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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.47-48 Canoas dez. 2015

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Psicoterapia psicanalítica de uma criança que está sob a guarda da avó: estudo de caso

 

Psychotherapy psychoanalytic of a child that is under guard grandma: case study

 

 

Tielen Franciosi Cappelli; Luiz Ronaldo Freitas de OliveiraI

I Curso de Psicologia IMED, Passo Fundo-RS

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RESUMO

O objetivo do estudo consiste em investigar o processo de psicoterapia psicanalítica de uma criança que está sob a guarda da avó e identificar a representação do papel que a avó tem em relação ao cuidado da neta. O tema se justifica devido às mudanças significativas que ocorreram nos últimos anos em relação às configurações familiares, em que os avós passaram a desempenhar papel de cuidadores dos netos. Foram analisadas dez sessões de psicoterapia com uma criança, compreendendo a relação e a convivência existente entre a avó e a neta. Os resultados demonstraram que a avó representa um papel importante na vida da neta, sendo provedora das suas necessidades e auxiliando em diferentes contextos de vida da menina. Percebeu-se também a importância do preparo que o profissional da psicologia precisa para ampliar o olhar às questões da família para atuar e intervir nestes contextos.

Palavras-chave: Psicoterapia psicanalítica, Avós, Configuração familiar.


ABSTRACT

The purpose of the study is to investigate the psychoanalytic psychotherapy process of a child who is under the custody of the grandmother and to identify the representation of the grandmother's role in the care of the granddaughter. The theme is justified due to the significant changes that have occurred in recent years in relation to the family settings, in which the grandparents started to play the caregiver role of the grandchildren. Ten sessions of psychotherapy with a child were analyzed, including the relationship and coexistence between grandmother and granddaughter. The results showed that the grandmother plays an important role in the granddaughter's life, providing her needs and assisting in different contexts of the girl's life. It was also noticed the importance of the preparation that the professional of the psychology needs to extend the look to the questions of the family to act and to intervene in these contexts.

Keywords: Psychoanalytic psychotherapy, Grandparents, Family configuration.


 

 

Introdução

Os processos de pedidos de guarda de avós por seus netos vêm aumentando a cada ano, e com isso é possível perceber as modificações que ocorrem nas relações familiares. Ao assumir a guarda de uma criança, os avós passam a ter seus papéis ampliados e participam intensamente da vida dos netos, oferecendo apoio afetivo, material e financeiro.

Partindo de um estudo qualitativo exploratório e descritivo, e tendo como estratégia o estudo de caso único, o presente trabalho teve por objetivo analisar dez sessões de psicoterapia psicanalítica de uma criança que está sob a guarda de sua avó e identificar a representação do papel que esta avó tem em relação ao cuidado da neta, bem como a convivência e a relação estabelecida entre as duas.

Este estudo descreveu o processo de psicoterapia partindo das seguintes categorias "a criança e o contexto familiar", "a criança e o processo de psicoterapia" e "a criança em relação ao terapeuta". Diante disso foi possível perceber o papel assumido pela avó diante da configuração familiar, bem como a sua representação nos mais variados contextos ligados à criança.

Psicoterapia psicanalítica de crianças

A psicoterapia psicanalítica com crianças teve início com Freud (1908/1996) a partir do caso do pequeno Hans, em que foram realizadas observações conduzidas pelo próprio pai, e supervisionadas por Freud. Inicialmente Freud (1908/1996) considerava que apenas os pais poderiam analisar as crianças, e mais tarde modificou seu pensamento afirmando que uma análise não tem valor quando é conduzida por um pai, pois a mesma acontece de um modo sensitivo e ao pai a criança deve obediência e reconhecimento (Reghelin, 2008). A partir disso Freud (1908/1996) pôde perceber alguns impulsos e desejos sexuais, ou seja, a sexualidade infantil que é pertinente a todo ser humano, e assim estabeleceu parâmetros fundamentais para uma análise. Afirmou que o trabalho do analista proporciona aos pensamentos inconscientes se tornarem conscientes. A técnica da psicanálise diz respeito ao tratamento de crianças e adultos, porém com crianças tem a particularidade clínica, que se diferencia dos adultos pelo comportamento e características próprias do paciente (Costa, 2010).

Conforme Silva, Magalhães e Cavalcante, (2013) a psicoterapia com crianças é um modo de atendimento que engloba problemáticas diversas, podendo estar relacionadas às que causam o sofrimento emocional e interferem no dia a dia da criança. Estas problemáticas prejudicam o desenvolvimento das capacidades adaptativas e também afetam o bem-estar da criança e da sua relação com aqueles que convivem com ela. Castro e Sturmer (2009), destacam três fatores que são essenciais para o processo e a relação terapêutica na psicoterapia com crianças. O primeiro refere-se à participação e relação de terceiros, em decorrência de estes pacientes serem menores e dependentes de sua família, tornando a psicoterapia mais complexa com as transferências maternas e paternas que se entrelaçam. O segundo fator é quanto à solicitação do tratamento, que geralmente é tida pelos responsáveis da criança. O terceiro fator está relacionado às formas de comunicação durante o tratamento.

A relação estabelecida entre a criança e o terapeuta é outra questão essencial no processo de psicoterapia, desta maneira faz com que a criança expresse suas emoções e se sinta à vontade, tornando-se livre para ter um conhecimento melhor de si e dos outros. Para isso, o psicoterapeuta deve estar preparado para compreender os diversos tipos de comunicação que a criança vai apresentar, a partir de suas condições motoras, cognitivas, perceptivas e de linguagem. Deste modo há uma exigência da atitude aberta do terapeuta, na expectativa de que assim a criança o faça também (Dian, 2007).

A técnica criada por Melanie Klein (1997/1975) consiste na utilização de jogos, e a partir do brincar a criança tem a oportunidade de demonstrar os seus desejos, suas fantasias e experiências de um modo simbólico. Para adquirir um entendimento do jogo da criança, comparando este à sua conduta durante a psicoterapia, deve-se decifrar cada símbolo e o seu significado, destacando a relação de cada elemento com o todo. Para a autora, o brinquedo proporciona à criança conter medos que possam estar relacionados a objetos externos, bem como aos perigos internos, permitindo a ela uma prova ao mundo real, estabelecendo uma ponte entre a fantasia e a realidade (Aberastury, 1982).

As crianças não utilizam palavras no mesmo nível em que os adultos, elas usam outros meios para se comunicar, que vão além da expressão verbal. Para as crianças a associação livre está relacionada ao ato de brincar, sendo este seu modo natural de se expressar e nomear os objetos internos em relação ao mundo externo. Os jogos e o brincar demonstram algo que é do inconsciente, podendo ser consideradas narrativas, contendo ou não palavras, que progressivamente vão organizando a experiência infantil (Costa, 2010, p.24).

A atividade lúdica proporciona o encontro da criança com o ambiente em que ela vive e se relaciona, permitindo que ela se constitua como um sujeito capaz de se vincular. Isso aparece na transferência, assim que o analista representar os objetos primários infantis e do brinquedo, que acontecem por intermédio da caixa, é possível obter os conteúdos das representações inconscientes de anseios, desejos e medos da criança. Para isso a criança e o terapeuta devem trabalhar juntos e avaliar os pensamentos, sentimentos e os acontecimentos com a finalidade de aumentar o leque de alternativas de conduta e pensamento (Hoyer, 2010).

Torna-se considerável enfatizar a questão da brincadeira no processo de psicoterapia como não sendo a única forma de expressão da criança, nem como o único ponto das interpretações realizadas pelo terapeuta. A maneira como a criança procede durante uma sessão, isto é, como ela excede de uma atividade para outra, e a forma que ela utiliza para compartilhar algum conteúdo, adquire uma significação quando interpretada a partir do todo (Polli & Arpini, 2013).

Crianças sob a guarda dos avós

No contexto contemporâneo, a família vem se remodelando conforme os contornos da sociedade em que está inserida, fazendo com que sua formatação passe por um processo de transformação. Os processos de pedidos de guarda de avós por seus netos vêm aumentando a cada ano, e dentre as inúmeras causas em que levam os avós a realizarem este pedido, o que mais chama a atenção é que não se tem olhado para o sofrimento oculto. Algumas iniciativas que visam atender este espaço de conhecimento da questão em que os avós requerem ao pedido de guarda judicial dos netos, já estão sendo atendidas (Cardoso, 2011).

Silva, Magalhães e Cavalcante (2013), relatam que as modificações que ocorrem nas relações entre os avós e seus netos, consequente das transformações das quais as famílias estão enfrentando, têm conduzido à sucessiva indecisão a respeito do papel dos avós quanto à educação de seus netos, pois os avós estão assumindo papéis dimensionais na família, demonstrando os estilos dos avós por meio de níveis. Os níveis de conduta que se refere às ocupações feitas com os avós, como o nível de atitude que condiz com as regras que vão regular as obrigações e direitos dos avós, o nível emocional ou afetivo é quanto à satisfação com o papel atribuído e o simbólico abrange muitos significados.

Os papéis atribuídos aos avós relacionam-se ao contexto social e cultural em que a família está inserida e os papéis que são desempenhados pelos avós dividem-se em três formas: participativos, cuidadores voluntários e cuidadores involuntários. Os participativos são atribuídos quando os avós não são responsáveis pelos seus netos, porém estão presentes nas suas vidas envolvendo-se parcialmente ou totalmente. O papel de cuidador voluntário é quando os avós cuidam dos netos rotineiramente, quando os pais precisam trabalhar fora e o papel de cuidador involuntário acontece quando os avós cuidam dos netos cotidianamente, e desta maneira acabam ficando com a guarda de seus netos (Cardoso, 2011).

Com esses tipos de organizações familiares, é possível apontar benefícios e complicações, como podendo haver uma distribuição das responsabilidades, um aumento dos recursos e uma maior união entre os membros familiares. De outro modo predominam os conflitos entre avós e pais quanto às responsabilidades e o não comprometimento dos pais e perda de privacidade dos avós (Arrais, Brasil, Cárdenas & Lara, 2012).

Neste entendimento, Cardoso (2011) ressalta pontos importantes na vida dos avós que criam seus netos, como o fortalecimento pessoal, maior satisfação de vida, a possibilidade de ter uma companhia, um sentimento de renovação e a gratificação de estarem dispondo de uma nova geração de ensinamentos e cuidados. Aponta também alguns efeitos negativos sobre os diversos contextos da vida dos avós, como o cansaço, a baixa qualidade na saúde física e emocional, depressão, responsabilidades financeiras, desentendimentos com os filhos em razão das discordâncias na educação nas crianças.

A dessemelhança de idade pode se tornar um grande bloqueio entre a comunicação e relação das crianças com seus avós, na figura de cuidadores. Além do mais, a relação diária dos mesmos pode ocasionar em um aumento de gastos e uma perda da privacidade de ambos. Com isso, há uma possibilidade de dúvidas quanto a quem pertença a autoridade da casa, gerando assim desacordos entre as gerações, conflitos e enfrentamento com os cuidadores por parte dos netos (Dias, Hora & Aguiar, 2010).

Segundo Cardoso (2010), nos últimos anos o Brasil vivenciou incontáveis crises econômicas, apesar de os avós já estarem em sua maior parte, aposentados ou pensionistas, ainda contam com uma posição financeira mais estável do que seus filhos, o que concebe a algumas famílias, a dependência econômica. A disponibilidade dos avós, segundo Oliveira e Pinho (2013) para ajudar, faz com que as mães consigam trabalhar fora de casa e possam ter uma resposta financeira. Esses cuidados que os avós realizam com os netos, é uma demonstração de seguimento da cultura, e simultaneamente uma constatação da flexibilidade quanto aos vínculos da família.

 

Método

Trata-se um estudo qualitativo exploratório e descritivo, que usou como estratégia de coleta e análise dos dados o estudo de caso único. O estudo de caso consiste em investigar um acontecimento contemporâneo que tem como unidade principal um caso em questão (Gil, 2012). Desta forma, permitiu reter uma perspectiva abrangente e compreender com profundidade seu contexto no mundo (Yin, 2014). O estudo tem como objetivo investigar o processo de psicoterapia psicanalítica de uma criança que está sob a guarda da avó, e apontar as percepções da criança quanto a este processo, bem como a representação do papel desta avó em sua vida.

O estudo foi desenvolvido em ambiente naturalístico, baseado na psicoterapia psicanalítica de uma criança de dez anos. A observação naturalística é fundamentada pelo acompanhamento do pesquisador no espaço natural onde os fatos pesquisados ocorrem. Desta forma, o psicoterapeuta registra os acontecimentos a partir dos fenômenos percebidos para ser analisado posteriormente (Rosa & Domingues, 2010).

A partir da busca pela psicoterapia, a criança foi avaliada quanto às suas dificuldades e indicação para tratamento. Assim confirmada a sua indicação e uma vez contratado o início da psicoterapia com a avó, o processo de psicoterapia iniciou e a criança foi atendida semanalmente e estudada ao longo de 10 sessões. O projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Meridional - IMED e aprovado sob o CAAE: 44641315.1.0000.5319.

Apresentação do caso

Ana, dez anos mora com a avó Tereza de cinquenta e oito anos, com a mãe Joana, com o tio Paulo e com seus dois irmãos Pedro de oito anos e José de quatro anos. A avó sempre teve a guarda judicial de Ana e de seus dois irmãos pelo fato de que sua mãe tem diagnóstico de retardo mental e não apresenta condições de cuidá-los. O pai de Ana trata-se de uma pessoa violenta e não mantém contato frequente com a menina, atualmente ele é casado e tem duas filhas de outro relacionamento. A partir dos seis anos Ana passou a apresentar comportamentos indisciplinados, foi avaliada e começou o tratamento psicológico. Atualmente foi encaminhada para psicoterapia por apresentar dificuldade de aprendizado e de relacionamento na escola, frequenta o terceiro ano do ensino fundamental e a principal demanda consiste na denuncia de que, em uma visita ao pai, um amigo do genitor havia ofendido a menina sexualmente. Seguidamente Ana é encaminhada para a promotoria por problemas de evasão escolar e por que a avó não sabe mais o que fazer com a indisciplina da menina.

Resumo das sessões

As sessões foram resumidas para possibilitar a compreensão do processo de psicoterapia, destacando os principais temas e o contexto em que a criança estava inserida.

Primeira sessão

Na primeira sessão Ana levou para a terapeuta alguns desenhos que havia feito em casa, e a terapeuta pediu o significado destes desenhos que ela havia trazido "No ano passado eu sempre trazia desenhos para o meu antigo terapeuta, e trouxe para você por que achei que você ficaria esperando eu trazer, e não queria que ficasse chateada e triste caso eu não tivesse trazido.". A terapeuta acolheu os desenhos da criança e aconselhou que guardasse em uma caixa onde iriam ficar suas coisas na sessão. Ana comenta sobre a boa relação existente entre ela e uma tia, irmã de seu pai "ela é muito legal, querida comigo, esse final de semana ela fez minhas unhas e ela sempre me empresta o celular dela para jogar". Comentou que na escola o posto de saúde estava fazendo vacinas preventivas nas alunas "uma colega minha tem muito medo de fazer vacina, então eu pedi se ela queria que eu segurasse na mão dela para não ter medo, mas eu não quis que ninguém segurasse na minha mão porque eu não tenho medo de vacina".

Segunda sessão

Durante a sessão a terapeuta pediu para Ana como ela se sentia durante as sessões, se gostava de vir, pois sua avó havia comentado que ela não queria mais ir para os atendimentos "não, eu gosto de vir aqui, aquele dia eu estava com sono e com fome, por isso não quis vir", então a terapeuta questionou se ela gostaria de continuar vindo "sim eu quero, às vezes eu to sem passagem para vir, mas a avó sempre me dá dinheiro ou compra as passagens para eu vir aqui". Com um pouco de receio Ana pergunta para a terapeuta "é verdade que depois que a mulher se casa, ela vai para a lua de mel, daí o marido e a mulher fazem coisinhas" a terapeuta explica que sim e fala sobre a relação sexual com a menina, "hum só para saber, é que as vezes eu converso com a mãe sobre esse tipo de assunto, mas ela sempre me diz que é para pedir para você". Ana também falou sobre alguns assuntos pelo qual a avó Tereza pede para que ela mude, e ela disse que tem que cumprir a promessa que a sua avó fez "tenho que cumprir a promessa que a minha avó fez, para eu dormir cedo, desligar a luz, me comportar no colégio e parar de brigar com meus irmãos, e se eu fizer isso ganho um notebook de aniversário".

Terceira sessão

Nesta sessão Ana falou sobre algumas coisas que aconteceram na escola, de algumas colegas que vão ao banheiro para assustar as outras, "eu também gosto de fazer isso, às vezes eu assisto uns vídeos assustadores", a terapeuta pediu para a menina se ela não sente medo quando assiste a esses vídeos, "eu sempre assisto filmes de terror, não tenho medo". Conta que está tendo uns sonhos estranhos por causa dos filmes que assiste, mas que acha tudo isso engraçado "eu conto essas histórias para que os outros fiquem assustados, e eu gosto quando eles sentem medo e ficam assustados". Comentou que foi à casa do pai, "eu fui a casa dele, mas nem gosto muito de ir, prefiro ficar em casa que daí eu posso fazer o que eu quiser, porque ele me xinga e me chama de burra e feia, mas é melhor assim eu não sinto falta de ir lá, se ele quer ele que venha me ver". Falou sobre o novo relacionamento do pai, e disse que não gosta da sua nova companheira, pois ela a ofende e xinga na frente de outras pessoas, "mas não fala para ele que eu te contei isso, porque se não ele vai me bater muito". A menina também comentou sobre uma discussão que teve com uma professora na escola "ela disse que eu tinha roubado umas tintas, mas ela não percebeu que as minhas eram iguais das dela, por isso que a gente brigou".

Quarta sessão

Nesta sessão a menina trouxe novamente desenhos feitos em casa para a terapeuta "fiz esses desenhos para você, e essa mulher que aparece é você, em cada desenho ela está fazendo uma coisa diferente, aqui ela está na neve, na casa, na praia, e tem outro que eu estou fazendo que ela ta na chuva", a terapeuta agradece os desenhos e diz que vai guardar numa caixa assim como ela também guarda os dela na caixa "você guarda todos eles? Minha mãe disse que achava que você jogava fora" a terapeuta ressalta que sim e pega a caixa onde estavam os desenhos e mostra para a menina "nossa que legal, não sabia que você tinha feito isso, eu disse para minha mãe que você não jogava fora os desenhos, porque você é legal e não ia fazer isso". Após isso a menina quis conhecer o armário de jogos e pediu para a terapeuta para jogarem alguns até o final da sessão.

Quinta sessão

Nessa sessão a terapeuta pediu para que Ana fizesse um desenho de sua família "essa é a minha família que mora comigo, meus dois irmãos, que estão deste lado, assim ficaram perto do tio, depois vem minha mãe, essa é a avó Tereza e essa aqui sou eu com meus cabelos pintados", a terapeuta pediu que Ana contasse uma história do desenho "não gosto muito de contar histórias, só resolvi colocar meus cabelos pintados no desenho para mostrar como estou agora, e foi a avó Tereza que me ajudou a pintar eles". A terapeuta elogiou o desenho e falou que iria guardá-lo na caixa de Ana. Após isso, Ana quis jogar o banco imobiliário, "eu queria um jogo desses, acho bem legal porque tem dinheiro e dá para comprar várias coisas, por isso te pedi para jogar, mas queria ter um em casa, acho que vou pedir um para minha avó, de dia das crianças ou de natal".

Sexta sessão

Durante a sessão ela comentou sobre o que havia acontecido na escola "Meu pai foi na escola e me bateu porque ele ficou sabendo que eu falei para minha madrasta que ele estava espiando as filhas dela no banheiro, mas depois minha avó disse para ele que era mentira, e que não era para me bater, e que eu tinha dito aquilo só porque eu não gosto delas". Falou também que está gostando de um colega, fala que são namorados, que ele é muito bonito e que ele também gosta dela, "ontem nós nos beijamos na escola, andamos de mãos dadas, e ele me convidou para ir dormir na casa dele, mas eu só não fui ainda porque a avó nunca me deixou dormir fora de casa". Falou sobre seu irmão Pedro, que ele saiu correndo atrás dela e quase foi atropelado, e a terapeuta questionou Ana sobre o que ela tinha achado disso que aconteceu "eu não ia me importar, porque sempre que o pai me bate o Pedro fica dizendo bem feito, e eu também não gosto quando o Pedro e o José saem junto comigo e com a avó".

Sétima sessão

Ana falou sobre seu aniversário disse que pediu um celular para o pai de presente "eu pedi o celular, mas não sei se ele vai me dar, porque eu nem estou indo mais na casa dele, por causa da minha madrasta, ela é uma fofoqueira e as filhas dela não gostam de mim". Disse que às vezes que foi na casa do pai, falava coisas para a madrasta para fazer com que os dois se separassem "eu sempre coloco lenha na fogueira, para ver se eles se separam, eu sempre digo para ela coisas que meu pai fez para mim, porque quando eu era pequena ele sempre me batia, e na minha mãe também e que agora ele ainda continua me batendo". Durante a sessão a terapeuta pergunta para Ana sobre a avó Tereza: "ela está bem, ela disse outro dia que iria me levar no médico, porque ela acha que eu estou com refluxo, e eu me preocupo com ela também, porque uma vez não parava em casa, estava sempre no hospital, e daí me levando ao médico ela vê as coisas de saúde dela também". A menina também fala sobre os presentes que espera ganhar da avó "vou ganhar vários presentes da avó quando eu estiver de aniversário, ela disse que o computador ela também vai me dar porque ela gostou que eu parei de brigar com os meus irmãos, estou me comportando no colégio como ela pediu e estou indo dormir cedo" a terapeuta ficou feliz em relação as atitude de Ana, "e a avó também gostou e quando eu tiver o computador eu vou mostrar todas as coisas para ela e também as coisas que ela quiser ver".

Oitava sessão

Nesta sessão Ana fala sobre o desejo de começar um curso de dança, a terapeuta pergunta para ela o que avó acha disso, "eu não sei se a avó vai ter como pagar, porque ela paga o meu curso de informática, os atendimentos, o aparelho no dentista, e daí ela vai gastar todo dinheiro dela". A terapeuta disse que é importante ela saber disso, mas que Ana pode conversar com avó para ver o que ela acha, ou trocar uma coisa e optar por outra "também pode ser, mas só que às vezes quando vou dormir eu fico pensando, será que a avó vai estar viva quando eu terminar o curso de informática e será que ela vai conseguir pagar minhas outras coisas" e a terapeuta pergunta o porquê de Ana pensar isso "é que ela já está tão velhinha". Falou que foi na casa da avó paterna "ela me pediu porque que eu estava almoçando na casa dela e não na casa da avó Tereza, como se eu tivesse incomodando eles, e só terminei de comer e já pedi para me levarem para casa", a terapeuta pergunta para Ana como ela se sentiu nesse momento "eu fiquei bem triste, porque eu a achava querida, não gostei dessas coisas que ela me falou, acho que ela não gosta de mim". Nesta sessão Ana também fala que teve que ir ao conselho tutelar pelo fato de algumas coisas terem acontecido na escola "eu fui no conselho e uma mulher conversou comigo, daí minha avó estava junto e disse que eu estava obedecendo mais, então a mulher não me xingou como das outras vezes".

Nona sessão

Na sessão Ana falou que está tendo uns sonhos estranhos "eu fico um pouco assustada às vezes com meus sonhos, parece que tem alguém vindo me pegar e no meio da noite eu comecei a chama a avó porque quando eu chamo a mãe ela nunca vem, então a avó veio ver o que tinha acontecido comigo", a terapeuta pergunta se a avó sempre se preocupa com as coisas que acontecem com ela "sim, ela sempre me cuida e se preocupa com as minhas coisas". Contou de uma situação na escola da troca de alguns professores, e disse que tem uma professora que bate nos seus colegas, e a terapeuta disse que ninguém tem o direito de bater em ninguém, e falou também que muito menos o pai dela tinha esse direito de bater nela "é eu não gosto quando o pai me bate, mas não sei o que fazer". A terapeuta comenta com Ana que foi até a sua escola para conversar com suas professoras "que bom prefiro que você vai lá, porque quando vai meu pai ele fica muito bravo comigo e quer me bater, fica me procurando na escola e eu tenho que me esconder, eu sinto medo, começa me dar uma tremedeira nas pernas e no queixo, mas eu não falei para ele que estava com medo, disse que eu estava sentindo frio".

Décima sessão

Como Ana faltou várias vezes para os atendimentos, a terapeuta pediu se ela gostaria de continuar vindo para as sessões, pois não poderia mais faltar por normas da clínica "sim quero continuar vindo, a avó me fala que é para eu acordar cedo para vir aqui, só que às vezes a mãe esquece de me trazer". Falou que na sessão passada não pode vir, foi ao ginecologista fazer uns exames "eu não gostei muito de fazer porque foi um médico homem que fez, e eu senti muita vergonha, e na hora dos exames eu senti dor também, eu não gostei de fazer, mas eu sei que é importante que eu faça", a terapeuta concorda e fala da importância destes exames para as meninas. Ana fala que o seu pai ligou e contou que a madrasta está grávida "eu não gostei disso, nem quero pensar como vai ser, vou ter que dividir meus tios, porque na verdade eu queria ser filha única, mas agora vem mais um filho do meu pai, tomara que seja uma menina, mas eu acho que mesmo assim a minha madrasta vai me proibir de conhecê-la".

 

Discussão

As sessões serão discutidas a partir das seguintes categorias:

A criança e o contexto familiar

A partir das sessões de psicoterapia observadas, percebeu-se que Ana tem uma boa relação com a avó, e o quanto se preocupa com a mesma. A menina percebe a avó como sendo uma personagem importante em sua vida, demonstrando isso na quinta sessão por meio de um desenho. Na atividade lúdica a menina pôde se expressar, e isso proporcionou a ela um encontro com o ambiente em que vive e as pessoas com as quais se relaciona (Hoyer, 2010). Neste desenho a menina representou a sua família e explicou: "essa é a minha família que mora comigo, meus dois irmãos, que estão deste lado, assim ficaram perto do tio, depois vem minha mãe, essa é a avó Tereza e essa aqui sou eu". O lugar desta avó ao lado de Ana no desenho mostra o quanto essa personagem ocupa um lugar de destaque entre as pessoas da sua família, ressaltando o vínculo estabelecido entre elas neste processo de organização familiar (Silva, 2012).

A preocupação da menina em relação à avó é bem significativa, pois abrange pontos relacionados à saúde e às questões financeiras. Referente a isso, percebe-se na sétima sessão a preocupação de Ana em relação à saúde da avó: "me preocupo com ela também, porque uma vez não parava em casa, estava sempre no hospital, e daí me levando ao médico ela vê as coisas de saúde dela também". Segundo Cardoso e Costa (2012), essa preocupação que é provocada na menina, é o resultado do ganho afetivo oferecido por esta avó, e da relação estabelecida entre as duas, bem como da série de necessidades pelo qual esta avó é provedora.

Essa preocupação da menina em relação à avó também pode ser percebida na oitava sessão: "às vezes quando vou dormir eu fico pensando, será que a avó vai estar viva quando eu terminar o curso de informática e será que ela vai conseguir pagar minhas outras coisas, porque ela já está tão velhinha". Segundo Ramos (2014), esta preocupação é esperada pelo fato de existir a troca do papel de cuidador, e desta maneira a avó é representada como sendo uma figura central e contribuinte para a menina, constituindose como um recurso importante em sua vida.

Assim que os avós assumem a guarda dos netos, estabelecem uma nova configuração familiar e se tornam provedores dos mesmos (Cardoso, 2010). Desta forma eles fornecem apoio afetivo, financeiro e material aos netos, e este apoio financeiro que a avó oferece para Ana, gera preocupações na menina quanto a estes investimentos, onde os quais envolvem os diversos contextos em que ela está inserida, "eu não sei se a avó vai ter como pagar, porque ela paga o meu curso de informática, os atendimentos, o aparelho no dentista, e daí ela vai gastar todo dinheiro dela". Cabe ressaltar que, segundo Mainetti e Wanderbroocke (2013), Ana demonstra um entendimento quanto aos investimentos que esta avó faz para ela, e a forma com que o dinheiro está relacionado ao uso e ao significado que é atribuído para ele.

Estes investimentos que a avó provém, auxiliam no processo de psicoterapia de Ana fazendo com que o mesmo aconteça, "às vezes eu to sem passagem para vir, mas a avó sempre me dá dinheiro ou compra as passagens para eu vir aqui". Segundo Castro e Sturmer (2009), pelo fato da menina ser menor e dependente, é essencial este auxilio e a participação desta avó, pois desta forma torna o processo mais complexo.

Ao assumir este lugar e função de protetora da menina, a avó também assegura as suas responsabilidades, e diante disso estabelece os limites e normas que devem ser seguidos diante das decisões impostas à menina (Cardoso, 2011). Sabendo disso, na sexta sessão, Ana relata sobre um colega da escola que está se relacionando e mostra como esta avó impôs um limite quanto às suas decisões "ontem nos beijamos na escola, andamos de mãos dadas, e ele me convidou para ir dormir na casa dele, mas eu só não fui ainda porque a avó nunca me deixou dormir fora de casa".

As normas determinadas pela avó em relação à menina, também são possíveis de perceber na segunda sessão, "tenho que cumprir a promessa que a minha avó fez, para eu dormir cedo, desligar a luz, me comportar no colégio e parar de brigar com meus irmãos, e se eu fizer isso ganho um notebook de aniversário". Por meio destas normas impostas, a menina modificou suas atitudes, tornando isso evidente na sétima sessão: "ela disse que vai me dar o computador porque gostou que eu parei de brigar com os meus irmãos, estou me comportando no colégio como ela pediu e estou indo dormir cedo". De acordo com Arrais, Brasil, Cárdenas e Lara, (2012), essas normas que são instauradas pela avó, fazem com que ela sobreponha papéis diante da ausência parental que existe nesta configuração familiar.

Na nona sessão é possível perceber a importância da função desta avó diante das situações que acontecem na vida de Ana "eu fico um pouco assustada às vezes com meus sonhos, parece que tem alguém vindo me pegar e no meio da noite eu comecei a chamar a avó porque quando eu chamo a mãe ela nunca vem, então a avó veio ver o que tinha acontecido comigo". Diante disso, Mainetti e Wanderbroocke (2013), ressaltam que desta forma ocorre uma representação do que é ser avó diante da função materna que é sucedida por este papel da avó. Desta maneira torna possível perceber que o papel representado pela mãe é pouco notável nas sessões, e que muitas vezes as tarefas executadas pelos avós quanto ao cuidado de seus netos, podem resultar numa inversão dos papéis entre estes avós e os pais, e assim os avós são identificados como quem procede ao papel de cuidador e que concedem aos pais nesta troca (Cardoso & Brito, 2014).

A menina não relatou muito sobre a relação que existe entre ela e seus irmãos, no entanto quando fala a respeito deles na sexta sessão, conta sobre o fato do irmão quase ter sido atropelado "eu não ia me importar, porque sempre que o pai me bate o Pedro fica dizendo bem feito, e eu também não gosto quando o Pedro e o José saem junto comigo e com a avó". O que fica destacado nessa relação é o ciúme quanto ao contato destes irmãos com a avó, e diante disso, Castro e Sturner, (2009), destacam que o relacionamento com os irmãos acontece por meio da influência da qualidade que existe na relação entre os pais, e do quanto essa relação contribui para eles. Sabendo disso, é possível constatar que, pelo fato de Ana e seus irmãos não terem uma influência de qualidade quanto à relação dos pais, não permite a eles um contato harmonioso, e resulta numa relação com efeitos danosos, espelhando-se nesta relação conflitante que existe.

Ana relata que o seu relacionamento com o pai é conflituoso, pois este contato gera para a menina prejuízos físicos e emocionais. Isso fica evidente através dos relatos da menina nas sessões "ele fica muito bravo comigo e quer me bater, fica me procurando na escola e eu tenho que me esconder, eu sinto medo, começa me dar uma tremedeira nas pernas e no queixo, mas eu não falei para ele que estava com medo, disse que eu estava sentindo frio". Essa visão que a menina tem desta figura paterna, é resultado das vivências e do medo, que pelo qual ela enfrenta para que essa convivência entre os dois exista (Cardoso, 2011). Segundo Schneebeli e Melandro (2014), a participação paterna é indispensável para o desenvolvimento dos filhos, ela deve ser semeada, alimentada e aprendida diariamente no contato com eles, por mais que ela aconteça em meio à ambivalência e haja oscilações na convivência entre os dois.

Em outros momentos do processo de psicoterapia é possível destacar essa relação conflituosa que existe entre os dois, mostrando que o pai é uma figura marcante na vida da menina no aspecto relacionado ao medo e a insegurança afetiva (Schneebeli & Menandro, 2014), "não fala para ele que eu te contei isso, porque se não ele vai me bater muito", esta fala da menina na terceira sessão mostra o medo de Ana e a insegurança que essa relação causa para ela.

O que é possível perceber nas sessões de Ana é que por conta de o pai ter se casado novamente, fez com que gerasse um conflito maior na relação estabelecida entre os dois, "eu nem to indo mais na casa dele, por causa da minha madrasta, ela é uma fofoqueira e as filhas dela não gostam de mim". Assim que acontece um novo casamento, é possível perceber os conflitos e tensões que acarretam os filhos, na nova convivência ao qual se intensifica e torna as reações visíveis (Castro & Sturmer, 2009).

Na sexta sessão se torna evidente a relação de conflito estabelecida entre Ana e as filhas de sua madrasta "meu pai foi na escola e me bateu porque ele ficou sabendo que eu falei para minha madrasta que ele estava espiando as filhas dela no banheiro, mas depois minha avó disse pra ele que era mentira, e que não era para me bater, e que eu tinha aquilo só porque eu não gosto delas". Segundo Cardoso (2010), quanto mais favorável for esta relação entre os não irmãos, melhor será a integração de toda a família, desta forma é possível perceber que não existe esta relação favorável entre as não irmãs muito menos uma integração com esta nova família.

O desejo que Ana demonstra para que ocorra a separação deste novo casamento do pai, é notável na sétima sessão "eu sempre coloco lenha na fogueira, para ver se eles se separam, eu sempre digo para ela coisas que meu pai fez pra mim, porque quando eu era pequena ele sempre me batia, e na minha mãe também e que agora ele ainda continua me batendo". A nova constituição familiar acontece diante de uma situação de luto pela perda da primeira família, e a elaboração desta perda depende de uma série de fatores (Schneebeli & Menandro, 2014). Muitas vezes alguns sentimentos não são identificados pelo fato que a criança se constitui de processos inconscientes, no entanto o desejo da separação e a relação de conflito que se estabeleceu com a madrasta, são sentimentos negativos e que não foram identificados, gerando na menina uma reação de hostilidade (Grzybowski & Wagner, 2010).

Outra personagem que aparece no contexto de relações de Ana é a sua avó paterna, que se diferencia da relação existente entre a avó que possui a sua guarda, "ela me pediu porque que eu estava almoçando na casa dela e não na casa da avó Tereza, como se eu tivesse incomodando eles, e só terminei de come e já pedi pra me levarem pra casa". Relacionando com outros estudos, nota-se que na maioria dos casos é a mãe da mãe que apresenta uma relação mais sadia e com maior suporte aos netos, desempenhando um papel incomparável quanto às outras figuras do contexto familiar (Arrais, Brasil, Cárdenas & Lara, 2012; Mainetti & Wanderbroocke, 2013).

A criança e o processo de psicoterapia

Alguns aspectos diferenciam o processo de psicoterapia e a relação terapêutica que se estabelece. O enquadre é uma forma de contrato onde são feitas as combinações e a formação do vínculo, inseridos neste, devem estar os responsáveis pela criança, que devem assumir juntos estas condições. Neste sentido, na fala da menina na décima sessão "a avó me fala que é para eu acordar cedo para vir aqui, só que às vezes a mãe esquece de me trazer", é possível perceber que a avó participa deste enquadre e responsabiliza-se na cooperação em manter as condições e estar disponível quando necessário. Já a mãe, em decorrência de sua dificuldade apresentada, não coopera com as responsabilidades quanto a este processo, fazendo com que a menina se atrase ou muitas vezes não compareça em algumas sessões, e por estes motivos fazem com que a menina se sinta nervosa durante as sessões (Castro & Sturmer, 2009).

É possível perceber também o investimento financeiro desta avó no processo de psicoterapia "às vezes eu to sem passagem para vir, mas a avó sempre me dá dinheiro ou compra as passagens para eu vir aqui", diante disso, Arrais, Brasil, Cárdenas e Lara, (2012), relatam que esta avó encontra benefícios no auxilio que realiza e também um ganho diante da ajuda e da importância deste processo de psicoterapia para a menina.

É possível perceber também o investimento financeiro desta avó no processo de psicoterapia "às vezes eu to sem passagem para vir, mas a avó sempre me dá dinheiro ou compra as passagens para eu vir aqui", diante disso, Arrais, Brasil, Cárdenas e Lara, (2012), relatam que esta avó encontra benefícios no auxilio que realiza e também um ganho diante da ajuda e da importância deste processo de psicoterapia para a menina.

Durante as sessões de psicoterapia foi possível perceber que a menina gostava de fazer vários desenhos e de jogar com a terapeuta, e isso fazia com que a menina se expressasse durante as sessões "eu queria um jogo desses, acho bem legal porque tem dinheiro e dá para comprar várias coisas, por isso te pedi para jogar, mas queria ter um em casa". O brincar possibilita à criança representar suas emoções, lidar com seus conflitos e ansiedades, bem como explorar a fantasia e a realidade, e a partir disso foi possível perceber que nos desenhos e brincadeiras a menina se expressava, tornando possível o acesso aos significados e aos conteúdos de sua mente (Aberastury, 1982).

A criança em relação ao terapeuta

A partir das sessões de psicoterapia observadas, foi possível perceber que a relação entre Ana e a terapeuta é agradável, e isso se caracteriza pela construção do vínculo e da confiança no processo de psicoterapia (Castro & Sturmer, 2009). A menina tinha o costume de levar para as sessões alguns desenhos "fiz esses para você e essa mulher no desenho é você e em cada desenho ela está fazendo uma coisa diferente, aqui ela está na neve, na casa, e tem outro que eu estou fazendo que ela ta na chuva". O desenho é uma utilidade muito grande durante o processo, bem como seus símbolos empregados e seus significados inconscientes (Aberastury, 1982). Desta forma, é possível perceber como a menina entrelaça a terapeuta em diferentes contextos e nos mais variados papéis, mostrando a relação que se estabelece fora do consultório, diante dos demais ambientes em que a menina se insere (Affonso, 2012).

A relação de confiança entre a terapeuta e a menina foi constituída por meio do vínculo fidedigno do processo de psicoterapia, onde o mesmo tem características que o diferenciam das outras relações que se estabelecem na vida da menina (Castro & Sturmer, 2009). Esta relação de confiança se torna visível mediante as falas da menina a seguir: "você guarda todos eles? Minha mãe disse que achava que você jogava fora, mas eu disse para ela que você não jogava fora os desenhos, porque você é legal e não ia fazer isso".

Em decorrência da dificuldade apresentada pela mãe em exercer a tarefa parental, delega esses afazeres para outras pessoas que fazem parte do contexto da menina (Cardoso & Costa, 2012), desta forma ela demanda algumas responsabilidades para a terapeuta, tornando-se evidente na segunda sessão "é que às vezes eu converso com a mãe sobre esse tipo de assunto, mas ela sempre me diz que é para pedir para você". Desta forma a menina passa a ter uma confiança maior em relação à terapeuta e estabelece uma ligação positiva com ela, podendo assim ter a percepção da sua necessidade de ajuda (Rodrigues & Mishima-Gomes, 2013).

 

Considerações finais

Este estudo objetivou analisar dez sessões de psicoterapia de uma criança sob a guarda de sua avó, envolvendo a percepção da neta quanto ao papel que esta avó representa, bem como a convivência e a relação estabelecida entre as duas.

Conforme o que foi discutido, percebe-se a avó como sendo uma figura central para a neta, salientando a ausência da figura materna em diferentes situações, em virtude de sua dificuldade apresentada, bem como a relação de conflito estabelecida com a figura paterna, e os prejuízos físicos e emocionais que são causados na menina.

Foi constatado que esta avó executa tarefas que procede à figura dos pais, resultando em uma troca de papéis na configuração familiar. A concepção da neta é bastante favorável acerca da criação e do cuidado tido pela avó, demonstrando preocupações quanto aos aspectos de saúde e financeiros, tendo um entendimento sob os investimentos que esta avó fornece a ela.

A questão financeira se tornou evidente em diversos aspectos, pois esta avó é provedora de todo o sustento da família e assegura todas as necessidades essenciais para a neta, sendo notável a participação da avó nos mais variados contextos da vida da menina, auxiliando também em seu processo de psicoterapia.

Com base neste estudo, espera-se que novas investigações sejam feitas a respeito da relação entre os netos que estão sob a guarda de seus avós. As configurações familiares que entrelaçam essas gerações são cada vez mais presentes e o quanto os profissionais de psicologia precisam estar capacitados e ter um conhecimento maior, para proporcionar um bom fundamento no que diz respeito ao processo de guarda de netos por seus avós, para que sejam feitas intervenções psicológicas congruentes.

 

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Endereço para contato
E-mail: luiz.oliveira@imed.edu.br

Recebido em outubro de 2016
Aprovado em abril de 2017

 

 

Tielen Franciosi Cappelli: Psicóloga egressa da IMED. Passo Fundo-RS.
Luiz Ronaldo Freitas de Oliveira: Psicólogo, Professor e Coordenador do Curso de Psicologia IMED, Passo Fundo-RS.

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