, Comportamentos antissociais, Comportamentos delitivos.


ABSTRACT

Violence has reached the younger population. Low socioeconomic status and being of male gender are factors that have been identified in association with the presence of criminal behaviors. The present study aimed to assess self references of antisocial and criminal behaviors in adolescents, finding differences in the variables: gender, level of education and inclusion in public or private schools. Participants were 453 adolescents, 13-19 years old, both sexes, middle and high school students, from six schools from Sao Paulo State. AntiSocial and Delictive Behaviors Scale was used and descriptive and inferential data analysis were made. The results indicated low self-perceiving of antisocial and criminal behaviors manifestation across the whole sample. Significant differences were found, for more, in boys and private schools. Further researches are suggested on the problem to support preventive programs for positive youth development.

Keywords: Adolescents, Antisocial behaviors, Criminal behaviors.


 

 

Introdução

Nas relações sociais, os comportamentos que manifestam respeito, solidariedade, e ajuda, são reconhecidos como comportamentos pró-sociais. Esses comportamentos convivem com outros padrões de relações humanas que envolvem conflitos, que muitas vezes geram manifestações de condutas agressivas, nos chamados comportamentos antissociais, que são, de uma forma geral, tratados como opostos aos comportamentos pró-sociais (Saud & Tonelloto, 2005).

Alguns autores consideram que o padrão de comportamento adotado pelas pessoas é adquirido na infância. Assim, tanto comportamentos desviantes como pró-sociais são aprendidos pelas crianças através das interações sociais, especialmente interações com os membros da família. Porém, esses padrões de comportamento podem ser alterados a partir das exigências dos ambientes em que estão inseridos e também do desenvolvimento do indivíduo (Patterson et al., 1992 citado por Pacheco, Alvarenga Reppold, Piccinini, & Hutz, 2005).

São encontradas na literatura diversas terminologias utilizadas para se referir às manifestações consideradas negativas dos comportamentos sociais, de forma que um mesmo tipo de comportamento pode ser denominado como desviante, transgressivo, antissocial, delitivo ou delinquente, de acordo com a vertente de saber ou de práticas sociais envolvidas.

De forma geral, comportamentos desviantes e antissociais são aquelas condutas de desvio às normas e expectativas sociais, como ações que rompem regras e acordos do contexto em que as pessoas estão inseridas, sem que o comportamento, necessariamente, constitua-se como uma infração legal. Na área psiquiátrica, o termo antissocial pode estar associado a quadros psicopatológicos como 'Transtorno da Conduta' e 'Transtorno Desafiador Opositivo', segundo indicadores de critérios diagnósticos do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (American Psychiatric Association [APA], 2002).

Comportamentos delitivos por sua vez, costumam referir-se especificamente a fatos tipificados em lei, ou seja, condutas descritas como crime ou contravenção penal passíveis de punição. Trata-se, portanto, de determinados tipos de violações, como roubo, vandalismo ou violência contra outras pessoas, ações que podem causar danos morais e/ou físicos mais graves (Formiga, Aguiar, & Omar, 2008; Pacheco & Hutz, 2009; Sanches & Gouveia-Pereira, 2010).

Notícias sobre atos desviantes de adolescentes são veiculadas com frequência na mídia e nas redes sociais acompanhadas de questionamentos polêmicos sobre como lidar socialmente com essa questão. Nesse sentido, o Congresso Brasileiro, desde 1999, passou a discutir a idade para a responsabilidade criminal de adolescentes (Sposato, 2013). Até 2015, as formas de responsabilização do adolescente são definidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Digiácomo & Digiácomo, 2013), que trata o comportamento delitivo, na delimitação de pessoas com menos de 18 anos, como 'ato infracional', aquele passível de julgamento e de sentenças relativas a medidas socioeducativas, que vão de advertência à restrição de liberdade.

Em documento de 2012, sobre o panorama nacional de medidas socioeducativas de internação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2012) apontou que 17.502 jovens infratores cumpriam medida socioeducativa de restrição de liberdade no Brasil. Neste mesmo documento foi apresentado um estudo em que 1.898 adolescentes em cumprimento da medida, com média de idade de 16,7 anos, foram entrevistados. A partir do estudo verificou-se que atos infracionais correspondentes a crimes contra o patrimônio foram os mais praticados pelos respondentes, seguido pelo tráfico de drogas. O homicídio também se apresentou expressivo, correspondendo a 13% do total de delitos.

Em estudo sobre a escola como fator de proteção à conduta infracional de adolescentes, Gallo e Williams (2008) colocam que, na literatura, são encontradas convergências a respeito de características de jovens em conflito com a lei, dentre as quais estão: histórico de comportamento antissocial, com violação persistente de normas e regras sociais, e comportamento desviante das práticas culturais vigentes; dificuldades de socialização; uso precoce de tabaco, bebidas alcoólicas e drogas ilícitas; envolvimento em brigas; impulsividade; rejeição por parte de professores e colegas; humor depressivo e tentativas de suicídio; envolvimento com pares desviantes; e baixo rendimento acadêmico, fracasso e evasão escolar.

Tratando também desse tema, Bordin e Offord (2000) afirmam que algumas características podem contribuir para a incidência de comportamentos antissociais de crianças e adolescentes, como terem nível socioeconômico baixo e serem do sexo masculino. No entanto, apesar de o baixo nível socioeconômico ser apontado como contribuinte para a incidência dos comportamentos desviantes, Formiga e Diniz (2003) afirmam não serem mais os jovens de classes baixas e baixo nível educacional os únicos responsáveis por tais condutas, uma vez que estas são apresentadas também por sujeitos que, teoricamente, são atendidos por estrutura e organização educacional, familiar e econômica de grande apoio.

Com relação ao sexo, há dados indicativos de que meninos e homens são, em média, fisicamente e verbalmente mais agressivos do que as meninas e mulheres, apresentando mais problemas externalizantes, como hiperatividade, quebra de regras e comportamentos agressivos e antissociais (Shaffer & Kipp, 2010). O estudo de Souza e Mosmann (2013), a partir da caracterização do perfil de crianças encaminhadas para atendimento em Serviços-escola de Psicologia, mostrou predominância (71,3%) de encaminhamentos de meninos, com queixas frequentes de comportamentos agressivos, além de problemas de atenção. De forma semelhante, em estudo bibliográfico realizado por Pavarino, Del Prette e Del Prette (2005) voltado para análise de estudos empíricos sobre relação entre empatia e agressividade, foi verificada tendência à maior frequência de dados de agressividade entre meninos e maior proporção de empatia entre meninas.

Devido à expressividade dos números que refletem comportamentos desviantes de meninos, percebe-se na literatura uma tendência a priorizar trabalhos sobre estes. Ainda são escassas pesquisas sobre a ocorrência de comportamentos antissociais e delitivos em meninas. No entanto, ainda que a meninas e mulheres apresentem taxas inferiores às taxas de meninos e homens, Souza (2009) aponta que alguns autores se debruçaram sobre dados de violência em mulheres e concordam que, refletido no crescimento da população feminina encarcerada, a velocidade da evolução da violência de mulheres nos últimos anos necessita de atenção, pois esta evolução tem sido mais veloz do que o aumento da violência entre os homens. Dados estatísticos brasileiros sobre mulheres presas, expostos pelo mesmo autor, obtidos do Ministério da Justiça e do Departamento Penitenciário Nacional dos anos de 2001 (com 5.465 prisioneiras) a 2005 (com 12.925 prisioneiras) destacam esse aumento a partir da população de mulheres encarceradas no país.

No Brasil, comportamentos desviantes associados à violência têm atingido a população mais jovem de modo particularmente preocupante, pois entre os adolescentes encontram-se as mais altas estatísticas de mortalidade por agressões, assim como os próprios adolescentes são os mais apontados como autores de agressões (Deslandes, Assis, & Santos, 2005). De acordo com o diagnóstico do Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil, de Waiselfisz (2013), os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens brasileiros entre 15 e 24 anos, vitimização que é fundamentalmente masculina. Tal questão é trazida novamente pelo Mapa da Violência 2014: Os Jovens do Brasil, que indica que 93,3% dos jovens mortos por homicídio foram do sexo masculino (Waiselfisz, 2014).

Embora a fase denominada adolescência não seja efetivamente mensurável por quantidade de anos, é considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelo Ministério de Saúde do Brasil como o período que compreende a segunda década da vida. Portanto, por esses critérios, são considerados adolescentes os indivíduos de 10 a 20 anos (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2010).

Diferentes teorias sobre a adolescência consideram-na como uma fase de transição marcada por turbulências em dimensões internas e relacionais. Todavia, por outro lado, estudos vêm destacando o potencial a ser desenvolvido nessa fase da vida, considerando as possibilidades de trocas dinâmicas entre os adolescentes e seus contextos e visando apresentar dados que sirvam de base para programas que possibilitem a esse grupo seguir caminhos marcados por oportunidades de saúde e desenvolvimento positivo, preparando-os para enfrentar melhor os desafios e atuar no mundo adulto (Senna & Dessen, 2012).

De toda a forma, o período da adolescência é visto geralmente como um momento importante em que se dá o domínio das regras e valores da vida social, ganho de autonomia, maturação física e psíquica e de gradativa incorporação de papéis sociais do mundo adulto. Trata-se de um período da vida marcado pelas transformações biológicas da puberdade e por alterações biopsicossociais, que envolvem momentos de crises associadas a definições de identidade sexual, profissional e de valores (Davim, Germano, Menezes, & Carlos, 2009).

Em meio a todas as mudanças presentes nessa fase do desenvolvimento, nem sempre é fácil definir de forma clara a normalidade ou o desvio de condutas que podem ser apresentadas pelos adolescentes. Sanches e Gouveia-Pereira (2010), por exemplo, afirmam que, na adolescência, determinados comportamentos delitivos, como roubos e atos de desordem pública e escolar, ocorrem geralmente de forma ocasional. Tais comportamentos, ainda segundo essas autoras, podem fazer parte de momentos de experimentação e emergem, sobretudo, no período da adolescência média (próxima dos 15 e 16 anos). Por sua vez, Benavente (2002) indica que a transgressão na adolescência é algo comum e necessário ao desenvolvimento e à aprendizagem, podendo inclusive ser meio de aquisição de novas formas de socialização.

Zappe e Dias (2010) apontam que os casos de comportamentos desviantes de adolescentes têm sido abordados a partir de três níveis de conceitualização: o nível estrutural, o sociopsicológico e o individual. O nível estrutural refere-se às condições sociais, levando em consideração associações entre a delinquência e a pobreza ou a desigualdade social. Henninger e Luze (2013), neste sentido, colocam que quanto mais tempo uma criança passar na pobreza, maior será a probabilidade de comportamentos desviantes, em meninos e meninas.

Já o nível de conceitualização sociopsicológico considera aspectos como autoestima e influência de grupos de pares e relações com instituições de controle social (como a família e a escola). A adoção de comportamentos pelos adolescentes é resultado das interações ente eles e as circunstâncias peculiares de sua vida, de forma que é necessário considerar que as escolhas realizadas são influenciadas pelo ambiente no qual vivem (Câmara, Aerts, & Alves, 2012). Nesse sentido, por exemplo, as escolas podem apresentar distintos aspectos contextuais e institucionais da realidade educacional, o que pode levar a vivências e práticas diferenciadas pelos estudantes em suas interações coetâneas ou interacionais. Algumas escolas públicas, por exemplo, são vistas como instituições abaladas por grupos marginais ou gangues rivais, violência (física e psicológica), rendição diante de um quadro de marginalidade dentro e fora dos muros escolares, e desrespeito aos docentes por parte dos alunos (Carlotto & Câmara, 2008).

Voltando à classificação de Zappe e Dias (2010), o nível individual de conceitualização dos comportamentos desviantes considera que aspectos biológicos hereditários e características de personalidade do indivíduo, como a inteligência, podem ser associados a predisposições para a agressividade e até para a criminalidade, incluindo-se, é claro, a interação entre as influências ambientais e tal bagagem genética individual. Parâmetros individuais também são referidos pela neurociência em sua possível associação com os comportamentos desviantes. Nessa perspectiva, Mendes, Mari, Singer, Barros e Mello (2009) afirmam que a modulação do comportamento, inclusive o agressivo, ocorre a partir da interação entre fatores biológicos e socioambientais. Os autores apresentam estudos que relacionam comportamentos agressivos com diferentes polimorfismos que podem moderar o impacto da negligência e abuso na infância sobre o desenvolvimento do comportamento violento e antissocial.

Shaffer e Kipp (2010), na mesma direção, apontam níveis mais altos de hormônios sexuais masculinos presentes nos meninos, como a testosterona, que contribuem para diferenças quanto à agressão, em meninos e meninas. No entanto esses autores salientam que a diferença na aprendizagem social de cada gênero é essencial para o comportamento agressivo. Brincadeiras agressivas, mais frequentemente feitas com os meninos do que com as meninas, e reações mais negativas para os comportamentos agressivos das filhas do que os dos filhos podem contribuir para a agressividade futura. Assim, armas, tanques, lançadores de mísseis e brinquedos mais presenteados para meninos seriam implementos simbólicos de destruição que incentivariam temas e comportamentos agressivos.

A partir dessas reflexões, apresenta-se a seguir um estudo que objetivou avaliar condutas antissociais e delitivas em adolescentes, verificando possíveis diferenças dessa avaliação quanto ao sexo, grau escolar e inserção em escolas públicas ou privadas.

 

Método

Foram participantes do estudo 453 adolescentes, de 13 a 19 anos (Média=14,9, DP=1,4), de ambos os sexos, estudantes do ensino fundamental II e do ensino médio, de seis escolas de um município de médio porte, com 500 mil habitantes, da Região Metropolitana da Baixada Santista (SP), sendo quatro escolas públicas (doravante denominadas Pu1, Pu2, Pu3, Pu4) e duas escolas privadas (doravante denominadas Pr1 e Pr2). Essas escolas foram selecionadas a partir do critério de diversidade de localização em bairros da cidade, com diferentes caracterizações socioeconômicas e urbanas, e também pelo critério de acessibilidade caracterizado pelos aceites aos convites para participação. A Secretaria de Educação do Município e a Diretoria de Ensino do Município (estadual) autorizaram e intermediaram o acesso às escolas públicas de ensino fundamental e de ensino médio, respectivamente. Houve maior dificuldade de acesso a escolas privadas, tendo ocorrido ausências de repostas aos convites feitos através de contatos pessoais com as equipes técnicas, um indicativo de não aceite.

Na caracterização da amostra foi utilizado o "Critério de Classificação Econômica Brasil/CCEB" (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2013), um questionário que classifica classes econômicas a partir de bens de consumo e do grau de instrução do chefe da família. Nessa caracterização da amostra, as classes econômicas foram agrupadas nas faixas A/B e C/D/E, respectivamente faixas de classes econômicas mais altas e mais baixas.

A Tabela 1 apresenta dados da amostra quanto ao sexo, grau de ensino, inserção em escola pública ou privada e faixas de classes econômicas avaliadas pelo CCEB.

 

 

Como indicado na Tabela 1, foram investigados 212 estudantes de escolas públicas e 241 estudantes de escolas privadas, com predominância de 54,3% do sexo feminino. Em todas as escolas privadas e as públicas de ensino médio, observou-se maior número de estudantes na faixa de classes econômicas A/B, enquanto nas escolas públicas de ensino fundamental observou-se maior número de estudantes na faixa de classes econômicas C/D/E.

O instrumento utilizado foi a Escala de Condutas Antissociais e Delitivas (ECAD), validada por Formiga e Gouveia (2003) para pessoas maiores de 13 anos. A ECAD é um instrumento composto por 40 frases sobre comportamentos antissociais e delitivos avaliados numa escala do tipo Likert de 10 pontos. Por autorreferência, os participantes devem indicar a frequência com que apresentam o comportamento citado, em seu cotidiano, variando de "Nunca" (0) até "Sempre" (9).

Foram guardados os devidos cuidados de procedimentos éticos para realização do projeto que teve aprovação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). O levantamento dos dados foi realizado de forma coletiva em salas de aula das escolas, e a aplicação dos instrumentos foi feita conjuntamente por duas estudantes de quinto ano de curso de graduação em Psicologia, devidamente treinadas e orientadas para a tarefa. A escolha das classes dos estudantes, e também as datas e horários para a aplicação dos instrumentos foram combinados com os responsáveis técnicos das escolas, com cuidados para não haver prejuízos pertinentes ao calendário letivo. O levantamento de dados ocorreu no primeiro semestre de 2014.

Os dados foram tratados de formas descritiva e inferencial. Para cada indivíduo foi calculada a média dos graus da escala Likert das 40 frases da ECAD. Os graus de condutas, mais ou menos antissociais e delitivas, foram analisados por meio de uma análise de variância (ANOVA) de três fatores: sexo, grau de escolaridade e inserção em escola pública ou privada. O nível de significância foi considerado como α = 0,005.

 

Resultados

Os resultados médios da amostra em geral (M=1,03, DP=1,04, N=453) indicaram baixa autorreferência da prática de comportamentos antissociais e delitivos nos adolescentes participantes, uma vez que a média obtida a partir dos valores pontuados nas 40 frases afirmativas da escala pode variar de zero (referência de nunca manifestar os comportamentos antissociais/delitivos) a 9 (sempre manifestar tais comportamentos), mas a maior parte dos participantes teve média entre 0 e 2.

Os meninos da amostra tiveram médias mais altas (M=1,20, DP=1,25, N=207) do que as meninas (M=0,88, DP=079, N=246), com diferença significativa (p=0,001).

As Figuras 1 e 2 apresentam a distribuição de meninos entre as médias obtidas na ECAD.

 

 

 

As escolas privadas tiveram médias da ECAD maiores (M=1,18, DP=1,16, N=238) do que as públicas (M=0,87, DP=0,86, N=215), também com diferença significativa (p=0,003).

As Figuras 3 e 4 mostram a distribuição de alunos pelas médias obtidas na ECAD nas escolas privadas e públicas.

 

 

 

Não foram encontradas diferenças nos resultados em termos de grau de escolaridade. Cabe ressaltar que as diferenças significativas encontradas devem ser refletidas em termos do N da amostra que, ao ser relativamente alto, pode ser mais sensível para captação de diferenças.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi verificar indicadores de condutas antissociais e delitivas autorreferidos por estudantes adolescentes, verificando possíveis diferenças entre meninos e meninas, grau de instrução e inserção em escolas públicas e privadas. Os resultados indicaram baixa autorreferência de comportamentos antissociais e delitivos nos participantes, com maior concentração de indivíduos com médias entre 1 e 2, e média geral 1,03 (numa escala que variava de 0 a 9).

Ainda assim, os indicadores mostraram diferenças significativas entre os meninos e meninas da amostra, numa condição em que meninos apresentaram maiores médias com relação aos comportamentos antissociais e delitivos autorreferidos. Tal diferença entre os sexos com respeito a esses comportamentos é apontada com frequência na literatura, como em Bordin e Offord (2000) que afirmam que, ser do sexo masculino é uma das características que podem contribuir para a incidência dos comportamentos antissociais, Pavarino, Del Prette e Del Prette (2005) e Shaffer e Kipp (2010) também vão nesta direção com respeito ao levantamento de comportamentos agressivos e problemas externalizantes mais presentes em meninos, em comparação com as meninas.

Diferenças significativas também foram observadas com relação à frequência de autorreferências de comportamentos antissociais e delitivos entre a inserção em escolas públicas ou privadas, mais presentes nestas últimas. Estudos como o de Henninger e Luze (2013) apontaram a pobreza e a desigualdade social como fatores importantes que podem levar os sujeitos à realização de comportamentos antissociais e delitivos. Por sua vez, os resultados do presente estudo mostraram maior frequência autorreferida de comportamentos antissociais e delitivos nos alunos de escolas privadas. Esse dado, de certa forma, é concordante com o colocado por Formiga e Diniz (2003) quanto a não serem apenas os jovens de classes mais baixas os únicos que apresentam condutas que tangenciam as normas sociais. De toda maneira deve ser ressaltado que, na presente investigação, não foram analisados resultados em termos de pertinência a classes econômicas e sim de pertinência a escolas públicas ou privadas.

Ainda com relação a tal inserção, Carlotto e Câmara (2008) entendem que escolas públicas são instituições que se encontram mais abaladas pelo desrespeito, presença de violência física ou psicológica, além de presença de grupos marginais. Os limites do presente estudo, por sua vez, indicaram que a situação de escolas públicas pode ser bastante heterogênea, em termos dos problemas assinalados por essas autoras.

Outro aspecto observado com relação aos dados da amostra em sua inserção escolar foi a predominância de estudantes das classes econômicas C/D/E (do Critério Brasil) no ensino fundamental, enquanto que no ensino médio, houve predominância da amostra nas classes A/B. Esse dado parece apontar para o fato de adolescentes de classes econômicas mais baixas deixarem mais cedo seus estudos.

Os resultados mais positivos encontrados, em termos de baixa autorreferência de comportamentos antissociais e delitivos por toda amostra, pode ser refletido no sentido do colocado por Gallo e Williams (2008) de que a escola representa um fator de proteção perante maiores problemas de condutas desviantes. Por outro lado, tais resultados podem ser problematizados por características da metodologia do próprio estudo. Contribuições como a de Batson e Thompson (2001) discutem a possibilidade de imprecisões em respostas a questionários, como no caso de autorreferências, quando envolvem temas associados à moralidade. Para esses autores, pode haver uma 'hipocrisia moral' que leva os respondentes a pontuarem mais em questões pertinentes a valores, apesar de muitas vezes não serem realmente guiados por eles, em situações reais. Além disso, deve ser considerado o temor de responder honestamente sobre comportamentos antissociais e delitivos próprios. A condição de medo diante das questões pertinentes a comportamentos antissociais e delitivos pode advir de possíveis interfaces com a proximidade de violência e criminalidade, e também por algumas condições de funcionalidade das famílias, pertencentes a diferentes classes sociais e econômicas.

 

Considerações finais

A partir dos resultados expostos, concluiu-se que comportamentos antissociais e delitivos não foram autorreferidos de forma mais expressiva pelos adolescentes estudantes investigados, embora tenha havido apontamentos de presença maior dessas autorreferências em meninos, e em escolas privadas.

Apesar dos resultados obtidos mostrarem diferenças significativas nas frequências de autorreferência de comportamentos antissociais e delitivos entre meninos e meninas, corroborando o apontado na literatura quanto à maior ocorrência desses comportamentos em meninos, há necessidade de novos estudos sobre a temática, tanto para investigação de comportamentos antissociais e delitivos de meninos, quanto de meninas. Por um lado, porque o envolvimento dos meninos com a delinquência vem sendo acompanhado de alta vitimização; por outro, porque ainda são escassos os estudos a esse respeito com meninas e a evolução da violência em mulheres tem aumentado sobremaneira.

A ampliação de estudos sobre a temática poderá ultrapassar limites desta investigação, como o de não ter abarcado análises considerando diferenças de classes econômicas da amostra. A pesquisa considerou a variável de inserção em escolas públicas ou privadas, mas foi verificada heterogeneidade de condições econômicas em ambos os tipos de escola, embora as escolas públicas selecionadas pertencessem a periferias sociais e urbanas do município onde foram feitos os levantamentos de dados. Novas pesquisas poderão auxiliar na discriminação dessas variáveis além de poderem também conter vertentes qualitativas em suas metodologias, de forma a acrescentar avaliações dos contextos familiares e de inserção social na investigação dos adolescentes.

O avanço do conhecimento sobre comportamentos antissociais e delitivos de adolescentes, e seus problemas associados, poderá subsidiar programas preventivos voltados à promoção do cuidado necessário ao desenvolvimento positivo dessa população.

 

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Endereço para contato
E-mail: nancy.unifesp@gmail.com

Recebido em fevereiro de 2015
Aceito em junho de 2015

 

 

Camila Dias: Psicóloga, pesquisadora do Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano da Universidade Federal de São Paulo (LADH/UNIFESP-BS).
Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro: Doutora e pós-doutorado em Psicologia Social, pela Universidade de São Paulo (USP). Docente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-BS). Coordena o Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano da Universidade Federal de São Paulo (LADH/UNIFESP-BS).
Maria Aznar-Farias: Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP), com Pós-Doutorado em Psicologia do Desenvolvimento Humano pela Universidade de Valência (Espanha). É professora afiliada da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP-BS), exercendo atividades de pesquisa junto ao Laboratório de Psicologia Ambiental e Desenvolvimento Humano (LADH/UNIFESP-BS).

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