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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.52 no.1 Canoas ene./jun. 2019

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PROMOÇÃO DA SAÚDE

 

O ambiente coletivo na educação infantil: a importância da recreação para o desenvolvimento integral da criança

 

The collective environment in early childhood education: The importance of recreation for the integral development of the child

 

 

Fernanda Maria do Couto1,I; Daniela Paula do Couto2,II; Marisa Afonso Andrade Brunherotti3,III

I Centro Universitário de Formiga/MG
II Universidade Federal de Minas Gerais
III Universidade de Franca

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Objetiva-se apresentar e discutir os resultados de um estudo de delineamento observacional, transversal e prospectivo que avaliou o ambiente coletivo educacional de crianças de idade entre 24 e 30 meses em centros educacionais infantis de uma cidade do interior de Minas Gerais, por meio da Escala de Avaliação de Ambientes para Bebês e Crianças Pequenas-Revisada. Os resultados apontam que a qualidade do ambiente educacional avaliado não é satisfatória. Essa realidade indica um problema já que um ambiente coletivo infantil adequado é essencial para que a atividade de brincar possa contribuir para o desenvolvimento integral da criança, como preconiza a Política Nacional de Promoção da Saúde. Conclui-se que diante de um ambiente educacional insatisfatório, é necessário um projeto de intervenção nesses centros educacionais que comtemple ações de promoção da saúde com atividades lúdicas orientadas por profissionais capacitados para garantir o desenvolvimento biopsicossocial de qualidade para as crianças.

Palavras-chave: educação infantil, desenvolvimento infantil, recreação.


ABSTRACT

The objective of this study was to present and discuss the results of an observational, cross-sectional and prospective study that evaluated the collective educational environment of children aged between 24 and 30 months in children's educational centers in a city in the interior of Minas Gerais, through the Infant/Toddler Environment Rating Scale-Revised. The results indicate that the quality of the educational environment evaluated is not satisfactory. This reality indicates a problem since a suitable children's collective environment is essential so that the activity of play can contribute to the integral development of the child, as advocated by the National Policy of Health Promotion. It is concluded that in the face of an unsatisfactory educational environment, it is necessary an intervention project in these educational centers that contemplate actions of health promotion with play activities oriented by professionals trained to guarantee the biopsychosocial development of quality for the children.

Keywords: child education, child development, recreation.


 

 

Introdução

Neste artigo, ressaltamos a importância do brincar em um ambiente coletivo adequado ao desenvolvimento integral da criança, como preconizam as legislações que orientam a educação infantil, com destaque para a Política Nacional de Promoção da Saúde – PNPS (Portaria nº 687, 2006).

Segundo a PNPS, as ações de promoção da saúde no contexto da primeira infância devem considerar a prescrição de práticas corporais/atividades físicas, com ênfase nas atividades lúdicas/recreativas em ambiente satisfatório e seguro para garantir à criança o acesso a um desenvolvimento biopsicossocial de boa qualidade (Portaria nº 687, 2006). Considerando, portanto, que o desenvolvimento da criança deve levar em conta as dimensões física, psíquica e social, nos servimos dos conhecimentos da Educação Física e da Psicanálise, no ponto em que a primeira trabalha com atividades que estimulam o corpo da criança e, a segunda, contribui para se pensar o modo como tais atividades se relacionam não só ao campo afetivo e social, mas ao campo cognitivo, por potencializar a aprendizagem dos conteúdos curriculares. (Pinati et al., 2017).

Como o propósito deste artigo se refere à prática de atividades recreativas no espaço escolar, tomamos como recorte os centros educacionais infantis, onde o brincar se efetiva nos ambientes coletivos que, segundo legislações específicas (Portaria nº 687, 2006), devem ser apropriados para atender com qualidade as crianças que ali estudam. Mas como demonstramos a partir de uma pesquisa realizada nos nove centros de educação infantil de um município do interior de Minas Gerais, o ambiente educacional não oferece condições totalmente satisfatórias para o desenvolvimento integral das crianças que lá estudam. Referências a essa realidade também são encontradas em pesquisas feitas por outros autores em munícipios brasileiros, o que provoca preocupação, já que a qualidade do ensino na educação infantil depende da eficiência não só de seu corpo técnico e docente, mas também do ambiente educacional.

Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo é apresentar a avaliação do ambiente coletivo educacional de centros educacionais infantis (CEIs) de uma cidade do interior de Minas Gerais por meio da Escala de Avaliação de Ambientes para Bebês e Crianças Pequenas (Zucoloto, 2011) e discutir como um ambiente coletivo infantil adequado é essencial para que o brincar da criança possa funcionar de fato como atividade que promove saúde física, psíquica e social.

Educação infantil e educação física: a brincadeira enquanto dispositivo de recreação e aprendizagem

No Brasil, a Educação Básica, enquanto meio para garantir à população uma formação acadêmica mínima, corresponde à educação infantil, ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio. A educação infantil, por sua vez, compreende a primeira etapa da Educação Básica, marcada como o início do processo educativo. De acordo com a Constituição Federal de 1988 é dever do Estado garantir às crianças de zero a seis anos de idade o ensino em creches e pré-escolas (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). Foi somente a partir do estabelecimento da Constituição que a educação passou a ser um dever do Estado e um direito das crianças, ocasionando uma mudança significativa na concepção de educação e de espaço destinado à realização das práticas escolares (Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica, 2006).

Já em 2006, conforme uma modificação na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a educação infantil passou a abranger a faixa etária de zero a cinco anos e a criança pôde ter acesso ao Ensino Fundamental aos seis anos de idade (Ministério da Educação [MEC], 2016).

A LDB rompeu com o caráter assistencialista, considerando como princípio fundamental o sistema educativo com foco no desenvolvimento integral da criança. Para consolidar essa mudança, a LDB criou novas ações para favorecer a educação infantil, como consta no artigo 29, que aponta como prioridade "[...] o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade" (Lei nº 9.394, 1996).

Na LDB 9394/96, a disciplina de Educação Física é legalmente considerada como componente curricular obrigatório da Educação Básica e, consequentemente, da educação infantil. Diante disso,

[...] a Educação Infantil não só pode, como deve unir-se às diversas áreas de conhecimento em seu plano pedagógico, para que a criança possa realmente ser vista como um ser indivisível e para que haja a interação que contribua com sua formação integral. A Educação Física é reconhecidamente uma dessas áreas em que urge unir-se à educação infantil, principalmente quando os currículos dos cursos de Pedagogia não oferecem tal disciplina para os(as) profissionais que egressam este curso. (Cavalaro & Muller, 2009, p.244)

Quando consideramos a formação integral da criança, é imprescindível tratar da atividade de brincar, recurso que caracteriza o modo de ação na infância. É por meio do brincar que a criança marca o seu lugar no mundo e interage com os outros construindo suas relações sociais. Por isso, a presença do professor de Educação Física é essencial na educação infantil, pois a formação desse profissional contempla disciplinas referentes à recreação, o que o habilita a desenvolver atividades lúdicas com a criança, contribuindo não só para a aprendizagem dos conteúdos curriculares, como para o desenvolvimento físico e psíquico, já que, como veremos no próximo tópico, a brincadeira também oferece suporte para a criança lidar com suas emoções, seus sentimentos e seus conflitos (Mello, Santos, Klippel, Rosa & Votre, 2014).

Portanto, práticas pedagógicas adequadas ao contexto infantil são fundamentais para a formação integral da criança, como podemos constatar a partir da Resolução n. 5, de 17 de dezembro de 2009, do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica (Resolução nº 5, 2009). O artigo 4º dessa resolução orienta que as práticas pedagógicas devem considerar a criança como centro do processo educacional, o que implica considerar que as ações específicas da criança como brincar, criar, fantasiar e imaginar produzem cultura.

Como complemento, o artigo 5º menciona que o ambiente da educação infantil se configura como um espaço de educação e cuidado, espaço esse que deve ser adequado para a realização da brincadeira, pois, como destacado no artigo 9º, a brincadeira e as interações são eixos que norteiam e promovem "[...] o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que [possibilitam] movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança" (Resolução nº 5, 2009, pp.32-33).

Em consonância com a Resolução citada, a recreação deve estar presente nas ações da educação infantil, de modo que o processo educacional aconteça de maneira prazerosa. No que se refere aos espaços físicos onde acontece a recreação, eles devem obedecer a padrões de infraestrutura para que as atividades de educação e cuidado possam promover o desenvolvimento dos aspectos físico, cognitivo, social e afetivo das crianças (Brasil, 2010).

É por apostar nesse desenvolvimento que a inserção de brincadeiras que favoreçam a qualidade da educação na primeira infância é apoiada pela Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que prioriza ações para a melhoria da qualidade de vida da criança, em conjunto com todos os setores da sociedade, no sentido de trabalharem para a proteção e cuidado da infância (Portaria nº 687, 2006). Essas ações estão inseridas, de modo específico, na Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança (PNASC) que estabelece no terceiro eixo estratégico a promoção e acompanhamento do desenvolvimento integral na Primeira Infância (Ministério da Saúde [MS], 2015).

Kishimoto (2010, p.1) destaca que o brincar, na primeira infância, está presente como uma atividade livre conduzida pela criança e que a insere no mundo imaginário e promove o desenvolvimento de habilidades. Nessa etapa da vida, a criança já interage com outras crianças, mostra o que sabe fazer por meio dos gestos, toma decisões e faz escolhas. Assim, o brincar na educação infantil

[...] proporciona não só um meio real de aprendizagem como permite também que adultos perceptivos e competentes aprendam sobre as crianças e suas necessidades. No contexto escolar, isso significa professores capazes de compreender onde as crianças "estão" em sua aprendizagem e desenvolvimento geral, o que, por sua vez, dá aos educadores o ponto de partida para promover novas aprendizagens nos domínios cognitivo e afetivo. (Moyles, 2002, pp.12-13)

Concordarmos com Kishimoto que o brincar serve não só à criança, mas aos profissionais da educação que estão lidando diretamente com ela, visto que por ser uma atividade livre da criança, o brincar pode ensinar muito sobre o modo como a criança aprende, o que é essencial para que o educador compreenda como pode ensinar.

Na esteira do pensamento de Sengranfredo e Arruda (2013) abordam a relação entre o brincar e a formação da personalidade da criança. Eles orientam que o professor de Educação Física, para proporcionar às crianças o aprendizado dos limites e das regras que moldam a personalidade, deve utilizar as brincadeiras e os jogos, assim, a criança aprenderá a respeitar o espaço de cada colega, propiciando uma interação social com os pares. Além disso, a brincadeira é uma estratégia para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, porque quando a criança brinca ela passa a conhecer o mundo que a cerca, o que implica conhecer também seu mundo interno.

No que se refere ao desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, é imprescindível a presença e participação do professor de Educação Física nas brincadeiras na educação infantil, pois a criança necessita da mediação do adulto para aprender a relacionar-se, escolher os brinquedos, manipulá-los e descobrir novas brincadeiras e regras. Com isso, a criança amplia seu acervo de brincadeiras e experiências por meio da exploração. Isso não significa desconsiderar a existência da brincadeira espontânea que está presente na vida das crianças. O que é ressaltado aqui é que a qualidade na brincadeira quando voltada para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem depende da intervenção do professor, pois o adulto, ao conduzir as interações e as brincadeiras, promove um espaço diversificado onde a criança pode desenvolver suas potencialidades (MEC/SEB, 2012).

Em consonância com os propósitos da educação infantil, o centro de educação infantil é referido como local apropriado para o atendimento e o acompanhamento do desenvolvimento integral da criança e abrange o que denominamos comumente de creche – que atende crianças de zero a três anos – e pré-escola – que atende crianças de três a cinco anos (Brasil, 2010). Esse termo creche4 tem origem no francês crèche, que significa berço e remete às primeiras instituições específicas para o cuidado das crianças de zero a cinco anos, que surgiram na França em meados de 1840. Nessas instituições, ficavam as crianças das mulheres trabalhadoras (Santos & Trugillo, 2011).

Para se efetivar a proposta de incentivar o desenvolvimento integral da criança, faz-se necessário que os centros de educação infantil ofereçam atividades físicas por meio de recursos lúdicos dentro de um ambiente educacional satisfatório para garantir as ações prioritárias da PNPS (Portaria nº 687, 2006), o que têm efeito na promoção da equidade e combate à pobreza (Campos, 2012), pois a construção de um ambiente educacional satisfatório envolve a comunidade e seus interesses. Dessa forma, o uso do espaço escolar se amplia e proporciona à comunidade em que está inserido uma participação ativa na formação educacional das crianças.

No que se refere ao atendimento das necessidades específicas da faixa etária infantil, o ambiente educacional deve comtemplar espaços internos e externos com materiais adequados para a prática de atividades lúdicas. Nesses espaços protegidos, a criança sofre menor exposição aos riscos sociais e desenvolve-se de forma prazerosa e saudável (Brasil, 2010), ao explorar e conquistar novas habilidades, conhecendo o próprio corpo e se relacionando com outras crianças, com seus professores e demais profissionais da instituição de ensino (Ministério da Educação e do Desporto/Secretaria de Educação Fundamental, 1998).

Um ambiente educacional adequado é um ambiente planejado para atender ao público infantil. Mas esse planejamento é uma realidade recente em nosso país. Se recorremos à história do atendimento à infância, observamos que as creches, em sua origem, eram espaços adaptados destinados às crianças de classe econômica inferior. A educação não era um direito delas, era um ato de caridade direcionado, na sua maioria, às crianças moradoras das periferias. Sendo assim, não havia uma legislação que priorizasse as especificidades da criança enquanto um ser em desenvolvimento e que precisa de espaços próprios a sua realidade. Por isso, a construção do ambiente educacional era feita sem planejamento prévio (MEC/SEB, 2006).

Havia uma preocupação então apenas com o cuidado e não com o aprendizado que, para a faixa etária da primeira infância, precisa contar com recursos lúdicos. O cuidar e o educar são duas funções que caminham juntas e estão interligadas na relação diária do trabalho com crianças de zero a seis anos. Por um lado, as crianças precisam de cuidados relacionados à sobrevivência, como vestuário, higiene, alimentação e saúde, realizados por um adulto, ou seja, pelo professor. Por outro lado, faz-se necessária a mesma intervenção, mas em processos de desenvolvimento integral que levem em conta aspectos sociais e psíquicos (Silva & Bolsanello, 2002).

Um ambiente educacional de qualidade para crianças pequenas deve conter diferentes e variados espaços para que a construção dos processos educativos e as práticas dos professores sejam desenvolvidas de forma satisfatória. Nesse sentido, o planejamento do ambiente das creches deve proporcionar às crianças um espaço acolhedor e que promova a facilitação da execução das atividades recreativas, promovendo assim a estimulação da autonomia, com conforto e segurança. Além disso, deve-se levar em consideração o ritmo de desenvolvimento de cada criança para adequação dos espaços e da disponibilidade de brinquedos. Também é importante a exploração de diversos espaços, sendo eles internos ou externos, como sala de aula, pátio, biblioteca, brinquedoteca, área de alimentação, sala de multiuso, entre outros (Zamberlan, Basani & Araldi, 2007).

A ausência de uma proposta pedagógica, a falta de brinquedos adequados para a faixa etária, a insuficiência de brinquedos, a falta de participação e conhecimento do mediador no ato de brincar são fatores que podem prejudicar o processo de ensino-aprendizagem da criança, bem como o desenvolvimento saudável de sua personalidade (MEC/SEB, 2012). Sendo assim, é importante ressaltar a importância do ambiente, do mobiliário, dos brinquedos, do conhecimento e do trabalho de mediação do professor de Educação Física no desenvolvimento integral das crianças.

E para realizar um trabalho de mediação de qualidade, é necessário que o professor avance em seus conhecimentos a respeito das especificidades que envolvem o mundo da criança. Isso implica se aprofundar sobre o brincar, pois ele proporciona à criança, além do desenvolvimento físico, um desenvolvimento psíquico, como será apontado no tópico a seguir, a partir das contribuições da Psicanálise.

Educação infantil e psicanálise: a brincadeira enquanto dispositivo para o desenvolvimento psíquico

Consideramos ser importante para o professor de Educação Física ter um conhecimento amplo da brincadeira, já que essa atividade não se reduz a uma dimensão motora. Assim, pode ser proveitoso compreender o modo como a Psicanálise pensa o ato de brincar, pois dessa forma, o professor privilegia aspectos diversos da brincadeira, o que contribui para que ele torne efetivo o desenvolvimento integral da criança, como preconiza a Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança (MS, 2015).

Além disso, quando o professor utiliza das brincadeiras e jogos, ele está trabalhando com regras, o que é essencial para ensinar sobre a socialização, já que para interagir com o outro é preciso respeitar o espaço dele. É nesse sentido que o professor de Educação Física colabora também para a formação da personalidade da criança, mais um motivo para que ele se sinta motivado a estudar sobre os processos psíquicos que envolvem o brincar.

Sigmund Freud, o criador da Psicanálise, em muitos de seus escritos, tratou de questões ligadas ao infantil, sobretudo como forma de tentar compreender o mundo adulto. Freud sugeriu que a origem da criatividade do adulto estava no brincar infantil e ressaltou a importância do brincar para a organização do mundo interno da criança:

Acaso não poderíamos dizer que ao brincar toda criança se comporta como um escritor criativo, pois cria um mundo próprio, ou melhor, reajusta os elementos de seu mundo de uma nova forma que lhe agrade? Seria errado supor que a criança não leva esse mundo a sério; ao contrário, leva muito a sério a sua brincadeira e dispende na mesma muita emoção. (Freud, 1908[1907]/1996a, p.135)

O brincar serve ao desenvolvimento psíquico da criança, pois ao manipular os brinquedos, ela pode rearranjar aquilo que lhe causou alguma inquietação. É nesse sentido que essa atividade é levada a sério, pois reconstruir o que não nos agrada nos impulsiona a aprender sobre o relacionamento com o outro, o que torna esse relacionamento mais saudável.

Ao brincar, a criança se dispõe a criar um mundo agradável do qual desfruta à medida que enfrenta os conflitos diários e dá novas respostas às situações que lhe trouxeram alguma espécie de sofrimento. Esses conflitos denotam como a realidade que nós vivenciamos pode ser angustiante e para suportá-la, em muitos casos, fazemos uso da nossa capacidade de fantasiar, capacidade essa que tem origem no brincar. Por vezes, nós precisamos, enquanto adultos, nos refugiarmos em nossas fantasias, só assim conseguimos lidar melhor com todos os conflitos que nos assolam e ressignificar a realidade insatisfatória.

E quando enfatizamos neste artigo como o brincar é relevante enquanto atividade que contribui para o desenvolvimento da criança, temos em Freud (1908[1907]/1996a, p.137) a confirmação dessa relevância da brincadeira: "O brincar da criança é determinado por desejos: de fato, por um único desejo – que auxilia o seu desenvolvimento –, o desejo de ser grande e adulto. A criança está sempre brincando ‘de adulto', imitando em seus jogos aquilo que conhece da vida dos mais velhos". Assim, é brincando de ser adulto que a criança passa a conhecer esse mundo, o qual, muitas vezes, não pode ser explicado apenas por palavras, mas por vivências. Por isso, ao brincar, a criança vai também moldando sua personalidade, o que requer que as brincadeiras se repitam, até com certa insistência, ou como Freud diria, de maneira compulsiva.

Mas por que o ato de brincar que parece tão prazeroso para a criança pode ser tomado como uma compulsão à repetição? Já que esse é um "[...] processo inconsciente [...], impossível de dominar, que obriga o sujeito a reproduzir sequências (atos, ideias, pensamentos ou sonhos) que, em sua origem, foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso" (Roudinesco & Plon, 1998, p.656).

Freud (1920/1996b) tenta responder a questão colocada ao descrever a observação e interpretação da brincadeira de uma criança de um ano e meio de idade, denominada por ele de jogo do fort-da. O garotinho atirava um carretel para longe enquanto pronunciava o-o-o-ó, uma interjeição referente à palavra alemã fort, ir embora. Em seguida, puxava o carretel de volta, emitindo alegremente um da, ali. Desse modo, o jogo se constituía em fazer desaparecer e reaparecer o carretel. A interpretação feita por Freud era de que a criança estava encenando a partida da mãe, vivenciada de forma desprazerosa e, consequentemente, o seu retorno, saudado com prazer. O garotinho, então, repetia uma experiência que era desagradável, mas que o permitia passar de um papel passivo para um ativo.

A partir disso, Freud (1920/1996b, p.27) teoriza que "[...] em suas brincadeiras as crianças repetem tudo que lhes causou uma grande impressão na vida real, e assim procedendo, [tornam-se], por assim dizer, senhoras da situação". Independente se a impressão causada na criança teve origem em uma situação dolorosa ou não, ela repetirá na brincadeira, de alguma forma, pois esse é o modo pelo qual ela elabora as emoções vivenciadas na relação com o outro.

Um exemplo de uma brincadeira infantil, que se repete constantemente e facilmente observável por quem convive com a criança, seja como familiar ou como membro de uma instituição escolar é a seguinte:

Se o médico examina a garganta de uma criança ou faz nela alguma pequena intervenção, podemos estar inteiramente certos de que essas assustadoras experiências serão tema da próxima brincadeira [...]. Quando a criança passa da passividade da experiência para a atividade do jogo, transfere a experiência desagradável para um de seus companheiros de brincadeira e, dessa maneira, vinga-se num substituto. (Freud, 1920/1996b, pp.27-28)

A passagem da experiência de passividade para a experiência de atividade é geradora de prazer para a criança. Conhecer isso é importante para a prática do professor de Educação Física, porque ele pode incentivar brincadeiras que estimulem na criança seu senso de atividade para que seja possível lidar com os conflitos que, invariavelmente, surgem envolvendo os colegas ou mesmo o corpo docente.

Como também facilmente constatável por um adulto, a criança insiste numa repetição idêntica de certa brincadeira. Ela insiste porque isso produz prazer (Freud, 1920/1996b). Um prazer relacionado à possibilidade de compreender algo que está lhe afligindo. A criança precisa da repetição para que tenha mais de uma oportunidade de elaborar seus conflitos, afinal de contas, ela é um ser em desenvolvimento que ainda está aprendendo a lidar com suas emoções e sentimentos. É muito relevante para o professor de Educação Física considerar essa informação porque na sua prática pedagógica está prescrito que ele renove os tipos de brincadeiras que propõe às crianças.

De fato, do ponto de vista da aprendizagem, é interessante mesmo diversificar as brincadeiras, proporcionando novos desafios à criança. Mas é importante também não desconsiderar o envolvimento singular da criança com a brincadeira, respeitando quando ela insiste em repeti-la. Há algo representado na brincadeira com o qual ela precisa lidar e o professor de Educação Física pode lhe oferecer o apoio necessário para que ela consiga fazer isso, não se contrapondo a sua vontade. Não é o caso de se preocupar em demasia com essa repetição, porque, com o tempo, a criança vai elaborando o que lhe incomoda e se torna disposta a mudar de brincadeira.

O que se pode perceber é que Freud lançou as bases para se pensar o brincar como uma poderosa ferramenta de acesso ao mundo interno da criança. No entanto, foi Melanie Klein que, a partir de 1920, desenvolveu a técnica da análise de crianças utilizando-se do brincar, contribuindo de maneira fundamental para compreendermos como a brincadeira é uma ferramenta efetiva para o desenvolvimento psíquico da criança. (Couto, 2017).

Segundo a teoria kleiniana, a criança poderia conseguir representar e atuar suas fantasias e ansiedades por meio de jogos e brincadeiras. Ao aplicar sua técnica, Klein (1927/1996) percebeu que a criança expressava o material psíquico repetidas vezes e utilizava vários meios para isso – brinquedos, desenhos, recortes, água, entre outros. Esses instrumentos ficavam à disposição da criança para que ela os utilizasse à sua maneira, estabelecendo um canal para a liberação da fantasia. As brincadeiras, na maior parte do tempo, eram seguidas por um sentimento de culpa que assumia contornos de ansiedade. Quando havia uma conexão entre os conteúdos psíquicos representados, Klein os interpretava para a criança, o que fazia com que a ansiedade diminuísse, liberando o caminho de acesso ao inconsciente e às fantasias primordiais. Assim, era possível realizar um trabalho de análise com o pequeno paciente.

De acordo com Klein (1932/1997), ao expressar suas angústias e fantasias por meio das brincadeiras, a criança faz um trabalho de elaboração do conflito vivenciado. Ela externaliza sua agressividade rasgando, cortando, quebrando, molhando, enfim, atacando objetos que, em sua fantasia, representam pais e irmãos. E também podem representar os colegas de classe e professores. Mas, quando as brincadeiras destrutivas dão lugar a brincadeiras construtivas como pintar ao invés de sujar toda a sala com as tintas, é sinal de que a ansiedade da criança diminuiu. Isso traz consequências positivas para a relação dela com os outros ao seu redor, possibilitando uma relação mais madura com eles, além do desenvolvimento do sentimento social.

Dessa forma, o professor de Educação Física que auxilia a criança no espaço escolar deve estar ciente da importância das brincadeiras e dos jogos, entendendo esses movimentos como forma de expressão da criança (Assis, Mello, Ferreira, Santos & Schneider, 2015). A partir de então, a escolha dos brinquedos, o modo como eles são organizados e a forma com que a brincadeira se dá já são reveladores de uma lógica de funcionamento psíquico. Portanto, o professor, ao acompanhar a criança, precisa ser parceiro ativo na brincadeira. Conectando-se à brincadeira, o profissional diminui a distância existente entre ele e a criança, participando efetivamente do desenvolvimento psicomotor dela.

Após essa exposição teórica sobre a importância da atividade do brincar na educação infantil, para o desenvolvimento integral da criança, considerando especialmente as contribuições do campo da Educação Física e da Psicanálise para o tema, apresentaremos a seguir os resultados de uma pesquisa empírica cujo objetivo foi avaliar o ambiente educacional dos nove Centros de Educação Infantil (CEIs) de uma cidade do interior de Minas Gerais. Tal avaliação é relevante, pois o ambiente educacional dos CEIs é o espaço onde o brincar se efetiva, proporcionando à criança aprender de forma lúdica, o que é condizente com sua realidade enquanto ser em desenvolvimento. Sendo assim, o conhecimento do nível de qualidade do ambiente educacional e da atividade recreativa de crianças no período da primeira infância pode promover a criação de estratégias para o desenvolvimento integral das mesmas.

 

Método

A pesquisa que deu origem a este artigo foi realizada entre os meses de novembro de 2016 e abril de 2017, depois de aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade de Franca-SP.5

A pesquisa teve caráter observacional, transversal e prospectivo. Para Marconi e Lakatos (2005), na pesquisa observacional, o pesquisador atua simplesmente como expectador de acontecimentos ou fenômenos, sem, contudo, realizar intervenções no curso normal ou no desfecho dos mesmos, podendo realizar mediações, análise e demais ações para a coleta de dados. Na pesquisa transversal, o estudo é realizado em um curto período de tempo (Marconi & Lakatos, 2005), no caso de nossa pesquisa esse tempo foi de cinco meses. E na pesquisa prospectiva, "o estudo é conduzido a partir do momento presente e caminha em direção ao futuro" (Fontelles, Simões Farias & Fontelles, 2009, p.7).

Para a avaliação do ambiente educacional dos centros educacionais, utilizou-se a Escala de Avaliação para Bebês e Crianças Pequenas-Revisada (Zucoloto, 2011), versão adaptada da Infant/Toddler Environment Rating Scale-Revised (Harms, Cryer & Clifford, 2003).

A pesquisa contou com a participação de 75 crianças, na faixa etária de 24 a 30 meses de idade, que permaneciam no centro educacional por período integral. Os CEIs no município pesquisado atendem crianças até a idade de seis anos, conforme o que é proposto na Lei 11.494/2007, artigo 10, § 4 (Lei nº 11.494, 2007).

A amostra foi definida com base em dois fatores: primeiro, a escala utilizada na pesquisa abrange a faixa etária de zero a 30 meses; segundo, a importância da avaliação da prática de atividades recreativas direcionadas a essa faixa etária devido ao nível crescente de desenvolvimento próprio a ela.

A Escala de Avaliação para Bebês e Crianças Pequenas-Revisada é composta por sete subescalas, 39 itens e 455 indicadores. As subescalas6 são as seguintes: 1. Espaço e Mobiliário; 2. Rotinas de Cuidado Pessoal; 3. Ouvindo e Falando;4 7 . Atividades recreativas; 5. Interação; 6. Estrutura do Programa e 7. Pais e Equipe (Zucoloto, 2011).

Para efetuar a pontuação dos indicadores utiliza-se S (Sim), N (Não) e NA (Não se Aplica). Depois, o avaliador deve circular a pontuação numérica da qualidade do indicador do item avaliado.

A pontuação utilizada para cada item observado é a seguinte: (1) inadequado "descreve o cuidado que não preenche nem as necessidades de um atendimento de custódia"; (3) mínimo "descreve o cuidado que, além de alcançar um atendimento de custódia também preenche, em menor grau, algumas necessidades básicas de desenvolvimento"; (5) bom "descreve as dimensões básicas para o cuidado visando o desenvolvimento" e (7) excelente "descreve o cuidado de alta qualidade e personalizado" (Zucoloto, 2011).

Na análise estatística deste estudo, utilizou-se a averiguação da concordância dos escores apresentados pela pesquisadora, por meio da análise dos dados obtidos em cada escore, em cada turma avaliada dos Centros Educacionais Infantis. Isso permitiu o cálculo da porcentagem mediante os valores atribuídos para cada turma e também considerando os dados de todas as turmas. Um índice igual ou superior à nota 4,9 (70%) foi considerado satisfatório (Weick, 1985; Weiner, 1991).

Realizaram-se comparações dos escores entre os CEIs avaliados. Os dados primeiramente foram tabulados, utilizando-se o programa Microsoft Excel® e tratados estatisticamente por meio do programa SPSS®. Para a análise, utilizaram-se testes de normalidade, por meio do teste Shapiro-Wilk. Para os dados não paramétricos, optou-se pelas comparações por meio do teste Mann-Whitney. Considerou-se diferença significativa para valores com p≤0,05.

 

Resultados e discussão

Como exposto anteriormente, a Escala de Avaliação para Bebês e Crianças Pequenas-Revisada conta com sete subescalas, no entanto, para recorte a ser exposto neste artigo, trataremos dos resultados referentes à subescala Atividades recreativas e das subescalas associadas a ela, a saber Interação, Espaço e Mobiliário, Rotinas de cuidado pessoal e Estrutura do Programa.

No que se refere à avaliação geral das escalas, a subescala Atividades recreativas apresentou a menor nota média: 3,6 (52,1%), valor inferior à nota 4,9 (70%), considerada satisfatória. A partir dessa primeira mensuração, percebe-se a importância de se investigar a referida subescala nos CEIs do município pesquisado.

Quando avaliada a subescala Atividades recreativas em todos os centros observados, encontrou-se diferenças significativas (p= 0,00) entre eles, a saber: o C58 obteve maior nota nessa subescala, 4,2 (60,2%) e o C1 obteve menor nota, 3,0 (42,8%). Mesmo assim, essas notas não são satisfatórias, pois são inferiores ao índice padrão 4,9.

Considerando todos os centros educacionais pesquisados, na comparação entre a subescala Atividades recreativas e as demais subescalas, percebe-se que a subescala Interação foi a única que obteve nota média geral satisfatória, pois atingiu 6,2 (89,6%). Já a subescala Atividades recreativas obteve a menor nota delas, 3,6 (52,2%), o que se configura como insatisfatório. Essa pontuação satisfatória para Interação e insatisfatória para Atividades recreativas também foi verificada nas pesquisas de Campos (2010) e Silva e Souza (2011).

A pontuação insatisfatória da subescala Atividades recreativas pode ser explicada pelas pontuações também insatisfatórias das subescalas que são associadas a ela, como Espaço e Mobiliário, Rotinas de cuidado pessoal e Estrutura do Programa. Podemos inferir que tais resultados refletem: a falta de preparação dos professores para melhor utilização do espaço físico; a quantidade superior de crianças assistidas por um número inferior de professores; e a inexistência/baixa quantidade do material pedagógico ou ainda por sua inacessibilidade. Esse material pedagógico se refere aos citados pela escala utilizada, como livros, bolas, giz de cera, tintas, massinhas de modelar, papel para rabiscar, brinquedos musicais, blocos de tamanhos diferentes, fantoches, bonecos representando a diversidade cultural.

Também é possível recorrer ao trabalho de Zamberlan et al. (2007) para justificar a nota insatisfatória atribuída à subescala Atividades recreativas em nosso estudo. As autoras destacam a importância do espaço físico nas instituições de ensino. Elas observaram um excesso de permanência das crianças em um único ambiente, a sala de aula, o que as restringe da exploração de outros espaços. Com relação à falta de espaços adequados ou até mesmo a inexistência desses espaços, as autoras apontam o fato de o local destinado ao ambiente escolar pesquisado por elas não ter sido planejado para ser um centro educacional infantil e sim ser um espaço adaptado para esse fim.

O espaço físico adequado é referência para um bom nível de qualidade de educação, como mostraram os resultados da presente pesquisa. O C1, por exemplo, apresentou a menor nota geral (3,6), o que se justifica pelo fato de o mesmo funcionar em uma casa adaptada para ser um centro educacional infantil. Enquanto o C8 apresentou a maior nota geral (4,6), tendo sido construído para ser um centro de educação infantil, de acordo com as normas do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância). A Resolução n. 6, de 24 de abril de 2007, que institui tal programa, estabelece que a construção de centros de educação infantil equipados adequadamente para uso da criança é indispensável à melhoria da qualidade da educação (Resolução n° 6, 2007).

Zamberlan et al. (2007) mencionam ainda a importância de se ter ambientes específicos para o desenvolvimento das atividades recreativas. Ou seja, espaços para leitura, escrita, alimentação, higienização, sono e, por fim, espaços lúdicos destinados à realização das atividades recreativas, como jogos, brincadeiras e atividades físicas. Também é necessário saber aproveitar o espaço, além de deixar os brinquedos ao alcance das crianças, para que elas possam explorar os objetos, criar e recriar por meio das brincadeiras de faz de conta, pertinentes à fase dos 24 aos 30 meses.

Já a explicação para a pontuação satisfatória da subescala Interação, na presente pesquisa, pode ser inferida pela existência de uma interação positiva entre as crianças e a equipe e a supervisão adequada do brincar. Zamberlan et al. (2007) salientam que o ambiente adequado e planejado favorece as relações criança-educador e criança-criança. No entanto, isso contradiz os resultados expostos neste estudo, em que o nível de qualidade do ambiente não está satisfatório (4,1), mas, mesmo assim, as interações apresentaram um nível de qualidade satisfatório (6,2).

No que se refere aos itens específicos da subescala Atividades recreativas, o item Brincadeiras com Areia e Água apresentou a menor média 2,5 (32,1%), o que interfere na qualidade do nível educacional, pois, como ressalta Kishimoto (2010, pp.5-6):

Crianças pequenas brincam com água, terra, areia; fazem experiências com tintas, alimentos, plantas e outros materiais, para explorar e ver o que acontece, movidas pela curiosidade. Soprar uma pena ou bater na água mostra o poder de fazer coisas: a pena que voa e a água que espirra. O poder expressivo da brincadeira faz a criança compreender como ela cria tais situações ao agir sobre os objetos.

Com base nos resultados apresentados anteriormente, é possível afirmar que a qualidade do ambiente educacional pesquisado é questionável, pois não alcançou o percentual de 70% proposto pela escala utilizada como instrumento de avaliação, que indica que um nível de qualidade bom está em consonância com dimensões básicas de cuidado que visam o desenvolvimento integral da criança (Harms et al., 2003). Nesse sentido, é necessária uma mudança no cenário educacional infantil, visando a melhoria no nível da qualidade de ensino.

 

Considerações finais

Os resultados desta pesquisa apontaram informações relevantes sobre a qualidade do ambiente da educação infantil oferecida nas instituições de uma cidade do interior de Minas Gerais. O ambiente coletivo educacional encontrado não foi considerado totalmente satisfatório. Neste levantamento, constatou-se por meio da observação dos indicadores de qualidade propostos nas subescalas da Escala de Avaliação para Bebês e Crianças Pequenas-Revisada, que dos nove CEIs avaliados nenhum atingiu a pontuação satisfatória (70%) no que diz respeito ao ambiente coletivo.

Os resultados desta pesquisa confirmam a necessidade de planejamento do ambiente da educação infantil para que ele seja um espaço adequado e que valorize a socialização, a exploração e a autonomia das crianças. O ambiente coletivo deve promover boas condições no que se refere à infraestrutura, mobiliário e materiais para o aprendizado em geral. Além disso, pais e equipe pedagógica precisam trabalhar em parceria com a comunidade ao redor de todos os CEIs garantindo o empoderamento das pessoas que habitam aquela área.

Já com relação à recreação integrada na educação infantil, o professor de Educação Física deve valorizar a formação interprofissional para que possa utilizar as atividades a favor do desenvolvimento integral das crianças, permitindo a elas o direito à participação em atividades lúdicas, durante as longas horas que passam diariamente nesses ambientes. Isso envolve também o compromisso com uma formação diversificada, que contemple campos diversos do conhecimento, para uma compreensão da criança como um ser integral.

Como destacamos no presente artigo, para ampliar o conhecimento a respeito da criança, o professor de Educação Física pode recorrer à contribuição da Psicanálise no que diz respeito ao brincar e seus efeitos para o desenvolvimento emocional da criança. Assim, ele ultrapassa seu papel de agente de recreação, estimulando o desenvolvimento psicomotor da criança.

Ressaltamos que não houve limitações no presente estudo, visto que foram oferecidas à pesquisadora as condições que propiciaram a aplicação satisfatória do instrumento de pesquisa. Não foram verificados também problemas com relação à análise e tratamento dos dados.

Por fim, faz-se necessário a realização de novos estudos que ampliem as pesquisas sobre as condições da qualidade do ambiente coletivo na educação infantil, para que surjam propostas que visem assegurar a recreação no processo do brincar e o consequente desenvolvimento integral da criança, reconhecido pela Política Nacional de Atenção à Saúde da Criança e apoiado pela Política Nacional de Promoção da Saúde.

 

Referências

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Endereço para correspondência
E-mail
: marisa.brunherotti@unifran.edu.br

Recebido em: agosto de 2018
Aprovado em: março de 2019

 

 

1 Fernanda Maria do Couto: Graduada em Educação Física pelo Centro Universitário de Formiga. Pós-Graduada em Treinamento Esportivo e Personal Training pelo Centro Universitário de Formiga/MG. Mestra em Promoção da Saúde pela Universidade de Franca/SP. Professora do Centro Universitário de Formiga/MG. Endereço: Rua Dr. Arnaldo Sena, 328, Formiga/MG. CEP: 35570-000. Tel: (37) 3329-1400.
2 Daniela Paula do Couto: Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora na Universidade do Estado de Minas Gerais. Endereço: Av. Paraná, 3001. Jardim Belvedere, Divinópolis/MG. CEP: 35501-170. Tel: (37) 3229-3500.
3 Marisa Afonso Andrade Brunherotti: Graduada em Fisioterapia. Pós-doutorado no departamento de puericultura e pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Docente/Pesquisadora do Programa em Promoção de Saúde da Universidade de Franca. Avenida Dr. Armando de Sáles Oliveira, 201 – Parque Universitário, cidade de Franca/SP. CEP: 14404-600. Tel: 16 37059202.
4 De acordo com os descritores em Ciências da Saúde, o significado da palavra "creche" é: instalação que provêm cuidados a crianças em idade pré-escolar e escolar.
5 Conforme Resolução CNS 466/12, sob o número do protocolo CAAE: 60363916.7.0000.5495.
6 Para melhor compreensão das subescalas, numerou-se cada subescala usando os números ordinais de 1 a 7. Os resultados obtidos a partir da subescala 4 (Atividades) são o foco da presente pesquisa.
7
Zucoloto, em sua adaptação da Infant/Toddler Environment Rating Scale-Revised, utilizou na subescala 3 os termos "Falar e Compreender" e na subescala 4 "Atividades". Entretanto, na presente pesquisa, optou-se por utilizar os termos "Ouvindo e Falando" e "Atividades recreativas", respectivamente.
8 Para preservar a identidade de Cada Centro Educacional Infantil, eles foram nomeados aqui apenas pela letra C seguida de um número cardinal entre 1 e 9.

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