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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.49 no.1 Canoas jan./jun. 2016

 

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Ideação de suicídio em um serviço de teleatendimento para usuários de drogas

 

Suicidal ideation in a telephone service for drug users

 

 

Cássio Andrade Machado1,I; Roger Santos Camargo2,II; Leandro Santos Alencastro3,II; Maristela Ferigolo4,III; Helena M. T. Barros5,III

IServiço de Saúde Mental da Infância e Adolescência, Guaíba
IIUFCSPA
IIILigue 132

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A relação entre drogas e suicídio é apontada como causal, porém alguns autores defendem a perspectiva que a presença de substância é um fator de risco. Portanto é importante nos serviços voltados aos dependentes químicos explorar o risco de suicídio para medidas preventivas. Pensando nisso foi realizado um estudo transversal no Ligue 132, para descrever as informações disponível relacionadas a situações de suicídio e a disponibilidade de serviços públicos para o atendimento desses casos. Em 2011 foi encontrado 77 casos com menções de suicídio. A substância mais envolvida foi o álcool. Entre os sujeitos que identificaram o município de onde estavam falando 64% possuía algum formato de CAPS. Ha necessidade de mais estudos para investigar o uso de telemedicina para o atendimento de casos de suicídio assim como uma descrição mais detalhada desses casos para compreensão melhor das causas.

Palavras-chave: Abuso de drogas; Suicídio; Telemedicina.


ABSTRACT

The relationship between drugs and suicide is pointed out as causal, but some authors defend the perspective that the presence of substance is a risk factor. Therefore, it is important in services for the dependents to explore the risk of suicide for preventive measures. With this in mind, a cross-sectional study was carried out in Ligue 132, to describe the available information related to suicide situations and the availability of public services to attend these cases. In 2011, 77 cases of suicide were found. The most involved substance was alcohol. Among the subjects that identified the municipality where they were speaking 64% had some form of CAPS. There is a need for further studies to investigate the use of telemedicine for the treatment of suicide cases as well as a more detailed description of these cases for a better understanding of the causes.

Keywords: Drug abuse; Suicide; Telemedicine.


 

 

Introdução

A Organização Mundial da Saúde afirmou que em 2012 quase 1 milhão de pessoas tiraram a própria vida, o que representa uma incidência de 11,4 para cada 100 mil indivíduos (World Health Organization, 2014). Para cada óbito por suicídio estima-se que no mínimo 5 pessoas próximas são afetadas profundamente, sofrendo consequências emocionais, sociais e econômicas (World Health Organization, 2012). Nesse sentido descreve-se 3 categorias relacionadas ao grau de severidade e heterogeneidade do suicídio: ideação ou pensamento suicida, tentativa de suicídio e suicídio consumado (OPS, 2014). Entre os principais fatores de risco para suicídio destacam-se na literatura a dependência química e o envolvimento com o uso abusivo de substâncias como de maior prevalência, seguidas de transtornos de humor (principalmente depressão), transtornos de personalidade, esquizofrenia, ansiedade e abuso sexual na infância (OMS, 2014). Assim, torna-se importante que os programas de tratamento para uso abusivo e dependência de substâncias lidem com as questões relacionadas à ideação, planejamento e comportamentos suicidas. Cantão e Lappann (2016) corroboram com os achados da Organização Mundial de Saúde ao descreverem também a alta prevalência de descrições de pensamentos suicidas e tentativas de suicídio entre pessoas com problemas de abuso de substâncias durante tratamento. Outros aspectos respaldam a importância dos serviços de saúde que tratam do uso abusivo de substâncias abordarem o suicídio. Os usuário destes serviços, muitas vezes procuram tratamento em um momento em que o consumo de drogas está incontrolável, sendo este, um alto fator de risco para o suicídio (Crane, 2016). Ainda, problemas de saúde mental como, depressão, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de ansiedade e alguns transtornos de personalidade, estão associados com suicídio e geralmente co-ocorrem entre pessoas que estão em tratamento para transtornos por uso de substâncias. Considerando essa relevância o Substance Abuse and Mental Health Services Administration (SAMSHA) desenvolveu um protocoloco chamado "Adressing Suicidal Thoughts and Behaviours in Substance Abuse Treatment" para melhoria do atendimento dos serviços que tratam de usuários que abusam de substâncias.

Quanto a frequência da presença de substâncias, o consumo prévio de álcool foi detectado em cerca de 21,4% dos sujeitos que tentaram o autoextermínio. (Kattimani, Menon, Sarkar, Arun & Venkatalakshmi, 2016). Outros autores pressupõem que a relação entre condutas violentas, incluindo o suicídio, e o uso de substâncias apresentam origens comuns como: personalidade, antecedentes familiares, fatores genéticos, características de temperamento e transtornos psiquiátricos (Menon, Sarkar, Kattiman & Mathan, 2015). Sobre tudo se faz necessário elaborar relações não causais, devido a complexidade do fator suicídio, e sim reforçadoras ou facilitadoras. Assim os efeitos desinibidores e/ou euforizantes de algumas substancias poderiam não causar mas colaborar para a manifestação de uma conduta especifica, neste caso o suicídio que já se encontra prédisposta no individuo, considerando essa pré-disposição também multifatorial.

O Brasil, em 2013, figurava entre os dez países que registravam os maiores índices de suicídios, alcançando a soma de 9.852 mortes. Ressalta-se que há vinte anos essa estimativa era cerca de 30% menor. (Botega, 2014). No país, os locais de indicação para atendimento em saúde mental são os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). De acordo com a portaria SNAS n° 224 esses locais são indicados como porta de entrada para a rede de atenção em saúde mental e assim, locais de indicação para casos de suicídio. Segundo o Ministério da Saúde, existem 1.742 CAPS distribuídos em todas as regiões brasileiras (Brasil, 2013). Com o aumento dos transtornos relacionados ao consumo de substâncias (World Drug Report, 2016) e o crescente número de suicídios (World Health Organization, 2014), principalmente entre usuários de drogas considera-se a necessidade da elaboração e implantação de estratégias para o acolhimento e tratamento dessa população. Assim, este trabalho tem por objetivo descrever o perfil dos usuários que apresentaram ideação suicida e tentativa de suicídio em um serviço de teleatendimento para usuários de drogas e familiares e verificar a rede disponível para o atendimento e ou encaminhamento demanda. O Ligue 132 (Central de Atendimento sobre Drogas) é uma central telefônica que oferece aconselhamento e informações sobre substâncias psicoativas de forma gratuita e anônima para toda a população brasileira (Bortolon et al., 2016). O estudo foi motivado devido ao crescente relato dessa demanda pelos atendentes, assim como pelo movimento similar onde por meio de estudos iniciais sobre o perfil de população e demandas especificas resultou na elaboração do protocolo de atendimento para familiares e na inclusão destes como público alvo do Serviço.

 

Método

O presente estudo foi encaminhado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), processo número 200/2006, conforme parecer número 325/2007.

Foi delineado um estudo transversal.

Os dados foram analisados através do pacote estatístico SPSS versão 22 para Windows. As estatísticas descritivas utilizadas foram médias (M), desvios-padrão (DP) e percentuais. A distribuição dos dados foi realizada através dOs dados foram coletados entre janeiro e dezembro de 2011, a partir de chamadas telefônicas para o Ligue 132. Os clientes que efetuaram ligações para o serviço em busca de auxílio para lidar com o uso de drogas foram convidados a disponibilizar suas informações para estudo após a leitura do termo de consentimento. Foram coletados dados sociodemográficos, como: sexo, idade, cidade, escolaridade, renda, estado civil, profissão e uso de substância. Os dados foram coletados por 40 estudantes de graduação de diferentes áreas da saúde, treinados como consultores. Para a realização dos atendimentos telefônicos foi conduzido um treinamento teórico e prático sobre dependência química e Entrevista Motivacional para os consultores. O treinamento compreende leitura de textos, avaliações escritas, estudos de caso e roles-plays (Moreira et al.: 2013).

A amostra incluiu todos os clientes com idade a partir de 18 anos que telefonaram para o Serviço durante o período de coleta de dados e concordaram em participar do estudo. Os que demonstraram ser inaptos para responder adequadamente o protocolo telefônico ou que relataram estar sob efeito de drogas durante o atendimento foram excluídos. Foram incluídos relatos de suicídio do próprio usuário ou de um dos seus familiares.

Características sociodemográficas: o questionário incluiu questões de gênero, idade, estado civil, ocupação, renda familiar e nível educacional e cidade. Para os estratos de renda, foi considerado como valor base o salário mínimo brasileiro em 2011 (R$ 545,00), padrão de consumo (uso, abuso e dependência), drogas (álcool, tabaco, maconha e cocaína/crack). Informações relevantes: o protocolo de atendimento padrão do Serviço disponibiliza um campo pertinente a descrição do atendimento telefônico, neste campo o consultor é orientado a descrever um histórico do cliente.

Inicialmente realizou-se uma leitura de todos os protocolos gerados no período em estudo que continham os critérios de inclusão já mencionados. Foi procurado nos protocolos toda forma de menção de ideação suicida, como: não ter mais vontade de viver, desejo de acabar com a própria vida, pensar que o melhor seria a morte, descrição de planos suicidas, histórico de tentativa de suicídio. Cada protocolo foi classificado como: contendo relato ou não de ideação suicida. Para as variáveis sociodemográficas realizou-se a análise descritiva univariada. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o IBM Statistics 19 e os valores de p<0.05 foram considerados estatisticamente significativos.

Durante o período da coleta de dados o Ligue 132 registrou 57.419 protocolos, destes 31.179 representam perdas provenientes a trotes, ligações mudas ou testes do sistema. Nos 26.240 restantes foi encontrado 77 relatos de ideação suicida, representando 0,29% da amostra estudada.

 

Resultados

 

 

Dos casos, 56 identificaram a cidade de onde estavam falando. Dessas cidades 39 (64%) possuem algum formato de Centros de Atenção Psicossocial ou outro serviço de atenção a saúde mental públicos de acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Referente aos demais dados sócio demográficos não forma encontradas diferença estatística.

 

Discussão

As prevalências de 0,29% de ideação suicida encontrada na amostra contrapõem-se a outros estudos. Mesmo considerando que as menções sobre suicídio foram realizadas sem um questionamento sobre o assunto, ou seja, foram suscitadas sem nenhuma forma de questionamento específico o índice denota a necessidade de estudos complementares para melhor compreensão do fenômeno. Mesmo o Ligue 132 não sendo um serviço de apoio especializado em suicídio recebe essa demanda em suas chamadas telefônicas. Esse fato pode ocorrer devido à falta de acesso a serviços básicos por usuários, a precariedade na percepção do risco de suicídio por profissionais e ou ainda devido ao conforto do anonimato proporcionado pela telemedicina.

As substâncias mais utilizadas pelos usuários que relataram ideação ou tentativa de suicídio foram o álcool e a cocaína, o que corrobora com estudos anteriores. Tormey, Srinivasan e Moore (2013) encontraram nas autópsias dos suicidas a presença de álcool em 57% em da amostra, de canabinoides 11%, e 7,5% de cocaína. A literatura ainda não estabeleceu um padrão de consumo relacionado diretamente a maiores chances de suicídio, provavelmente pela complexidade e multifatoriedade envolvidas. Isso acaba por tornar a prevenção entre qualquer padrão de consumo de drogas imprescindível aos profissionais da saúde. Porem, quanto a prevalência do sexo, no estudo não foi encontrada diferença significativa. O que pode sugerir mais uma mudança de conduta entre gêneros que vem ocorrendo nos últimos anos, como o uso de substância e envolvimento com a criminalidade.

O Serviço por meio da abordagem utilizada orienta seus pacientes na busca por centros especializados para lidarem com o risco de suicídio. Considerando os resultados de menções a própria morte relatados nos atendimentos ressalta-se a urgência dos profissionais de saúde em realizar o inquérito de risco de suicídio com pacientes usuário de substâncias. A taxa global de suicídio no Brasil cresceu 30% em 20 anos (Botega, 2014), exigindo dos profissionais que lidam com os usuários de drogas maior atenção sobre o tema, já que muitas vezes necessita-se de medidas extremas, como contensão física e química, para evitar a morte do paciente.

As principais limitações do estudo incluem as poucas informações relatadas nos protocolos do serviço sobre suicídio devido a não especificidade do serviço para o atendimento dessa demanda. Porém a similaridade entre os objetivos almejados e as técnicas utilizadas em situações de suicídio e dependência química permite a Entrevista Motivacional fornecer um arcabouço teórico para o atendimento de sujeitos com ideação suicida (Arkowitz, Westra, Miller, Rollink, 2012). Pensa-se na necessidade de mais estudos para investigar a utilização dessa teoria no atendimento por telefone de casos de suicídio assim como uma descrição mais detalhada desses casos para permitir um melhor detalhamento dos casos.

 

Referências

Arkowitz, H., Westra, H. A., Miller, W. R., & Rollink, S. (2012). Entrevista Motivacional no Tratamento de Problemas Psicológicos. São Paulo: Editora Roca.         [ Links ]

Bortolon, C. B.; Moreira, T. C.; Signor, L.; Guahyba, B. L.; Figueiró, L. R.; Ferigolo, M.; Barros, H. M. T. (2016). Six-Month Outcomes of a Randomized, Motivational Tele-intervention for Change in the Codependent Behavior of Family Members of Drug Users. Subst Use Misuse, 52 (2), 164-174.         [ Links ]

Botega, N. J. (2014). Comportamento suicida: epidemiologia. Psicologia USP, 25(3), 231-236.         [ Links ]

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Crane, E.H. (2016). Patients with Drug-Related Emergency Department Visits Involving Suicide Attempts Who Left Against Medical Advice. In: The CBHSQ Report. Rockville (MD): Substance Abuse and Mental Health Services Administration (US); 2013.         [ Links ]

Kattimani, S., Menon, V., Sarkar, S., Arun, A. B., & Venkatalakshmi, P. (2016). Role of Demographic and Personality Factors in Mediating Vulnerability to Suicide Attempts under Intoxication with Alcohol: A Record-based Exploratory Study. Indian Journal of Psychological Medicine, 38(6), 540–546.

Menon, V., Sarkar, S., Kattimani, S., & Mathan, K. (2015). Do Personality Traits Such as Impulsivity and Hostility-Aggressiveness Predict Severity of Intent in Attempted Suicide? Findings From a Record Based Study in South India. Indian Journal of Psychological Medicine, 37(4), 393–398.

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Tormey, W.P., Srinivasan, R., & Moore, T. (2013). Biochemical toxicology and suicide in Ireland: a laboratory study. Irish Journal of Medical Science, 182(2), 277-281.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
E-mail: cassioandrademachado@gmail.com

Recebido em outubro de 2016
Aprovado em março de 2017

 

 

1 Cássio Andrade Machado: Psicólogo, técnico no Serviço de Saúde Mental da Infância e Adolescência em Guaíba.
2 Roger Santos Camargo: Biólogo, doutorando em Ciências da Saúde (UFCSPA).
3 Leandro Santos Alencastro:Psicólogo, doutorando em Ciências da Saúde (UFCSPA).
4 Maristela Ferigolo: Farmacêutica, Coordenadora do Ligue 132.
5 Helena M. T. Barros: Médica, Coordenadora do Ligue 132.

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