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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.47-48 Canoas dez. 2015

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Concepções e expectativas da aposentadoria em trabalhadores da educação pública do Rio Grande do Norte

 

Conceptions and expectations of retirement in workers of the public education of Rio Grande do Norte

 

 

Alda Karoline Lima da Silva; Gimena Pérez Caraballo; Raphaela Margarida do Nascimento Jucá; Ludmila Sayonara da Silva Xavier Machado

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RESUMO

Diante do aumento do número de brasileiros que vivenciam o processo de transição trabalho-aposentadoria e dos riscos biopsicossociais que as mudanças da aposentadoria podem produzir, este artigo tem como objetivo investigar a concepção dos trabalhadores da educação pública do Estado do Rio Grande do Norte (RN) sobre a aposentadoria, bem como suas expectativas com a proximidade dessa nova fase da vida. O presente estudo foi desenvolvido com vinte profissionais da educação pública do RN numa abordagem qualitativa, utilizando-se de um questionário socioprofissional e de uma entrevista semiestruturada. Os dados foram analisados conforme a análise de conteúdo e classificados em unidades temáticas de sentidos. Os resultados mostram que há uma oposição de expectativas com a chegada da aposentadoria e o cenário de precarização do trabalho desses sujeitos influenciaria diretamente sob essas expectativas. Observou-se que o direito a preparação é apenas mais um dos direitos sociolaborais que lhes foram omitidos.

Palavras-chave: Aposentadoria, Expectativas, Educação pública.


ABSTRACT

Faced with the increase in the number of Brazilians who experience the process of transition from work to retirement and the biopsychosocial risks that retirement changes can produce, this article aims to investigate the conception of the public education workers from the State of the Rio Grande do Norte (RN) about the retirement, as well as their expectations with the proximity of this new phase in life. This study was developed with twenty public education professionals of the RN in a qualitative approach, using a socio-professional questionnaire and semi structered interview. The data were analyzed according to content analysis and classified in thematic units of senses. The results show that there is an opposition of expectations with the arrival of the retirement and the scenario of the work of these subjects would influence directly in these expectations. It was observed that the right to preparation is just one of the social labor rights that have been omitted.

Keywords: Retirement, Expectations, Public education.


 

 

Introdução

A transição trabalho-aposentadoria é um assunto fundamental para o desenvolvimento humano e social, a qual vem despertando discussões em várias áreas de atuação, especialmente na psicologia. O interesse em desenvolver estudos que envolvam essa temática está relacionado não só com o aumento gradativo do número de brasileiros que vivenciam esse processo de transição (Felix & Catão, 2013; Soares, Antunes & More, 2014), mas também devido aos riscos biopsicossociais que as mudanças decorrentes da aposentadoria provocam na vida do sujeito, tais como os adoecimentos físico e emocional (França, Menezes, Bendassolli & Macedo, 2013; Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

É importante destacar que nem sempre a aposentadoria irá trazer riscos ou danos biopsicossociais, pois as expectativas diante da aposentadoria geralmente estão relacionadas com o significado que o trabalho ocupa na vida do sujeito. Portanto, a função psicossocial do trabalho influenciará sobremaneira o processo da aposentadoria (França, 1999; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

Atualmente, os trabalhadores da educação pública no Brasil têm uma jornada de trabalho extensa. Muitos se submetem a uma carga horária diária extenuante, acumulam vários vínculos empregatícios, submetendo-se assim a múltiplas jornadas de trabalho, em consequência dos baixos salários destinados a essa categoria. Atrelado a tais aspectos, muitas vezes esses trabalhadores exercem suas atividades sem estrutura física e pedagógica, características que vêm contribuindo para a solidez de um cenário laboral cada vez mais precarizado. Em meio à precarização, a profissão educacional insere-se no rol das profissões pouco almejadas socialmente. Essa ausência de motivação pela carreira educacional proporciona, muitas vezes, o ingresso do sujeito nessa área devido: a falta de opção; a facilidade de ingresso com os cursos de menor duração e por ter menor concorrência no meio acadêmico (Abonízio, 2012).

Embasadas no pressuposto de que as expectativas da aposentadoria estão relacionadas com as experiências vividas pelo trabalhador com o seu trabalho, e considerando as problemáticas que envolvem a realidade desses profissionais da educação, lança-se como questionamento: quais são as expectativas dos trabalhadores da educação pública no Rio Grande do Norte (RN) no momento da aposentadoria? Assim, a pesquisa teve como objetivo investigar a concepção dos trabalhadores da educação pública do Estado do RN, sobre a aposentadoria, bem como suas expectativas com a proximidade dessa nova fase da vida.

Para contextualizar as temáticas abordadas neste artigo, foram feitas considerações teóricas sobre os fatores que estão interligados entre o trabalho e a aposentadoria, dentre elas: o sentido que o trabalho tem para a sociedade atual, a aposentadoria, e o contexto laboral dos trabalhadores da educação pública no Brasil.

Na contemporaneidade, a qual prescreve a supervalorização da produtividade e do capital, o trabalho goza de um lugar privilegiado na vida das pessoas, representa uma atividade de alto valor para a sociedade, concebendo um papel central na construção de identidade dos sujeitos (Bressan, Mafra, França, Melo & Loretto, 2013; Moreira, 2011; Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007). Alguns autores (Debetir, 2011; Zanelli, Silva & Soares, 2010) apontam que o trabalho define a identidade do sujeito, já que ele ocupa um papel largo e inegável na constituição da existência humana, além de proporcionar a sensação de realização e contribuir para o desenvolvimento pessoal do sujeito, possibilitando também o status econômico e social.

O trabalho enquanto atividade profissional pode dar sentido ao sujeito, não só pela tarefa em si, mas pelo modo como essa tarefa é executada. Ele possui um caráter insubstituível na vida humana, pois é através do trabalho profissional que o sujeito encontra uma oportunidade para dar sentido à sua vida, constituindo assim o trabalho como um caráter único o qual só ele pode e deve fazer (Moreira, 2011).

O fato do trabalho ser visto como uma atividade que mensura o indivíduo, dando-lhe um papel ativo na sociedade, gera controvérsias quando o profissional chega ao ponto de desvincular-se da rotina laboral com a chegada da aposentadoria. Como pode ser constatado nos estudos de Zanelli (1996), o indivíduo é conhecido socialmente pelas atividades que exerce, e o afastamento do trabalho provocado pela aposentadoria é capaz de afetar significativamente a identidade. Por isso que, muitas vezes, a aposentadoria é estigmatizada como a perda do sentido da vida, configurada como uma espécie de morte social (Romanini, Xavier & Kovaleski, 2005).

Na sociedade atual, o termo aposentadoria ou aposentado carrega consigo uma gama de significados, sinônimos e representações. A análise etimológica da palavra aposentadoria está vinculada ao fato de retirar-se dos aposentos, de recolher-se ao espaço de não trabalho, sendo tal compreensão associada ao status depreciativo de inatividade e abandono (Costa & Soares, 2009). Além disso, muitas vezes a aposentadoria está relacionada ao envelhecimento, à invalidez ou à incapacidade laborativa (Moreira, 2011; Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

Zanelli, Silva e Soares (2010) relatam que as associações da aposentadoria como velhice e morte são crenças que aparecem muitas vezes de maneira velada. Dessa forma, surgem mitos à cerca do processo de aposentadoria (Romanini, Xavier & Kovaleski, 2005), pois muitas pessoas temem a essa fase da vida. Por outro lado, é natural haver insegurança e ansiedade durante o processo de transição trabalho–aposentadoria, devido às mudanças no ambiente familiar, na rotina diária, na organização financeira, nos vínculos sociais, que poderão acontecer em virtude do distanciamento do convívio habitual do trabalho (Zanelli, 1996; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

Assim, torna-se importante pensar em ações para o pré-aposentado no contexto organizacional, seja ele público ou privado, que amenizem os sentimentos de inutilidade, evitando que a aposentadoria seja vivida sobre o prisma do adoecimento, da inutilidade e/ou da ociosidade. Para isso, pode-se propor a implementação de políticas organizacionais que contribuam para a promoção da qualidade de vida do trabalhador como os Programas de Preparação para Aposentadoria – PPA (Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007).

O PPA é relatado por vários autores como uma forma de prevenir os possíveis danos biopsicossociais, de promover o bem-estar durante o período de transição da aposentadoria e de refletir sobre os aspectos positivos e negativos da transição (França, 2011; França & Soares, 2009; Zanelli, Silva & Soares, 2010). O Programa funciona como um dispositivo para a construção singular, bem como espaço de encontro dos discursos dos trabalhadores da organização e no auxílio do planejamento futuro de cada profissional. Tem por principais objetivos: discutir os aspectos biológicos, sociais, financeiros, culturais, psicológicos, políticos e econômicos que se manifestam no período anterior da aposentadoria; reduzir ansiedades e dificuldades associadas a essa fase; servir de facilitador na elaboração de novos projetos de vida (como por exemplo, um pós-carreira); promover o aprendizado de informações e ajustes às novas circunstâncias como um processo continuado (França, 2011; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

De acordo com o Art. 61 da Lei nº22.014 de 2009, os profissionais da educação são àqueles: professores habilitados em nível médio (magistério) ou superior para a docência na Educação Infantil e nos Ensinos Fundamentais e Médios; trabalhadores em educação graduados em pedagogia com habilidades em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, ou com títulos de mestrado ou doutorado em áreas afins e trabalhadores em educação de nível técnico ou superior em área pedagógica (Brasil, 2009a).

Apesar da educação ter diversas funções e cargos, o profissional que se destaca nas atuais publicações científicas são os professores, notadamente pelo forte cenário de negligência e desvalorização da profissão. A atividade docente, que antes era vista como uma atividade essencial para a sociedade, hoje é uma profissão que luta pela valorização e reconhecimento social do seu trabalho, tendo em vista que após os movimentos de reestruturação da educação, intensificou-se a precarização desse trabalho (Abonízio, 2012).

Após a reestruturação dos anos 90, o cenário educacional intensificou as situações de precarização do trabalho docente, pois o trabalho começava a ser definido não apenas como uma atividade de sala de aula, ele agora compreendia a gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento das aulas (Abonízio, 2012). Além disso, os docentes estão diante da vulnerabilidade social enfrentada pelos seus alunos, os quais necessitam de suporte para que o seu direito à educação seja garantido. Contudo, e devido a falta de investimento em profissionais (como por exemplo, assistentes sociais e psicólogos), nas redes públicas de ensino, o professor acaba desenvolvendo papéis que ultrapassam os limites da sua área de formação. Com tantas exigências, é natural surgir sentimentos de desprofissionalização, ou seja de perda de identidade profissional, por constatar que ensinar às vezes não é o mais importante (Souza & Leite, 2011).

No estado do RN, apenas 8500 professores dos mais de 15 mil ligados a rede estadual de ensino, estão em sala de aula para atender os 256 mil alunos matriculados nas 639 escolas do estado. Estes dados foram obtidos em uma pesquisa realizada no ano de 2015 pela Secretaria do Estado de Educação e Cultura (SEEC), a qual sinaliza ainda que entre 2013 e 2015, mais de 2176 professores foram afastados das escolas por licenças e aposentadoria. Além disso, a partir de divulgações feitas pelo Ministério da Educação (MEC), no ano de 2015, os educadores das escolas públicas do RN têm a 6ª pior remuneração. No Estado, os professores ganham R$ 1.293,72 à menos do que a média nacional (Globo, 2015).

Esses dados retratam o cenário de precarização do trabalho docente, caracterizado pelas más condições de trabalho, destacando-se: os baixos salários, as difíceis condições de trabalho (falta de materiais e de infraestrutura), as longas jornadas e o aumento dos ritmos de trabalho, a falta de valorização do trabalho realizado, as dificuldades nas relações com as famílias dos alunos (que tendem a encarar os profissionais como responsáveis pelo sucesso ou insucesso de seus filhos) e ainda tem-se a violência na escola (brigas entre alunos, roubos, ameaças dos alunos, depredação do espaço) como outro fator agravante (Abonízio, 2012; Souza & Leite, 2011; Sousa, Bueno & Silva, 2016).

Diante desse cenário, pesquisas realizadas por Souza e Leite (2011) com docentes brasileiros, mostram que cresce o número de docentes adoecidos, o que leva a que esses se encontrem aposentados por invalidez ou readaptados em funções administrativas dentro das escolas. Os autores supõem que o adoecimento está relacionado com a intensificação do trabalho, que tem como consequência a degradação do trabalho não só em termos de qualidade da atividade, mas também do bem ou do serviço produzido. Confrontados com a falta de tempo, os docentes limitam a atividade em suas dimensões centrais, que seriam manter o controle da turma e responder aos dispositivos regulatórios.

Cabe dizer que os trabalhadores da educação pública conseguem adquirir o direito à aposentadoria quando alcançam os 30 anos de contribuição e 55 anos de idade mínima, para o homem e 25 anos de contribuição e 50 anos de idade mínima para a mulher (Brasil, 2009b).

 

Método

Com o intuito de responder à problematica e aos objetivos de pesquisa, foi desenvolvido um estudo de natureza qualitativa, no qual se utilizaram instrumentais para apreensão socioprofissional da categoria estudada, e para aprofundamento no que se refere à expectativa diante a aposentadoria. A pesquisa foi realizada com base nas exigências éticas que se referem à pesquisa envolvendo seres humanos, e aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que pode ser identificado no CAEE (editado pela REVTES).

Participaram deste estudo 20 (vinte) trabalhadores recém e pré-aposentados de escolas públicas do Estado do Rio Grande do Norte, notadamente Natal e Extremoz. Como critério de inclusão foi delimitado que os participantes seriam a) trabalhadores que irão se aposentar em no mínimo dois anos, b) que iniciaram o processo burocrático de requerimento para aposentadoria ou c) recém aposentados, com menos de um ano.

O questionário socioprofissional proposto era composto de perguntas semiabertas e abertas, contendo 06(seis) perguntas para dados de identificação, 03(três) perguntas referentes a caracterização profissional, 02(duas) perguntas sobre o histórico profissional, entre elas as habilidades acadêmicas e profissionais. Além disso, o questionário incluia 02(duas) perguntas sobre os aspectos da aposentadoria e 01(uma) objetivando colher informações sobre as concepções a respeito de Programas de Preparação para Aposentadoria (PPA).

Igualmente, foram realizadas entrevistas semiestruturadas contendo perguntas abertas e fechadas que indagavam sobre o momento de vida que se começou a pensar na aposentadoria; como o processo de aposentadoria era concebido; as mudanças na vida que a aposentadoria pode causar; os aspectos da vida que poderão ou almejam investir; e os projetos de vida futura dos participantes envolvidos na pesquisa.

Procedimentos de coleta de dados

a) Seleção dos participantes conforme critério de inclusão;

b) Contato e agendamento com os profissionais recém e pré-aposentados;

c) Aplicação do questionário socioprofissional e realização da entrevista semiestruturada (registrada com gravador) totalizando um tempo médio de 30 minutos com cada participante;

d) Transcrição integral do discurso de cada sujeito.

A análise dos dados ocorreu em duas etapas: na primeira foram analisados os dados socioprofissionais dos participantes, apontados pelo respectivo questionário, no qual foi possível identificar a renda familiar, escolaridade, formação, função, o tempo de serviço e o tempo que falta para a aposentadoria. Essa primeira etapa objetivou identificar frequências de dados e médias para fins estatisticamente descritivos.

Na segunda etapa, a análise foi organizada em dimensões construídas a partir do conteúdo discursivo dos participantes da pesquisa e dos pressupostos teóricos relacionados à aposentadoria e suas expectativas.

 

Resultados e discussão

Os resultados foram organizados em duas partes: a) perfil socioprofissional dos participantes, na qual discutem-se os dados obtidos através do questionário; e b) Trabalhadores da educação pública e a chegada da aposentadoria, discutindo-se as principais categorias de análise obtidas através das entrevistas.

Perfil socioprofissional dos participantes

Sobre o perfil dos 20 (vinte) participantes, 5 (cinco) participantes do sexo masculino e 15 (quinze) do sexo feminino, verificou-se que possuem faixa etária de 46 a 69 anos (média de 57,75 anos), dos quais 8 (oito) são professores, 4 (quatro) auxiliares administrativos de biblioteca (sendo dois desses profissionais professores relocados devido a problemas de saúde), 5 (cinco) desenvolvem atividades de apoio pedagógico e 3 (três) exercem a função de diretores.

Quanto a situação do processo de aposentadoria, 13 (treze) profissionais aguardavam os trâmites burocráticos, 4 (quatro) ainda não iniciaram a averbação1, 2 (dois) profissionais estão recém aposentados (menos de um ano) e um deles aguarda um processo judicial, uma vez que não foi considerada por parte do Estado a soma de seu tempo de serviço.

Os participantes têm uma média de renda familiar de 3,5 salários. Com relação à formação acadêmica, nota-se que apenas um participante possui nível técnico em magistério, os demais possuem graduação, em que 13 (treze) destes profissionais fizeram pós-graduação do tipo especialização, e nenhum deles fizeram mestrado e/ou doutorado.

Constata-se, também que todos os participantes atuaram/atuam em escolas de ensino médio, 6 (seis) deles atuaram tanto no ensino médio quanto no ensino fundamental, e 8 (oito) atuaram em todas as modalidades de ensino (ensino básico, fundamental e médio). Quanto à carga horária de trabalho, os professores trabalharam de 2 a 3 turnos por dia, durante sua carreira educacional, já os profissionais das áreas pedagógicas e administrativas trabalham de 6 a 8 horas diárias.

Trabalhadores da educação pública e a chegada da aposentadoria

Antes mesmo de compreender o fenômeno da aposentaria para os trabalhadores da educação, era preciso entender quais os motivos desses trabalhadores para atuar nesse campo. Verificou-se que apenas 9 (nove), dos 20 (vinte) profissionais entrevistados, ingressaram na área educacional por vocação ou identificação, conforme alguns discursos a seguir:

Eu trabalho na educação por vocação. (P4)
Desde criança tinha vontade de ser professora, vocação. (P10)
Gosto da educação. Me identifico e a necessidade também de trabalhar. (P11)
Eu sempre quis trabalhar na educação. (P12)
Minha mãe era professora, [...]. Até hoje não consigo viver longe da escola. Até hoje não me vejo em outra profissão. (P14)

Dos 20 (vinte) participantes, 11 (onze) não se identificavam, inicialmente, com a profissão. Como pode ser aludido nos relatos abaixo:

[...] por influência dos amigos fiz História. (P1)
O destino que me levou a trabalhar na educação, ninguém me orientou [...]. (P2)
[...] Eu não tinha essa vontade, eu sempre gostava do burocrático, de números, mas fui entrando na educação, [...] e com o tempo fui me encontrando. (P5)
Queria ser médica veterinária, [...] Mas só havia curso em Recife e meu pai não permitiu que eu fosse. Então, o curso mais próximo era pedagogia. Fiz, me formei [...]. (P6)
Sempre gostei da área de Humanas, [...] primeiro optei por História, depois que fui optar pela educação. [...] eu não me adequo muito na sala de aula, porque sou tímida e não gosto de estar com muita gente, mais aos poucos, com a prática, fui gostando da sala de aula. (P7)
Entrei na educação pela vontade de trabalhar. Me identifiquei com a profissão, tenho o exemplo de minha mãe que é professora. (P8)

Notam-se as diferentes situações da identificação (vocação) e da não identificação pela profissão, por isso que, em qualquer situação deve ser analisado o significado do trabalho para quem vai se aposentar. A característica da identificação é um dos fatores que influenciam sobre o pensamento diante do processo de enfretamento da aposentadoria (França, 1999; França & Soares, 2009; Zanelli, Silva & Soares, 2010).

A não identificação com a profissão fica evidente nos discursos descritos, pois afirmam que a escolha pela área educacional não foi uma escolha imediata, mas sim por uma oportunidade casual, uma falta de opção, ou por influência de outros, ou ainda como relatou o participante 5 que o seu perfil comportamental não corresponde ao perfil de um educador. Apesar disso, evidencia-se, que com o passar do tempo foram adaptando-se às atividades profissionais.

Sobre isso, França (1999) ressalta que, nem todos os trabalhadores tiveram a oportunidade de escolher suas profissões ou mesmo de ter um trabalho satisfatório. Entretanto, mesmo que a profissão não tenha sido planejada, as pessoas acabam adaptandose a determinadas situações que estão implícitas no trabalho, como: o salário, o prazer do próprio "fazer", o ambiente, o percurso para o trabalho, o status e o poder que alguns cargos conferem, as relações com os colegas e os clientes, e até mesmo o mobiliário e os equipamentos do trabalho.

Quando investigada a vida laboral dos participantes, foi percebido que a trajetória profissional desses trabalhadores é marcada por desvalorização profissional e más condições de trabalho. Assim como pode ser visto nos seguintes discursos:

Já trabalhei em uma sala cheia de goteiras. No ano passado aqui trabalhávamos em meio ao período de obras. Isso satura! (P1)
[...] a ação de sala de aula é muito desafiadora, [...]. Numa turma de 40 alunos você tira 20% que é estudante de verdade [...] o restante não traz livro, não traz caderno, e isso é um desafio muito grande. (P2)
Tem os problemas entre colegas também [...] Já chegou o cansaço e o desgaste da profissão. (P10)
A profissão é desafiadora, ainda mais na era da internet, [...] o professor nessa era precisa estar o tempo todo se atualizando, mas com esse salário [...]. (P13)

Além disso, o sentimento de desvalorização da profissão surge ainda durante o processo de transição trabalho-aposentadoria, tendo em vista que ao requererem o direito da aposentadoria, os trabalhadores da educação pública do RN, perpassam por um processo burocrático e moroso, conforme os discursos a seguir:

O descaso do Estado me levou a pensar na aposentadoria. (P5)
Me sinto entristecida com essa situação, já contribuí tanto, dei o meu melhor e não sou valorizada. (P10)
É um massacre, não é um processo, é um massacre. É doloroso, é sofrível. (P13)
É uma falta de respeito por alguém que já trabalhou tanto. (P19)

Pesquisas realizadas por Gasparini, Barreto e Assunção (2005), com centenas de docentes de escolas brasileiras, mostraram a falta de capacitação para lidar com as "novas demandas" educacionais ocasionadas pela reestruturação da educação; o elevado número de alunos por turmas; a infraestrutura física inadequada; a falta de trabalhos pedagógicos em equipe; o desinteresse da família em acompanhar a trajetória escolar de seus filhos; a indisciplina dos alunos que está cada vez maior; os baixos salários; dentre outros fatores. Todos esses aspectos geram sentimentos de desvalorização, insatisfação, indignidade, fracasso e impotência nesses profissionais.

Como já citado, anteriormente, os dados midiáticos (Globo, 2015; Tribuna do Norte, 2014) apontam que aumenta exacerbadamente o número de docentes da rede estadual do RN que se aposentam ou pedem licença da atividade laboral, devido a problemas de saúde derivados das más condições de trabalho nas quais estão submetidos. Esta mesma situação aconteceu com dois participantes, como se pode perceber nos discursos a seguir:

Tenho dois edemas nas cordas vocais, trabalhava 8 horas por dia em sala de aula. [...]
Professor termina a carreira cego, doido, e com a garganta cheia de nó. Há dois anos que consegui ser relocada para a biblioteca devido as cordas vocais, porque não conseguia nem falar. (P11)
Há 8 anos estou em processo de readaptação, quando era professor tive alguns problemas, além do estresse e do cansaço, somados a problemas pessoais, passei a sofrer muito em sala de aula com a indisciplina e o desinteresse dos alunos, eu tive depressão, passei por psiquiatra que recomendou a mudança de função, desde então estou nesse processo. [...] Associo meu problema (depressão), além dos problemas pessoais, ao trabalho que desempenhava. Passei a me sentir bloqueado, impedido de fazer minha função, existe uma inversão de valores entre alunos e professor, não se há respeito pelo professor. A violência e a indisciplina estão tomando conta. Eu estava me sentindo impotente, não tomava mais as minhas decisões, o aluno sabe que vai passar de ano de qualquer jeito [...]. (P17)

Levando em conta esses aspectos, fica evidente que as dificuldades encontradas no dia a dia desses trabalhadores os tornam pouco a pouco esgotados e exauridos emocionalmente, devido ao desgaste diário ao qual são submetidos, sentindo-se como se já não pudessem dar mais nada de si (Sousa, Bueno & Silva; 2016). Nesse cenário, a aposentadoria aparece como a única forma de escapar desse esgotamento.

Destacamos também que a sensação de impedimento da atividade ocorre quando há uma perda de significado, ou seja quando se torna esvaziada. A atividade impedida gera um questionamento sobre seu papel naquela situação (destaque sublinhado da fala do participante 17), a sua impotência diante da situação, que atrofia seu "poder de agir", conceito destacado por Clot (2010) e que funciona como operador de saúde/sofrimento psíquico, ao passo que afirma sentir-se impotente, amputado/ impedido de agir.

Diante disso, é possível perceber a relação direta de um trabalho desvalorizado, desafiador (difícil) com a escolha da aposentaria. Pois, segundo França (1999) quando o sujeito percebe que sua atividade profissional é desagradável ou insatisfatória, ele tende a associar a aposentadoria, simplesmente, ao descanso ou a sensação de liberdade. Neste momento surge a vontade de aproveitar as experiências que não puderam alcançar devido ao envolvimento com o trabalho e a dura rotina. Criando-se o mito da aposentadoria como o caminho para a liberdade, por seu prazer inicial e poder livrar-se da sua árdua atividade laboral.

A afirmativa da autora é evidenciada durante esta pesquisa, quando é questionado aos participantes sobre as expectativas da aposentadoria, para eles o sentimento de liberdade, descanso e tranquilidade aparecem com maior ênfase nos discursos, como se mostra a seguir:

Terei minha vida mais livre. Sem ter que obedecer normas, horários. (P1)
[...] vou fazer uma viagem! Porque vou ter mais tempo [...] Sem obrigação com a carga horária de trabalho [...].[...] A pessoa quando se aposenta quer viajar, descansar. Todo mundo depois que se aposenta quer tranquilidade. (P3)
Espero que eu possa ficar tranquila, com a sensação de dever cumprido, e poderei curtir a minha aposentadoria, são essas minhas expectativas. (P12)
Receberei minha carta de alforria. Terei minha liberdade. Quebrarei até os protocolos para falar da própria categoria. [...]. O que mais vai mudar a minha liberdade. Liberdade em todos os sentidos, irei respirar e fazer o meu trabalho, a minha ONG. (P13)
O que vai mudar é a minha liberdade, não terei mais o compromisso de cumprir uma carga horária no trabalho. (P16)
Inicialmente a prioridade é apenas descansar. Depois é que procurarei outras ocupações. (P18)

Destaca-se a fala sublinhada do P13, quando acena outro impedimento da atividade de trabalho: a impossibilidade de diálogo aberto com a categoria profissional, apontando a aposentadoria como um meio de libertação para possibilidade de expressar sua opinião diante ou sobre seu coletivo de trabalho. Observa-se também que o tempo dedicado ao trabalho agrega a aposentadoria à expectativa de disponibilidade, seja para realizar atividades que a carga horária não permitia e/ou cuidar de si próprio, da saúde, por exemplo:

Eu penso muito em me aposentar para me dedicar mais a meu filho. (P7)
Eu acho que tenho muita coisa para fazer, esporte, lazer...Tempo disponível é diferente de desocupado. (P1)
Vou retomar meu curso de espanhol. Buscar mais especializações na área agrícola, para minhas hortaliças. Mas, é para subsistência, pelo meu prazer. (P6)
Pensei na aposentadoria para cuidar da saúde. (P9)
Tenho a expectativa de ter tempo de cuidar dos filhos, de cuidar de mim! Porque pra cuidar da gente tem que ter atestado. (P11)

Apesar das expectativas positivas evidenciadas, nota-se que há uma dicotomia no que se refere às expectativas da aposentadoria, pois foram evidenciadas expectativas negativas, relatadas através das sensações de desprezo e ociosidade, assim como pode ser evidenciado nos relatos dos participantes abaixo:

Quando a pessoa se aposenta tem que procurar outra atividade, para não ficar ocioso. Tem que trabalhar em outro lugar. Sei que querem a tranquilidade, mas tranquilidade demais [...] Ficar em casa apenas não dá certo. É aí que a pessoa adoece, tem estresse [...]. (P3)
[...] aposentadoria significa desprezo [...], porque quando a gente saí com um mês ninguém lembra mais da gente, é meio temeroso, mexe muito com a cabeça da gente. (P4)
Sentirei falta do convívio, dos colegas de trabalho, pois alguns deles tenho muita afinidade. Não sinto tristeza, mas sentirei essa falta. (P12)
Não irei parar totalmente, permanecerei no outro vínculo, mas reconheço que haverá mudanças. Tem dias que a gente nem quer ir trabalhar, mas após dois dias já sentimos falta das pessoas, da convivência, daquela ocupação. É aí que poderei me sentir ocioso. Outra coisa é a solidão, minha companheira trabalha o dia todo e meu filho estuda, sei que passarei uma parte do meu dia sozinho [...] (P17)
Sentirei saudades dos colegas de trabalho, do ambiente que frequento diariamente. (P19)

É notório que existem nas falas desses sujeitos, perspectivas diferentes de aposentadoria e continuidade do trabalho. Observa-se nas falas de P3 e P17 a centralidade que o trabalho possui na vida desses participantes, ao relacionarem a aposentadoria as sensações de inatividade e ociosidade, manifestando-se com isso expectativas negativas com a chegada da aposentadoria. Como mencionamos, autores (Zanelli, Silva e Soares, 2010) afirmam que sentimentos de inutilidade e ociosidade tornam-se presentes no período da aposentadoria, uma vez que é por meio do trabalho que o sujeito organiza seus horários e sua rotina; estabelece planos, metas e aspirações, constrói seus laços afetivos e expressa sua produtividade.

Além disso, a aposentadoria desencadeia também o receio do desprezo, associada à perda das relações sociais provenientes do convívio laboral, evidenciada nos discursos de P4, P12, P13 e P19. França, Menezes, Bendassolli & Macedo (2013) afirmam que a aposentadoria também pode ser percebida como um período de desvalorização e de diminuição da autoestima que, por sua vez, leva ao sentimento de perda de status, de referências, do companheirismo entre os colegas de trabalho.

Outra expectativa negativa com relação à aposentadoria, identificada no discurso dos participantes, foi a inutilidade:

[...] a maioria dos professores por ter uma carga horária intensa, quando se aposentar se sente inútil e gera muitos dramas de depressão. Não sei se vou passar por isso, mais existe. (P4)

O sentimento de inutilidade, trazido por P4, está ligado à carga horária extensa a qual os trabalhadores da educação estão submetidos, principalmente os professores, remetendo-nos mais uma vez ao espaço ocupado pelo trabalho, porém, a dedicação à extensa carga horária, decorre da necessidade financeira, tendo em vista os baixos salários desses trabalhadores. Neste caso, a brusca ruptura com a atividade laboral, faz com que o sentimento de inutilidade se revele, corroborando a ideia de que a folga é inaceitável, o que significa que, sempre haverá uma expectativa social de que as pessoas estejam ocupadas o tempo todo (Zanelli, Silva & Soares, 2010).

Com essas expectativas identificadas, foi promovida ainda uma reflexão com o intuito de investigar mais sobre a chegada da aposentadoria, quanto ao que fazer nessa nova fase da vida, e foi evidente a ausência de planejamento futuro, como pode ser analisado na fala dos participantes a seguir:

Primeiro vem o alívio da sobrecarga de trabalho e após esse alivio, dessa alegria, a pessoa vem caindo e tem vontade de ter uma ocupação mais não sabe qual, que caminho tomar. (P4)
Eu penso muito, em viajar quando me aposentar, mas não sei se vou fazer, porque você sabe a gente pensa em fazer uma coisa e acaba não fazendo, [...] para isso é preciso organizar a cabeça, porque se não a aposentadoria chega e você não faz nada disso e quando menos espera está deprimido. (P5)
Não tenho propriamente nenhum projeto. Penso apenas em aprender essas atividades manuais, pensei e não me preparei. Pois se eu tivesse mesmo me preparado teria alguma reserva financeira para isso. (P17)

A dureza do trabalho na educação pública é tão embrutecedora que o trabalhador deseja apenas sair desse cenário tão desvalorizado e desgastante, sem necessariamente planejar o que fazer quando estiver aposentado. A falta de planejamento futuro pode ocasionar sérios riscos biopsicossociais na vida do sujeito aposentado, tais como o adoecimento – tanto físico quanto emocional – ocasionadas pela somatização da baixa autoestima, ansiedade, angustias, entre outros (Soares, Costa, Rosa & Oliveira, 2007).

Zanelli, Silva e Soares (2010) acrescentam que quando não há planejamento ou preparação, o rompimento brusco das rotinas, que se alongaram quase toda a existência, parece potencializar o início de desajustes nos vários espaços da vida pessoal. Nesses trabalhadores, a ausência de projetos futuros, principalmente no que se refere ao financeiro e de pós-carreira, os conduz a inserção no trabalho informal, o qual muitas vezes, continuará num cenário laboral precarizado. Salienta-se que a busca desses trabalhadores por outro ofício ocorre devido aos baixos benefícios previdenciários, como também de toda vida laboral, em que os baixos salários os privaram de qualquer planejamento financeiro.

Como mencionamos anteriormente, para dar assistência a essa fase de transição, existem os Programas de Preparação para Aposentadoria (PPA). Quando perguntado aos participantes sobre os PPAs, 13 (treze) deles desconheciam a existência desse tipo de programa e não consideram necessário nenhum tipo de preparação, assim como evidenciado nos discursos abaixo:

Eu mesmo me preparo [...] Ninguém nunca me falou que eu devia me preparar. (P1)
Eu nunca ouvi falar em PPA [...] a vida que nos ensina, o tempo me prepara. (P2)
Existe algum programa de preparação para isso (aposentadoria)? (P3)
Acho que não preciso me preparar, já estou me preparando. Já chegou o cansaço e o desgaste da profissão. Eu já estou preparada para aposentadoria. (P10)

Apesar dos participantes não atribuírem sentido à realização dos PPAs, eles possuem consciência que a falta de preparação poderá ser danosa, assim como é constatado na fala dos participantes a seguir:

Ninguém nunca me falou que eu devia me preparar. Nunca ouvi falar, nem fui atrás. Mas, reconheço que há pessoas que tem dificuldades com o não ter nada para fazer, muitas vão para mesa de bar. (P1)
[...] tem muitos colegas que quando se aposenta a vida acaba, porque só tinha aquilo para fazer, vemos gente que se aposenta e com pouco tempo está esclerosado. (P5)
É importante cuidar [...], porque se não a vida fica difícil, tem que se pensar financeiramente, do cuidado com a saúde, é preciso pensar no futuro. Porque imagina como será quando a pessoa se aposentar? (P4)
Nunca ouviu falar em PPA [...], eu já venho trabalhando meu físico e minha mente, para quando eu me aposentar eu ter uma ocupação, de manhã trabalhar para mim, e a tarde para igreja. Mas sei que quando eu me deparar mesmo com a aposentadoria poderei está enganada. Espero que esteja pensando certo, que eu esteja preparada. (P16)

As análises das expectativas desses trabalhadores frente à aposentadoria indicam que eles não se permitem pensar em preparação, a saída desse cenário precário é a esperança de usufruir pelo menos do direto que lhes é dado. Mas, por que preparar? Muitos ainda vão permanecer na ativa, seja com outro vínculo na educação, sejam em outros ramos, como forma de complementação de renda e também de ocupação. Mas, independentemente desses dois caminhos ou de outro(s) é importante repensar diante desse processo, nessa nova fase da vida, geradora de sentimentos contraditórios, que podem aflorar nos sujeitos sentimentos de mortificação, inutilidade e desesperança. Porém, diante de uma realidade tão dura, não seria um alívio à saída desse cenário laboral? Alívio ou não, essa transição é ao mesmo tempo almejada e sofrida.

 

Considerações finais

Os resultados apresentados mostram que mesmo diante do despreparo e de atribuições negativas a respeito da aposentadoria, os trabalhadores da educação pública do RN almejam esse momento da vida. Pois, trata-se de sujeitos que desempenham suas atividades dentro de um cenário social, produtor de sentimentos de impotência e exaustão, como relatado nas dificuldades vivenciadas pela categoria, em que os mesmos caracterizam seu exercício como desvalorizado e desafiador.

É imprescindível destacar a precarização da educação pública regional, retrato da educação brasileira historicamente desvalorizada, não sendo isso um dado novo. Esses trabalhadores viveram e ainda vivem diante dessa opressão, que permeia em toda vida laboral até a chegada da aposentadoria, ficando à mercê de um processo burocrático, lento e sem a devida atenção.

Foram os professores os que mais apresentaram exaustão e insatisfação com relação ao exercício que desempenham e com a precarização da educação, repercutindo na falta de reconhecimento e no esgotamento profissional. Associado a isto, está presente a falta de identificação profissional, analisado quando relatado pelos participantes que a escolha pela profissão se deu por não ter outra opção, por influência de amigos e familiares ou por uma oportunidade casual da vida. Todos esses fatores influenciam sobremaneira na busca desses profissionais pela aposentadoria.

No entanto, o desejo pela aposentadoria não os tornam necessariamente "preparados" para o enfretamento dessa nova fase da vida, pois o período da aposentadoria terá uma duração maior do que alguns meses de férias e descanso; e imaginar que o tempo livre da aposentadoria será destinado apenas a atividades de lazer pode ser um equívoco. Além disso, diante da realidade dos trabalhadores da educação, cuja previdência não supri as necessidades básicas desses sujeitos, o descanso acaba tornando-se pouco frequente, pois geralmente vão desenvolver outra atividade para complementar o sustento pessoal e familiar. Em razão disso, fica evidente que esses sujeitos pré-aposentados precisam estar preparados para dispor de planos futuros.

Notou-se que a dicotomia de sentimentos está atrelada ao despreparo e a ausência de planejamento futuro, propiciando a esses sujeitos uma aposentadoria vulnerável. Portanto, esses trabalhadores além de estarem vulneráveis ao surgimento de crises identitárias, ao adoecimento emocional e físico, e as crises psicológicas causadas pela aposentadoria, eles atuaram em um cenário adoecedor, em consequência da trajetória de trabalho cumulativa de precarização, exploração e baixa valorização.

Nesse mesmo sentido, é constado que os participantes reconhecem que existem casos de que o sujeito idealiza que durante a aposentadoria irá realizar diversas atividades, mas quando ela chega nada do que foi idealizado é executado. Em virtude dessa ausência de projetos consistentes a serem desenvolvidos na aposentadoria, os aposentados tornam-se angustiados, solitários e dominados por uma espécie de vazio existencial.

Compilando esses resultados, logo, torna-se imprescindível propor ações de preparação para aposentadoria, com a finalidade de promover e facilitar a concepção de atividades alternativas ou, mais apropriadamente, repensar projetos de vida a partir de um processo de construção e de elaboração de ideias que devem ser continuamente refinados de modo a transformá-las em estratégias de ação, sempre levando em conta aspectos referentes à viabilidade e ao valor que será agregado, tendo-se em vista a condição futura de aposentado (Zanelli, Silva, Soares, 2010).

Apesar disso, foi evidenciado o desconhecimento desses trabalhadores sobre os PPAs, e nesse mesmo segmento, não foi atribuído nenhuma necessidade de preparação, a qual conforme Bitencourt, Gallon, Batista & Piccinini (2011) é prevista em lei como função federal, estadual ou municipal. Mesmo diante desta constatação, esses sujeitos expressam incertezas com relação às atividades que planejaram executar na aposentadoria. E, justamente essas incertezas que podem ser margem para as crises de identidade, angústia e o afloramento de doenças. Essas evidências nos permitem considerar que os Sindicatos de Trabalhadores da Educação podem funcionar como uma instância mobilizadora frente a essa questão, proporcionando à essa classe o direito de preparação para aposentadoria.

Apesar desta pesquisa ter tido o objetivo de investigar o momento da aposentadoria para essa classe trabalhadora, foi inevitável analisar o contexto de precarização no qual estes servidores estão inseridos. Tornando-se evidente que o direito a preparação é apenas mais um dos direitos sociolaborais que lhes foram oprimidos. Há alguns anos, essa classe trabalhadora luta por reconhecimento e melhorias das condições de trabalho. Sabemos que não cabe a esse estudo dar conta desse complexo cenário laboral dos trabalhadores da educação, mas cabe anunciar que essa categoria merece um término de vida laboral pautado de respeito, atenção e valorização, uma vez que, prestaram exaustivamente seus serviços para a educação pública do nosso país.

Conclui-se ainda que a aposentadoria é uma fase da vida que necessita de políticas públicas mais contundentes (principalmente quanto a preparação), e de mais estudos, pois aqueles focados nesta temática mostraram-se carentes, sobretudo com relação aos trabalhadores da educação pública brasileira.

 

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Endereço para contato
E-mail: aldakarolinel@yahoo.com.br

Recebido em fevereiro de 2017
Aceito em abril de 2017

 

 

Alda Karoline Lima da Silva: Mestre em Psicologia. Universidade Potiguar.
Gimena Pérez Caraballo: Doutora em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Raphaela Margarida do Nascimento Jucá: Psicóloga. Universidade Potiguar.
Ludmila Sayonara da Silva Xavier Machado: Psicóloga. Universidade Potiguar.
1 Averbação de tempo de serviço/contribuição é o registro nos assentamentos funcionais dos períodos prestados a órgão ou entidade de natureza pública ou privada, sendo considerada para concessão de benefícios (aposentadoria, disponibilidade, licença prêmio, licença capacitação e adicional de tempo de serviço, respeitadas as restrições legais), conforme a característica da entidade de origem do tempo de contribuição (Brasil, 1990).

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