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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.49 no.1 Canoas jan./jun. 2016

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Estresse ocupacional e estratégias de enfrentamento utilizadas por monitores de comunidades terapêuticas para abuso de substância

 

Occupational stress and coping used by monitors of therapeutic communities for substance abuse

 

 

Gabriele Schmidt Pereira1; Mateus Luz Levandowski2

Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho foi identificar fatores relacionados ao estresse ocupacional em monitores de comunidades terapêuticas (CT) e as estratégias de enfrentamento utilizadas por eles. Trata-s de um estudo de método misto. Os participantes foram avaliados com o Maslach Burnout Inventory, com o inventário Brief Cope e uma entrevista semiestruturada sobre fatores de estresse no trabalho e estratégias de enfrentamento. A amostra foi constituída de 15 monitores, em remissão completa de uso de droga. Foi realizada uma análise de conteúdo indutiva das entrevistas e correlações entre os inventários. Constatou-se que os monitores são afetados pela carga horária excessiva, exaustão profissional, autoculpa e relacionamento com o tratamento dos residentes. Os mesmos utilizam as estratégias de espiritualidade, conversa com terceiros e isolamento para se adaptar ao estresse. Conclui-se que existem fatores relacionados ao estresse ocupacional nestes profissionais, sendo necessário que recebam apoio para que utilizem estratégias adaptativas no enfrentamento do estresse.

Palavras-chave: Transtorno por uso de substância; Estresse ocupacional; Estratégias de enfrentamento.


ABSTRACT

The aim of this study was to identify the factors related to occupational stress on monitors of therapeutic communities (TC) and the coping strategies used by them. Participants were assessed with the Maslach Burnout Inventory, the Brief Cope inventory and with a semi-structured interview about stressors at work and coping strategies. The sample consisted of 15 monitors in complete remission of drug use. The inductive content analysis was used to interpret the interviews. Also, bivariate correlations were used to explore the relationship between the questionnaires. It was found that the monitors are affected by excessive workload, professional exhaustion, self-blame and relationship with the treatment of residents. They use the spirituality strategies, talk with others and isolation to adapt to stress. According to this study, there are factors related to occupational stress in these professionals, in which they must receive support for using adaptive coping strategies.

Keywords: Substance-related disorder; Occupational stress; Coping.


 

 

Introdução

Segundo relatório mundial sobre drogas, a prevalência do consumo abusivo de drogas continua estável através dos últimos anos, sendo um grande problema de saúde pública mundial (United Nations Office on Drug and Crime, 2015). Atualmente, existem diversos serviços para o tratamento da dependência química e dentre eles pode-se citar as Comunidades Terapêuticas (CT) (Damas, 2013; Scaduto, Barbieri & dos Santos, 2014). Existem dois modelos de CT, o da psiquiatria social e o dos programas de tratamento residencial de dependentes de álcool e outras drogas, onde foi criado o conceito de ajuda pelos próprios pares (Fracasso, 2001; De Leon, 2003).

Atualmente, a maioria das CT tem a equipe formada por técnicos (psicólogos, assistentes sociais), coordenadores e monitores ex-usuários de drogas que foram bem sucedidos em sua recuperação. Os monitores não tem formação específica, atuam em grupos de autoajuda e auxiliando cada residente na superação de suas dificuldades, utilizando seus exemplos como fonte de motivação para os residentes (Fracasso, 2001). O fato destes profissionais serem ex-usuários de drogas pode gerar exaustão e estresse, pois há uma identificação excessiva com os residentes. Se os mesmos não tiverem estratégias adaptativas de enfrentamento para lidar com esta situação, podem acabar com prejuízos tanto para o monitor como para o tratamento do residente que está sendo acompanhado por ele (Fracasso, 2001; Figlie, Laranjeira & Bordin, 2004).

Estes monitores podem ser denominados profissionais da área da saúde e, assim como os outros profissionais desta área, eles são submetidos à situações estressantes devido à vários fatores, como má divisão de tarefas e organização no trabalho, falta de reconhecimento e baixo salário (De Macedo et al., 2013). Fatores como estes podem acarretar em um estresse ocupacional crônico, chamado Síndrome de Burnout, quando o profissional não consegue desenvolver estratégias de enfrentamento quando os eventos estressores aparecem (Gouvêa, Haddad & Rossaneis, 2014). Estudos sobre estresse ocupacional e consequências na saúde do trabalhador vem crescendo na literatura (Shirom, 2009; da Costa & Pinto, 2017). Isto ocorre pois é fundamental entender os motivos que causam o estresse ocupacional para ser possível implementar mudanças necessárias para que estes serviços mantenham a qualidade necessária para serem bem executados (Carvalho & Malagris, 2007).

Diante disto, o presente estudo tem como objetivo descrever fatores associados a presença de estresse ocupacional e estratégias de enfrentamento em monitores de CT através de um estudo de método quantitativo e qualitativo. Pretende-se analisar quais fatores contribuem para o estresse ocupacional nestes profissionais.

 

Método

Trata-se de um estudo transversal e de método misto (qualitativo e quantitativo), realizado com 15 monitores do sexo masculino, de 4 CT masculinas para tratamento de transtorno por uso de substâncias, localizadas no Rio Grande do Sul. O trabalho dos monitores entrevistados consiste em acompanhar o dia a dia dos residentes internados na CT, auxiliando nas atividades que os mesmos realizam e também participando na organização da comunidade. Além disto, coordenam grupos diversos, como prevenção à recaída, o método dos 12 passos e também auxiliam os residentes em conversas individuais.

O estudo foi realizado entre os meses de março e maio de 2015. Foram critérios de inclusão do estudo: (1) os participantes serem monitores por pelo menos seis meses e (2) possuírem o diagnóstico de transtorno relacionado a substância em remissão sustentada ou remissão completa.

Dentre os instrumentos para a coleta de dados foi utilizado um questionário sobre perguntas sociodemográficas, sobre o trabalho e relacionadas ao histórico de uso de drogas. Para avaliar estresse ocupacional foi utilizada a escala Maslach Burnout Inventory (MBI), composto por três dimensões para avaliar o estresse ocupacional: Exaustão Emocional, Despersonalização e Realização Profissional. É uma escala autoaplicável de 22 afirmações, na qual o participante opta por uma das 5 opções seguintes: 1 para nunca, 2 para algumas vezes no ano, 3 para algumas vezes no mês, 4 para algumas vezes na semana e 5 para diariamente (Maslach, Jackson & Leiter, 1986).

Ainda, foi aplicado o inventário de Estratégias de enfrentamento Brief Cope. Este inventário é uma escala likert autoaplicável, formada por 28 itens. Foi solicitado ao entrevistado responder como costuma manejar as situações estressantes de maneira habitual, contendo opções de 0= "Eu não costumo fazer isso" até 3= "Eu costumo muito fazer isso" (Ribeiro & Rodrigues, 2004). Por fim, foi realizado uma entrevista semiestruturada, permitindo o manejo aberto e flexível, com a liberdade da entrevistadora acrescentar novas perguntas e se aprofundar naquelas mais importantes. Esta entrevista conteve três perguntas norteadoras: (I) O que você percebe como mais prazeroso ou gratificante no seu trabalho? (II) O que normalmente no seu trabalho te deixa irritado, frustrado ou estressado? e (III) O que você costuma fazer quando está estressado no trabalho?

Todas as entrevistas foram realizadas com a primeira autora, individualmente com cada participante. As entrevistas duraram em média 80 minutos, iniciando pelo questionário sociodemográfico, seguido pelas escalas de estresse e estratégias de enfrentamento e finalizando com a entrevista semiestruturada.

Os Escores das escalas MBI e Brief COPE foram tabuladas no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences version 17.0 (SPSS, Chicago, IL, USA) para realização de análise descritiva de médias, frequências e para realização de testes de correlação entre as variáveis de interesse. Para correlação entre variáveis, foi utilizado o teste de correlação de Spearman, já que o tamanho pequeno da amostra inviabiliza verificar a distribuição normal com apenas algumas observações. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas, transcritas e os conteúdos analisados utilizando o método de Análise de Conteúdo Indutivo de Bardin (Bardin, 2010). Este método caracteriza-se pelo uso de técnicas para análise do conteúdo das comunicações seja através de entrevistas ou por meio daquilo que é observado pelo pesquisador. A análise do material é classificada em temas e categorias que irão auxiliar a compreensão da fala do participante. O caráter indutivo da entrevista justifica-se pela intencionalidade do pesquisador em permear determinados tópicos de interesse que vão além daqueles induzidos pela pergunta norteadora e por não pré-determinar categorias de interesse. As etapas da análise do conteúdo subsequentes a leitura das transcrições foram: (1) Tematização; (2) Nomeação; (3) Categorização e (4) Elaboração do esqueleto de conteúdos levantados a partir das análises. O resultado final das análises foi então revisado independente pelos dois autores e um consenso foi aplicado.

A pesquisa contemplou os preceitos éticos de acordo com a Resolução Nº 016/2000 do Conselho Federal de Psicologia, o qual regulamenta as pesquisas com seres humanos no âmbito da Psicologia e com a Resolução Nº 466|2012 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas com seres humanos. Todos os participantes leram e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.

 

Resultados

As variáveis demográficas, sobre o trabalho e uso passado de drogas encontram-se na Tabela 1. Em geral os participantes eram homens de meia idade, em sua maioria solteiros e com o ensino fundamental completo. Ainda, apresentam média elevada de carga horária semanal e início precoce de uso de drogas. Além disso, o motivo mais relatado pela última internação foi pelo uso de cocaína tipo crack e todos estavam a mais de 2 anos em abstinência.

 

Já os escores das escalas de Burnout e Coping são apresentados na Tabela 2. Segundo as normas do manual para a correção do MBI (Maslach, Jackson & Leiter, 1986), os participantes apresentam nível moderado de exaustão emocional, nível alto de despersonalização e nível moderado de realização profissional. Resultados considerados alto ou moderado em qualquer das subescalas representam elevado risco para o desenvolvimento da síndrome de burnout (Roelen et al., 2015). Para a Brief COPE os resultados revelam que as estratégias de coping mais utilizadas pelos monitores foram Coping Ativo, Planejar, Reinterpretação Positiva e Religião. Ressalta-se pouco uso de estratégias de coping desadaptativas, tais como negação, desinvestimento corporal, autoculpa e uso de substâncias.

 

Foi realizado teste de correlação bivariada entre as variáveis continuas apresentadas nas Tabelas 1 e 2. As variáveis que indicaram ter associação significativa estão apresentas na Figura 1. Correlação negativa foi encontrada entre Tempo de uso de droga com Planejar (r=-.694, p= .004). Ainda, correlações positivas foram encontradas entre Idade de início de drogas com Realização Profissional (r= .558, p= .001), Planejar com Realização Profissional (r=. 694, p= .004), Auto Culpa com Despersonalização (r=. 641, p= .010), Negação com Exaustão Emocional (r= .303 p= .040) e Horas de trabalho com Despersonalização (r=. 405, p= .033).

 

Por fim, a partir das transcrições das entrevistas com base na Análise de Conteúdo de Bardin, os conteúdos foram analisados e agrupados em três temas. Assim, através dos três temas, elaboraram-se as categorias como demostradas na Tabela 3.

 

Para a ilustração, segue a definição de cada tema e categoria, com as respectivas falas dos participantes:

Fatores de prazer no trabalho

O tema 1 refere- se aos fatores que os monitores acreditam ser mais prazerosos no seu trabalho. Ela se divide em duas categorias: Ver e ajudar na melhora do residente (1.1) e ser exemplo para eles (1.2).

Ver/ajudar na melhora do residente

Esta categoria descreve a sensação de gratificação e de prazer durante o trabalho do monitor. A análise realizada aponta que a maioria dos participantes sentem-se gratificados quando um residente evolui durante o tratamento, pois acreditam que eles contribuíram para esta evolução, conforme pode ser verificado nos seguintes trechos:

[...] o prazer do meu trabalho é quando as pessoas ficam bem né, quando a gente consegue, de alguma forma, ajudar. (P1)

[...] se eu conseguir salvar eles eu já fico feliz, conseguir ver eles se sentirem bem. (P2)

Ver eles terminando o tratamento e retornarem para nos visitar, isto mostra que o que a gente faz vale a pena. (P4)

Ser exemplo

Esta categoria descreve o prazer que os monitores sentem em ser exemplo para os residentes, por já terem passado pelo mesmo processo de tratamento. O sentimento de gratificação por este motivo pode ser observado nos comentários abaixo:

[...] O que eu vejo de mais prazeroso e gratificante eu posso dizer que é a vontade que eu vejo nas pessoas de, através do exemplo que eu to dando pra eles, deles conseguirem reagir, da mesma forma que um dia eu consegui reagir, quando eu comecei a escutar [...]. (P4)

[...] Para eles eu sirvo como parâmetro né, e isso me motiva todos os dias [...]. (P6)

Fatores de estresse no trabalho

O tema 2 refere-se a fatores que deixam os monitores estressados ou frutados em relação ao trabalho. Esse tema se divide em duas categorias: fatores em relação ao trabalho (2.1) e fatores em relação ao tratamento com os residentes (2.2).

Trabalho

Esta categoria refere-se aos fatores em relação a convivência entre colegas, chefia e carga horária de trabalho, conforme relatos:

Olha, é bastante tempo já né, pra mim já é uma carreira quase, isso, pela carga horária que chega ao dobro de uma normal ou até mais e tudo se torna estressante. (P5)

[...] os horários de trabalho. Poderia reduzir um pouco [...]. (P3)

Tratamento dos residentes

Nessa categoria o estresse é explicado pelo fato dos residentes enfrentarem ou discutirem com os monitores ou pelo fato dos residentes não escutarem seus conselhos. Pode-se notar através dos seguintes relatos:

A não aceitação do residente em relação ao programa. Não aceitação eu diria como questionamentos, falta de interesse [...]. (P11)

[...] passar mensagem e eles não querer ouvir, tentar ajudar de alguma forma e eles viram as costas e fazem tudo ao contrário do que eu falei [...]. (P9)

[...] a tentativa de ajudar e passar por chato, a mente fechada de ouvir e não querer entender [...]. (P15)

Estratégias de enfrentamento do estresse

O tema 3 apresenta atitudes que o monitor realiza para enfrentar o estresse no trabalho. Está dividida em três categorias: Conversa com outros (3.1), espiritualidade/ religiosidade (3.2) e pensamento reflexivo (3.3).

Conversa com outros

Esta categoria representa uma das formas que o monitor usa para enfrentar situações estressantes no seu trabalho, conversando com outras pessoas, desabafando com colegas, chefias, parentes ou profissionais. Destacam-se algumas falas:

Eu uso bastante o meu padrinho, uso de psicólogo, nós temos um psicólogo aqui e converso com amigos e familiares que são psicólogos [...]. (P4)

Eu converso com algum companheiro de equipe, mas não é sempre que isso acontece, eu conversar com companheiro de equipe [...]. (P14)

Eu falo bastante, o que tiver me incomodando, eu aprendi a falar, esvaziar meu copo, então se eu tiver um problema com qualquer um eu vou chegar e vou falar [...]. (P9)

[...] eu vou no psicólogo, vou no coordenador, ou até mesmo na dona né, e me abro com eles, converso com eles, mas procuro não passar isso pros residentes [...]. (P11)

Espiritualidade/Religiosidade

Esta categoria é explicada pelo fato do monitor usar de espiritualidade e/ou religiosidade para enfrentar situações do seu trabalho, conforme relatos a seguir:

[...] Tenho minha espiritualidade né, então eu uso também essa ferramenta. [...]. (P12)

Hoje, eu oro bastante. (P5)

[...] eu tenho muito amparo no meu lado espiritual, o meu lado espiritual que eu busco me deixa em um nível de paz que eu consigo lidar com todas essas situações que antes eu não conseguiria [...]. (P14)

[...] coloco fones de ouvido e escuto louvor, e quando saio de folga vou direto para a igreja, porque é onde me alivio. [...]. (P10)

Pensamento reflexivo

Esta categoria demonstra que o monitor prefere enfrentar situações estressantes primeiramente refletindo sobre atitudes a tomar, não agindo por impulso, conforme abaixo:

[...] geralmente eu fico quieto, quando eu vejo que vou explodir, a maioria das vezes eu fico quieto, digerindo aquilo, depois eu procuro resgatar ali, aquele momento, com mais calma [...]. (P13)

[...] fico sozinho, fazendo meu trabalho [...]. (P6)

[...] eu busco lá no meu interior, procurar resolver esse problema, pra depois estar passando pros companheiros [...] procuro guardar pra mim, daí depois eu converso com algum companheiro de equipe [...]. (P3)

 

Discussão

Estudos envolvendo monitores de comunidades terapêuticas ainda são escassos, e não foi encontrado na literatura outro estudo investigando estresse ocupacional e estratégias de enfrentamento nesta população. Como se pode notar neste estudo, se faz necessário uma atenção maior aos monitores, já que apresentam níveis altos de exaustão emocional e de despersonalização, com elevado risco para desenvolvimento da síndrome de Brunout. Sobrecarga de horas de trabalho, auto culpa e situações desafiantes e frustrantes no tratamento com os residentes contribuem para esse risco elevado para Burnout.

Analisando os resultados obtidos, constatou-se algumas associações de fatores que causam estresse e as estratégias de enfrentamento utilizadas. Conforme Figura 1, há correlação positiva entre a "idade do início de uso de drogas" pelos monitores e a "realização profissional", mostrando que quanto mais cedo o início de uso, menos realizados profissionalmente eles estão. Conforme apareceu em relatos da entrevista semiestruturada, a maioria destes monitores iniciam muito cedo o uso e permaneceram nele por muitos anos, deixando de investir ou perdendo oportunidades de trabalho/ educação por estarem envolvidos com o abuso de drogas.

Outro dado apresentado foi a relação entre as variáveis "tempo de uso de drogas" com "planejamento de estratégias de enfrentamento em situações de estresse", constando que quanto mais tempo eles usaram drogas, menos eles conseguem utilizar a estratégia de planejar como resolver situações de estresse. Os monitores com longo tempo de uso de drogas iniciaram seu uso no início da adolescência. A adolescência é uma fase crítica do desenvolvimento e alterações neste período podem acarretar consequências de longo prazo (Cavalcante, Alves & Barroso, 2008), sendo o adolescente mais vulnerável ao uso de drogas (Ferreira & Machado, 2013). É comprovado que o uso precoce e prolongado de drogas podem acarretar em problemas cognitivos posteriores, como déficits de aprendizagem e memória, diminuição de motivação e atenção, mesmo após muito tempo em abstinência (Pechansky et al., 2004; Rigoni et al., 2007; Viola et al., 2015; Levandowski et al., 2016).

Observou-se também, que quanto mais este profissional utiliza a estratégia de negação, maior é sua exaustão profissional. A negação é uma estratégia de enfrentamento considerada disfuncional, pois assim o profissional acaba, na verdade, não enfrentando tais problemas, elevando o grau de estresse e levando a exaustão (Morán & Silva, 2012). A exaustão profissional é caracterizada por um desgaste físico e emocional extremo e dificuldades para enfrentar as situações estressantes no trabalho, ocorrendo por sobrecarga de trabalho ou conflitos pessoais neste ambiente (De Sá, Martins-Silva & Funchal, 2014).

Também constatou-se a relação entre horas de trabalho e despersonalização, mostrando que quanto mais horas de trabalho estes monitores possuem, maior é o nível de despersonalização dentro do ambiente laboral. Conforme alguns estudos (Seleghin et al., 2012; De Marchi Barcellos, da Silva, Mendes & Robazzi, 2014; Ferreira, de Araújo Aragão & Oliveira, 2017), um dos principais motivos do estresse no profissional da área da saúde e que lida diretamente com pessoas se dá na carga horária excessiva do seu trabalho (De Sá, Martins-Silva & Funchal, 2014). Isso ocorre pois estes profissionais, na maioria das vezes, trabalham finais de semana, não tem horário especifico, o que pode contribuir para desenvolver uma insensibilidade emocional e distanciamento de si mesmo e do trabalho (Carlotto & Câmara, 2007; Carlotto & Câmara, 2004). Conforme aparece em relatos, eles se veem na obrigação de se mostrarem bem emocionalmente para dar conta dos problemas dos residentes, mas muitas vezes estão enfrentando problemas e não querem demonstrar. Esta correlação é corroborada pela análise de conteúdo, mostrando que esta fator carga horária é um dos que mais contribuem para o estresse no trabalho.

Despersonalização também se correlacionou com auto culpa, isto pode indicar que quanto mais os monitores se culpam pelos problemas, mais distanciados de si eles tendem a ficar. Além disto, nos relatos da entrevista semiestruturada os monitores relatam se sentir culpados pelas situações ocorridas dentro do seu trabalho e com as pessoas que atendem, o que é relativamente comum entre pessoas que trabalham na área da saúde (Avelino et al., 2014). Conforme relatos das entrevistas, eles sentem que precisam se aparentar fortes emocionalmente para ajudar, não importando como realmente estão. Conforme alguns estudos (Telles & Pimenta, 2009; Martins, 2011) este fator também é comum entre profissionais da área da saúde que lidam diretamente com problemas das pessoas que atendem.

Ainda, correlações positivas foram encontradas entre planejamento e realização profissional, indicando que quanto maior o planejamento de como enfrentar situações, mais realizados profissionalmente os monitores se encontram. A estratégia de planejamento caracteriza-se por ser uma estratégia focada no problema, sendo essencial no trabalho com a saúde, pois possibilita o raciocínio e diálogo com os iguais para melhora da resolução dos problemas (Benetti et al., 2013). Este fator se confirma através dos relatos da maioria dos monitores para enfrentar as adversidades, tendem a refletir e conversar com outros profissionais para buscar a melhor solução possível. Outra estratégia bastante utilizada pelos monitores é a espiritualidade/ religiosidade, observado tanto nas variáveis quantitativas como qualitativas. De fato, diversos estudos encontraram que praticas ligadas a religião ou a espiritualidade podem promover melhor controle de ansiedade e estresse (Powell, Shahabi & Thoresen, 2003; Malik, 2015). Além disso, importante ressaltar que os monitores que participaram deste estudo já passaram por tratamento por abuso de substâncias, e que existem evidências demonstrando que espiritualidade/religiosidade podem ser fatores importantes para auxiliar na recuperação de usuários que sintam essa necessidade (Walton-Moss, Ray & Woodruff, 2013). Este fator também foi apontado pelos monitores durante as entrevistas.

Por fim, é importante salientar que há limitações no presente estudo no que diz respeito ao tamanho da amostra. Contudo, este trabalho integrou o método de pesquisa qualitativo e quantitativo para explorar de forma detalhada fatores de estresse e enfrentamento nesta população. Outra limitação deste estudo foi a investigação apenas em CT masculinas e generalizações não podem ser realizadas para monitores do sexo feminino.

 

Conclusão

Os monitores avaliados apresentam risco elevado para a síndrome de Burnout, havendo necessidade de uma maior atenção a estes profissionais, promovendo intervenções focadas em problemas decorrentes do trabalho. É importante que haja um acompanhamento psicológico com estes monitores para este propósito, conforme ressaltado pelos participantes na entrevista semiestruturada. Ainda, levanta-se a necessidade de dar uma continuidade em estudos sobre comunidades terapêuticas por ser uma das modalidades de tratamento que mais cresce com o passar do tempo. Os autores declaram não possuir conflitos de interesse.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: gabe_rs@hotmail.com;
luzlevandowski@gmail.com

Recebido em setembro de 2016
Aprovado em agosto de 2017

 

 

1 Gabriele Schmidt Pereira: Acadêmica do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT).
2 Mateus Luz Levandowski: Mestre em Cognição Humana e Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Bolsista CAPES de Doutorado em Psicologia pela PUCRS. Professor do curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT).

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