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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018

 

ARTIGOS TEÓRICOS - PSICOLOGIA

 

Tratamento psicoterápico do Transtorno Obsessivo-Compulsivo: perspectivas da Terapia Cognitivo-Comportamental e Terapia Analítico-Comportamental

 

Psychotherapeutic treatment of Obsessive-Compulsive Disorder: perspectives of Cognitive-Behavioral Therapy and Analytical-Behavioral Therapy

 

 

Bruno Almeida de Bortoli1; Ingrid Ávila Francke2

ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Terapia Cognitivo-Comportamental e a Terapia Analítico-Comportamental são as abordagens teóricas mais estudadas no Transtorno Obsessivo-Compulsivo e ambas demonstraram-se eficazes. A literatura sobre o TOC contempla as duas formas de psicoterapia e compara as técnicas mais utilizadas em casos graves do transtorno, que caracterizam-se como desafios que podem ocorrer durante o tratamento. Objetivos: Apresentar os modelos cognitivo e comportamental do TOC; assinalar os desafios no tratamento do TOC e expor as principais técnicas no tratamento do TOC. Método: Revisão assistemática da literatura através da base de dados Capes, Scielo, e livros da área. Resultados: Constatou-se que em ambas as abordagens o TOC apresenta dificuldades no seu tratamento, especificamente em relação às técnicas utilizadas pelas abordagens Cognitivista e Comportamental. Conclusões: No contexto acadêmico esta discussão ressalta a necessidade do terapeuta cognitivo estudar mais a fundo a análise do comportamento, visto que o mesmo utilizará técnicas fundamentadas na Análise do Comportamento.

Palavras-chave: Transtorno obsessivo-compulsivo, terapia Cognitivo-Comportamental, Terapia Analítico-Comportamental.


ABSTRACT

Context: Cognitive-Behavioral Therapy and Analytic-Behavioral Therapy are the most studied theoretical approaches in Obsessive-Compulsive Disorder and have proven to be effective. The literature on OCD deals with both forms of psychotherapy and compares the techniques most used in severe cases of the disorder, which are characterized as challenges that may occur during treatment. Objectives: To present the cognitive and behavioral models of OCD; the challenges in treating OCD. Method: Asystematic review of the literature through the Capes database, Scielo, and area books. Results: It was found that in both approaches the OCD presents difficulties in the treatment, specifically in relation to the techniques used by the Cognitive and Behavioral approaches. Conclusions: In the academic context, this discussion highlights the need for the cognitive therapist to study behavioral analysis, since he will use techniques based on Behavior Analysis.

Keywords: Obsessive-compulsive disorder, cognitive behavioral therapy, behavioral therapy.


 

 

Introdução

Conforme Cordioli (2014), o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) é considerado uma doença mental grave, possui alta prevalência na população, em geral acomete os sujeitos de forma precoce e, se não tratado tende a ser crônico. Muitas vezes a sintomatologia é leve e quase imperceptível, mas também podem graves.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – DSM-5 (American Psychiatric Association, 2013) nos Estados Unidos, a idade média de início do TOC é de 19,5 anos e 25% dos casos iniciam-se até os 14 anos de idade. O início após os 35 anos é incomum, mas existem ocorrências. Nos homens os primeiros sinais do transtorno surgem mais precocemente do que nas mulheres, cerca de 25% dos homens têm o transtorno antes dos 10 anos. O início dos sintomas é geralmente gradual; entretanto, um início agudo também tem sido relatado.

Alguns pesquisadores estão procurando a etiologia do TOC, mas ainda não obtiveram sucesso em definir uma relação causal entre o organismo acometido pelo TOC e o ambiente. Acredita-se que ela ocorra em decorrência da combinação entre fatores hereditários ou genéticos (genes que conferem maiores chances a certas pessoas de desenvolverem o problema) e ambientais, como evolução da gravidez, condições do parto, infecções, acontecimentos da vida e fatores psicológicos, entre outros (Shavitt et al., 2001). Não obstante, atualmente já existem maiores evidências do ponto de vista neuropsicológico a respeito da origem do TOC, e segundo Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo e Cosenza (2014) estudos de neuroimagem sugerem que circuitos neurais estejam envolvidos no desenvolvimento do TOC, mais especificamente a região denominada córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL), córtex orbitofrontal (COF) lateral e o núcleo caudado, estas alças parecem estar implicadas na fisiopatologia do transtorno.

Dentre as principais características do TOC estão: 1) as obsessões, que são pensamentos ou imagens recorrentes que possuem certa persistência, e que são classificados como intrusivos, ou seja, surgem na mente sem o "consentimento" do sujeito; 2) as compulsões, que são comportamentos repetitivos (rituais ou atos mentais) quando a pessoa sente-se compelida a executar em resposta a obsessões ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente. (Cordioli, 2014)

De acordo com o APA (2013) os comportamentos ou atos mentais visam prevenir ou reduzir a ansiedade, sofrimento, evitar algum evento ou situação temida; entretanto, esses comportamentos ou atos mentais não têm uma conexão realista com o que visam neutralizar, evitar e em geral são claramente excessivos. Os critérios diagnósticos do TOC são os seguintes: 1) Pensamentos, impulsos ou imagens intrusivas que causam acentuada ansiedade ou sofrimento; 2) tentativas de ignorar os pensamentos, impulsos e imagens através das compulsões; 3) sofrimento clinicamente significativo em razão das obsessões e compulsões; 4) definir se os sintomas não são causados por outra condição médica.

Tomando como base somente a média de prevalência em adultos e calculando conforme os dados populacionais no Brasil, a prevalência do TOC no território nacional deveria variar em torno de dois milhões e meio de pessoas. Em média os pacientes levam 15 anos para iniciarem um tratamento psicoterápico adequado para o TOC. (Cordioli, 2014).

Diante de tamanho impacto sobre a vida dos indivíduos que sofrem com o TOC e a relevância do estudo do mesmo para o contexto clínico e acadêmico, entende-se que trazer este assunto para discussão no meio acadêmico e científico se torna de grande relevância. Em busca de aprofundamento no tema, percebeu-se que existem poucas publicações recentes que tratam especificamente a respeito das dificuldades encontradas no tratamento do TOC. Assim, a questão central deste trabalho consiste em apresentar os desafios encontrados no tratamento do TOC sob a perspectiva da terapia cognitivo-comportamental e da terapia analítico-comportamental, bem como as diferenças existentes entre essas duas formas de terapia. Esta é uma pesquisa de cunho bibliográfico, com busca em artigos e periódicos existentes nas bases de dados como Capes, Scielo, revistas científicas relacionadas aos temas, e livros da área.

 

Abordagens psicoterapêuticas

Terapia Cognitivo-Comportamental e o TOC

Desenvolvida por Aaron Beck na década de 60, o termo Terapia Cognitiva hoje é utilizado como sinônimo de Terapia Cognitivo-Comportamental. É uma terapia estruturada, relativamente de curta duração, voltada para o aqui-agora, direcionada para a resolução de problemas, ajuda a corrigir certas distorções cognitivas e baseia-se na teoria do modelo cognitivo. (Beck, 2013)

Com o passar nos anos, a TCC foi aperfeiçoada e alcançou uma amplitude de conceituações para diversos transtornos, demonstrando assim a sua flexibilidade de acordo com cada sintomatologia. Conforme Beck (2013) assinala, a TCC baseia-se na teoria do modelo cognitivo, que propõe que o pensamento disfuncional é comum a todos os transtornos psicológicos, e estes pensamentos influenciam o humor e os comportamentos dos pacientes.

Na TCC, os terapeutas estimulam o desenvolvimento e a execução de processos conscientes funcionais de pensamento, como o pensamento racional e a resolução de problemas. O terapeuta também acaba dedicando muitos esforços para auxiliar os pacientes a reconhecer e alterar o pensamento distorcido em dois níveis de processamento cognitivo relativamente autônomos: pensamentos automáticos e esquemas. (Wright, Basco & Thase, 2008)

Conforme destaca Knapp (2004) o modelo cognitivo para o TOC tem base empírica, e propõe que as interpretações distorcidas são as responsáveis pelo fato de certos pensamentos intrusivos assumirem um significado diferente para o sujeito, ativando assim pensamentos automáticos de conteúdo negativo ou catastrófico e emoções desagradáveis como: ansiedade, desconforto, medo e depressão. Em decorrência destas interpretações distorcidas, o indivíduo acaba desenvolvendo estratégias para neutralizá-las. Cordioli (2008a) relata que o modelo cognitivo foi de grande importância e contribuiu para um melhor entendimento dos sintomas obsessivos-compulsivos. Entretanto, houve muitas críticas ao modelo. As evidências não são conclusivas de que as crenças desadaptativas dos pacientes com TOC sejam diferentes das crenças disfuncionais que ocorrem em outros transtornos de ansiedade.

Knapp (2004) diz que as técnicas cognitivas propostas para o TOC são, de forma geral, semelhantes àquelas definidas inicialmente por Aaron Beck no tratamento da depressão e por David Clark para o tratamento da ansiedade. De acordo com Carvalho, Nardi e Rangé (2007) a reestruturação cognitiva inicia com a identificação de pensamentos automáticos e continua com sua avaliação, tendo como objetivo verificar sua funcionalidade, utilidade e as possíveis consequências de sua manutenção e modificação. O último passo é a mudança dos pensamentos considerados desadaptativos, a fim de captar a realidade de forma mais objetiva e funcional, alterando as emoções negativas. A reestruturação cognitiva também é estendida às crenças subjacentes e centrais.

A reestruturação cognitiva pode ser feita através de técnicas como Descoberta Guiada, que é considerada a pedra angular da TCC, e segundo Meyer (2014) é o processo colaborativo em que o terapeuta orienta o paciente no entendimento de seus problemas e auxilia na exploração de possíveis soluções e no desenvolvimento de um plano para lidar com as dificuldades, e o Questionamento Socrático são perguntas diretas a respeito dos pensamentos com respostas abertas, de acordo com o filósofo grego Sócrates.

Knapp (2004) descreve as etapas do tratamento Cognitivo-Comportamental do TOC. E elas são: 1) avaliação do paciente que é feita através de uma entrevista estruturada, motivação e informações psicoeducativas sobre o TOC; 2) desenvolvimento da relação terapêutica; 3) treinamento na identificação dos sintomas OC, 4) listagem e hierarquização dos sintomas pelo grau de comprometimento associado, 5) modelação,6) técnicas cognitivas para a correção de pensamentos e crenças disfuncionais e, por fim, 7) a prevenção de recaída, alta e terapia de manutenção.

Cordioli (2014) enfatiza que se deve psicoeducar o paciente a respeito do modelo cognitivo do TOC, incluindo a introdução de conceitos básicos, como os conceitos de "pensamentos intrusivos", "avaliações erradas" e "crenças disfuncionais", ilustrando cada um destes conceitos com seus respectivos exemplos. Quando o paciente tiver uma boa compreensão das premissas básicas do modelo cognitivo, ele já poderá iniciar o treinamento prático na identificação das situações ativadoras (locais, objetos e pessoas). Cordioli (2014) ressalta também que para alguns pacientes com TOC, o questionamento sobre as evidências pode ser contraproducente, sobre tudo para aqueles que apresentam como crença central a necessidade de ter certeza e fazem verificações compulsivas com essa finalidade.

Uma questão que faz com que o tratamento do TOC seja mais difícil em alguns casos é que de acordo com Barlow (2009) muitos pacientes com TOC sofrem durante anos antes de procurar tratamento adequado. Em um estudo os indivíduos se apresentaram pela primeira vez para tratamento sete anos após o início da sintomatologia (Barlow, 2009, p.173).

Um desafio encontrado em ambas as formas de tratamento refere-se ao risco de suicídio em pacientes com TOC e uma hipótese consistente é que o problema de viver de acordo com o padrão esperado pode levar a tentativa de suicídio em pacientes obsessivos (Nath et al., 2008). Foi constatado que por volta de 36% dos pacientes com TOC já tiveram pensamentos suicidas ao longo da vida, 20% fizeram seus planos suicidas, 11% tentaram o suicídio e 10% apresentavam pensamentos suicidas atuais (Torres et al., 2011).

Meyer (2014) traz a seguinte informação, que enquanto a TCC se concentra na resolução de problemas, ensinar novas habilidades de enfrentamento e trabalhar a reestruturação cognitiva, a Entrevista Motivacional procura auxiliar o paciente a lidar com os obstáculos motivacionais à mudança de comportamentos, os quais geram problemas de adesão ou culminam no abandono prematuro do tratamento. Então uso da Entrevista Motivacional pode trazer benefícios para um tratamento mais adequado do TOC, e desta forma, superando alguns dos desafios clínicos citados.

A Entrevista Motivacional (EM) foi criada por Miller e Rollnick e tem como foco principal auxiliar o indivíduo nos processos de mudanças comportamentais, estimulando desta forma a resolução da ambivalência para alterações de comportamento e eliciar o comprometimento para a realização dessa mudança por meio de uma abordagem psicoterápica convincente e instigante (Bandinelli, Gonçalves & Fonseca, 2015, p.27; Miller & Rollnick, 2001). Um estudo que envolveu 93 pacientes com TOC Meyer et al. (2010) avaliaram os efeitos do acréscimo de duas sessões de forma individual de EM mais mapeamento cognitivo (MC) a 12 semanas de TCC na resposta ao tratamento dos pacientes, quando comparados apenas à TCC. Quando os dois grupos foram comparados, ambos apresentaram redução dos sintomas do TOC. No entanto, a redução e remissão dos sintomas foram substancialmente maiores no grupo da EM+MC seguido da TCC, e os resultados positivos foram mantidos após três meses de seguimento, com redução adicional de sintomas.

Terapia Analítico-Comportamental e o TOC

Conforme Cordioli (2008a) destaca, a Terapia Comportamental é um método de tratamento que tem por objetivo a modificação de comportamentos inadequados ou patológicos, e está embasada nas diferentes formas de aprendizagem. De acordo com Zamignani e Vermes (2002) sob a ótica da análise do comportamento as obsessões causam ansiedade e sofrimento ao indivíduo e as compulsões são respostas repetitivas e/ou estereotipadas emitidas para prevenir ou eliminar as obsessões, ou seja, as compulsões ocorrem sob controle de reforçamento negativo, à medida que eliminam as obsessões e a ansiedade.

O analista do comportamento busca entender os motivos pelos quais aquele comportamento está sendo mantido e que consequências ele traz para o seu paciente; isso é feito por meio da análise funcional do comportamento. A análise funcional permite ao analista do comportamento identificar as funções de um determinado comportamento. (Shimabukuro, 2014)

Segundo Borges e Cassas (2012), a prática clínica analítico-comportamental se constitui em um trabalho constantemente exercido no contexto de gabinete ou setting clínico e que se baseia nos conhecimentos das ciências do comportamento e na filosofia behaviorista radical. Para Zamignani e Vermes (2002) a terapia analítico-comportamental tem sido reconhecida pela sua efetividade no tratamento de problemas relacionados ao diagnóstico de TOC. A principal técnica comportamental utilizada para o tratamento do TOC é a "Terapia de Exposição com Prevenção de Respostas" – EPR.

Conforme Cordioli (2008a) a EPR foi introduzida no tratamento do TOC no fim da década de 1950 por Meyer. Em laboratório Meyer obteve sucesso em fazer com que ratos que haviam adquirido medo de entrar em gaiolas em virtude de ter recebido choques em certas áreas, vencessem esses medos, conduzindo os ratos com as mãos para as áreas evitadas.

Cordioli (2014) apresenta outras técnicas comportamentais muito utilizadas no tratamento do TOC, entre elas estão: Exposição in vivo e exposição na imaginação. Exposição in vivo é uma técnica em que o paciente é exposto ao objeto ansiogênico, no caso do TOC seriam as obsessões, e a exposição na imaginação é um exercício mental que atinge também as obsessões do paciente, ambas tem como objetivo central a redução dos sintomas ansiogênicos. Segundo Fontenelle, Prazeres e Souza (2007) dois estudos avaliaram que as consequências da adição de exposição imaginária à exposição in vivo e EPR poderiam aumentar os ganhos no tratamento do TOC. Cerca de quarenta e seis pacientes com TOC iniciaram as sessões de EPR ou as sessões de Exposições Imaginárias (ExI) sobre as consequências de não ritualizar associadas às sessões de EPR. A adição de ExI à exposição in vivo não representou melhora significativa em relação ao grupo que recebeu exclusivamente a exposição in vivo.

A EPR foi introduzida no tratamento do TOC em razão dos resultados insatisfatórios com os resultados da psicanálise e das psicoterapias de orientação analítica, que além de não serem eficazes na eliminação dos sintomas obsessivos-compulsivos (OC), eram tratamentos muito demorados. Portanto a EPR é a primeira abordagem com efetividade comprovada no tratamento dos sintomas do TOC. (Cordioli, 2014)

Segundo Balkom (1998) é difícil discernir se a terapia cognitiva melhora a eficácia da EPR, um estudo controlado randomizado que comparou formas "puras" de terapia cognitiva ou EPR, com ou sem medicação, encontrou resultados semelhantes, ainda que um pouco atenuados, em relação àquilo que se espera de ambos os tratamentos.

A EPR pode ser implementada se levado em consideração a relevância dos reforçadores positivos envolvidos na manutenção de respostas adaptativas às respostas ansiosas. Nesse sentido, a aplicação da EPR pode ser mais efetiva em situações em que o paciente consiga ter um maior acesso a reforçadores naturais produzidos pela resposta de enfrentamento. Essa proposta, de acordo com os autores, exigiria uma ampla análise dos potenciais reforçadores e de habilidades a serem desenvolvidas pelo paciente para a escolha da aplicação mais adequada. (Zamignani & Vermes, 2002, p.139; Zamignani & Vermes, 2003, p.119).

A análise de comportamento oferece ao paciente com TOC e seus familiares, uma proposta experimentalmente embasada, eficaz e teórica. De acordo com Wielenska (2001) durante as primeiras sessões o objetivo principal é identificar o funcionamento global do paciente, identificando: queixa inicial; breve explicação e crítica sobre o seu problema; situações que acabam favorecendo o surgimento ou a redução dos sintomas; maneiras utilizadas para superação do TOC ou outras dificuldades ao longo da história de vida; estressores psicossociais atuais ou passados; expectativas do cliente acerca do tratamento; seu histórico de buscas de atendimento por essa queixa; seu funcionamento geral (profissional, acadêmico, social, verbal ou em qualquer outro nível); possíveis fontes de gratificação (os prováveis reforçadores naturais disponíveis ao paciente); etc.

Zamignani e Vermes (2002) traz a informação a respeito da relação terapêutica com o paciente com TOC, em especial aqueles pacientes que não buscam o tratamento de forma espontânea, e sim por meio da demanda dos familiares. E casos assim exigem do terapeuta atenção redobrada com a relação terapêutica, caracterizando assim um desafio a ser enfrentado no setting clínico.

É importante identificar as variadas obsessões e compulsões, sua frequência e duração; estimar o quão intenso foi o sofrimento gerado (ao se evitar, ou não, o ritual); identificar prováveis comportamentos anteriores de relevância clínica (eventos externos, como situações sociais, ou internos, como um estado corporal, são capazes de favorecer a ocorrência dos sintomas); observar as consequências a curto, médio e longo prazos (para o paciente e para os familiares) do comportamento obsessivo-compulsivo; ao desenvolvimento de uma aliança terapêutica sólida. (Wielenska, 2001).

Um dos desafios clínicos relatados na literatura é apresentado a seguir e embora a efetividade da EPR seja algo demasiadamente embasada e pesquisada, existem casos em que a efetividade desta forma de tratamento não traz benefícios. Cordioli (2008b) diz que alguns pacientes, em especial aqueles que possuem convicções muito fortes e inflexíveis sobre seus medos ou que apresentam, sobretudo, obsessões não acompanhadas de rituais, possuem grandes dificuldades e eventualmente intransponíveis para realizar a terapia de EPR. De acordo com Barlow (2009) os pacientes que ficam preocupados com os efeitos colaterais de alguns medicamentos e dos seus efeitos a longo prazo muitas vezes preferem a EPR.

 

Método de pesquisa

Trata-se de uma revisão bibliográfica assistemática. A base de dados Scielo, Capes e o Google Acadêmico foram utilizados como método eletrônico de busca de artigos. As seguintes palavras chaves foram utilizadas na busca: "terapia cognitiva", "análise do comportamento", "transtorno obsessivo", "dificuldades de tratamento", "behaviorismo". Várias combinações das palavras-chave foram feitas com o intuito de minimizar a perda de artigos, como: "terapia cognitiva and análise do comportamento", "analise do comportamento and transtorno obsessivo", "terapia cognitiva and transtorno obsessivo", "behaviorismo and transtorno obsessivo". As combinações e o número de artigos encontrados em cada busca estão especificados na tabela 1.

Selecionaram-se os artigos relacionados especificamente ao tratamento do TOC a partir de terapia cognitiva (TC) e Terapia Analítico-Comportamental – análise do comportamento (AC). Foram incluídos os artigos sobre tratamento psicoterápico que comparavam entre si as modalidades psicoterapêuticas citadas, e artigos que faziam a definição das abordagens. A delimitação do período de publicação dos artigos foi a partir dos anos 2000, pois no Brasil não existem publicações recentes sobre os temas específicos. Realizou-se busca manual em livros textos. Utilizaram-se apenas textos em português e o total de arquivos utilizados para a pesquisa foram 22, sendo que 9 foram de livros.

 

Apresentação e discussão de resultados

 

Conforme os dados apresentados na tabela 1, existe um número maior de publicações recentes na área da Terapia Cognitivo-Comportamental, o que demonstra que a área está em grande expansão no que se refere ao TOC. Com a Terapia Analítico-Comportamental há um pouco de dificuldades de achar publicações recentes sobre o TOC e sua forma de manejo especificamente, o que não significa que esta abordagem não tenha avançado nos últimos anos. Vale ressaltar também que embora o Behaviorismo tenha uma teoria bem desenvolvida para o TOC, as técnicas comportamentais são muito mais divulgadas nas publicações referentes à TCC.

 

 

Na tabela 2 percebe-se a preferência pela recomendação do uso das técnicas comportamentais para o tratamento do TOC, em sua maioria são autores que trabalham exclusivamente com Terapia Analítico-Comportamental, mas mesmo os autores que fazem uso restrito de técnicas cognitivas no tratamento (Barlow, 2009; Cordioli, 2008b, 2014; Knapp, 2004) sugerem o uso prioritário de técnicas comportamentais em casos mais graves do TOC.

É importante ressaltar que em ambas abordagens psicoterápicas existem desafios no tratamento do TOC, mas como visto anteriormente as principais dificuldades encontradas na Terapia Cognitivo-Comportamental estão relacionadas ao uso do Questionamento Socrático e Descoberta Guiada, pois muitas vezes o paciente reconhece a distorção cognitiva (obsessão) mas não consegue deixar de realizar a compulsão (comportamento de esquiva), na quarta edição do DSM estes pacientes estariam classificados como tendo um bom insight, contudo no DSM-V este comentário foi suprimido.

 

 

Pode-se observar que existe um maior número de desafios encontrados no tratamento cognitivo-comportamental, o que não significa dizer que a Terapia analítico-comportamental seja mais eficaz no seu tratamento, pois embora a segunda tenha apresentado um número menor de desafios encontrados, foi com a EPR, principal técnica utilizada no tratamento comportamental do TOC, que foram identificadas as principais dificuldades no tratamento.

 

Considerações finais

Esta temática é de grande importância para o contexto clínico, acadêmico e também para a saúde mental de modo geral, pois são escassas as publicações especificas a respeito das desafiantes dificuldades encontradas no tratamento do TOC.

Conforme demonstrado anteriormente, é fato que existem desafios no tratamento do TOC, e entre eles estão destacadas as dificuldades na execução de técnicas cognitivas como o questionamento socrático e descoberta guiada, o que acaba fazendo com que o tratamento desses pacientes se torne de certa forma mais custoso, afinal de contas a reestruturação cognitiva é parte importante no que se refere à TCC. No âmbito da terapia analítico-comportamental também foram encontrados desafios, mais especificamente com a utilização da EPR, pois em muitos casos o paciente não adere de forma significativa, ou seja, não consegue realizar de fato a exposição ao objeto ansiogênico.

Embora a terapia analítico-comportamental esteja em constante expansão, existe a necessidade de produzir um maior número de pesquisas com relação não só ao TOC, mas aos transtornos mentais de modo geral, visto que a TCC tem apresentado pesquisas recentes neste âmbito, e por consequência firmando ainda mais a eficácia de suas técnicas.

Este artigo limitou-se a compilar alguns dados a respeito do TOC e seus desafios clínicos, mas existem ainda muitas questões a serem desenvolvidas, e, portanto, sugerem-se novas pesquisas com esta temática, a fim de aprofundar ainda mais o conhecimento a respeito do TOC, e por consequência ajudar os pacientes que possuem este transtorno atualmente.

 

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Endereço para correspondência
E-mail
: b.bortoli93@gmail.com

Recebido em fevereiro de 2018
Aprovado em maio de 2018

 

 

1 Bruno Almeida de Bortoli: Psicologia, Graduação, ULBRA, Rua Borges de Medeiros – 394, 95820-000, General Câmara/RS. (51) 99568.3495.
2 Ingrid Ávila Francke: Psicologia, Mestre em Psicologia, ULBRA, Rua Antônio de Carvalgo, s/n° Esquina com RS 401, 96700-000, São Jerônimo/RS. (51) 3651.1121.

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