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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia  no.47-48 Canoas dez. 2015

 

RESENHA

 

Cuidados paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva

 

 

Marcelo Ávila FrancoI; Renata Blanco da Silva Iankoski

I Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG)

Endereço para contato

 

 

O conceito de cuidados paliativos vem se aprimorando ao longo do tempo, porém ainda é cercado de misticismos e interpretações equivocadas até mesmo por profissionais de saúde. Inicialmente este tipo de cuidado era aplicado exclusivamente a pacientes em estágio terminal, onde a morte mostrava-se iminente. Atualmente esta realidade mudou e entende-se que os cuidados paliativos devem ser oferecidos desde o estágio inicial de qualquer doença crônico-degenerativa, podendo estar aliado ao tratamento curativo e ao longo do avanço da doença tornar-se a única terapêutica a ser empregada. Não é de se estranhar que o conceito de cuidados paliativos ainda seja muito incipiente para os profissionais de saúde, visto que somente em 2011 a Associação Médica Brasileira reconheceu a medicina paliativa como área adstrita as especialidades médicas. No entanto faz-se necessário ressaltar que os cuidados paliativos apesar de estar estreitamente ligado à área médica e uma abordagem que deve ser multidisciplinar e todos os profissionais de saúde devem estar envolvidos para garantia de um cuidado integral.

Diante deste entendimento torna-se cada vez mais importante debater sobre o tema nas diversas áreas de atuação em saúde, bem como buscar a integração dos cuidados paliativos nas unidades de terapia intensiva. O livro Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI), organizado por Rachel Duarte Moritz, foi idealizado pelos membros do Comitê de Terminalidade e Cuidados Paliativos na UTI, em parceria com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB). O livro propõe uma introdução de cuidados paliativos ao paciente crítico, permitindo ampliar conceitos e auxiliar na quebra de paradigmas, com relação à busca pela qualidade da assistência prestada e não pelo prolongamento da vida à custa de sofrimento. A obra é composta por onze capítulos sucintos, cujo tema cuidado paliativo é abordado de forma clara e objetiva.

O livro inicia apresentando características do ambiente, bem como o perfil dos pacientes internados em UTI. A unidade é descrita como um ambiente altamente tecnológico, onde predomina o conhecimento técnico-cientifico objetivando manter o ser humano vivo. A autora afirma que neste contexto, o cuidado ainda é orientado pelo modelo biologicista, cuja atenção está voltada para a patologia e para os procedimentos técnico-científicos. No entanto, revela um aumento nos últimos anos da preocupação dos profissionais, bem como das entidades governamentais com o resgate da valorização da humanização no cuidado em saúde. Esta preocupação pode ser observada claramente através da criação da Programa Nacional de Humanização, que busca ressaltar os valores de autonomia e protagonismo dos sujeitos, valorizando a relação de corresponsabilidade e participação coletiva no processo, em busca do cuidado ao ser humano em sua totalidade. Ainda neste capítulo são abordados os sentimentos despertados nos pacientes pela internação em UTI, bem como em seus familiares. O paciente sente-se vulnerável e frequentemente expressa ansiedade, raiva, depressão e sentimentos de dependência, a família por sua vez percebe seu equilíbrio rompido de forma abrupta e encontra-se desorganizada e em busca de informações e acolhimento por parte da equipe. Ressaltase a importância de suporte emocional na tríade paciente família e equipe, onde devido ao estresse gerado pela situação de adoecimento a comunicação equipe-família torna-se complexa, mas uma comunicação com clareza e objetividade podem deixar família e paciente mais seguros, podendo inclusive reduzir os sentimentos de angústia e insegurança.

O livro segue trazendo as Especificidades da Comunicação em Situações Críticas, destacando a comunicação entre paciente, família e equipe de saúde como parte do cuidado, visto a importância desse processo nas tomadas de decisões futuras, bem como na qualidade de vida das pessoas envolvidas. Os autores trazem o entendimento da comunicação como habilidade social e dividem a comunicação em duas partes – conteúdo e sentimento – ampliando a visão da comunicação para além da mensagem falada, visto que nos comunicamos também através da linguagem corporal, modo como nos comportamos. Ressalta-se ainda o papel do receptor no processo de comunicação, bem como as várias formas de comunicação existentes e as peculiaridades com pacientes entubados ou traqueostomizados.

Nos capítulos três e quatro é abordada a definição de cuidados paliativos de forma clara e objetiva, além de aspectos éticos e legais envolvidos nos processos de tomada de decisão. As diferentes fases do cuidado paliativo são contempladas de forma didática, sendo esclarecido ao leitor que cuidados paliativos e curativos não são excludentes, devendo estar associados, exceto nos casos em que o tratamento curativo estiver promovendo apenas sofrimento ao paciente e seus familiares. Os autores enfatizam que quando a equipe percebe que está havendo o prolongamento do processo de morrer do paciente, essa situação deve ser abordada com o mesmo e sua família para que os cuidados paliativos possam ser intensificados sem o empreendimento de ações curativas. Levando em consideração o entendimento que na filosofia paliativista deve-se sempre evitar a distanásia que consiste em uma obstinação terapêutica para a manutenção da vida de forma fútil, que somente aumentará o sofrimento do doente. Em contrapartida esta filosofia estimula a ortotanásia, onde se limita o uso de certos recursos que são considerados inúteis e que prolongaria o sofrimento.

O quinto capítulo inicia falando sobre a importância de se realizar o prognóstico para a tomada de decisão quanto às medidas terapêuticas a serem adotadas, bem como as dificuldades encontradas pela equipe em realizar este prognóstico. O autor traz um pouco de história, para que o leitor compreenda a complexidade em se realizar um prognóstico. De acordo com o autor, os médicos sentem-se despreparados para realizar prognósticos e muitas vezes possuem grande dificuldade em comunicar para paciente e família um prognóstico ruim.

Neste capítulo, é salientado que existem dois métodos para a realização de prognóstico sendo um deles o da predição clínica, que está muito ligada com a experiência do médico, e outro baseado no uso de instrumentos validados pela literatura. Exalta-se que os dois métodos não são excludentes, sendo na maioria das vezes associados para uma maior fidedignidade. O capítulo segue trazendo uma parte mais técnica, contemplando a importância de instrumentos validados para se obter melhores resultados relacionados à doença de base do paciente. Mostra que essas ferramentas embasam o prognóstico médico, respeitando o paciente, assim como questões éticas e bioéticas.

O sexto capítulo aborda questões relacionadas à identificação e controle dos sintomas, apresentando quais irão aparecer durante o processo de cuidado do paciente, além de suas possíveis causas e consequências. Apresenta ainda o papel da sedação paliativa, sendo analisado seu controle, dosagem ideal, bem como a importância da integridade funcional do paciente e sua qualidade de vida. É ressaltada ainda neste capítulo a difícil tarefa que equipe e família enfrentam, a fim de chegar num consenso sobre qual a melhor medida a se tomar, sem medir esforços visando o melhor benefício para o paciente.

O sétimo capítulo, Cuidados Paliativos em UTIs Pediátricas, traz o compromisso assumido pela equipe no processo de assistência ao paciente. Aspectos psicossociais, espirituais, práticos e físicos são contemplados, além de discorrer sobre a forma de planejar e abordar os cuidados paliativos em pediatria. Ressalta-se que o objetivo geral desse capítulo é esclarecer as fases que as famílias dos pacientes em cuidados paliativos enfrentam durante a internação pediátrica, tentando deixar claro para a família as possíveis intervenções médicas, seus objetivos, tratamentos disponíveis e as limitações que envolvem esse processo.

O oitavo capítulo aborda aspectos que envolvem os princípios norteadores do tratamento paliativo na UTI neonatal, englobando tomadas de decisão, limites de tratamento, importância dos pais no processo, qualidade de vida e os cuidados com familiares após a perda de um ente querido. Destaca que, apesar de todo avanço tecnológico, as decisões tomadas precisam ser cuidadosamente discutidas entre equipe e família, visando assim à diminuição do sofrimento físico, psicológico e social, levando em consideração inclusive questões éticas e religiosas dos envolvidos.

Nos três últimos capítulos os autores mencionam a atuação de algumas profissões da equipe multiprofissional nos cuidados paliativos. O nono capítulo aborda a atuação da fisioterapia no controle dos sintomas, tais como dor, dispneia tosse e hipersecreções. Já os dois últimos capítulos trazem a temática do papel da enfermagem tanto no controle dos sintomas quanto suas intervenções na equipe multiprofissional. No décimo primeiro capítulo a autora começa introduzindo estudos e estimativas sobre cuidados paliativos no mundo, e menciona o Programa Nacional de Assistência a Dor e cuidados Paliativos de 2002, como um progresso que permite um maior debate sobre o tema e uma melhor capacitação profissional. Neste o enfoque principal é a atuação do enfermeiro a cerca da detecção e do controle da dor de forma efetiva. Percebe-se ao longo do texto que os autores trazem com detalhes a atuação dos enfermeiros no controle dos sintomas tais como dor, dispneia, náuseas entre outros. Entretanto salientam também a importância da equipe multiprofissional na assistência a estes pacientes.

Com relação ao conteúdo principal do livro, pode-se dizer que a obra possui o intuito de clarificar para o leitor a atuação da equipe de saúde em cuidados paliativos dentro das unidades de terapia intensiva. Os autores escrevem de forma clara e didática o que facilita a compreensão do tema. O livro se propõe a desmistificar alguns tabus e estreitar saberes no que se refere ao cuidado paliativo na UTI, trazendo a importância de se desenvolver um conhecimento mais aprofundado e esclarecido sobre o tema, o que auxilia na qualificação da assistência prestada aos pacientes nestas unidades.

 

Referência

Duarte, R. M. (2012). Cuidados Paliativos nas Unidades de Terapia Intensiva. São Paulo: Editora Atheneu.         [ Links ]

 

Endereço para contato
E-mail: renata.blanco@hotmail.com

Recebido em agosto de 2015
Aceito em outubro de 2016

 

 

Marcelo Ávila Franco: Psicólogo. Especialista pelo programa de Residência Multiprofissional em Saúde: Saúde do Adulto e Idoso (ULBRA). Psicólogo Hospitalar do Hospital Nossa Senhora das Graças (HNSG).
Renata Blanco da Silva Iankoski: Psicóloga. Especialista em Saúde do Adulto e Idoso pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde pela ULBRA.

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