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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PROSAÚDE

 

Prevalência de parasitose intestinal em uma comunidade quilombola do semiárido baiano

 

Parasitosis intestinal prevalence on a semiarid baiano quilombola community

 

 

Gilvandro Doretto Rosine1; Ivi de Oliveira Rosine2,I; Fabio Ribeiro3, II, III ; Nádia Teresinha Schröder4,IV

ICentro de Ensino Superior de Guanambi (CESG) – Faculdade de Guanambi, Brasil
IIUniversidade Estadual de Montes Claros
III
Faculdades Integradas Pitágoras
IV
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Canoas/RS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Comunidades quilombolas são espaços habitados por descendentes de escravos, ex-escravizados e negros livres, com infraestrutura e condições sanitárias precárias. A maioria não possui água tratada, esgoto sanitário e acesso aos serviços de saúde. Este estudo objetivou estimar a prevalência das parasitoses intestinais no quilombo Pau D'Arco, Malhada/BA, Brasil. O método foi analítico descritivo com delineamento transversal, epidemiológico e amostra de conveniência. Realizou-se análise macroscópica e microscópica de fezes de 390 participantes, pelos métodos Kato-Katz e HPJ e aplicação de um instrumento estruturado para levantar as características sociodemográficas e econômicas dos sujeitos estudados. Os dados foram analisados usando o SPSS software versão 18.0. Os resultados mostraram uma prevalência de parasitoses de 45,9% na população analisada. Conclui-se que é alta a prevalência dos protozoários intestinais. Apesar dos esforços da saúde pública em combater enteroparasitas, este ainda é um grave problema presente nas populações quilombolas.

Palavras-chave: Doenças parasitárias; Quilombolas; Saneamento Básico.


ABSTRACT

Quilombo communities are inhabited spaces by descendants of slaves, ex-slaves and free blacks, with poor infrastructure and sanitary conditions. Most do not have clean water, sewage and access to health services. This study aimed to estimate the prevalence of intestinal parasitoses in Quilombo Pau D'Arco, Malhada/Ba, Brazil. The method was descriptive analytical with a cross-epidemiological design and convenience sample. A macroscopic and microscopic stool analysis of 390 participants was performed using the Kato-Katz and HPJ methods and the application of a structured instrument to raise the socio-demographic and economic characteristics of the subjects studied. The data were analyzed using SPSS software version 18.0. The results showed a prevalence of parasitosis of 45.9% in the analyzed population. It was concluded that the prevalence of intestinal protozoa is high. Despite public health efforts to combat intestinal parasites, this serious problem is still present in this population.

Keywords: Parasitic diseases; Quilombo; Sanitation.


 

 

Introdução

Os grupos étnicos constituídos por população negra, rural ou urbana, com autodefinição, a partir das relações de identidade e de reprodução cultural e espiritual em seus territórios geográficos configurados como espaço de sobrevivência caracterizam as comunidades quilombolas (Vieira, Trotta & Carlet, 2017). A trajetória histórica das comunidades negras simboliza a transição dos quilombos aos remanescentes de quilombos, que a partir de 1988, na Constituição Brasileira, passam a ser contemplados por políticas públicas e começam a reivindicar direitos até então negados (Cunha & Albano, 2017). As comunidades quilombolas continuam lutando por igualdade de direitos, pela posse e regularização fundiária de suas terras, pela ampliação de uma cidadania plena e pela equidade na saúde pública (Amorim, Tomazi, Silva, Gestinari & Figueiredo, 2013). Os quilombolas utilizam a terra como um instrumento, que mantém a coesão social do grupo, que permite a preservação da cultura, dos valores e do modo particular da vida dentro das comunidades (Nascimento, Batista & Nascimento, 2016). Além disso, o quilombo tem sido um símbolo da luta pela liberdade e pela preservação de um modo de vida baseado na ancestralidade e na tradição (Programa Brasil Quilombola, 2018).

Em todo território nacional há áreas remanescentes de quilombos, no Brasil, estima-se que existam 1,17 milhões de quilombolas, divididos em 214 mil famílias, destas 1.948 comunidades estão reconhecidas oficialmente pelo Estado Brasileiro e 1.834 comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). A região Nordeste conta com 1672 registros, seguida pela região Norte, com 442. No Sudeste com 375, no Centro-Oeste 131 e no Sul encontraram-se 170 registros (Fundação Palmares, 2018). No estado da Bahia, existem cerca de 500 comunidades quilombolas sendo o local, fora da África, que apresenta maior concentração de população negra, provavelmente, por ter sido este Estado como um dos principais destinos da escravidão.

Essas comunidades, em sua maioria, caracterizam-se pelo forte vínculo com o meio ambiente. As famílias vivem da agricultura de subsistência, da coleta de frutos, do pescado sendo a atividade econômica baseada na mão de obra familiar, para assegurar os produtos básicos para o consumo (Damazio, Lima, Soares & Souza, 2013; Marinho, 2017). A infraestrutura, as condições de abastecimento e sanitárias destas populações são insuficientes, além da ausência ou precariedade dos serviços de saúde locais (Freitas, Caballero, Marques, Hernández & Antunes, 2011; Marinho, 2017; Mendes, Silva, Koppe & Filgueiras, 2016). As condições precárias de vida influenciam no panorama geral de saúde, que se faz necessário ser analisado, a partir do contexto socioeconômico e cultural dessas comunidades. Essas populações apresentam esses tipos de doenças decorrentes da falta de política de saúde ambiental adequada. (Mendes et al., 2016; Santos & Silva, 2014).

A grande distribuição geográfica das enteroparasitoses, aliadas aos problemas que podem causar no organismo humano, têm atribuído a essas infecções uma posição relevante entre os principais problemas de saúde pública. Essas doenças vêm se mantendo como importante causa de morbidade principalmente nos países em desenvolvimento que não alcançaram êxito no seu controle devido as condições precárias e deficientes de saneamento básico e pela falta de orientações em educação e saúde (Brasil, 2005; Andrade et al., 2011; Souto, Santo, Ribeiro, Almeida & Silveira, 2012).

A escassez de informações específicas dos quilombolas nos sistemas de saúde demonstra a importância da realização de estudos epidemiológicos envolvendo este grupo populacional. Há necessidade de implementação de políticas públicas que busquem a melhoria da saúde dessa população (Souto et al., 2012; Cabral-Miranda, Dattoli & Dias-Lima, 2010). Assim o objetivo deste estudo foi investigar a prevalência das parasitoses intestinais na Comunidade Quilombola Pau D'Arco, pertencente ao município de Malhada, Estado da Bahia, a fim de compreender as condições de saúde básicas existentes nas comunidades quilombolas, que se configuram como uma população tradicional e que, em grande parte, está em situação de vulnerabilidade social.

 

Método

A pesquisa foi realizada na Comunidade Quilombola Pau D'Arco, situada na região do Rio São Francisco, mais especificamente no município de Malhada/BA, em julho de 2014. A pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA conforme Parecer 703.026, atendendo às exigências éticas e científicas dispostas na portaria nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A abordagem metodológica utilizada neste trabalho foi descritiva, analítica com delineamento transversal, epidemiológico.

Inicialmente foi realizado um levantamento utilizando a ficha de cadastramento das famílias (ficha A) dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da Unidade de Saúde da Família que assiste a comunidade quilombola Pau D'arco. Dessa forma identificou-se uma população de 685 pessoas. Foi utilizada uma amostra por conveniência composta por 390 indivíduos, com uma margem de erro de 0,04 com nível de confiança de 95%.

Os critérios de inclusão foram: ser residente permanente na comunidade e ter idade superior a cinco anos. Os de exclusão foram os residentes temporários, portadores de deficiência mental e física, os moradores que não aceitarem participar da pesquisa e as amostras inadequadas para a análise laboratorial.

Na sequência foi realizada uma palestra no pátio da escola de ensino fundamental da comunidade quilombola, para a qual todos os moradores acima de cinco anos de idade foram convidados a participar do estudo. Após os interessados em participar da pesquisa foram instruídos sobre a mesma e sobre o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi entregue para assinatura ou os respectivos responsáveis. Foi aplicado um questionário semiestruturado sobre dados socioeconômicos e sociodemográficos. Em seguida foi fornecido o coletor de fezes devidamente identificado. Para os moradores que não participaram da palestra foi realizada visita às moradias, para explicar a importância do estudo. Neste momento, foi entregue e assinado o TCLE, aplicado o questionário e distribuído os coletores de fezes, devidamente identificados.

As normas de biossegurança foram seguidas em todos os experimentos, desde a coleta até a confecção das lâminas no Laboratório de Análises Clínicas da Faculdade Guanambi, Município de Guanambi, Bahia. Para cada um dos métodos Kato-Katz e de Hoffman, Pons e Janer (HPJ) foram confeccionadas duas lâminas, para análise macroscópica e microscópica. A técnica de sedimentação espontânea ou HPJ é um método qualitativo, que permite o encontro de ovos e larvas de helmintos e de cistos de protozoários (Souto et al., 2012; Chaves, Alcantara, Carvalho & Santos, 1979). O método de Kato-Katz é um método quantitativo, que, segundo a OMS, é indicado para ovos de S. mansoni, A. lumbricoides, T. trichiura e ancilostomídeos (Katz, Chaves & Pellegrino, 1972; Menezes, Carmo & Samico, 2012). Optou-se por analisar a ocorrência ou não de S. mansoni, uma vez que a comunidade quilombola está localizada próxima a uma lagoa, a qual é utilizada para as práticas produtivas com destaque para a pesca, seu principal meio de subsistência e, também, porque, no Brasil, as áreas de maior prevalência encontram-se no Nordeste e nos estados de Minas Gerais e Espírito Santo (Silva, Diniz, Fonseca, Enk & Rodrigues, 2017).

Os dados coletados foram tabulados com o uso do software Epidata versão 3.1. O controle de qualidade foi realizado através da dupla digitação. A análise foi realizada no pacote estatístico da SPSS 18.0.

 

Resultados

A partir do levantamento inicial realizado na Comunidade Quilombola Pau D'Arco foi possível identificar uma população de 685 pessoas. Desse total, participaram da pesquisa 390 indivíduos (56,9%) com idade entre 5 e 84 anos, destes 182 (46,7%) são do sexo masculino e 208 (53,3%) do sexo feminino.

Com a análise dos dados socioeconômicos e sociodemográficos, foi possível verificar que nenhuma casa possui água tratada. O abastecimento d'água é proveniente de carro pipa (62,6%), poço artesiano (29%) e cisternas (5,9%). Em relação ao esgoto sanitário, 67,7% possuem banheiro no interior da residência e 32,3% utilizam banheiros externos, porém, a comunidade não possui rede de esgoto. A maioria (66,7%) tem fossa séptica e 33,3% descarregam os dejetos a céu aberto. A comunidade dispõe de serviço de coleta de lixo, com 92,3% tendo recolhimento pelo menos uma vez por semana.

Dos 390 sujeitos pesquisados, 211 (54,1%) apresentaram resultado negativo na análise das fezes e 179 apresentaram, ao menos, uma espécie de parasita intestinal, o que representa uma prevalência de parasitoses de 45,9% da população estudada. Nos resultados da análise da ocorrência ou não de parasitoses em relação à faixa etária observa-se que a maior prevalência foi de 5 a 12 anos, com 31,7% no sexo masculino e 29,5% no sexo feminino. Seguido, no sexo masculino e feminino respectivamente, pela faixa etária de 13 a 21 (18,4%; 28,3%) e de 22 acima (15,4%; 24%). Quando se analisa, especificamente, a ocorrência em relação ao sexo, observa-se a prevalência das enteroparasitoses com 26,1% no sexo feminino e 19,7% sexo masculino.

Em relação às espécies de parasitas registradas nas amostras dos 179 indivíduos pesquisados, a maior prevalência foi de Entamoeba coli com 57,5% seguida por Endolimax nana (56,4%) e Giardia lamblia ( 13,4%). Em relação ao sexo, a frequência dos parasitos foi muito semelhante e pode ser visualizada na Figura 1.

 

 

Na comunidade Pau D'arco verificou-se, em função da ocorrência de mais de um parasito e/ou comensais no mesmo indivíduo, para a mesma amostra de fezes, uma frequência de 267 (66,3%) parasitos identificando-se a presença do poliparasitismo. A associação entre as espécies Entamoeba coli e Endolimax nana teve a maior prevalência em ambos os sexos acima de 21 anos (Figura 2).

 

 

Uma baixa prevalência de helmintos intestinais foi detectada nos moradores da comunidade estudada. Ressalta-se a ausência de infecção por A. lumbricoides, T. trichiura, Schistosoma mansoni e Ancilostomídeos apesar de terem sido usadas duas técnicas parasitológicas e ter sido confeccionadas duas lâminas para cada método, o que aumenta o diagnóstico dessas parasitoses.

 

Discussão

A partir dos dados socioeconômicos e sociodemográficos levantados, foi possível verificar que a falta de água tratada estabelece epidemiologicamente um ambiente propício para a transmissão de parasitoses (Neves, Melo, Linardi & Vitor, 2011). Situação semelhante ocorre em outras comunidades, como a de Boqueirão/BA no qual as residências não possuem água encanada, sendo os poços, cisternas ou açude (aguada) as principais fontes de obtenção de água (Amorim et al., 2013). Nas comunidades de Alcântara e Kalunga, as residências também não são abastecidas por água e na comunidade Caiana dos Crioulos, nenhum domicílio possui esse abastecimento (Brasil, 2005; Silva, 2007).

Em relação a rede de esgoto a comunidade quilombola de Tijuaçu, distrito de Senhor do Bonfim/BA não possui rede de esgoto, situação esta também vivenciada pela comunidade de remanescentes de Quilombos de Monte Alegre distrito de Cachoeira do Itapemirim do Estado do Espírito Santo (Cabral-Miranda et al., 2010; Mendes et al., 2016). Ambas situações corroboram com o presente estudo As enteroparasitoses são um importante indicador das condições de saneamento em que vive uma dada população. A deficitária rede de esgoto, como também as precárias condições de higiene onde a população reside, aliada à falta de limpeza dos reservatórios de água e a não utilização de água filtrada ou fervida, certamente são os principais responsáveis pela incidência de parasitoses (Mendes et al., 2016; Rey, 2010; Visser, Giatti, Carvalho & Guerreiro, 2011).

Quanto à coleta de lixo, a situação registrada na Comunidade Pau D'arco não é encontrada na maioria das comunidades quilombolas. Em Caianas dos Crioulos/PB, a comunidade não dispõe de depósito nem de serviço de coleta de resíduos sólidos domiciliares, sendo comum o descarte do lixo em lugares inadequados. Na comunidade Kalunga os moradores também não dispõem de coleta de lixo. Os resíduos são acumulados no terreno e posteriormente queimados (Silva, 2007; Rangel, Oliveira, Kyaw, Caldeira Junior & Monteiro, 2014).

A prevalência de parasitos intestinais de 45,9% registrada neste estudo corroborou com os resultados semelhantes encontrados na comunidade quilombola do município de Garanhuns/PE onde 52,2% das amostras analisadas foram negativas (Vasconcelos & Rocha, 2009). A qualidade da saúde, a prevenção das doenças e a manutenção da higiene são os principais problemas enfrentados nos países em desenvolvimento. Especialmente nesses países, as parasitoses intestinais se mantêm como importante causa de morbidade, chegando a atingir índices de até 90% nos estratos populacionais de níveis socioeconômicos mais baixos (Visser et al., 2011).

Na análise da ocorrência ou não de parasitoses em relação à faixa etária, a maior prevalência entre a segunda e terceira infância confirma que as crianças de 5 a 12 anos estão mais susceptíveis à contaminação em função do desconhecimento dos princípios básicos de higiene e da maior exposição aos agentes etiológicos a partir do intenso contato com o solo, que funciona como um referencial lúdico, em torno do qual desenvolvem uma série de brincadeiras (Visser et al., 2011; Baptista, Ramos & Santos, 2013). Além da imaturidade imunitária deste segmento etário, sua dependência de cuidados alheios, entre outros fatores, torna-o mais suscetível a agravos de qualquer espécie (Vasconcelos, Oliveira, Cabra, Coutinho & Menezes, 2011). A ocorrência de parasitoses intestinais na idade infantil, especialmente na idade escolar, consiste em um fator agravante da subnutrição, podendo levar à morbidade nutricional, geralmente acompanhada da diarreia crônica e desnutrição, comprometendo, como consequência, o desenvolvimento físico e intelectual, particularmente das faixas etárias mais jovens da população (Macedo, 2005; Dias-Júnior et al., 2013). Situação muito semelhante à verificada foi encontrada na comunidade quilombola pertencente ao município de Bias Fortes/MG (Andrade et al., 2011) em que a maioria das crianças de 6 a 14 apresentaram parasitose intestinal. No município de Paracatu/MG, a prevalência de parasitose intestinal também foi em crianças até 12 anos (Baptista, Breguez, Baptista, Silva & Pinheiro 2006).

Em relação ao sexo, a maior prevalência de infecção foi no sexo feminino. Esses dados corroboram com a pesquisa realizada na comunidade quilombola no município de Bias Fortes/MG (Andrade et al., 2011), onde a prevalência também foi no sexo feminino. Esta situação pode ser atribuída à maior exposição ao meio favorecedor de infecção parasitária durante o trabalho doméstico com utilização, de água contaminada para limpeza da casa, dos alimentos, lavagem de utensílios e para a própria ingestão.

Com a prevalência de Entamoeba coli, Endolimax nana e Giardia lamblia nas amostras analisadas, identificou-se situação similar na comunidade quilombola de Monte Alegre, município de Cairu/BA (Cunha, Moraes, Lima, Matto & Frediani, 2013) e nas aldeias Maxakali localizadas no extremo nordeste de Minas Gerais (Assis et al., 2013). Em relação ao sexo, a frequência desses parasitos foi muito semelhante em ambos os sexos. Situação similar foi encontrada na comunidade quilombola do Norte do Espírito Santo (Damazio et al., 2013). Embora o protozoário mais prevalente da amostra estudada tenha sido um enterocomensal (Entamoeba coli), e, portanto, não patogênico, esta prevalência pode servir como um indicador útil da relação entre as condições sociais e sanitárias, e possíveis infecções enteroparasitárias (Amorim et al., 2013). Este protozoário possui os mesmos mecanismos de transmissão fecal-oral de outros enteroparasitos patogênicos, como o Entamoeba histolytica, também encontrado na população estudada (Rey, 2010). Sua transmissão ocorre através da ingestão de alimentos e água contaminados com cistos maduros, bem como portadores assintomáticos e a falta de higiene domiciliar. Vetores mecânicos como moscas e baratas podem contaminar alimentos com cistos, e estão diretamente relacionados ao saneamento público (Rey, 2010; Costa & Denadai, 2014).

Neste estudo o poliparasitismo representado pela associação entre as espécies Entamoeba coli e Endolimax nana esteve presente em ambos os sexos corroborando com os dados registrados nas aldeias Maxakali, no extremo nordeste de Minas Gerais e no município de Maria Helena/PR (Souto et al., 2012; Assis et al., 2013). A ocorrência de poliparasitismo também foi registrada na comunidade quilombola no município de Bias Fortes/MG, mais especificamente a ocorrência de associação entre duas e cinco espécies de parasito (Andrade et al., 2011). Embora a E. nana e E. coli não sejam consideradas patogênicas, sendo comensais no intestino humano, é importante salientar os índices encontrados, uma vez que esse é um parâmetro para medir o grau de contaminação fecal a que os indivíduos estão expostos (Neves et al., 2011).

A ausência de parasitismo pelos helmintos intestinais detectada nos moradores da comunidade estudada também foi registrada na pesquisa realizada em escolares do ensino fundamental no município de Coração de Jesus/MG (Cantuária, Cocco, Bento & Ribeiro, 2011). A disseminação das helmintoses tem estreita relação de dependência com temperatura e umidade do solo. Considera-se que, nas regiões semiáridas, a longa estação seca seja uma das situações limitantes para a proliferação e para a manutenção de infecções de parasitos como A. lumbricoides, T. trichiura e ancilostomídeos (Rey, 2010). De maneira similar aos resultados obtidos nesse estudo, na pesquisa realizada com a população de São Raimundo Nonato-PI, observou-se a ausência de infecção de T. trichiura e baixa frequência de A. lumbricoides. Esta região apresenta clima semiárido, com extensos períodos de seca, e, portanto, baixa umidade do solo, o que provavelmente impede a transmissão da ascaridíase e da tricuríase, cujos ovos requerem um período de maturação de pelo menos três semanas em solo úmido e sombreado antes de se tornarem infectantes (Alves et al., 2003; Baptista et al., 2006). Justifica-se a falta de Schistosoma mansoni nas amostras analisadas pela ausência do hospedeiro intermediário que, no Brasil, são espécies de moluscos do gênero Biomphalaria (B. glabrata, B. tenagophila, B. straminea) (Neves et al., 2011).

No presente estudo, os resultados permitiram concluir que a prevalência dos protozoários intestinais na população estudada é alta, com predominância no sexo feminino na faixa etária de 5 a 12 anos, a imaturidade imunitária deste segmento etário, sua dependência de cuidados alheios, entre outros fatores, torna-o mais suscetível a agravos de qualquer espécie. Apesar dos esforços da saúde pública em combater enteroparasitos, este ainda é um grave problema presente nas populações, principalmente naquelas desassistidas pelos serviços de saúde, uma vez que pessoas contaminadas são potentes vias de disseminação. Isso significa ter condições de saneamento deficientes, como por exemplo, inexistência de serviço público de abastecimento de água potável, de tratamento esgoto e coleta de lixo. Isto demonstra as condições precárias de vida de uma comunidade formada por uma população minoritária.

É muito importante para a humanização da comunidades quilombolas, o controle das doenças parasitárias com medidas preventivas e diretas, que se faz necessário para a efetiva redução dos índices de parasitoses intestinais. Isso e somente será alcançado com a melhoria das condições de saneamento básico e da qualidade de vida da população quilombola. Além da necessidade de incentivo às práticas de educação para a saúde voltada para a necessidade de adoção de hábitos básicos de higiene e a importância dos mesmos para a prevenção de parasitoses e outras doenças. Para tanto, se faz necessário medidas preventivas para implementação de ações dos programas de promoção à saúde e bem-estar da população.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail
: grosine@gmail.com

Recebido em maio de 2018
Aprovado em julho de 2018

 

 

1 Gilvandro Doretto Rosine: Graduado em Biomedicina pela Universidade de Marília (UNIMAR) com habilitação profissional em Patologia Clínica. Especialização em Imunologia e Alergia pela UNICAMP. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Canoas/RS.
2 Ivi de Oliveira Rosine: Professora e Coordenadora do curso de Biomedicina do Centro de Ensino Superior de Guanambi (CESG) – Faculdade de Guanambi, Brasil. Graduada em Biomedicina pela Universidade de Marília. Pós-Graduação em Neuroimunologia pela UNESP/FM/HC de Botucatu e Mestre em Saúde Coletiva na Universidade Luterana do Brasil.

3 Fabio Ribeiro: Professor da Universidade Estadual de Montes Claros e Faculdades Integradas Pitágoras. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Minas Gerais e doutorado em Parasitologia pela Universidade Federal de Minas Gerais.
4 Nádia Teresinha Schröder: Professora no curso de graduação de Engenharia Ambiental e Sanitária e no curso de mestrado acadêmico em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde. Faz parte da Pró-Reitoria Acadêmica ocupando a função de Diretora de Pós-Graduação e Pesquisa. Graduada em Ciências – Habilitação Biologia – pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialização em Programa de Saúde pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Mestrado em Geociências pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutorado em Biociências (Zoologia) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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