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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PSICOLOGIA

 

A presença de sintomas psicopatológicos em crianças e responsáveis que procuram psicoterapia infantil

 

The presence of psychopathological symptoms in children and caregivers who seek child psychotherapy

 

 

Victoria Deluca1,I, II ; Camila Bosse Paiva Antoniutti2,I, III ; Natália Boff3,I; Thaís Landenberger4,I; Irani Iracema de Lima Argimon5, I; Margareth da Silva Oliveira6, I

IPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)
II
Wainer Psicologia (Porto Alegre)
III
InTCC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Diversos sintomas psiquiátricos têm seu início na infância, podendo persistir como transtorno na adultez. Portanto, questionam-se quais sintomas estão presentes em crianças que procuram por psicoterapia infantil e se seus responsáveis também possuem alguma sintomatologia clínica. Este é um estudo quantitativo, descritivo e com delineamento transversal. Foram incluídos neste estudo 48 crianças de 8 a 12 anos e 44 responsáveis que se fizeram presentes durante o atendimento psicológico, os quais responderam aos questionários Child Behavior Checklist (CBCL/6-18) e Adult Self-Report (ASR). Constatou-se que as crianças apresentaram sintomatologias relacionadas a transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, problemas de atenção, problemas internalizantes e externalizantes. Nos responsáveis, observaram-se sintomas relacionados à ansiedade e problemas internalizantes. Este estudo aponta sintomatologias psiquiátricas observadas em crianças e seus cuidadores, bem como destaca a importância da identificação destes sintomas clínicos, visando futuros estudos que ampliem conhecimentos para modelos de intervenções que atendem a essas demandas.

Palavras-chave: psicologia da criança; cuidadores; sinais e sintomas.


ABSTRACT

Several psychiatric symptoms have their onset in childhood and may persist as a disorder in adulthood. Therefore, we questioned what symptoms are present in children who seek for child psychotherapy and if those responsible also have clinical symptomatology. This is a quantitative, descriptive and cross-sectional research. This study included 48 children aged 8 to 12 years old and 44 caregivers who were present during the psychological care, who answered the questionnaire Child Behavior Checklist (CBCL/6-18) and Adult Self-Report (ASR). It was verified that the children presented symptoms related to post-traumatic stress disorder, anxiety, depression, attention problems, internalizing and externalizing problems. In those caregivers, were observed symptoms related to anxiety and internalizing problems. This study highlights the importance of identifying clinical symptoms in childhood and in their caregivers for future studies, as well as expanding knowledge to models of interventions that meet these demands.

Keywords: psychology of the child; caregivers; signals and symptons.


 

 

Introdução

O estudo da psicopatologia na infância engloba o entendimento e a diferenciação de comportamentos esperados e clínicos, as características relacionadas às etapas do desenvolvimento infantil, os fatores genéticos e ambientais implicados, além dos fatores de risco e proteção para a ocorrência de um transtorno mental. Dessa forma, ao avaliar transtornos mentais infantis, espera-se que o terapeuta leve em conta estes fatores a fim de diagnosticar e avaliar o melhor tratamento ou encaminhamento para cada criança (Dutra & Serra, 2017).

As demandas da infância exigem que pais e profissionais estejam atualizados sobre novos aspectos destas faixas etárias, a fim de responderem às necessidades destas. Entretanto, não são apenas os pais e profissionais que experimentam situações desafiadoras nessa fase, as próprias crianças também vivem experiências complexas como: serem pressionadas por diversos tipos de grupos; perceberem regras contraditórias na escola e na família; conviverem com diferentes valores e confrontarem-se com uma realidade violenta exibida diariamente pelos meios de comunicação que podem influenciar em um possível desenvolvimento de psicopatologias (Del Prette & Del Prette, 2013).

Após os transtornos de déficit de atenção/hiperatividade e de conduta, o modo mais predominante de psicopatologia em crianças e adolescentes é configurado pelo grupo dos transtornos de ansiedade (ansiedade de separação, transtorno do pânico, transtorno de ansiedade social, ansiedade generalizada, transtorno de estresse pós-traumático e transtorno obsessivo-compulsivo). Dados epidemiológicos estimam uma prevalência de 10% a 20% destes transtornos no público infantil (Asbahr, 2004; World Health Organization [WHO], 2016).

Segundo dados da World Health Organization (WHO, 2004), verifica-se que cerca de 450 milhões de pessoas sofrem de algum transtorno mental e, a cada quatro pessoas, uma irá desenvolver um ou mais destes durante a vida. Tratando-se da infância no contexto brasileiro, o estudo de Fleitlich-Bilyk e Goodman (2004), realizado no sudeste do Brasil, identificou que uma em cada oito crianças desenvolve algum transtorno psiquiátrico.

Cerca de 75% dos casos de transtornos mentais na infância e adolescência não recebem tratamento e esses números tendem a ser ainda maiores em países em desenvolvimento (WHO, 2001). Muitas vezes, a ausência de tratamento está relacionada a uma dificuldade de se realizar o diagnóstico. Esta problemática pode estar associada à idade, por vezes muito precoce do paciente; à heterogeneidade da manifestação dos sintomas; e/ou à presença não incomum de comorbidades relacionadas (Gauy & Rocha, 2014).

Uma revisão sistemática mostrou diversos estudos que apontam a importância da identificação de sintomas precocemente, o que pode contribuir para a não progressão de sintomas na vida adulta (Autuori, 2018; Copeland, Angold, Shanahan & Costello, 2014; Manfro, Isolan, Blaya, Santos & Silva, 2002). Estes dados salientam a necessidade de se conhecer quais sintomatologias são mais presentes nesta faixa etária para se intervir precocemente.

No atendimento do público infantil, a presença de um responsável é imprescindível no primeiro contato, pois auxiliará a elucidar o motivo da busca por ajuda (Moura & Venturelli, 2004). Comumente, as crianças são levadas para tratamento pelos seus responsáveis devido a problemas que elas podem ou não reconhecer que estejam vivenciando. Além disso, a experiência clínica sugere que, frequentemente, as crianças são aconselhadas a irem para terapia porque suas dificuldades psicológicas estão gerando problemas para algum sistema como, por exemplo, o famíliar (Friedberg & McClure, 2004).

O componente familiar tem sido estudado como um fator de risco para o desenvolvimento de transtornos mentais na infância. No estudo de Asbahr (2004) observou-se que ter pais com algum transtorno de ansiedade ou depressão pode ser indicativo de possíveis transtornos na infância. Outro estudo, com objetivo de verificar fatores de risco para problemas de saúde em escolares e sua relação com crenças e práticas educativas dos pais/cuidadores, identificou que ter pais/cuidadores com problemas de saúde mental é um fator de risco para diversos desfechos clínicos (Vitolo, Fleitlich-Bilyk, Goodman & Bordin, 2005).

As dificuldades comportamentais e emocionais que se associam a diferentes transtornos psicológicos e que podem se manifestar como dificuldades interpessoais na infância, são classificadas, na psicopatologia infantil, em dois grandes grupos. Os externalizantes são aqueles que se expressam prevalentemente em relação a outras pessoas. Os internalizantes se expressam prevalentemente em relação ao próprio indivíduo (Achenbach & Edelbrock, 1978; Del Prette & Del Prette, 2013)

Segundo Del Prette e Del Prette (2013), os problemas externalizantes são mais comuns em transtornos que envolvam agressividade física e/ou verbal, condutas opositoras ou desafiantes, comportamentos antissociais como mentir e roubar e comportamentos de risco como uso de substâncias psicoativas. Já os internalizantes são mais facilmente reconhecidos em transtornos como depressão, isolamento social, ansiedade e fobia social (Del Prette & Del Prette 2013).

As dificuldades interpessoais que são características tanto dos problemas internalizantes e externalizantes, podem ter repercussões prejudiciais para o desenvolvimento saudável. Entretanto, verifica-se maior preocupação por parte de pais e educadores com as crianças que manifestam dificuldades externalizantes. Este dado é mais recorrente, possivelmente, pelo fato de ser mais fácil identificar tais características em crianças que exteriorizam seus comportamentos como, por exemplo, através da agressividade (Del Prette & Del Prette, 2013).

Tendo estes dados em vista, percebe-se a necessidade de aprofundar estudos que busquem compreender a psicopatologia na população infantil, a fim de identificar estratégias de cuidado e medidas preventivas para pais, professores e terapeutas. Dessa forma, este estudo visa mapear os sintomas presentes em crianças de 8 a 12 anos que buscaram atendimento psicológico em um serviço universitário, bem como, avaliar a presença de sintomas psicopatólogicos em seus cuidadores.

 

Método

Delineamento

Trata-se de um estudo descritivo, quantitativo e com delineamento transversal (Carretero-Dios & Perez, 2005).

Participantes

Os dados desta pesquisa foram retirados da entrevista de triagem de um projeto maior que visa avaliar a efetividade de um protocolo de terapia infantil. Deste estudo maior, foram selecionadas crianças de 8 a 12 anos trazidas pelos responsáveis para atendimento psicológico infantil de sintomatologia ansiosa ou depressiva entre os anos de 2016 e 2017. Foram incluídos neste estudo todos os participantes que passaram pela triagem no serviço de atendimento e que preencheram os instrumentos de avaliação inicial. Os critérios de exclusão foram o não preenchimento completo de ambos os questionários.

Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos: questionário de dados sociodemográficos, Adult Self-Report (ASR) e Child Behavior Checklist (CBCL/6-18). As características sociodemográficas da amostra foram definidas de acordo com o sistema de pontos do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), atualizado no ano de 2015 e adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O CCEB é um instrumento de segmentação econômica que utiliza levantamento de características domiciliares (presença e quantidade de alguns itens domiciliares de conforto, grau de escolaridade do chefe de família e acesso a serviços públicos) para diferenciar a população.

A escala Adult Self-Report (ASR) é um instrumento que avalia indicativos de psicopatologias, problemas de funcionamento e problemas de comportamento, a partir do auto relato, disponível para a faixa etária de 18 a 59 anos. Evidências de validade do ASR para realidade brasileira já foram verificadas e o instrumento demonstrou bons resultados de consistência interna (α entre 0,70 e 0,86) (Achenbach & Rescorla, 2003; Lucena-Santos, Moraes & Oliveira, 2014). Neste estudo, o instrumento foi utilizado para os cuidadores das crianças e adolescentes.

Já o questionário Child Behavior Checklist (CBCL/6-18) constitui-se de um protocolo que rastreia problemas de saúde mental em crianças e adolescentes entre 6 e 18 anos de idade, utilizando duas etapas, uma para avaliar as competências das crianças e outra para identificar os comportamentos problema. Os respondentes deste questionário são os cuidadores/pais da criança participante. Desenvolvido por Achenbach e Rescorla, em 1991, no Brasil chama-se "Inventário de Comportamentos da Infância e Adolescência". A versão brasileira, com dados preliminares, apresenta alta sensibilidade. Em uma amostra de , 80,4% das crianças (n = 49), com um ou mais diagnósticos foram classificados como tendo problemas de comportamento pelo CBCL/6-18 (Bordin, Mari & Caeiro, 1995).

Procedimentos de coleta

A coleta de dados foi realizada no Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia da PUCRS (SAPP) após divulgações feitas nas mídias sociais. Os participantes estiveram no serviço para uma avaliação inicial com os instrumentos citados, sendo triados por psicólogos e estudantes de psicologia devidamente treinados.

Procedimento de análise de dados

Os resultados foram tabulados e corrigidos pelo Assessment Data Manager (ADM 7.2), o qual classificou as sintomatologias das crianças como clínicas, limítrofes e não clínicas. Após isso, os dados foram submetidos a análises estatísticas descritivas e de frequência organizadas no Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 23.0.

Procedimentos éticos

Quanto aos aspectos éticos, por ser um recorte de um projeto maior, este estudo possui parecer favorável pelo Comitê de Ética da PUCRS, bem como cadastro na Plataforma Brasil (CAAE: 40658214.6.0000.5336). Este trabalho seguiu as diretrizes e normas vigentes regulamentadoras sobre pesquisas envolvendo seres humanos da Resolução número 466/12 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2012).

 

Resultados

Foi analisado um total de 48 protocolos infantis. Observou-se a predominância do sexo masculino, 62,5% (n=30), com média de idade 9,79 anos (DP=1,45). Os demais dados sociodemográficos estão descritos na Tabela 1. Quanto à escolaridade, a maior parte dos participantes encontrava-se no terceiro ano do ensino fundamental (n=16), seguido pelo quarto ano (n=12).

 

 

Em relação aos cuidadores/pais acompanhantes no atendimento (n=44), percebe-se a prevalência do sexo feminino, 90,9% (n=40), com média de idade de 38,34 anos (±6,54). A maioria dos cuidadores respondentes, 90,9%, eram pais biológicos (n=40) e 65% dos pais não estavam casados com o cônjuge biológico da criança no momento da entrevista (n=29).

Na Tabela 2 estão descritos os achados quanto à sintomatologia das crianças participantes. Verificaram-se pontuações significativas para problemas de atenção (M=65,12; DP= 9,58), problemas externalizantes (M=62,08; DP= 9,58), afetivos (M=66,41; DP= 9,63) e transtorno do estresse pós-traumático (M=69,52; DP= 8,71).

 

 

O fator de Problemas Internalizantes (M=67,64; DP=8,68) é mais bem explicado pelos subfatores Ansiedade e Depressão (M=67,54; DP=9,58); Problemas de ansiedade (M= 67,25; DP=6,48). Apesar destes fatores não pontuarem como sintomatologia clínica, também obtiveram escores elevados.

Na tabela 3 estão descritos os escores de sintomatologia dos pais ou cuidadores das crianças. Quanto a estes sintomas, verificou-se que eles apresentaram escores limítrofes nos fatores de Problemas Internalizantes (M=60,59; DP= 11,22) e Problemas de Ansiedade segundo DSM IV (M=65; DP=7,85).

 

 

Discussão

Este estudo buscou mapear os sintomas psicopatológicos presentes em crianças de 8 a 12 anos e avaliar a presença de sintomas clínicos em seus cuidadores quando estes procuraram por atendimento psicológico infantil. A prevalência do sexo masculino vai ao encontro de estudos que buscaram mapear a população prevalente em atendimento psicológico infantil (Autuori, 2018; Vivian, Timm & Souza, 2013; Santos, 2006; Savalhia, 2007). Uma hipótese para esse achado é de que meninos tendem a apresentar com mais frequência problemas de externalização, geralmente apontados por características como impulsividade e hiperatividade. Enquanto as meninas demonstram mais problemas internalizantes como ansiedade, retraimento, sentimento de inferioridade e depressão (Santos, 2006).

A prevalência observada quanto ao sexo do cuidador vai ao encontro do descrito anteriormente na literatura. No estudo de Cia, Pereira, Del Prette e Del Prette (2007), os resultados obtidos demonstraram maior envolvimento das mães no cuidado dos filhos, comunicação e participação em atividades. Além disso, como bem trazem os autores (Cúnico & Arpini, 2013), apesar do crescimento da participação paternal na criação dos filhos, o papel de fornecer afeto e se envolver com o cuidado dos filhos é historicamente um atributo materno. Portanto, pode ser por estes motivos o dado da prevalência da população feminina levar as crianças para atendimento psicológico deste estudo.

Quanto à manifestação de sintomas relacionados a comportamento nos filhos, no estudo de Borsa, Souza e Bandeira (2011), pode estar associada ao fator ambiental "separação dos pais". Assim, segundo os autores, a separação dos pais é capaz de ser um fator desencadeante para problemas clínicos nas crianças associados a questões de comportamento como os resultados obtidos nesta pesquisa. A manifestação desses sintomas pode aparecer de diversas maneiras.

Uma delas é através dos sintomas externalizantes que obteve resultados limítrofes nesta pesquisa. Crianças com escores elevados nesse fator têm maior tendência a apresentar agressividade física e/ou verbal, condutas opositoras ou desafiantes, comportamentos antissociais como mentir e roubar e comportamentos de risco como uso de substâncias psicoativas (Del Prette & Del Prette, 2013).

Outra forma de expressão é através dos sintomas internalizantes salientada neste estudo e também no de Borsa et al. (2011). Os autores mencionam a dificuldade de identificação dessa problemática pelas pessoas que têm convivência com a criança. Os resultados deste estudo elucidaram que a média das crianças se encontrava com pontuação clínica nesse fator, apontando a relevância da percepção de tal sintomatologia. Tal achado vai ao encontro do estudo de Del Prette e Del Prette (2013) que afirmam que os possíveis transtornos advindos dos Problemas Internalizantes podem ser depressão, isolamento social, ansiedade e fobia social.

A sintomatologia apresentada nesse estudo também incluiu resultados limítrofes quanto ao fator "Problemas de Atenção", sendo esse um dos principais motivos da busca por atendimento em ambulatórios de saúde mental na infância e adolescência (Faraone, Sergeant, Gillberg & Biederman, 2003). Neste mesmo estudo, concluiu-se que 3% a 6% das crianças em período escolar apresentam ou podem apresentar Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Além disso, no artigo de revisão de Reinhardt e Reinhardt (2013), demonstrou resultados apresentando diversas comorbidades e situações de risco envolvendo esse diagnóstico.

Além do TDAH, outra sintomatologia presente nesta amostra foi o de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) apresentando o escore mais elevado entre todos os sintomas. O TEPT é classificado pela exposição, vivência, interação ou ser exposto mais de uma vez a detalhes de um ou mais eventos traumáticos. Além disso, para caracterizar tal transtorno, torna-se necessária a presença de sintomas intrusivos associados ao evento, evitação e alterações negativas na cognição e humor (American Psychiatry Association, 2013).

Em um estudo realizado no Brasil, apontou-se predomínio de 6,5% quanto aos sintomas de Estresse Pós-Traumático em crianças de seis a treze anos. Ressalta-se assim, a necessidade de capacitação de profissionais tanto para identificação de diagnóstico quanto para estratégias de política pública (Ximenes, Oliveira & Assis, 2009).

Percebe-se uma ampla gama de sintomas na população infantil que vão de encontro com os achados nos cuidadores que as levaram para atendimento psicológico. No estudo de Souza, Santos e Vivian (2014) que foi realizado em uma clínica escola, identificou que a população que busca mais frequentemente atendimento psicológico é o feminino principalmente devido a problemas internalizantes, e na população deste estudo, pode-se observar que houve uma prevalência desta sintomatologia nos cuidadores que responderam ao Adult Self Report (ASR).

A depressão, sendo um subfator dos problemas internalizantes do questionário ASR, atinge atualmente aproximadamente 300 milhões de pessoas, equivalendo a 4,4% da população mundial, com aumento de 18,4% entre 2005 e 2015. Tal condição atinge prevalentemente mais mulheres (5,1%) do que homens (3,6%) (World Health Organization [WHO], 2017).

Essa psicopatologia vem acompanhada frequentemente do transtorno de ansiedade, sendo considerado comum tê-la como comorbidade, a qual também é mais frequente no público feminino (4,6%). Comparado a outros países da América, o Brasil encontra-se em segundo lugar com percentual mais elevado para ambas as psicopatologias (ansiedade 9,3%, depressão 5,8%) (WHO, 2017).

Estes achados vão ao encontro da literatura quando destacam que ter pais/cuidadores com problemas de saúde mental pode ser um fator predisponente nas crianças para problemas de conduta, problemas emocionais, dificuldade de relacionamento com colegas além de transtornos psiquiátricos como a ansiedade e depressão (Vitolo et al., 2005). Assim como, segundo Borsa et al. (2011), pais separados ou a morte de um dos cuidadores também pode ser um fator desencadeante, semelhante ao observado nessa pesquisa.

De acordo com a World Health Organization (WHO, 2018), problemas mentais afetam as emoções, concentração, tomada de decisão e forma de pensar. A mesma organização indicou que mulheres depressivas apresentam dificuldade na demonstração de afeto e relacionamento com seus filhos, podendo acarretar em dificuldades no desenvolvimento sócio emocional da criança.

 

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo avaliar a presença de sintomatologia clínica em crianças e responsáveis que buscaram psicoterapia infantil. Não existem conflitos de interesse nesta pesquisa. Constatou-se que o público infantil apresentou sintomatologia tanto de problemas internalizantes quanto externalizantes. Os pais/cuidadores também apresentaram a presença de problemas internalizantes, sendo ansiedade a mais prevalente dentro deste grupo. Com isso, percebe-se que tanto as crianças quanto seus cuidadores apresentam sintomatologia psicopatológica, sendo necessários estudos mais aprofundados para constatar se há correlação entre esses quadros.

Apesar de ser um estudo com amostra reduzida e de não terem sido controladas outras variáveis possivelmente associadas à psicopatologia infantil, os dados encontrados nesse estudo contribuem para mapear os sintomas clínicos mais presentes em crianças de 8 a 12 anos e seus responsáveis, ressaltando a importância de identificação precoce para trabalhos preventivos. Além disso, esse estudo também contribui para potencializar discussões sobre o tema, possibilitando reflexões e impulsionando pesquisas.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail
: victoria.deluca@acad.pucrs.br

Recebido em junho de 2018
Aprovado em agosto de 2018

 

 

1 Victoria Deluca: Estudante de Psicologia na PUCRS. Bolsista de Iniciação Científica do Grupo de Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitivo e Comportamental. Especializanda em Terapias Cognitivo Comportamentais na Wainer Psicologia (Porto Alegre).
2 Camila Bosse Paiva Antoniutti: Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), especialista em saúde mental pelo Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA/UFRGS), mestre em psicologia clínica (PUCRS) e especializanda no curso de terapias cognitivo-comportamentais da infância e adolescência no InTCC. Colaboradora do Grupo de Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitivo e Comportamental. GAAPCC/PUCRS. Atualmente é psicóloga no CAPS II do município de Gravataí e atua em consultório particular.
3 Natália Boff: Psicóloga formada pela PUCRS e colaboradora do Grupo de Avaliação e Atendimento em Psicoterapia Cognitivo e Comportamental.

4 Thaís Landenberger: Psicóloga formada pela UFRGS (2013), mestranda no Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital (PUCRS/2017). Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (InTCC – 2014). Atuou na Associação de Assistência à Criança Deficiente – AACD de Porto Alegre (2013 a 2015) e na Bitácora Centro de Neuropsicologia Ltda (2015) com enfoque em reabilitação neuropsicológica.
5 Irani Iracema de Lima Argimon: É psicóloga (PUCRS, 1979), Especialista em Toxicologia Aplicada (PUCRS, 1990). Possui Mestrado em Educação (PUCRS, 1997) e Doutorado em Psicologia (PUCRS, 2002). Terapeuta Cognitivo-Comportamental certificada pela Fundação Brasileira de Terapias Cognitivas (FBTC, 2015). É coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção no Ciclo Vital, do PPGP da PUCRS desde 2004. Bolsista Produtividade CNPq. Professora Titular dos cursos de Graduação e de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS. Professora Titular do Pós-Graduação do Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Avaliação e Intervenção Psicológica e Validação de Instrumentos Psicológicos. Atuando principalmente nos seguintes temas: Ciclo Vital, Envelhecimento Humano, Aspectos Cognitivos e Dependência Química.
6 Margareth da Silva Oliveira: Possui Graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1977), Mestrado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1985), Doutorado em Psiquiatria e Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo (2001) e Pós-Doutorado na University of Maryland Baltimore County (UMBC-USA) em 2008. Atualmente é pesquisadora Produtividade CNPq-1C, professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS e Coordenadora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Tratamento em Psicoterapia Cognitiva e Comportamental. Coordenadora do LABICO (Laboratório de Intervenções Cognitivas). Coordenadora do curso de especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental – modalidade à distância (PUCRS). Participante do Grupo de Trabalho&quot; Pesquisa Básica e Aplicada em uma perspectiva Cognitivo-Comportamental&quot; na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Sócia-fundadora da FBTC (Federação Brasileira de Terapias Cognitivas). Membro da Diretiva da ALAPCO (Associação Latino-Americana de Psicoterapias Cognitivas desde 2012. Tem experiência na área de Psicologia Clínica, com ênfase em Avaliação e Intervenção Terapêutica, atuando principalmente nos seguintes temas: Validação de Instrumentos, Dependência Química, Obesidade, Síndrome Metabólica, Entrevista Motivacional, Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Terapia de Esquemas, Habilidades Sociais, Terapia Cognitivo-Comportamental. Atualmente é Decana Associada da Escola de Ciências da Saúde (PUCRS).

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