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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.50 no.1-2 Canoas jan./dez. 2017

 

ARTIGO INTERNACIONAL

 

As emoções autoconscientes nas narrativas infantis: contributos da abordagem narrativa

 

Self-conscious emotions in children's narratives: contributions of the narrative approach

 

 

Mariana Lopes Sousa1, I; Orlanda Maria Cruz2, II

IUniversidade Lusíada - Norte (Porto)
IIFaculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As emoções autoconscientes são uma classe específica de emoções que têm como função promover interações socialmente adequadas. Este estudo tem como objetivo explorar o potencial de cinco inícios de histórias para elicitar as emoções autoconscientes nas narrativas infantis. Foram analisados excertos de narrativas de duas crianças com experiências familiares antagônicas. Apresentou-se às crianças um conjunto de inícios de histórias, que lhes era pedido para completar.
Os inícios de histórias mostraram ser úteis para perceber as diferentes formas de construção narrativa de crianças com histórias familiares divergentes. Parecem, também, ser adequados para elicitar as emoções de culpa e empatia. Quanto à vergonha e ao orgulho, devem ser explorados outros inícios de histórias que potenciem a sua elicitação nas narrativas das crianças. Enfatizam-se as potencialidades dos inícios de histórias enquanto recurso a mobilizar na prática clínica com crianças.

Palavras-chave: Emoções autoconscientes, abuso, narrativas.


ABSTRACT

Self-conscious emotions are a specific type of emotions which promote prosocial behaviour. This study explores the potentialities of five story-stems to elicit self-conscious emotions in children's narratives. Excerpts from narratives of children with antagonic family experiences have been analysed. Children were asked to complete a set of story-stems. The story-stems used in this study revealed to be useful to understand how children with different family backgrounds construct their narratives. These story-stems also seem suitable to elicit guilt and empathy. With regard to shame and pride, other story-stems should be further explored. Potentialities of story-stems as a tool in clinical practice with children and adolescents are emphasized.

Keywords: Self-conscious emotions, abuse, narratives.


 

 

Introdução

As emoções autoconscientes alicerçam-se na autoconsciência objetiva e na capacidade do sujeito de avaliar o seu próprio comportamento, tendo por referência os padrões e as regras sociomorais (Lewis, 1992). Estas emoções surgem sob diferentes designações na literatura, nomeadamente emoções morais (Tangney, Stuewig, & Mashek, 2007) ou sociomorais (Arsenio, Gold, & Adams, 2006). O presente artigo incide sobre duas emoções de valência negativa - vergonha e culpa - e duas emoções de valência positiva - orgulho e empatia.

As emoções autoconscientes promovem a integração social da criança, porque a levam a corrigir os seus comportamentos inadequados e a manter ou aumentar os comportamentos adequados (Muris & Meesters, 2014). As emoções autoconscientes baseiam-se num conjunto de capacidades cognitivas que emergem, durante o segundo ano de vida, como a capacidade de internalizar padrões e regras sociomorais, de autoconsciência, de autoavaliação e de fazer atribuições de causalidade sobre os comportamentos. A partir do terceiro ano de vida, as crianças começam a avaliar os seus comportamentos, com base nos padrões e regras sociomorais que internalizaram. Esta avaliação pode resultar em atribuições globais ou específicas. As globais consistem na atribuição da causa do seu comportamento ao self global (i.e., 'Fiz isto porque sou uma má/boa pessoa') e desencadeiam a emoção de vergonha. Por seu turno, as atribuições específicas referem-se à avaliação do comportamento ou de ações específicas (i.e., 'O meu comportamento foi errado, não devo voltar a fazê-lo') e desencadeiam a emoção de culpa. Apesar de, tanto a vergonha como a culpa consistirem em experiências emocionais negativas associadas à perceção de ter infringido um padrão ou regra sociomoral (Lewis, 1992),a vergonha resulta de um processo autoavaliativo centrado no self global, que conduz à autodepreciação e a comportamentos desadaptativos (Lewis, 1971; Niedenthal, Tangney, & Gavanski, 1994; Tangney, 1991), enquanto a culpa resulta da avaliação negativa de um comportamento específico, levando à reparação e protegendo o self global. A vergonha está associada ao desejo de fugir ou esconder-se do confronto público com o insucesso ou com a rutura da regra (Tangney et al., 2007), enquanto a culpa despoleta preocupação e arrependimento, assim como reparação construtiva do comportamento inadequado, tendendo a refletir-se na adoção de comportamentos prosociais (Aksan & Goldsmith, 2003; Apavaloaie, Page, & Marks, 2014; Niedenthal et al., 1994; Tangney et. al, 2007; Olthof, 2012). Por contraposição à vergonha, a culpa configura-se assim como uma emoção adaptativa.

O orgulho é definido como uma experiência emocional associada à perceção de que o comportamento foi bem sucedido, à luz dos padrões e regras sociomorais (Lewis, 1992). O orgulho tem subjacente a assunção da responsabilidade pelo sucesso,encorajando o indivíduo acomportar-sede acordo com os padrões sociais de valor e mérito (Tangney et al., 2007). A empatia requer a identificação e a compreensão das experiências do outro, bem como a experiência vicariante das suas emoções e/ou sentimentos (Lewis, 1992; Tangney et al., 2007). Implica a capacidade de pensar sobre o self na interação com o outro, estando, por isso, associada ao comportamento pró-social (Eisenberg, Spinrad, & Sadovsky, 2005; Hoffman, 2000).

As narrativas como janela de acesso à experiência emocional

As emoções autoconscientes nas crianças têm sido estudadas, preponderantemente, através da observação e da administração de questionários de autorrelato (Tangney et al., 2007). Estes procedimentos apresentam algumas limitações, nomeadamente o reduzido poder projetivo de que se revestem e o facto de se restringirem a um momento circunscrito no tempo, que limita o seu potencial de generalização. Ao confrontarem a criança com um espectro de situações desenhadas para serem representativas das suas rotinas, os instrumentos baseados em inícios de histórias parecem fornecer importantes indicadores sobre o funcionamento socioemocional da criança. Com efeito, as narrativas construídas pelas crianças viabilizam a organização da sua experiência vivida e os significados a ela conferidos (Emde, 2003). São, por isso, um instrumento privilegiado de avaliação do desenvolvimento socioemocional e de acesso à forma como a criança constrói emocionalmente a realidade (Aksan & Goldsmith, 2003; Holmberg, Robinson, Corbitt-Price & Wiener, 2007).

As técnicas narrativas baseadas em inícios de histórias constituem uma 'janela' para o mundo interno da criança, permitindo aceder aos seus modelos representacionais e às suas estratégias de regulação emocional (Emde, 2003; Oppenheim, Nir, Emde, & Warren, 1997). Nos inícios de histórias, são descritos cenários em que diferentes personagens interagem (Bretherton, Prentiss, & Ridgeway, 1990; Bretherton, Oppenheim, Emde, & the MacArthur Narrative Working Group, 2003). Cada início de história consiste num conflito emocional, sendo a narração desse conflito acompanhada pela dramatização com bonecos que representam as várias personagens que o protagonizam. Esta dramatização facilita, por um lado, a compreensão pela criança do conflito descrito e, por outro, potencia o seu envolvimento na tarefa (Page, 2001). Cada história é apresentada pelo(a) entrevistador(a), de acordo com um conjunto de instruções estandardizadas, sendo depois pedido à criança que mostre e conte "o que acontece a seguir" (Bretherton et al., 1990; Bretherton et al., 2003).

O desenvolvimento das emoções autoconscientes nas crianças maltratadas

Alguma evidência empírica mostra que as experiências de abuso marcadas pelo autoritarismo e rejeição parental condicionam o desenvolvimento das emoções autoconscientes. Por exemplo, Bennett, Sullivan e Lewis (2005) observaram uma associação entre o abuso físico e a vergonha expressa pela criança, em reação ao insucesso, durante a realização de uma tarefa com diferentes níveis de dificuldade; Alessandri e Lewis (1996) verificaram que os meninos maltratados expressam menos orgulho, quando comparados com os meninos não maltratados; e Straker e Jacobson (1981) apontaram que as crianças maltratadas de cinco a dez anos mostram dificuldade em compreender as emoções expressas pelo outro e as situações em que o outro se encontra vulnerável. Relativamente à culpa, os estudos mostram que esta emoção não está associada à negligência, nem ao abuso emocional (Bennett, Sullivan, & Lewis, 2010; Hoglund & Nicholas, 1995). Contudo, os estudos também têm revelado que, desde que não seja excessiva, a emoção de culpa, conduzindo à reparação do comportamento inadequado, tem um carater adaptativo (Lewis, 1992; Muris & Meesters, 2014).

O presente estudo

As potencialidades das narrativas enquanto janela de acesso à experiência subjetiva das emoções autoconscientes têm sido pouco exploradas na literatura. Este estudo pretende suprir essa lacuna, ao centrar-se na análise das emoções autoconscientes descritas nas narrativas elicitadas por um conjunto de inícios de histórias. Para tal, foram analisadas as narrativas de duas crianças, selecionadas por apresentarem valores extremados, no que respeita à competência emocional.Estas narrativas, contruídas com base num procedimento estandardizado, serão apresentadas e discutidas, com o objetivo de ilustrar as suas potencialidades para aceder à experiência emocional das crianças.

 

Método

Participantes

Dentre uma amostra de 100 crianças (50 institucionalizadas, com registo de mau tratos e 50 a viver com a família biológica sem registo de maus tratos) que participaram numa investigação mais ampla sobre a competência emocional nas narrativas das crianças (Sousa & Cruz, 2017), foram selecionadas duas crianças. A primeira é a criança que apresentava os valores mais baixos em indicadores de competência emocional, como por exemplo quantidade de emoções autoconscientes referidas, conhecimento emocional e resolução de conflitos sociomorais; a segunda é a criança que apresentava os valores mais elevados nestes mesmos indicadores. Verificou-se, a posteriori, que a primeira criança, identificada como A., integrava o grupo de crianças intitucionalizadas e a segunda, identificada como B., integrava o grupo de crianças que viviam com a família biológica.

A. é um rapaz de 6 anos, que frequentava o 1º ano de escolaridade. Encontrava-se institucionalizado há 12 meses, na sequência de abuso físico, emocional e de negligência, associados ao alcoolismo do pai. A mãe concluiu o 1º ciclo do ensino básico (quatro anos de escolaridade) e o pai nunca frequentou a escola. A sua competência cognitiva não verbal situa-se num nível médio, enquanto a competência verbal é inferior ao expectável para a faixa etária.

B. é um rapaz de 8 anos, que frequentava o 3º ano de escolaridade e vivia com a família biológica, não havendo registo de fatores de risco psicossocial. A mãe concluiu o 2º ciclo do ensino básico (seis anos de escolaridade) e o pai o 3º ciclo do ensino básico (nove anos de escolaridade). A sua competência cognitiva não verbal situa-se num nível médio, enquanto a competência verbal se situa num nível médio-inferior, considerando o expectável para a faixa etária.

Instrumentos

Dados sociodemográficos - Foi solicitado o preenchimento de um questionário sociodemográfico a uma técnica da instituição, no caso de A., e à professora titular de turma, no caso de B. Este questionário visava recolher os dados identificatórios e familiares.

Competênciacognitiva não verbal - Foi avaliada através da versão aferida para a população portuguesa das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPCR), sendoos resultados brutos situados em relação às normas para a população portuguesa (Simões, 2000).

Competência cognitiva verbal - Foi avaliada através do subteste de Vocabulário da versão aferida para a população portuguesa da Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças (WISC-III), tendo como referência as normas para a população portuguesa (Wechsler, 2003).

Emoções autoconscientes - Estas emoções foram analisadas através das narrativas construídas pelas crianças a partir de cinco inícios de histórias, sendo quatro extraídas da MacArthur Story Stem Battery (MSSB) (Bretherton et al., 1990) e uma do Family Stories Completation Task (FAST) (Shamir, Schudlich, & Cummings, 2001). As histórias foram selecionadas, entre um vasto leque existente na literatura, para confrontar as crianças com situações problemáticas em que estão implicadas emoções autoconscientes. Após a apresentação de uma história introdutória (Festa de anos), que não é analisada e visa apenas a familiarização da criança com o material e o procedimento, foram administrados os seguintes inícios de histórias: 1) Dor de cabeça da mãe, relativa à empatia, 2) Roubo do chocolate, relativa à vergonha ou à culpa, 3) Passeio no parque, relativa ao orgulho, 4) Frasco das Bolachas, relativa à empatia e à vergonha ou à culpa, 5) Cozinhado/ Penso,relativo à vergonha ou culpa (ver tabela 1).

 

 

As narrativas das crianças foram analisadas com o Sistema de Codificação das Emoções Autoconscientes. Este sistema tem como objetivo identificar os indicadores da experiência subjetiva das emoções autoconscientes, nas narrativas das crianças. O processo de codificação consiste na sinalização da presença/ausência da vergonha, culpa, orgulho e empatia. As narrativas foram analisadas apenas com base nas verbalizações espontâneas da criança e nas suas respostas às intervenções da entrevistadora. O comportamento não verbal não foi considerado. Informação pormenorizada acerca do sistema de codificação pode ser pedida à primeira autora.

A vergonha é cotada quando a criança descreve a experiência emocional negativa de uma personagem, associada à perceção desta ser uma má pessoa, por ter feito algo errado. A personagem diz que se sente envergonhada, mostra sentir-se humilhada pela exposição social da infração em que incorreu e/ou isola-se para escapar do confronto público.

A culpa é cotada quando a criança descreve a experiência emocional negativa da personagem associada à perceção de ter feito algo errado. Esta emoção é cotada sempre que a personagem exibe um ou mais dos seguintes comportamentos: 1) reconhecer a infração, mostrando arrependimento ou tristeza, 2) assumir a responsabilidade pela transgressão e pelas consequências que dela advêm e 3) mobilizar ações reparativas materiais (e.g., pagar o chocolate roubado ou repô-lo na prateleira) ou sociais (e.g., pedir desculpa).

O orgulho é cotado quando a criança descreve a experiência emocional positiva da personagem associada à perceção de que o comportamento foi bem-sucedido. Implica que a personagem se percecione como competente e se considere responsável pelo sucesso do seu comportamento.

Por último, a empatia é cotada quando a criança descreve a personagem a exprimir preocupação, a mobilizar comportamentos de ajuda e/oua inibir comportamentos potencialmente nocivos para uma outra personagem, que se encontre em sofrimento ou vulnerável.

Procedimento

A administração dos instrumentos de avaliação da competência cognitiva verbal e não verbal e dos inícios de histórias foi realizada por duas psicólogas com experiência na intervenção clínica com crianças, que receberam treino prévio nos procedimentos de administração. A observação de A. foi realizada na instituição onde residia, enquanto B. foi observado na escola.

Num primeiro momento, foram dispostas sobre a mesa as personagens que protagonizam os inícios de histórias (i.e., mãe, pai, criança protagonista, irmã(o) e funcionária do supermercado), sendo a criança protagonista e a/oirmã/o do mesmo sexo da criança entrevistada. Foi, depois, pedido à criança que atribuísse um nome à criança protagonista. Posteriormente, introduziu-se a história Festa de Anos, para que a criança se familiarizasse com os materiais e com o procedimento requerido nos inícios de histórias subsequentes. A entrevistadora procurou criar um clima relacional caloroso e securizante para a criança, no intuito de a deixar confortável com a situação. Finalizado o warm-up, foi apresentada a primeira história do protocolo. Ao longo da condução da entrevista, a entrevistadora manteve uma postura empática de aceitação e encorajamento, não fazendo avaliações, ou juízos de valor, sobre as narrativas da criança.

Sempre que a criança se descentrava do conflito associado à narrativa, a entrevistadora reconfrontava-a com o problema inicial, de acordo com procedimentos pré-definidos. Assim, nas situações em que a criança não se envolvia, desde da apresentação do início de história, a entrevistadora repetia-o ou parafraseava-o. No caso de o envolvimento da criança diminuir, antes de conferir um desfecho à narrativa, a entrevistadora perguntava-lhe o que ia acontecer a seguir, procurando trazê-la de volta à tarefa. Se a criança modificasse os eventos da história (e.g., a mãe não está com dor de cabeça), a entrevistadora recontava, de forma sintética, o início de história.

Se a criança se limitasse a dramatizar as interações entre as personagens, sem as verbalizar, a entrevistadora intervinha, de forma não intrusiva, perguntando-lhe 'O que está a acontecer?'. Quando os conflitos pareciam estar resolvidos, ou a criança mostrava sinais de tensão, a entrevistadora perguntava-lhe 'é assim que acaba a história?', ou 'Acontece mais alguma coisa na tua história?'. Quando a criança incorria numa descrição circular de eventos, sem conseguir conferir um desfecho à narrativa, a entrevistadora intervinha, sumariando os eventos descritos e dizendo 'Parece-me um bom final para a tua história.'

A cotação das narrativas foi realizada por dois investigadores, devidamente treinados, que desconheciam a história de vida da criança. Foi calculado o acordo intercodificador para as cotações das narrativas de 30 crianças (150 narrativas) que integravam a amostra do estudo mais amplo. O acordo variou entre 65% e 79%, e as correlações de Pearson entre 87 e 95. Os desacordos foram alvo de discussão e decisão conjunta.

Considerações éticas

Este estudo recebeu o parecer positivo da Comissão de ética da Universidade a que pertencem as investigadoras. A par da autorização concedida pelas instituições e pelas escolas frequentadas pelas crianças, e da declaração de consentimento informado assinada pelos seus responsáveis legais, antes do início da entrevista, foi solicitada à criança a sua autorização para a administração dos instrumentos e para o registo videográfico das narrativas.

 

Resultados

Apresenta-se, agora, a síntese das narrativas construídas pelas duas crianças, para cada um dos inícios de histórias. Atranscrição integral das narrativas encontra-seem anexo.

Dor de cabeça da mãe: A. descreve um estado vago de bem-estar da criança protagonista, por estar a satisfazer o seu desejo de ver o programa de televisão com o amigo, não havendo ressonância emocional face ao estado de vulnerabilidade física da mãe, estando ausente a experiência emocional de empatia.

B. descreve a criança protagonista a permitir ao amigo que entre em casa, mas sugere-lhe que vejam televisão no quarto. Quando a entrevistadora o confronta com o facto de não haver televisão no quarto, mas apenas na sala, pergunta ao amigo se não podem ir para casa dele. Acresce que, no início da narrativa, o menino se sente aborrecido, porque a mãe está doente, e, no final, sente-se feliz, por não estar a aborrecer a mãe. Os estados emocionais descritos são enquadráveis na experiência emocional de empatia, dada a preocupação da criança de que a satisfação do seu desejo não perturbe a mãe, que se encontra doente.

Roubo do Chocolate: A. descreve um estado vago de mal-estar da criança protagonista, associado à perceção de ter tido um comportamento desadequado (i.e., o menino sente-se um 'bocadinho mal, porque está sempre a fazer asneiras'), o que constitui um exemplo da experiência emocional de culpa.

B. refere que a criança protagonista se sente triste, por 'estar a fazer aquilo', e a pedir desculpa à funcionária, o que é consonante com a experiência emocional de culpa, dado haver uma ressonância emocional negativa face à infração, a par de uma tentativa de minorar o impacto negativo desta (i.e., pedido de desculpa).

Passeio no Parque: A. descreve um estado emocional vago de bem-estar do protagonista, associado ao facto de a mãe o deixar subir e dar cambalhotas na rocha, mas não à perceção de ter sido bem-sucedido, não sendo, assim, enquadrável como experiência emocional de orgulho. Pelo contrário, a criança inclui na sua narrativa um conjunto de acontecimentos negativos e mesmo atípicos (i.e., a morte do protagonista).

B. refere que a criança protagonista se sente feliz, 'porque estava a ver uma paisagem linda'. Esta experiência emocional é positiva mas não é despoletada pela perceção de ter sido competente na subida à rocha, parecendo resultar da satisfação do desejo da criança e, portanto, não sendo congruente com a experiência emocional de orgulho.

Frasco das Bolachas: A. descreve a criança protagonista e o irmão mais novo a sentir-se mal, não decorrendo esta experiência emocional da denúncia do irmão mais novo, nem da perceção de ter desobedecido aos pais. A dificuldade na leitura do conflito justifica a ausência da experiência emocional de culpa, uma vez que esta requeriria a capacidade de perspetivar o comportamento do irmão como infringindo as diretrizes parentais.

B. descreve a criança protagonista a sentir-se triste e desanimada, porque infringiu a regra estabelecida pelos pais de não comer bolachas, durante a sua ausência, correspondendo esta experiência emocional à emoção de culpa.

Cozinhado/Penso: A. descreve a criança protagonista a experienciar mal-estar, por o pai se ter zangado, mas esta experiência não é enquadrável como culpa, já que não decorre da avaliação do comportamento como desadequado. Mais uma vez são descritos acontecimentos negativos e atípicos.

B. descreve a criança protagonista a confessar a infração e a sentir-se infeliz, por ter desobedecido ao pai. Quer a confissão, quer a experiência emocional negativa associada à perceção de ter infringido a regra estabelecida pelo pai, são enquadráveis na experiência emocional de culpa.

 

Discussão

A análise das narrativas das duas crianças permitiu identificar construções distintas, no que respeita às experiências emocionais imputadas às personagens. Essas diferenças são particularmente evidentes nas emoções de culpa e de empatia. Contudo, nem a emoção de vergonha, nem a emoção de orgulho, são incluídas pelas duas crianças nas suas narrativas. Analisamos de seguida com detalhe cada uma das emoções.

No que diz respeito à culpa, A. refere esta emoção em apenas uma das histórias (Roubo do chocolate), enquanto B. a descreve em três (Roubo do chocolate, Frasco de bolachas e Cozinhado/penso). Mais do que um maior número de referências à culpa, as narrativas de B. revelam o envolvimento da criança protagonista na correção do comportamento desadequado e das suas consequências. Por contraposição, nas narrativas de A., a única referência a esta emoção traduz-se no reconhecimento do mal-estar gerado pela perceção de que o comportamento entrou em rutura com as regras, sem haver, todavia, qualquer tentativa de reparaçãoda infração. As diferenças nas construções narrativas das duas crianças podem ser explicadas pelas suas histórias de vida familiar. B. vive numa família sem qualquer indicação de fatores de risco, enquanto A. tem uma história marcada pelo abuso físico e emocional e pela negligência. A quase ausência de referência à culpa pode ser explicada pelo facto de as práticas parentais marcadas pela rejeição, a crítica excessiva e a humilhação da criança, que pautam a parentalidade maltratante, tenderem a centrar-se no self global, e não no comportamento específico da criança, o que diminui a propensão para a culpa (Stuewig & McCloskey, 2005). Não obstante, as narrativas de B. corroboram o caráter adaptativo desta emoção, ilustrando a relação entre a culpa e a mobilização de ações corretivas (Lewis, 1992; Muris & Meesters, 2014).

Quanto à empatia, esta emoção não é incluída nas narrativas de A, enquanto B. a refere na história Dor de cabeça da mãe. Nesta narrativa, B. descreve a ressonância emocional do protagonista ao estado de vulnerabilidade da mãe, enquanto A. se centra na satisfação do seu desejo, secundarizando a necessidade expressa pela mãe. Mais uma vez podemos analisar estas diferenças nas construções narrativas através das experiências familiares das crianças. Quando existe mau trato, as interações das crianças com os pais são pautadas pela hostilidade, rejeição e punitividade excessivas, através das quais o adulto reforça o seu poder e controlo sobre a criança(Stuewig & McCloskey, 2005). Em interações desta natureza, o adulto tende a manter-se autocentrado e a não mobilizar esforços para atender aos desejos e necessidades da criança, restando pouco espaço para a tomada de perspetiva do outro. Tendo em conta o papel do adulto na capacidade de descodificar adequadamente a emoção do outro e de tomar a sua perspetiva, é compreensível a ausência de ressonância emocional da criança protagonista nas narrativas das crianças vítimas de mau trato. Este argumento é reforçado pelo facto de a investigação mostrar que as crianças maltratadas têm dificuldade em compreender as emoções do outro e percecionarem, frequentemente, de forma distorcida as situações em que o outro se encontra vulnerável (Main & George, 1985).

A experiência emocional de vergonha não é descrita nas narrativas de ambas as crianças. Esta ausência é, possivelmente, explicada pelo facto de, nas três histórias em que é esperado que esta emoção surja (i.e. Roubo do chocolate, Frasco das bolachas e Cozinhado/penso), também seja expectável a referência à culpa. Considerando que a vergonha consiste num processo autoavaliativo que se centra no self global e que a culpa é um processo autoavaliativo centrado no comportamento específico, é compreensível que a elicitação destas experiências funcione, tendencialmente, numa lógica de mútua exclusividade. Os inícios de histórias confrontam a criança com os comportamentos inadequados da personagem. Nas suas construções narrativas, as duas crianças "optaram" por atribuir esta infracção a um comportamento específico e não ao self global. Se a infração for atribuída ao self global, a criança tenderá a descrever a experiência de vergonha. Por oposição, se a criança atribuir esta infração a uma ação específica, tenderá a descrever a experiência de culpa. Neste sentido, a ausência da vergonha nas narrativas das duas crianças será explicada pelo facto de ambas atribuírem a infração a um comportamento específico. Por exemplo, na história Roubo do chocolate, ambas as crianças descrevem o comportamento desadequado da criança protagonista, fazendo uma atribuição específica, e não global, da transgressão.

Parece-nos que a ausência de referência à experiência emocional de orgulho nas narrativas das duas crianças é, porventura, explicada pelas caraterísticas da história Passeio no parque (que é supostamente elicitadora desta emoção), mais especificamente pelas suas instruções. Neste início de história, a entrevistadora descreve a criança protagonista a expressar o desejo de subir a uma rocha muito alta e a mãe a mostrar-se surpresa com este desejo e a adverti-la para ter cuidado. O posicionamento da mãe face ao desejo da criança é claramente ambivalente, dado que a surpresa expressa (i.e. 'Ah vais?!') é acompanhada por uma advertência ('mas tem cuidado!'), que induz a perceção de que a subida à rocha poderá ser perigosa. Assim, se, por um lado, a criança protagonista personifica uma situação de maestria de que pode resultar a experiência de orgulho, por outro, é apresentada uma situação de perigo que parece sobrepor-se à situação de mestria. Este argumento é suportado pelo facto de ambas as crianças descreverem o confronto com uma situação de perigo iminente, que coloca a personagem em risco, e pela ênfase conferida à experiência emocional positiva associada ao facto de a mãe ter autorizado a criança protagonista a satisfazer o seu desejo de subir à rocha. Embora as duas crianças refiram alguma experiência emocional positiva nas suas narrativas, não a atribuem à competência da criança protagonista em subir uma rocha. O facto de o orgulho não ser referido pelas duas crianças levantauma questão metodológica, que se prende com a adequação deste início de história para elicitar a experiência emocional de orgulho.

Em síntese, os inícios de histórias aqui apresentados permitiram perceber as diferentes formas de construção narrativa de duas crianças com histórias familiares divergentes. Os inícios de histórias mobilizados parecem ser adequados para elicitar as emoções de culpa e empatia. Relativamente à vergonha e ao orgulho, devem ser explorados outros inícios de histórias que potenciem a sua elicitação.

Este estudo ilustra as potencialidades dos inícios de histórias enquanto recurso a mobilizar no contexto da avaliação e intervenção clínica com crianças. Com efeito, os inícios de histórias permitem, não só aceder à construção emocional da criança sobre a realidade, como também compreender de que forma esta utiliza os seus recursos emocionais, cognitivos e sociais para gerir situações de interação problemáticas. Os inícios de histórias viabilizam, como ilustram as narrativas das duas crianças selecionadas para este estudo, a análise dos indicadores da competência emocional e dos conteúdos não usuais e atípicos, que se configuram como potenciais indicadores de vulnerabilidade na esfera socioemocional e/ou de psicopatologia.

O presente estudo aponta, também, para a necessidade de tornar os processos atribucionais e avaliativos em que se fundam as emoções autoconscientes, objeto de trabalho na intervenção clínica. Neste âmbito, afigura-se primordial ajudar a criança a tomar consciência das suas avaliações e atribuições potencialmente desadaptativas (e.g,atribuir o insucesso e as transgressões ao self global), a fim de desconstruir as crenças alicerçadas na autodepreciação, autocrítica exacerbada e defensividade. Esta intervenção orientada, num primeiro momento, para a promoção de mudanças periféricas, poderá permitir uma exploração, progressivamente mais aprofundada, das autorrepresentações, enquanto núcleo estruturante do funcionamento psicológico da criança.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail: marianals@netcabo.pt

Recebido em agosto de 2017
Aprovado em janeiro de 2018

 

 

1 Mariana Lopes Sousa: Professora Auxiliar na Universidade Lusíada - Norte (Porto), sendo responsável por Unidades Curriculares no âmbito da Licenciatura em Psicologia e do Mestrado em Psicologia Clínica. Integra a equipa do Centro de Investigação em Psicologia para o Desenvolvimento (CIPD) da Universidade Lusíada. Os seus interesses de investigação recaem sobre o desenvolvimento e ajustamento socioemocional de crianças e adolescentes com trajetórias típicas e atípicas de desenvolvimento, bem como sobre a avaliação e intervenção clínica com estas faixas etárias, tendo publicado artigos neste domínio. Exerce, também, atividade, como psicóloga clínica, no Serviço de Consulta Psicológica da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, integrando a equipa da Unidade de Consulta Psicológica com Crianças e Adolescentes. Neste contexto, o trabalho desenvolvido incide, preponderantemente, na avaliação e intervenção com crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem, dificuldades na regulação da atenção e do comportamento, perturbações emocionais, dificuldades relacionais, problemas de adaptação escolar e problemas de adaptação familiar.
2 Orlanda Maria Cruz: Professora Associada na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal, onde é codiretora do Programa Doutoral em Psicologia. é investigadora no Centro de Psicologia da Universidade do Porto, no qual coordena o grupo de investigação em Desenvolvimento e Educação. Realiza investigação no domínio da Psicologia do Desenvolvimento, da Psicologia da Parentalidade e da Educação Parental. é formadora acreditada em programas de nível 2, 3 e 4 do Triplo P, Programa de Parentalidade Positiva.

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