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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.51 no.1-2 Canoas jan./dez. 2018

 

RELATO DE EXPERIÊNCIA - PSICOLOGIA

 

Inteligência emocional e relacionamento interpessoal: relato de intervenção com professores de nível médio técnico

 

Emotional intelligence and interpersonal relationship: Report of intervention with secondary technical teachers

 

 

Osvaldo André Filippesen1; Angela Helena Marin2,I

IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este relato de experiência descreve e avalia uma intervenção desenvolvida com dez professores de uma escola técnica privada em Porto Alegre/RS, que objetivou examinar indicadores de inteligência emocional e como poderiam contribuir para qualidade de seus relacionamentos interpessoais, particularmente com os alunos e com a direção escolar. Realizou-se uma pesquisa-intervenção, com abordagem quantitativa e qualitativa, desenvolvida em dias e horários disponibilizados pela instituição, utilizando-se os instrumentos da Medida de Inteligência Emocional e um questionário com questões abertas sobre inteligência emocional e relacionamento interpessoal na escola, além de uma proposta de intervenção que envolveu palestras, debates e momentos de reflexão. Os resultados, obtidos por meio de estatística descritiva e análise temática indutiva, revelaram que além de uma tênue melhora na qualidade das relações dos professores com os alunos e a direção, foi possível elucidar e conhecer as principais preocupações dos docentes e apontar as atuais dificuldades implicadas ao seu trabalho. Conclui-se que a intervenção atendeu ao seu propósito, embora que, para alterações significativas nos relacionamentos interpessoais, melhorias de âmbito institucional também se fariam necessárias.

Palavras-chave: professor, inteligência emocional, intervenção.


ABSTRACT

This experience report describes and evaluates an intervention developed with ten teachers from a private technical school in Porto Alegre/RS, which aimed to examine indicators of emotional intelligence and how they could contribute to the quality of their interpersonal relationships, particularly with students and with the school direction. A quantitative and qualitative intervention research was carried out on days and at times provided by the school, using the instruments of the Emotional Intelligence Measure and a questionnaire with open questions about emotional intelligence and interpersonal relationships in school, in addition to a proposal, which involved lectures, debates and moments of reflection. The results, obtained through descriptive statistics and inductive thematic analysis, revealed that in addition to a slight improvement in the quality of the teachers' relations with the students and the direction, it was possible to elucidate and to know the main concerns of the teachers and to point out the present difficulties involved to their work. It was concluded that the intervention served its purpose, although that for significant changes in interpersonal relationships, institutional improvements would also be necessary.

Keywords: teacher, emotional intelligence, intervention.


 

 

Introdução

Atualmente, e com maior frequência, o setor pedagógico de uma escola, em meio as suas tarefas e rotinas, também tem acolhido reclamações de alunos e professores referentes às relações interpessoais que envolvem deboche, ironia e ofensas. As consequências desses comportamentos podem desencadear sentimentos de desagrado e conflitos, indicando que, muitas vezes, tais relações não são permeadas por atitudes e posturas que reflitam indicadores de inteligência emocional.

A inteligência emocional tem sido compreendida como a capacidade de perceber, compreender e gerenciar informações pessoais e outras emoções (Brackett, Mayer, & Salovey (2007). Especificamente no contexto da docência, Patel (2017) aponta que seria a capacidade de o professor entender o comportamento de seus alunos e perceber a causa de determinadas reações, ajudando-o no que precisa, livre crítica ou julgamento prévio. Portanto, ao demonstrar capacidade de ouvir, controlar a expressão de sentimentos, compreender e reconhecer emoções que se vivenciam diariamente, o professor pode estar a revelar que utiliza de inteligência emocional em seu contexto de trabalho (João & Portelada, 2010; Almeida, Ferreira, Fonseca, Sá, & Santos, 2015).

Em âmbito nacional, são poucos os estudos que avaliaram ou se aproximaram da temática da inteligência emocional. Apenas a pesquisa desenvolvida por Cacciari, Castello, Cintra, Guerra e Martins-Silva (2017) foi localizada, embora com foco diverso. Os autores investigaram as virtudes necessárias que professores universitários de instituições públicas e privadas brasileiras reconheciam para ser um bom professor e o quanto percebiam que elas os descreviam como profissionais. Segundo os autores, o professor ideal foi reconhecido como aquele que ensina com domínio e segurança (conhecimento), paciência e humildade (temperança) e que valorizava a equidade e a dimensão social da profissão (justiça), construindo relacionamentos interpessoais positivos no ambiente de trabalho (humanidade), virtudes que remetem a dimensões da inteligência emocional.

Já estudos internacionais são mais frequentes e atuais, como, por exemplo, a pesquisa de Álvarez-Ramírez, Garrido e Vicente (2017), realizada com professores em escolas na Espanha, que revelou a importância de os professores desenvolverem sua inteligência emocional, pois ela resulta em bem-estar no trabalho. Nessa mesma direção, o trabalho de Lourenço, Monteiro e Valente (2017), realizado com professores de ensino básico e secundário em Portugal, que visava verificar em quanto a aplicação da inteligência emocional por professores contribuía para a boa disciplina dos alunos em sala de aula, indicou que aqueles que apresentavam maior capacidade para lidar com suas emoções, demonstravam maior capacidade de gestão da disciplina em sala de aula.

Nesse sentido, faz-se importante desenvolver ações que possam promover o desenvolvimento da inteligência emocional no contexto escolar. Gimmon, Orenshtein, Robinson e Zysberg (2016) apontaram que se um professor souber gerenciar suas emoções, estará criando um fator protetivo contra o estresse e o burnout relacionados ao seu ambiente de trabalho. Inclusive, Farias (2009) e Freschi e Freschi (2013) destacaram que dificuldades relacionais entre professores e alunos costumam afetar a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, refletindo negativamente no clima escolar.

O atual estudo de Dolev e Leshem (2017), cujo foco era verificar em quanto uma intervenção para desenvolvimento da inteligência emocional em professores de uma escola em Israel poderia mudar seus comportamentos e melhorar as relações em âmbito escolar, constatou uma mudança positiva de comportamento e melhora significativa nas relações com os alunos. Para Abaid, Blanco e Patias (2009), ações de intervenção escolar junto a professores possibilitam momentos de reflexão e aperfeiçoamento de sua atuação profissional, melhorando a qualidade das relações interpessoais e os resultados dos processos de aprendizagem. Ao ouvir professores em suas demandas e fazê-los participar de atividades reflexivas, possibilita-se repensar posturas e comportamentos (Andrada, 2005; Dolev & Leshem, 2017), bem como motivá-los a regular as emoções, seja em si próprio ou na relação com os demais (Monteiro & Valente, 2017; Sousa, 2011).

Frente ao exposto, constata-se que ações relacionadas a inteligência emocional para professores são importantes e necessárias, pois propiciar que reflitam sobre seus comportamentos, posturas e sentimentos e recebam orientação a partir dos conceitos de inteligência emocional, pode promover melhorias em seus relacionamentos, desempenho de suas atividades e ambiente de trabalho. Nessa direção, o objetivo do presente estudo foi descrever e avaliar uma intervenção destinada a professores de uma escola técnica privada de Porto Alegre/RS, que visava examinar indicadores de inteligência emocional e como poderiam contribuir para qualidade de seus relacionamentos interpessoais, particularmente com os alunos e com a direção escolar. A proposta foi planejada e desenvolvida após a visita a uma escola para convidá-la a fazer parte de uma pesquisa maior, referente ao trabalho de mestrado do primeiro autor, que tem as escolas técnicas privadas da capital e região metropolitana como campo de pesquisa.

Na reunião com o setor pedagógico da escola em questão, emergiu a demanda de abordar as relações entre professores, alunos e direção, face às reclamações constantes dos alunos. Nesse sentido, configurou-se uma outra proposta de pesquisa, a qual foi acolhida. Por abarcar situações que insurgiram de forma espontânea e contingenciada à prática, foram tomados os cuidados éticos cabíveis e atendeu-se ao preconizado pela Resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, que indica que esse tipo de trabalho não requer avaliação do Sistema CEP/CONEP. Destaca-se, entretanto, que a escola não irá compor o banco da pesquisa maior mencionada.

 

Método

O estudo assumiu o formato de uma pesquisa-intervenção, de abordagem quantitativa e qualitativa, desenvolvida em dias e horários permitidos pela escola, sempre às segundas e terças-feiras, das 18h às 18h30min, durante os meses de setembro e outubro de 2017. Ainda que a escola tivesse outros cursos de qualificação e mais professores em seu quadro de colaboradores, para essa intervenção o número de participantes ficou restrito a dez, que eram os professores da divisão de ensino técnico da escola. Todos eram do sexo masculino, com idades entre 29 a 60 anos. A definição por somente esses professores, deu-se devido a maior concentração das reclamações dos alunos a esse grupo na percepção do setor pedagógico.

A intervenção consistiu na realização de cinco encontros, organizados conforme informado na Tabela 1. Dois instrumentos específicos foram utilizados. O primeiro deles foi a Medida de Inteligência Emocional – MIE, escala elaborada e validada para população brasileira por Alves, Barbosa e Siqueira (1999), composta por 59 perguntas, divididas em cinco fatores: empatia (habilidade de perceber os sentimentos dos outros), sociabilidade (capacidade de iniciar, aprofundar e manter relações sociais), automotivação (capacidade de elaborar metas para si mesmo), autocontrole (capacidade de administrar sentimentos) e autoconsciência (capacidade de perceber e administrar sentimentos próprios), com resposta em escala do tipo Lickert de quatro pontos (nunca; poucas vezes; muitas vezes; sempre). O propósito de sua aplicação era obter informações sobre os indicadores de inteligência emocional, que foram analisados por meio de estatística descritiva.

O segundo instrumento foi um questionário desenvolvido pelos autores para fins específicos dessa pesquisa. Sua composição reunia cinco questões abertas que visavam identificar o entendimento dos professores sobre inteligência emocional e quais suas principais dificuldades no relacionamento com seus alunos e direção escolar; bem como as consequências dessas que percebiam para o desenvolvimento do seu trabalho.

Ainda, para avaliar a opinião dos participantes quanto às atividades desenvolvidas em cada um dos quatro primeiros encontros, aplicou-se um questionário composto por oito perguntas relativas à importância, postura e comportamento do coordenador, nível de aprendizado, horário, dinâmicas realizadas, conteúdos abordados, nível de participação e compreensão dos conteúdos. Já a avaliação geral da intervenção foi aplicada ao final do quinto e último encontro, contendo questões sobre a intervenção como um todo: conteúdos trabalhados, material utilizado, nível de participação, duração, nível de interesse, conteúdos trabalhados, relação com a prática profissional e a aplicabilidade dos conhecimentos às relações no trabalho.

Os dados derivados dos instrumentos foram analisados quantitativamente (MIE e questionários de avaliação das atividades e da intervenção), por meio de estatística descritiva, e qualitativamente (questionário com questões abertas), por meio da análise temática indutiva (Braun & Clarke, 2006), que preconiza os seguintes passos: 1) transcrição, leitura e releitura de dados; 2) codificação do material; 3) identificação dos temas; 4) análise das inclusões realizadas em cada tema quanto a sua definição; e 6) análise final. A codificação do material, assim como a identificação dos temas foi realizada por consenso entre os autores deste estudo. Essa análise derivou três eixos: 1) entendimento de inteligência emocional; 2) qualidade dos relacionamentos interpessoais e 3) problemas de comunicação refletidos no trabalho.

 

 

Resultados

Os resultados consolidados das questões da MIE revelaram as médias das frequências das respostas para os respectivos fatores, apresentados na Tabela 2.

 

 

Ao analisar as médias das respostas por fator, pode-se observar a automotivação em destaque, seguida de autoconsciência. Entretanto, os participantes obtiveram menores índices em empatia e autocontrole. Tais dados corroboram a demanda apresentada pelo setor pedagógico, que havia indicado que os professores costumavam "perder a paciência" e responder de forma ríspida a alunos e direção escolar.

Na análise qualitativa, no eixo temático "entendimento de inteligência emocional", os professores revelaram uma compreensão adequada: "é a capacidade de conhecer os sentimentos, bem como saber controlar as emoções não agindo por impulso"; "é a capacidade de lidar com as emoções sobre pressão". Já em relação ao segundo eixo temático, "qualidade dos relacionamentos interpessoais", no tocante à relação professor-aluno, destacou-se a falta de interesse e de dedicação dos alunos ao curso técnico, pois eram constantes as avaliações de trabalhos considerados mal feitos, provas com notas baixas, indisciplina e reprovação. Tais sentimentos estão associados às falas: "a relação com os alunos é de tolerância"; "a principal dificuldade com os alunos é o cumprimento dos prazos estabelecidos"; "em relação aos alunos, falta educação e disciplina", que sinalizam e justificam, mesmo que em parte, as menores médias de empatia, sociabilidade e autocontrole entre os professores.

No relacionamento entre professores e direção, os participantes sinalizaram respeito e consideração: "não vejo maiores dificuldades"; "respeito a direção"; "relação muito boa" e "relação profissional". Entretanto, também foram expressos sentimentos de insatisfação: "falta de preocupação da direção com os docentes"; "há uma precariedade no fluxo da comunicação da direção para com os professores" e "falta maior clareza dos objetivos", aspectos que foram exploradas no próximo eixo.

O terceiro eixo temático, "problemas de comunicação refletidos no trabalho", revelou que a comunicação com a direção era percebida como precária, o que prejudicava o trabalho e o planejamento das aulas: "às vezes somos pegos no pátio da escola e comunicados que teremos aula na manhã do dia seguinte às 18 horas do dia anterior"; "planejaria melhor as aulas se soubesse com antecedência sobre as datas de minhas aulas"; "a comunicação é muito ruim, ficamos sabendo dos fatos após o acontecido, o que é muito desencorajador". A dificuldade de a escola atrair novos alunos para o curso técnico também deixava a todos preocupados com o futuro: "a maior dificuldade é saber se seguiremos na escola, não temos garantias e demissões são constantes"; "afeta diretamente na motivação, pois o futuro nesta escola é incerto e duvidoso"; "não sabemos se teremos continuidade na escola" ou "não nos informam nada sobre a situação da escola, o que causa insegurança total". Esses dados parecem corroborar as evidencias quantitativas, uma vez que parece que os professores, frente a um contexto ameaçador, precisavam se automotivar para atender as demandas de seu trabalho.

Diante desses dados, discutiu-se com os professores sobre as prioridades a serem trabalhadas na intervenção, contemplando a inteligência emocional. Eles sugeriram que os temas prioritários eram: comunicação, motivação, empatia, integração e estabilidade emocional. Dessa forma, uma apresentação que contemplasse ao solicitado, acrescida de vídeos complementares, foi desenvolvida e exposta no terceiro encontro da intervenção, com vistas a ajudar a promover a qualidade da relação entre professores e alunos e direção escolar.

No quarto encontro reaplicou-se a MIE e o questionário com questões abertas sobre inteligência emocional. A metodologia de análise desses dados foi a mesma da primeira aplicação, tendo sido os resultados obtidos apresentados no quinto encontro. Tais dados são apresentados na Tabela 3.

 

 

Os resultados revelaram aumento nas médias, mesmo que discretos, nos fatores analisados, com exceção da autoconsciência, possivelmente explicada pelo sentimento de que os conhecimentos adquiridos não diminuiriam o risco de demissão. Qualitativamente, ainda que com palavras diferentes, os sentimentos expressos novamente sinalizaram insatisfação com posturas inadequadas de alunos e comunicação precária com a direção.

No último encontro foi apresentada e discutida a comparação dos dados levantados, que estão informados na Figura 1.

 

 

Em relação a avaliação do processo da intervenção, os resultados obtidos ao final dos encontros foram traduzidos nos percentuais: ótima (55%), boa (41%) e razoável (4%), não havendo registros para ruim para nenhum dos aspectos avaliados (importância, postura e comportamento do coordenador, nível de aprendizado, horário, dinâmicas realizadas, conteúdos abordados, nível de participação e compreensão dos conteúdos). Contudo, ao longo da intervenção, observou-se que alguns professores interagiam com interesse e percebiam as informações como importantes. Já outros, mesmo que soubessem que poderiam melhorar suas relações na escola, sentiam-se ameaçados pelos riscos iminentes de demissão, não demonstrando interesse pelo que foi abordado na intervenção. Por fim, os resultados da avaliação geral da intervenção foram positivos e estão informados na Figura 2.

 

 

Discussão

Neste estudo buscou-se descrever e avaliar uma intervenção destinada a professores de uma escola técnica privada de Porto Alegre/RS, que visava examinar indicadores de inteligência emocional e como poderiam contribuir para qualidade de seus relacionamentos interpessoais, particularmente com os alunos e com a direção escolar, a qual foi solicitada pela coordenação pedagógico e respaldada pela direção. Acordou-se sobre a importância de abordar tais questões por meio de uma intervenção que abarcasse momentos de reflexão e debate com os professores do ensino técnico, nível que apresentava maior índice de dificuldades entre professores, alunos e direção.

Os resultados obtidos nas análises quantitativas e qualitativas sinalizaram que os professores, embora tivessem clareza sobre a inteligência emocional, obtiveram novos conhecimentos, mudando, mesmo que de forma tênue, seu comportamento e postura diante de situações de trabalho. Assim, corrobora-se com o indicado por Dolev e Leshem (2017), que investiram em uma intervenção com o foco em inteligência emocional com professores, observando melhora nas suas relações com os alunos. Também Sousa (2011) e Cacciari et al. (2017) apontaram que, uma vez que alguém passa a ter melhor entendimento sobre seus sentimentos, conseguindo agir ou reagir com inteligência emocional, as relações passam a se construir com maior qualidade.

A comunicação foi o tema que mais se destacou entre as discussões. A relação entre os professores e a direção, embora tenha sido indicada como boa, respeitosa e profissional, estava associada a importantes reclamações sobre a falta e a precariedade das informações recebidas, o que afetava a capacidade de eles planejarem e organizarem suas aulas. Santos (2011) já havia apontado que a comunicação é fundamental para um clima escolar favorável, sendo papel do gestor/direção possibilitar meios de melhorar esse processo, de maneira que todos, incluso professores, possam receber as devidas informações em tempo adequado, o que parecia não acontecer no contexto do presente estudo e foi denunciado.

Já a relação entre professores e alunos, mostrou-se balizada pela tolerância a diferentes posturas e condutas associadas a demonstrações de má vontade ao realizar os trabalhos solicitados ou desinteresse pelas aulas, além de eventual desrespeito ou indisciplina. Essas situações podem estar relacionadas aos menores índices de empatia, sociabilidade e autocontrole, que Freschi e Freschi (2013) já haviam alertado que podiam afetar o trabalho, assim como a qualidade do clima escolar (Clavijo, Delgado, & Mahecha, 2014).

Outro aspecto relevante identificado foi a preocupação em relação ao contexto de instabilidade devido a diminuição do número de alunos e à possibilidade de demissão, que gerava diferentes sentimentos, como preocupação e desmotivação. Nesse sentido, Gimmon et al. (2016) apontaram que as constantes dificuldades para lidar com as emoções, podia expor o professor a estresse e burnout advindos de seu ambiente de trabalho, entendimento que foi complementado por Álvarez-Ramírez et al. (2017), que alertaram que as constantes preocupações do professor tendem a afetar sua saúde física e psíquica.

Mesmo que o ensino técnico se destaque no Brasil por ser um meio de fomentar o desenvolvimento econômico e qualificar pessoas para o mercado de trabalho (Arthur & Pinto, 2017), há importante desafios a serem superados, especialmente em relação ao ensino e interesse de novos alunos pela formação. Frente a isso, as fragilidades do presente estudo se evidenciam, uma vez que ficou limitado a apenas uma escola técnica e aos 10 professores participantes, com um tempo máximo de 30 minutos para as atividades propostas. Contudo, acredita-se que os momentos de reflexão oportunizados e as informações que foram obtidas, apresentadas, debatidas e analisadas pelo enfoque da inteligência emocional, contribuíram para elucidar as preocupações e dificuldades expressas em determinados comportamentos dos docentes que eram percebidos pela coordenação pedagógica.

Mesmo que os dados sinalizem que o objetivo da intervenção tenha sido atendido, para uma mudança efetiva seria necessária uma proposta com maior duração que viabilizasse aprofundar algumas das questões levantadas, tais como: os sentimentos despontados perante os riscos de demissão, a frustração na relação com alunos e a comunicação deficitária com a direção, que dificultava o planejamento do trabalho. Por fim, corrobora-se o entendimento de Souza, Santos e Almeida (2016), que já indicavam a necessidade de estudos que possibilitem conhecer as relações entre os processos de trabalho, as condições sob os quais é executado e os possíveis reflexos no adoecimento psíquico de professores. Diante disso, sugere-se aos setores pedagógicos atentar ao seu contexto para obterem informações e acionarem, quando cabível, profissionais da saúde e da educação para desenvolverem programas preventivos não só para a saúde psíquica de seus professores, mas também para a manutenção das boas relações no âmbito escolar.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail
: marin.angelah@gmail.com

Recebido em dezembro de 2017
Aprovado em abril de 2018

 

 

1 Osvaldo André Filippesen: Graduado em Administração de Empresas (1996). Experiência nas áreas de RH e em Docência a nível técnico e superior tecnológico, na área de Psicologia Organizacional e Gestão de Pessoas. Possui Pós-Graduação completa em Recursos Humanos (1998), Psicologia Organizacional (2015) e Docência a nível técnico e superior tecnológico (2016), Formação em Psicanálise Clínica em andamento (2016), Mestrando em Psicologia Clínica (2017-2018).
2 Angela Helena Marin: Graduada em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (2002), licenciada em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2007), especialista em Psicologia Clínica pelo Instituto da Família de Porto Alegre (2008), Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (2004) e Doutora (2009) em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, é psicóloga clínica e professora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Coordena o Núcleo de Estudos sobre Famílias e Instituições Educativas e Sociais (NEFIES), investigando na área de Psicologia Clínica e do Desenvolvimento humano, os seguintes temas: desenvolvimento social na infância e adolescência, família e processos de prevenção e promoção da saúde.

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