SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.51 issue1-2Playing in the process of elaboration of maternal separation in Child Education author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas Jan./Dec. 2018

 

ARTIGO INTERNACIONAL - PROSAÚDE

 

Intervenção antibullying proposta por enfermeiros: elaboração e validação pelo método Delphi

 

Program of intervention antibullying developed by nurses: proposal and validation through the Delphi method

 

 

Andréa Cristina Mariano Yoshinaga1,I; Beatriz Oliveira Pereira2,I; Wanderlei Abadio de Oliveira3,I; Isis Pires Gonçalves4,II; Miyeko Hayashida5,I; Marta Angélica Iossi Silva6,I

IEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto
IIUniversidade de Franca

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou descrever a validação de conteúdo de uma intervenção antibullying a ser desenvolvida por enfermeiros no contexto escolar. O Programa de Intervenção e Educação em Saúde antibullying (PIESA) foi elaborado com base em evidências presentes na literatura nacional e internacional. O método Delphi foi empregado para a validação do programa. Participaram da validação 11 enfermeiros especialistas em violência escolar e bullying. Os resultados indicaram que na primeira rodada os especialistas apresentaram 100% de consenso para a maioria dos domínios e recomendações que compunham o PIESA. Mesmo o domínio referente à participação do enfermeiro no planejamento escolar, que obteve concordância parcial, ficou acima de 80% de consenso. Conclui-se que o programa proposto abrange as possibilidades de atuação do enfermeiro na prevenção e enfrentamento do bullying escolar.

Palavras-chave: Enfermagem; bullying; Saúde escolar


ABSTRACT

The aim of this study was to describe content validation of an anti-bullying intervention to be conducted by nurses within the school context. The Anti-bullying Health Intervention and Education Program (AHIEP) was elaborated considering evidences from national and international literature. The Delphi method was used to validate the program. A total of 11 nurses specialized on school violence and bullying participated on the study. The results indicated that at the first round the specialists agreed on 100% to the majority of the domains and recommendations that formed the AHIEP. Even the domain concerning the participation of the nurse at the school’s planning, which presented partial agreement, was above 80% agreement between the specialists. It is possible to conclude that the proposed program covers the possibilities of action of the nurse to prevent and confront bullying in a school environment.

Keywords: Nursing; Bullying; School Health.


 

 

Introdução

O bullying é uma forma de violência entre pares caracterizada pela ausência de motivação evidente e pela repetitividade das agressões que podem ocorrer por longos períodos de tempo. As agressões praticadas no bullying assumem a forma de xingamentos, ameaças, constrangimentos, empurrões, insultos, humilhações, hostilidades entre outras. Trata-se de um fenômeno que com consequências para os estudantes vítimas que podem apresentar sentimentos negativos, baixo desempenho escolar, problemas psicológicos, ideação suicida, entre outros (Jenson, Brisson, Bender, & Williford, 2013; Espelage, Low, Polanin, & Brown, 2013). Os agressores podem desenvolver conduta infracional, se envolverem em violência doméstica ou abusarem de álcool e outras drogas na adolescência ou idade adulta (Jenson et al., 2013; Espelage et al., 2013). A quantidade de estudantes que sofrem ou praticam bullying no Brasil é de aproximadamente 28% (Oliveira et al., 2016), o que o configura como problema de saúde pública, considerando-se também as consequências negativas que ele proporciona ao desenvolvimento dos estudantes. Assim, intervenções devem ser realizadas, com vistas a reduzir a sua a ocorrência nas escolas, bem como preveni-lo.

Como os enfermeiros são profissionais que realizam atividades de promoção de saúde nas escolas e ações de prevenção e enfrentamento da violência escolar, foi elaborado um programa interventivo que pudesse ser desenvolvidos por esses profissionais. A intervenção intitulada Programa de Intervenção e Educação em Saúde antibullying (PIESA) passou por um processo de validação que será apresentado neste estudo. O programa foi desenvolvido de modo a abranger a participação da gestão escolar, proporcionar espaços para os estudantes discutirem o bullying e se conscientizarem dos aspectos prejudiciais que ele apresenta à boa convivência, bem abrir espaço para a articulação intersetorial com a rede socioassistencial presente no município e com o setor saúde particularmente (Pereira, 2008).

É importante destacar que, na atualidade, o enfermeiro vem se destacando no tocante à adoção de práticas proativas de identificação de necessidades e cuidados da população, visando à promoção, educação e proteção da saúde individual e coletiva (Durand & Heidemann, 2013). Nesse contexto, delineia-se com maior nitidez o modo como os enfermeiros podem atuar nas escolas, especialmente em relação à prevenção e redução do bullying, bem como de suas consequências. De modo geral, existem duas vertentes que pautam as intervenções antibullying existentes, sendo uma delas aquela que o considera circunscrito ao ambiente escolar. A outra vertente o compreende relacionado a contextos mais amplos na comunidade local e sociedade em geral, localizando as suas origens e desdobramentos além das relações individuais ou escolares unicamente (Pereira, Costa, Melim & Farenzena, 2011). Nessa segunda vertente se ancora os princípios que nortearam a elaboração do programa PIESA a ser desenvolvido por enfermeiros.

No âmbito internacional, existem diversas intervenções antibullying, que são realizadas em escolas. Todavia, destaca-se uma quase inexistência de iniciativas desenvolvidas com a participação de enfermeiros, especialmente para o cenário da América Latina e Brasil, e que podem servir de modelo para outros contextos (Ttofi & Farrington, 2011; Silva et al., 2017a). A literatura recomenda um trabalho cooperativo com a comunidade local, com foco em ações preventivas que visem a melhoria da convivência dos estudantes nas salas de aula e nos recreios escolares. Importante que as atividades envolvam trabalho cooperativo e educativo em grupo, bem como a atuação conjunta de professores, famílias e estudantes, de modo a se proporcionar e reforçar continuamente a boa convivência e a cultura de não violência no ambiente escolar, por meio de abordagens psicoeducacional e sociocognitiva (Jenson et al., 2013; Espelage et al., 2013; Pereira et al., 2011; Busch, De Leeuw, & Schrijvers, 2013; Silva et al., 2017b).

Como se pode depreender, a realização de intervenções mais abrangentes, envolvendo diferentes sujeitos e instituições requer maior diversidade nos métodos empregados que, podem incluir desde a realização de grupos terapêuticos e métodos interativos de aprendizagem auxiliados por materiais de aprendizagem virtual a softwares educacionais, por exemplo (Espelage et al., 2013; Busch et al., 2013). O fundamental é que os métodos sejam participativos e envolventes, capazes de motivarem os participantes a prevenirem ou reduzirem as situações de violência e bullying na escola (Mendes, 2011; Espelage et al., 2013; Pereira et al., 2011; Busch et al., 2013; Silva, Silva, Pereira, Oliveira & Medeiros, 2014).

A atuação do enfermeiro perante as situações de bullying escolar é um importante aliado da educação na medida em que esse profissional pode intervir tanto no âmbito das unidades de saúde, na atenção integral às crianças e aos adolescentes ou no contexto escolar, com ações referenciadas pela promoção e educação em saúde (Mendes, 2011; Silva et al., 2014). Nesse sentido, considerando a relevância da atuação do enfermeiro no tocante a bullying escolar, elencou-se as seguintes questões de investigação: o programa de intervenção – PIESA – atende as prerrogativas e as possibilidades de atuação do enfermeiro na escola? As ações propostas podem contribuir para a minimização e prevenção do bullying no contexto escolar? Assim, o presente estudo objetivou descrever a validação de conteúdo de uma intervenção antibullying a ser desenvolvida por enfermeiros no contexto escolar.

 

Método

Inicialmente a realização do estudo foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), parecer 032/2014. Em todas as suas etapas foram atendidas as exigências da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Todos os participantes convidados receberam informações detalhadas sobre a pesquisa e aqueles que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

O desenvolvimento do estudo seguiu duas etapas: 1) elaboração da proposta de um programa de intervenção antibullying a ser desenvolvido por enfermeiros no ambiente escolar, seguindo os pressupostos da técnica Delphi; 2) validação, por especialistas, da pertinência/coerência dos domínios e recomendações que compõem o programa.

O programa interventivo foi delineado com base em indicações da literatura nacional e internacional (Smith, Ananiadou, & Cowie, 2003; Pereira, 2008; Olweus & Limber, 2010; Mendes, 2011; Pereira et al., 2011). A proposta abrange ações voltadas à gestão escolar, propõe espaços de discussão do bullying a partir do projeto educativo das escolas, se ancora em atividades interativas e lúdicas no trabalho educativo, e recomenda a articulação com outros serviços e setores da rede socioassistencial. Não houve estudos-pilotos ou pré-testes nessa etapa da investigação.

O PIESA é composto por 25 recomendações distribuídas em seis domínios fundamentais I – Envolvimento da equipe gestora da escola e inclusão da temática bullying no Plano de Gestão Escolar; II – Capacitação de diretores, coordenadores pedagógicos, professores e demais membros da equipe escolar acerca da temática bullying; III – Envolvimento das famílias (pais ou responsáveis); IV – Intervenção nas turmas; V – Ambiência – Intervenção no ambiente; VI – Intervenção com os estudantes agressores e/ou vítimas. A mensuração do consenso dos especialistas em relação aos domínios e recomendações ocorreu por meio de respostas do tipo Likert em escala de cinco pontos, que variava de discordo totalmente a concordo totalmente.

A seleção dos participantes ocorreu mediante consulta a sites de instituições de educação, além de pesquisa na Plataforma Lattes. A seleção dos participantes (especialistas enfermeiros, que pesquisam e/ou trabalham com saúde escolar, violência e/ou bullying escolar) foi por conveniência, e eles foram contatados via email para aderirem ao estudo. Os critérios utilizados para definir um especialista enfermeiro nas áreas de interesse foram: a) atuação na saúde básica e no desenvolvimento do Programa Saúde na Escola; b) pesquisador com dissertação ou tese sobre bullying ou com temas transversais; e c) professores e pesquisadores com publicações científicas na área. No total, foram identificados e convidados 30 enfermeiros, contudo somente 11 aceitaram participar do estudo.

A elaboração da intervenção com base no consenso entre os especialistas, mediante a utilização da técnica ou método Delphi, envolveu uma avaliação prospectiva e consensual de tendências dos especialistas na temática violência escolar e bullying (Rozados, 2015). Esse método é recomendado diante da necessidade de abordagem multidisciplinar ou frente à inexistência de consenso em determinado assunto, configurando-se, portanto, como um dos melhores instrumentos de previsão avaliativa (Alvarenga, Carvalho, & Escária, 2007; Rozados, 2015). É importante destacar que o pesquisador necessita estabelecer o nível de consenso antes da análise dos dados coletados (Scarparo et al., 2012). Desse modo, considerou-se com alto grau de consenso quanto à relevância, os componentes com pontuação igual ou superior a 80% do valor máximo alcançado.

Em conformidade com os pressupostos metodológicos da técnica Delphi, foram propostas duas rodadas de avaliação, uma vez que a literatura científica indica que se na segunda rodada se observa o nível de consenso estabelecido, torna-se dispensável realizar uma terceira rodada. Para além deste aspecto, aponta-se que, no mínimo, são necessárias duas rodadas para caracterizar o processo Delphi, sendo raros os exemplos de estudos com mais de três rodadas do instrumento de análise (Rozados, 2015). Neste estudo, a primeira rodada ocorreu entre os meses de março e julho de 2014. Nela foi enviado aos especialistas o instrumento com os domínios e as recomendações do PIESA, para a avaliação quanto à coerência/pertinência. A segunda rodada de avaliação, por sua vez, ocorreu entre os meses de outubro de 2014 e fevereiro de 2015. Nela foram enviadas as recomendações que não obtiveram o mínimo de 80% de consenso entre os especialistas, na primeira rodada, junto às evidências científicas nacionais e internacionais.

Os itens foram avaliados individualmente por proporções de respostas e pelo Índice de Validade de Conteúdo (IVC). Considerou-se como alto grau de consenso percentual acima de 80% pela técnica Delphi e de concordância mínima de 0,80 para o IVC (Alexandre & Coluci, 2011). Ao se considerar o instrumento como um todo, para o cálculo do IVC, somaram-se todos os IVCs obtidos para cada item e foram divididos pelo número total de itens; adotando-se a recomendação de se obter um índice superior a 0,78 (Alexandre & Coluci, 2011). As variáveis do instrumento foram inseridas em banco de dados no programa Excel e foi validado posteriormente por dupla digitação. Os dados foram exportados para análise no programa Statistical Package for Social Science® (SPSS), versão 16.0. Para fins de cálculo do IVC, dividiu-se o número de respostas com os escores 4 e 5 pelo número total de respostas para cada item individualmente.

 

Resultados

O grupo de especialistas participantes do estudo foi constituído por 11 enfermeiros, sendo nove enfermeiras e dois enfermeiros dos seguintes Estados brasileiros: Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia e São Paulo. Todos eram pesquisadores e/ou trabalhavam com saúde escolar, violência e/ou bullying escolar. Dois eram professores livre-docentes, oito, doutores, e um era mestre. Profissionalmente, nove atuavam em instituições públicas de ensino superior e dois no setor privado. Sete eram pesquisadores e/ou trabalhavam com o fenômeno há mais de doze anos e quatro abordam essas temáticas há, pelo menos, dois anos, nas instituições de ensino. Esses participantes foram envolvidos em duas rodadas de coleta de dados que compõem os resultados do estudo.

Primeira rodada

A primeira rodada objetivou avaliar a pertinência dos domínios e das recomendações que compunham o PIESA. Nessa etapa, utilizou-se um instrumento com escala do tipo Likert. Entretanto, ele também continha um espaço ao final de cada domínio para o preenchimento de sugestões e contribuições que os especialistas julgassem pertinentes. No tocante à composição do PIESA, especificamente em relação aos seus domínios, os resultados decorrentes da primeira rodada são apresentados na Tabela 1, e os resultados referentes às recomendações, na Tabela 2.

 

 

 

Os resultados indicaram uma concordância de 100% entre os especialistas para a maioria dos domínios, exceto para os domínios 5 e 6 que resultaram em concordância parcial. Todavia, ainda assim, manteve um grau elevado de consenso em relação à sua relevância, isto é, acima de 80%, conforme demonstrado na Tabela 1.

As recomendações que integram o PIESA tiveram elevado nível de consenso entre os especialistas, atingindo o percentual mínimo de 80%, com exceção da recomendação 1.3 – Inserir a participação do enfermeiro no Planejamento Escolar. Como apresentado na Tabela 2, 18,2% dos especialistas concordaram parcialmente e 9,1% discordaram parcialmente.

Nesta rodada, as sugestões e contribuições dos especialistas referentes aos domínios e às recomendações propostas no PIESA estão apresentadas na Figura 1.

 

 

Os resultados decorrentes da primeira rodada do método Delphi, foram analisados, e a recomendação que não obteve o consenso mínimo de 80% foi reenviada aos especialistas fundamentada em evidências científicas nacionais e internacionais, como subsídio para os mesmos, atendendo ao rigor metodológico estabelecido pela técnica Delphi. Desse modo, dentre os 11 participantes, dez (90,9% e IVC 0,91) concordaram totalmente com a adequação da recomendação compor o programa de intervenção antibullying no contexto escolar. Ao final, o instrumento como um todo apresentou IVC de 0,97.

 

Discussão

Evidenciou-se que convergência da concordância dos especialistas com a maioria dos domínios e recomendações do programa antibullying PIESA indica que ele atende às perspectivas de uma intervenção a ser desenvolvido pelo profissional enfermeiro. Em relação ao papel deste na escola, alinhado à sua atuação na atenção básica na abordagem do fenômeno investigado, observa-se a importância da construção de uma perspectiva interdisciplinar, intersetorial e baseada em evidências, além de detectar como melhor trabalhar o bullying com os estudantes, nas famílias e na comunidade (Lopez, Amaral, Ferreira, & Barroso, 2011; Silva et al., 2014; Heidemann, Wosny, & Boehs, 2014; Silva et al., 2017a). A atuação do enfermeiro, nessa direção, perpassa saberes que consideram as inter-relações e a dinâmica coletivo-social de todos os envolvidos (Durand & Heidemann, 2013; Heidemann et al., 2014). Trata-se de um agir ativo e participativo, em especial, no planejamento escolar, pois esse instrumento permite a identificação precoce pela escola de situações emergentes relacionadas às necessidades de saúde dos educandos. O enfermeiro pode, por exemplo, participar do planejamento escolar, considerando a necessidade da inserção de temas transversais no projeto político-pedagógico da escola, uma vez que estes possuem uma relação direta com as questões sociais e de saúde da população (Heidemann et al., 2014).

Nesse panorama, a atuação do enfermeiro no âmbito das escolas brasileira possui respaldo nas diretrizes e proposições do Programa Saúde na Escola (PSE) (Brasil, 2007). Trata-se de um programa interministerial entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, constituindo-se como uma estratégia articuladora de políticas e ações de educação e de saúde, com foco na promoção da saúde de crianças e adolescentes em idade escolar e envolvendo a participação da comunidade escolar e equipes de saúde da família. Entre as ações do PSE encontram-se aquelas destinadas à redução das violências e à promoção de cultura de paz, articulando os setores saúde e educação (Brasil, 2007).

É nesse campo de inserção e atuação que se potencializa a intersetorialidade, compreendida enquanto intercâmbio e complementação de saberes por profissionais de diferentes áreas que atuam em parceria, visando a identificação de problemas e possibilidades de resolução para os mesmos. A intersetorialidade, portanto, pressupõe o desenvolvimento de ações que visem à promoção de impactos positivos na vida dos indivíduos e comunidades, potencializando processos de mudanças e desenvolvimento pessoal, social e comunitário (Dias, Parente, Vasconcelos, & Dias, 2014).

Juntamente com os profissionais da equipe escolar, os enfermeiros podem, ainda, contribuir na orientação e ambientação dos recreios escolares. Tal medida é capaz de atribuir novos significados aos espaços ocupados pelos alunos, tornando-os ambientes sociáveis e não violentos, como ressaltado pela literatura (Lopez et al., 2011). Para tanto, podem ser reconfigurados os espaços de convivência comum, para serem aproveitados por diferentes faixas etárias, por exemplo, além de equipá-los com recursos que facilitem jogo e brincadeiras (cordas de pular, tênis de mesa, pebolim, bolas de futebol e voleibol).

Considerando a magnitude e os resultados apresentados nos atuais estudos sobre bullying escolar (Mendes, 2011; Silva et al., 2014; Silva et al., 2017a), ressaltamos que a área da saúde, especialmente a enfermagem, enquanto uma prática social, deva estabelecer uma dimensão cuidadora na perspectiva da promoção à saúde individual e coletiva, mediante a prática interdisciplinar e intersetorial. Percebe-se, dessa forma, com este estudo, que o enfermeiro pode e deve ser um articulador em relação a estratégias de educação em saúde na escola, para atuar na redução e prevenção do bullying. De acordo com Mendes (2011), o bullying pode ser abordado a partir da inserção do enfermeiro em uma equipe multiprofissional, já que possui uma relação privilegiada com a criança, o adolescente, a família e a sociedade, possuindo, assim, a capacidade da identificação precoce de situações que possam afetar a saúde do escolar e consequentemente a qualidade de vida quando envolvido em violência escolar.

Sugere-se que estudos sejam realizados com enfermeiros vinculados às equipes de saúde, visando a avaliação de programas interventivos relacionados à violência escolar e ao bullying, projetos que envolvam a participação conjunta da escola, dos serviços de saúde, das famílias e das comunidades. Seria fundamental também a abertura à investigação das percepções das equipes de saúde, mediante estudos qualitativos, sobre possibilidades de atuação na prevenção da violência escolar, particularmente o bullying.

 

Considerações finais

Os resultados deste estudo representam concretamente uma possibilidade de atuação do enfermeiro no contexto escolar, com base no consenso dos especialistas em relação ao programa PIESA. Os domínios e as recomendações do programa na perspectiva dos especialistas sinalizam a sua adequação na abordagem do fenômeno bullying de forma holística, envolvendo a participação de estudantes, famílias e toda a equipe escolar na prevenção e minimização desse fenômeno na escola.

Ressalta-se ainda a relevância de se pautar a intervenção em uma perspectiva de educação dialógica, crítica e reflexiva, fundamentando-a em metodologias ativas que possibilitem uma vivência participativa de todos os envolvidos no processo interventivo e, consequentemente, o desenvolvimento de uma postura proativa, crítica e emancipatória dos estudantes no enfrentamento das situações do bullying escolar.

Concluiu-se que o método Delphi é uma ferramenta adequada para determinar o papel dos enfermeiros em intervenções antibullying como proposto, contudo algumas limitações do estudo devem ser observadas. Em primeiro lugar, a inclusão apenas de enfermeiros impede inferências avaliativas de outras áreas e profissões sobre o fazer desse profissional nas escolas. Em segundo lugar, a falta de informações nos sites das universidades privadas, por exemplo, sobre as áreas de atuação de seus docentes dificultou a identificação de outros especialistas (enfermeiros que pesquisavam e/ou trabalhavam com saúde escolar, violência e/ou bullying escolar). Por fim, ressalta-se a limitação metodológica do estudo, uma vez que não foi realizado estudo-piloto da intervenção proposta, partindo-se primeiramente da avaliação da proposta em si junto aos especialistas.

 

Referências

Alexandre, N. M. C., & Coluci, M. Z. O. (2011). Validade de conteúdo nos processos de construção e adaptação de instrumentos de medidas. Ciência & Saúde Coletiva, 16(7), 3061-3068.         [ Links ]

Alvarenga, A., Carvalho, P. S., & Escária, S. C. (2007). Delphi – método e aplicações. Departamento de Prospectiva e Planeamento e Relações Internacionais. Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional. Lisboa. Disponível em:. Acesso em: 15 de maio de 2012.         [ Links ]

Brasil, (2007). Decreto-Lei n. 6.286 de 05 de Dezembro. Diário Oficial da União, Seção 1, p.2. Institui o Programa Saúde na Escola – PSE e dá outras providências. Brasília, Brasil.         [ Links ]

Busch, V., De Leeuw, R. J., & Schrijvers, A. J. (2013). Results of a multibehavioral health-promoting school pilot intervention in a Dutch secondary school. Journal of Adolescent Health, 52(4), 400-406.         [ Links ]

Dias, M. S. A., Parente, J. R. F., Vasconcelos, M. I. O., & Dias, F. A. C. (2014) Intersetorialidade e Estratégia Saúde da Família: tudo ou quase nada a ver?. Ciência & Saúde Coletiva, 19(11), 4371-4382.         [ Links ]

Durand, M. K., & Heidemann, I. T. S. B. (2013). Promoção da autonomia da mulher na consulta de enfermagem em saúde da família. Revista da Escola de Enfermagem USP, 47(2), 288-295.         [ Links ]

Espelage, D. L., Low, S., Polanin, J. R., & Brown, E. C. (2013). The impact of a middle school program to reduce aggression, victimization, and sexual violence. J Adolesc Health, 53(2), 180-186.         [ Links ]

Heidemann, I. T. S. B., Wosny, A. M., & Boehs, A. E. (2014). Promoção da saúde na atenção básica: estudo baseado no método de Paulo Freire. Ciência & Saúde Coletiva, 19(8), 3553-3559.         [ Links ]

Jenson, J. M., Brisson, D., Bender, K. A., & Williford, A. P. (2013). Effects of the Youth Matters prevention program on patterns of bullying and victimization in elementary and middle school. Social Work Research, 37(3), 261-272.         [ Links ]

Lopez, R., Amaral, A. F., Ferreira, J., & Barroso, T. (2011). Fatores implicados no fenómeno de bullying em contexto escolar: revisão integrada da literatura. Revista de Enfermagem Referência, serIII(5), 153-162.         [ Links ]

Mendes, C. S. (2011). Prevenção da violência escolar: avaliação de um programa de intervenção. Revista da Escola de Enfermagem USP, 45(3), 582-588.         [ Links ]

Oliveira, W. A., Silva, M. A. I., Silva, J. L., Mello, F. C. M., Prado, R. R., & Malta, D. C. (2016). Associations between the practice of bullying and individual and contextual variables from the aggressors’ perspective. Jornal de Pediatria, 92(1), 32-9.         [ Links ]

Olweus, D., & Limber, S. P. (2010). Bullying in school: Evaluation and dissemination of the Olweus Bullying Prevention Program. American Journal of Orthopsychiatry, 80(1), 124-134.         [ Links ]

Pereira, B. O. (2008). Para uma escola sem violência. Estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças (2ªed.). Lisboa, Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian, Ministério da Ciência e da Tecnologia. Fundação para a Ciência e Tecnologia.         [ Links ]

Pereira, B. O., Costa, P., Melim, F. M., & Farenzena, R. (2011). Bullying escolar: programas de intervenção preventiva. In Gisi, M. L., Ens, editoras. Bullying nas escolas: estratégias de intervenção e formação de professores. Curitiba: Ed. Unijuí, 135-155.         [ Links ]

Rozados, H. B. F. (2015). O uso da técnica Delphi como alternativa metodológica para a área da Ciência da Informação. Em Questão, Porto Alegre, 21(3), 64-86.         [ Links ]

Scarparo, A. F., Laus, A. M., Azevedo, A. L. C. S., Freitas, M. R. I. de, Gabriel, C. S., & Chaves, L. D. P. (2012) Reflections on the use of Delphi technique in research in nursing. Revista Rene,13(1),242-251.         [ Links ]

Silva, J., L., Oliveira, W. A., Mello, F. C. M., Andrade, L. S., Bazon, M. R., & Silva, M. A. I. (2017b). Revisão sistemática da literatura sobre intervenções antibullying em escolas. Ciência & Saúde Coletiva, 22(7), 2329-2340.         [ Links ]

Silva, M. A. I., Monteiro, E. M. L. M., Braga, I. F., Ferriani, M. G. C. B., Pereira, B., Oliveira, W. A. (2017a). Antibullying interventions developed by nurses: integrative review. Enfermeira Global, 48, 563-576.         [ Links ]

Silva, M. A. I., Monteiro, E. M. L. M., Braga, I. F., Ferriani, M. das G. B. de C., Pereira, B., & Oliveira, W. A. de (2017). Intervenciones antibullying desarrolladas por enfermeros: revisión integradora de la literatura. Enfermería Global, 16, 532-547.         [ Links ]

Silva, M. A. I., Silva, J. L., Pereira, B. O., Oliveira, W. A., & Medeiros, M. (2014). The view of teachers on bullying and implications for nursing. Revista da Escola de Enfermagem USP, 48(4), 723-730.         [ Links ]

Smith, P., Ananiadou, K., & Cowie, H. (2003). Interventions to reduce school bullying. Can J Psychiatry, 48(9), 591-599.         [ Links ]

Ttofi, M. M., & Farrington, D. P. (2011). Effectiveness of school-based programs to reduce bullying: a systematic and meta-analytic review. J. Exp. Criminol. 7(1):27–56.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: maiossi@eerp.usp.br

Recebido em setembro de 2018
Aprovado em novembro de 2018

 

 

1 Andréa Cristina Mariano Yoshinaga: Enfermeira. Mestre em Ciências. Programa de Pós-Graduação – Enfermagem em Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2 Beatriz Oliveira Pereira: Licenciada em Educação Física. Professora Catedrática. Doutora em Estudos da Criança. Instituto de Educação, Centro de Investigação em Estudos da Criança, Universidade do Minho, Braga, Portugal.
3 Wanderlei Abadio de Oliveira: Psicólogo. Doutor em Ciências. Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.
4 Isis Pires Gonçalves: Psicóloga. Mestranda em Promoção de Saúde na Universidade de Franca, Franca, SP, Brasil.
5 Miyeko Hayashida: Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Especialista em Laboratório da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
6 Marta Angélica Iossi Silva: Enfermeira. Professora Associada. Doutora em Saúde Pública. Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública Escola da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Av. Bandeirantes, 3900, Monte Alegre, Campus USP. CEP14040-902. Telefone (16) 3315-3413.

Creative Commons License