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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.52 no.1 Canoas jan./jun. 2019

 

ARTIGOS EMPÍRICOS - PROMOÇÃO DA SAÚDE

 

Qualidade de vida e burnout entre estudantes de medicina que vivenciam o método de Aprendizagem Baseada em Problemas

 

Quality of life and burnout among medical students experiencing the Problem-Based Learning method

 

 

Felipe Kaluf de Andrade1,I; Liandra Aparecida Orlando Caetano2,I; Wanderlei Abadio de Oliveira3,II; Jorge Luiz da Silva4,I; Marina Garcia Manochio-Pina5,I

IUniversidade de Franca
IIUniversidade de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo transversal objetivou analisar qualidade de vida e sintomas da síndrome de burnout em estudantes de medicina que vivenciaram o método de aprendizagem baseada em problemas. Participaram 310 alunos entre o primeiro e o quarto ano de um curso de medicina de uma universidade privada. Na coleta de dados foram aplicados os instrumentos: WHOQOL-bref e Inventário de Burnout de Maslach – Student Survey. Os dados foram analisados estatisticamente. Foi encontrado um aumento da qualidade de vida com a progressão dos estudantes no curso e o sexo feminino referiu mais sintomatologia para o diagnóstico de burnout. Os resultados demonstraram correlação positiva no grupo estudado em relação à melhora da saúde mental e qualidade de vida. Essa perspectiva é importante para o debate no campo da promoção da saúde, principalmente ao se perceber as potencialidades do método para o engajamento em comportamentos relacionados à maior autonomia, empoderamento e escolhas saudáveis.

Palavras-chave: Aprendizagem Baseada em Problemas; Qualidade de Vida; Esgotamento Profissional.


ABSTRACT

This cross – sectional study aimed to analyze quality of life and symptoms of burnout syndrome in medical students who experienced the problem based learning method. 310 students participated in the first to fourth year of a medical course at a private university. In the data collection, the following instruments were applied: WHOQOL-bref and Maslach burnout Inventory – Student Survey. The data were analyzed statistically. An increase in the quality of life with the progression of the students in the course was found and the female sex referred more symptomatology for the diagnosis of burnout. The results showed a positive correlation in the studied group regarding the improvement of mental health and quality of life. This perspective is important for the debate in the field of health promotion, especially when perceiving the potential of the method for engaging in behaviors related to greater autonomy, empowerment and healthy choices.

Keywords: Problem-Based Learning; Quality of Life; Burnout.


 

 

Introdução

A qualidade de vida como objeto de estudo se intensificou recentemente (Almeida, Gutierrez & Marques, 2012). Ela possui diferentes determinantes e é definida em termos da percepção que as pessoas possuem sobre seus modos de vida e como esses modos se interconectam com o contexto sociocultural e os sistemas de crenças e valores nos quais as pessoas estão inseridas (Pereira, Teixeira, & Santos, 2012). Percebe-se uma complexidade nessa definição, uma vez que a qualidade de vida depende das múltiplas esferas pessoais, sociais e profissionais dos indivíduos. Problemas relacionados à qualidade de vida são associados a diferentes quadros de adoecimento e, principalmente, com o aumento dos níveis de estresse e o esgotamento profissional (Tabeleão, Tomasi, & Neves, 2011).

Nesse sentido, uma das manifestações recentes do esgotamento profissional tem sido nomeada como síndrome de burnout. Essa síndrome é definida pela tríade envolvendo exaustão emocional, que se refere à baixa energia e entusiasmo dos profissionais ao lidar com seus clientes e esgotamento de recursos, causando frustração e tensão; despersonalização, que ocorre quando o profissional passa a tratar as pessoas de maneira fria e distante, levando à insensibilidade emocional; e baixa realização profissional, em que o profissional se sente insatisfeito com sua potência de trabalho e passa a avaliar-se de maneira negativa (Carlotto & Câmara, 2008).

Em geral, os profissionais da saúde e da educação são os que mais apresentam quadros da síndrome de burnout (Carlotto & Câmara, 2008; Tabeleão et al., 2011). Embora as pesquisas sobre a temática ainda sejam consideradas incipientes entre médicos, aqueles que trabalham em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) apresentam a maior prevalência de síndrome de burnout (22%), seguidos pelos médicos de família (17,1%) e médicos de emergências (17%), existem também relações entre esta síndrome e o elevado uso de tabaco, álcool e medicações psicotrópicas (Moreira, Souza & Yamaguchi, 2018). Uma revisão sistemática da literatura sobre a saúde física e mental do profissional médico também revelou ser a síndrome de burnout a condição mental mais estudada entre esse grupo e ela se associada à baixa qualidade de vida (Gracino, Zitta, Mangili, & Massuda, 2016).

Esse quadro parece ser vislumbrado desde os anos iniciais da formação do médico. Estudos demonstram que estudantes de medicina apresentaram maior nível de estresse e reduzida qualidade de vida quando comparados a outros universitários (Pagnin & Queiroz, 2015; Serinolli & Novaretti, 2017). Assim, a formação médica pode ser considerada como um momento estressante para os estudantes e já se demonstrou que ela se associa a altas taxas de síndrome de burnout, ansiedade e depressão, afetando adversamente os médicos ao longo de suas carreiras (Ayala, Winseman, Johnsen, & Mason, 2018). Um estudo verificou que o início da carreira médica, principalmente internato e residência, é ainda mais exaustivo e exigente da saúde mental e física dos médicos (Gracino et al., 2016). E entre médicos residentes, a literatura internacional aponta a prevalência de síndrome de burnout entre 27 e 75%, variando de acordo com a especialidade, enquanto no Brasil essa taxa oscila entre 20 e 50% (Gouveia et al., 2017; IsHak, et al., 2009).

Apesar da existência de estudos sobre as temáticas síndrome de burnout e qualidade de vida em profissionais médicos, reconhece-se que a temática ainda é pouco explorada, especialmente em relação aos estudantes de medicina. Trata-se de uma relação importante, devido, principalmente, às longas jornadas de estudo e trabalho, a privação de sono e fatores de estresse estudantil e profissional, aspectos que resultam em uma possível redução na qualidade de vida entre médicos e estudantes de medicina (Asaiag, Perotta, Martins, & Tempski, 2010; Azevedo & Mathias, 2017). Nessa perspectiva, considerando que a formação médica pode influenciar na qualidade de vida e no adoecimento dos estudantes, é importante entender variáveis que podem se relacionar a esse quadro.

Percebe-se que estudos como Chazan, Campos e Portugal (2015) e Alves, Tenório, Anjos e Figueroa (2010) que verificaram a relação entre essas variáveis (formação e qualidade de vida) não consideraram ou não explicitaram os modelos de ensino utilizados nas universidades, ou seja, não realizando um contraponto entre os modelos tradicionais, o qual habitualmente é usada na formação escolar primária e secundária, e o método de aprendizagem baseada em problemas (ABP, em inglês, PBL – Problem Based Learning, como é mais conhecido), por exemplo. Por outro lado, em estudo realizado com estudantes de cursos da área de saúde em Portugal que vivenciavam a aprendizagem baseada em problemas demonstrou-se uma reduzida satisfação com as relações sociais e maiores índices de burnout, principalmente no primeiro ano da graduação, quando comparados ao modelo tradicional, possivelmente por maiores períodos de prática médica, períodos reduzidos de lazer e relação com amigos e familiares (Oliveira, Salgado, Magalhães, Faias, & Miranda, 2016).

O método de aprendizagem baseada em problemas é uma metodologia ativa de ensino que foi implementado pelo Ministério da Educação (MEC) no Brasil em 2001 pela Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina (Brasil, 2001). Essa metodologia é considerada como essencial para a construção do conhecimento médico. Em revisão da literatura atual, Leon e Onófrio (2015) chamam atenção para a valorização do pensamento crítico e da habilidade de resolver problemas, pontos chaves do método de aprendizagem baseada em problemas, como qualidades importantes na formação médica. Quando comparados diretamente estudantes do modelo tradicional e do modelo de aprendizagem baseada em problemas, estes apresentam níveis de estresse ligeiramente inferiores, assim como maior motivação e habilidade de resolver problemas, apesar de ambos os grupos apresentarem fatores de estresse semelhantes, como alta carga de estudos, densidade de matérias, falta de tempo para lazer e poucas horas de sono (Tenório, Argolo, Sá, Melo, & Costa, 2016).

Assim, esse estudo objetivou analisar a qualidade de vida de estudantes que vivenciam o modelo de aprendizagem baseada em problemas, buscando identificar vulnerabilidades relacionadas à síndrome de burnout. O estudo oferecerá contribuições para o campo da promoção da saúde na medida em que problematizará como o desenvolvimento de um perfil promotor de estilos de vida saudáveis pode melhorar a capacidade funcional e qualidade de vida global dos médicos em formação.

 

Método

Desenvolveu-se um estudo exploratório e descritivo, de corte transversal, em uma universidade privada de um município do interior do Estado de São Paulo. Participaram do estudo 310 estudantes do curso de medicina, matriculados em 2018, entre o primeiro e o quarto ano da formação, foram excluídos os alunos do quinto e sexto ano (internos) por apresentarem o mesmo modelo de estágio que o ensino tradicional. A amostra foi constituída de forma não probabilística, pelos estudantes que estavam presentes em aula no momento da coleta de dados e que concordaram em colaborar com a pesquisa de forma voluntária. Destaca-se que, no curso de medicina da universidade selecionada para o estudo as aulas e atividades pedagógicas eram baseadas no modelo de aprendizagem baseada em problemas.

A coleta de dados foi realizada no mês de junho de 2018, por meio da aplicação de questionários do perfil sociodemográfico, de autoavaliação da qualidade de vida (WHOQOL-bref) e do Inventário de Burnout de Maslach – Student Survey (MBI-SS) nas dimensões exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal (Schaufeli, Martinez, Pinto, Salanova, & Bakker, 2002). O questionário WHOQOL-bref é composto por 26 questões, sendo que as duas primeiras se referem à qualidade de vida global seguidas por quatro domínios da qualidade de vida, sendo eles a capacidade física, o bem-estar psicológico, as relações sociais e o meio ambiente onde o indivíduo está inserido (Fleck, et al., 2000). Este instrumento leva em consideração as últimas duas semanas à aplicação do instrumento. As questões são avaliadas por meio de um sistema Likert e os escores variam de 0 a 100 – valores mais altos indicam melhor qualidade de vida (Fleck et al., 2000).

O Inventário de Burnout de Maslach – Student Survey (MBI-SS), é uma versão do Inventário de burnout de Maslach para avaliar a síndrome em estudantes adaptada por Schaufeli et al., (2002). O instrumento é dividido em três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Segue escala Likert com 15 questões sobre as dimensões do burnout. O grau de intensidade das respostas estará entre zero (0) e seis (6), onde zero indica "nunca" e seis indica "todos os dias". Os escores são calculados por meio da soma das respostas de cada domínio.

Os dados foram analisados primeiramente por estatística descritiva (média e desvio-padrão). Em seguida, considerando-se a normalidade da distribuição dos dados, para a comparação de dois grupos independentes foi utilizado o teste t de Student e para a comparação de três ou mais grupos foi utilizada a análise de variância (ANOVA). Nos estudos que envolveram o cálculo da correlação entre variáveis foi calculado o coeficiente de correlação de Fisher, sendo que, no caso do período do curso, em função da não normalidade dessa variável, optou-se pelo cálculo do coeficiente de correlação de Spearman. Em todos os testes estatísticos o nível de significância foi pré-fixado em 5% (p<0,05) e os cálculos realizados no software GraphPad Prism 5.0.

O estudo foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Franca (CAAE 71104217.3.0000.5495). Todos os participantes assinaram o Termo de consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

Resultados

Participaram do estudo um total de 310 alunos, com idades entre 17 e 48 anos (M = 22,1 anos), sendo a maioria do sexo feminino (67,7%), distribuídos em quatro turmas do curso de medicina: 81 alunos do primeiro ano (26,1%), 75 alunos do segundo ano (24,2%), 84 alunos do terceiro ano (27,1%) e 70 alunos do quarto ano (22,6%). Dos alunos pesquisados, 299 eram solteiros (96,4%) e oito casados (2,6%). Em média, os alunos relataram que estudam cerca de 8,4 horas por dia.

Quando analisada a autoavaliação de qualidade de vida não foi identificada diferença entre o sexo masculino e o sexo feminino, entretanto, nota-se uma melhora significativa desse escore com a progressão dos anos letivos (1º > 3º ano, 1º > 4º ano e 2º > 4º ano; p < 0,05). Esses dados estão apresentados na Tabela 1.

A análise da qualidade de vida geral dos estudantes, desenvolvida por meio do WHOQOL-bref, demonstrou maior média no domínio de relações sociais (66,56 ± 17,82), e menor média no domínio psicológico (56,15 ± 16,83). Houve diferença significativa entre os gêneros nos domínios físico e psicológico, sendo que o sexo masculino apresentou escores maiores em ambos os domínios. Entre os anos letivos houve diferença significativa em todos os domínios, sendo que os estudantes do 4º ano apresentaram maiores escores nos domínios físico, psicológico e meio ambiente; e os estudantes do 3º ano apresentaram maiores escores no domínio relações sociais. Os estudantes do 1º ano apresentaram os menores escores nos domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente.

 

 

Na Tabela 2 são expostos os escores obtidos por meio do instrumento MBI-SS. Evidenciou-se um alto nível de exaustão emocional (22,31 ± 3,19) e de despersonalização (15,22 ± 3,62); assim como um moderado nível de realização profissional (23,65 ± 4,09). O sexo feminino apresentou maiores escores em exaustão emocional (p = 0,0173) e despersonalização (p = 0,0273), assim como em realização profissional (p = 0,0342). Entre os anos letivos não foram encontradas diferenças significativas.

Em análise individual, foram encontrados 119 alunos (38,39%) com alto índice de exaustão emocional, alto índice de despersonalização e baixo índice de realização profissional, simultaneamente, e assim confirmando o diagnóstico de síndrome de burnout, conforme Maroco e Tecedeiro (2009).

 

 

Entre os dados analisados, no sexo feminino verificou-se correlação negativa entre as horas de estudo e os domínios físico, psicológico e meio ambiente da qualidade de vida, assim como na autoavaliação da qualidade de vida. Houve ainda correlação positiva entre as horas de estudo e exaustão emocional. Quando analisado o ano letivo, percebe-se correlação positiva com os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente, assim como realização profissional. Esses dados estão particularizados na Tabela 3.

 

 

De maneira diferente, no sexo masculino não foi identificado correlação entre as horas de estudo e os domínios do WHOQOL-bref e do MBI-SS. Quando analisado ano letivo se verificou correlação positiva com os domínios físico e meio ambiente, assim como autoavaliação da qualidade de vida, como apresentado na Tabela 4.

 

 

Discussão

Esse estudo objetivou analisar a qualidade de vida de estudantes que vivenciam o modelo de aprendizagem baseada em problemas, buscando identificar vulnerabilidades relacionadas à síndrome de burnout. Os resultados indicaram que não houve diferenças entre os estudantes do sexo masculino e feminino no que se refere à autoavaliação da qualidade de vida. No entanto, houve uma melhora nos índices de qualidade de vida à medida que os anos letivos progrediam. Identificou-se que 38,39% dos participantes apresentavam sintomas que permitiam a definição do diagnóstico da síndrome de burnout.

De maneira geral, o estudante de medicina apresenta uma qualidade de vida reduzida quando comparado com jovens da população geral, provavelmente devido aos fatores estressantes relacionados ao curso e suas exigências (Pagnin & Queiroz, 2015). Na literatura, o sexo feminino é mais vulnerável à redução da qualidade de vida (Domantay, 2014; Dyrbye et al., 2014), principalmente nos domínios físico e psicológico (Chazan et al., 2015; Paro, et al., 2014). Esse dado foi reproduzido no presente estudo.

No que se refere ao ano letivo, Alves et al. (2010) relataram que o estudante de medicina tem uma tendência a sofrer prejuízos no domínio psicológico durante a formação. Contudo, no presente estudo foram encontrados dados contrários, indicando uma melhora do domínio psicológico com o passar do tempo na graduação, da mesma forma foram encontrados melhores indicadores nos demais domínios de qualidade de vida conforme os estudantes progridem. Esse dado pode ser explicado por meio do choque que ocorre no primeiro ano da graduação quando o estudante vem de uma trajetória de formação educacional tradicional e se depara com a metodologia ativa da aprendizagem baseada em problemas no primeiro ano do curso médico, soma-se esse fator aos já conhecidos da formação médica como redução do sono e reduzido tempo para atividades de lazer (Oliveira et al., 2016).

Esse momento pode representar um estressor e ser resultado de dificuldades de adaptação. Assim, à medida que o estudante se adapta, há um contato ativo com a prática médica, assim como um contato próximo com os professores, e com a recapitulação das matérias estudadas em diferentes momentos do curso ocorre uma diminuição no nível de estresse (Tenório et al., 2016). Oliveira et al. (2016) citam também um maior grau de realização profissional daqueles que vivenciam a aprendizagem baseada em problemas, possivelmente devido à intenção de se aproximar a educação da prática profissional e dos problemas do mundo real. No presente estudo, acredita-se que a progressiva melhora da qualidade de vida dos estudantes possivelmente tem relação com fato de os alunos se familiarizarem com a abordagem baseada em problemas.

Nota-se que essa é uma das principais contribuições do estudo, pois como o método de aprendizagem baseada em problemas foi introduzido no ensino médico recentemente (Brasil, 2001) foram encontrados poucos trabalhos em revisão sistemática, nacionais e internacionais, sobre a saúde mental e a qualidade de vida dos estudantes que vivenciam esse método na graduação médica, sendo Enns et al. (2016), em estudo multicêntrico, o único que demonstrou uma progressiva avaliação da qualidade de vida no decorrer dos anos letivos. Entretanto não foram especificados os modelos de ensino.

Foram encontradas divergências quanto aos estudantes da aprendizagem baseada em problemas e a síndrome de burnout. A exemplo, como já citado, Oliveira et al. (2016) encontraram maiores índices nesse grupo. Em contrapartida, Tenório et al. (2016) verificaram que apesar do reduzido tempo para lazer e atividades sociais, das poucas horas de sono e extenso conteúdo didático, os estudantes que vivenciam o método de aprendizagem baseada em problemas apresentaram menor nível de estresse e ansiedade relativos, assim como Leon e Onófrio (2015) destacam um melhor pensamento crítico e maior habilidade em resolver problemas no mesmo grupo.

Por outro lado, apesar da constatada progressiva qualidade de vida durante a graduação, no presente estudo foram encontrados escores reduzidos no domínio físico, psicológico e relações sociais quando comparados à literatura atual, porém o domínio meio ambiente demonstrou-se elevado (Chazan et al., 2015; Pagnin & Queiroz, 2015; Serinolli & Novaretti, 2017). Possivelmente este achado pode estar relacionado com as características sociodemográficas do grupo estudado, aspecto não avaliado neste e que deve ser retomado em outras investigações. Lucchetti et al. (2018) em estudo comparativo em estudantes de medicina do Brasil e dos Estados Unidos da América demonstrou os brasileiros como mais suscetíveis à depressão, altos níveis de estresse, exaustão e reduzida qualidade de vida, considerando os fatores culturais, assim como a maturidade dos estudantes como possíveis determinantes dos resultados

A análise dos sintomas da síndrome de burnout entre os participantes demonstrou alto nível de exaustão emocional, e despersonalização; e moderado nível de realização profissional. Os dados encontrados foram semelhantes aos encontrados em médicos residentes por Asaiag et al. (2010), em médicos de São Paulo (Magalhães & Glina, 2006), e em médicos americanos (Grunfeld, et al., 2000). Os resultados encontrados também coadunam com a literatura científica, sinalizando que o início da formação médica é um momento mais estressante do que a rotina da prática médica (Gracino et al., 2016; Oliveira et al., 2016).

Além disso, o índice de sintomas que caracterizam a síndrome encontrados foi superior aos encontrados em uma revisão de literatura sobre médicos de diversas especialidades, sendo que a classe mais acometida por esse tipo de adoecimento era a da medicina de UTI (22%) seguida pelos profissionais da medicina da família (17,1%) (Moreira et al., 2018). Foi encontrada prevalência intermediária (27,9%) da síndrome de burnout em médicos residentes hospital universitário de Pernambuco, compatível com estudos conduzidos no Brasil (Gouveia et al., 2017). Pesquisadores indicam ainda que, no processo formativo, o período de residência é o de maior pressão e conflitos comuns em jovens profissionais da área (Gouveia et al., 2017). Entre os estudantes, fatores como baixa idade, intenção de abandonar o curso e ausência de atividade de lazer (exceto na dimensão realização profissional) seriam preditores para a síndrome de burnout (Carlotto & Câmara, 2008), mas esse estudo não permite conclusões nessa direção.

Quando se analisa os dados estratificados por sexo ainda é possível inferir que o grupo estudado apresentou uma melhora progressiva da qualidade de vida durante sua graduação, principalmente no caso das mulheres. Essa interpretação é possível devido correlação positiva entre os domínios da qualidade de vida e o ano letivo no sexo feminino. No caso do sexo masculino apenas não foi encontrada correlação nos domínios psicológico e relações sociais.

Em relação às horas de estudo diário, observou-se correlação negativa no sexo feminino na maioria dos domínios da qualidade de vida, exceto em relações sociais. Não foi encontrada correlação entre horas de estudo e qualidade de vida no sexo masculino. E no que tange as dimensões da síndrome de burnout no sexo feminino foi encontrado correlação positiva entre horas de estudo e exaustão emocional, e entre ano letivo e realização profissional. Não foram observadas correlações para o sexo masculino. Esses resultados permitem interpretar que as experiências de adoecimento ou sofrimento mental na formação médica podem assumir variações relacionadas ao sexo dos estudantes, aspecto que deve ser explorado em outros estudos.

No conjunto, assim, foi possível verificar que estudantes de medicina que vivenciam o método de aprendizagem baseada em problemas apresentam uma redução da qualidade de vida no início do curso, porém com o passar da graduação os índices melhoram. Nesse sentido, quando pesquisado a percepção de egressos do modelo de aprendizagem baseada em problemas quanto a aquisição de competências e habilidades previstas na formação médica, Pícoli et al. (2017) evidenciaram que os estudantes avaliavam como "muito bom" a maioria dos itens de competências gerais, como atenção à saúde, comunicação e educação permanente, e avaliaram como "bom" os itens tomada de decisões, liderança, administração e gerenciamento. Essa avaliação pode indicar que a percepção positiva do método de aprendizagem se associa à melhora na qualidade de vida e a menores índices de adoecimento, conforme já foi identificado em outro estudo sobre a percepção do meio ambiente educacional com a qualidade de vida em estudantes de medicina (Enns et al., 2016). Contudo, para o presente estudo, a conexão estabelecida é indireta e deve ser explorada por estudos com foco na comparação entre métodos de ensino-aprendizagem vivenciados pelos estudantes, especificamente.

Por fim, salienta-se que esse estudo oferece contribuições para pensar a estratégia da promoção da saúde entre estudantes de medicina. Considerando as características do curso e suas exigências, os estudantes devem ser estimulados a desenvolverem comportamentos de promoção da saúde capazes de diminuir os efeitos negativos da formação para a saúde mental e a qualidade de vida. O comportamento de promoção da saúde é conceitualmente definido como um padrão multidimensional de comportamentos e percepções auto iniciadas que servem para manter ou melhorar o nível de bem-estar e autorrealização (Wei et al., 2011). Esse tipo de comportamento é composto por seis domínios que reúnem aspectos da nutrição, psicologia, educação física, espiritualidade em seu sentido amplo, autocuidado e relações interpessoais (Wei et al., 2011). Assim, depreende-se que o método de aprendizagem baseada em problemas, dadas suas características pedagógicas, pode auxiliar os estudantes nessa direção.

 

Conclusões

Este estudo descreveu os índices de qualidade de vida e adoecimento segundo os critérios para definição de diagnóstico da síndrome de burnout entre estudantes de um curso de medicina que vivenciam a aprendizagem baseada em problemas. Inferiu-se que ao ingressarem no ensino superior, egressos de um sistema educacional que prioriza modelos pedagógicos tradicionais, existe um momento de conflito que pode ser expresso pela diminuição da qualidade de vida. Contudo, à medida que os estudantes progridem no curso os índices de qualidade de vida melhoram. Os níveis de síndrome de burnout foram altos e podem se relacionar às características e exigências da formação médica.

É possível que as vivências em um curso que adota o método da aprendizagem baseada em problemas podem contribuir para a melhora da saúde e qualidade de vida de estudantes universitários do curso de medicina provavelmente pelas habilidades exigidas e desenvolvidas no decorrer do curso, ainda que os dados que reforcem a relação dessas variáveis sejam escassos. Essa perspectiva é importante para o debate no campo da promoção da saúde, principalmente ao se perceber as potencialidades do método pedagógico para o engajamento das pessoas em comportamentos de promoção da saúde relacionados à maior autonomia dos sujeitos, empoderamento e escolhas saudáveis.

Entrementes, os resultados do estudo devem ser interpretados considerando suas principais limitações. Nesse sentido, a pequena amostra e a análise transversal do perfil dos estudantes refletem apenas a rotina recente dos participantes de um determinado grupo, não representando a realidade global de estudantes que vivenciam o método de aprendizagem baseada em problemas. Da mesma forma, a questão da aprendizagem baseada em problemas foi avaliada de forma indireta e não se constituiu como variável analisada diretamente. É valido ressaltar também que os dados foram coletados ao final do semestre, fato que pode levar a resultados supervalorizados considerando o período de avaliações finais semestrais. Sugere-se que sejam desenvolvidos estudos longitudinais que avaliem a qualidade de vida e a vulnerabilidade ao estresse e esgotamento profissional de maneira mais fidedigna, identificando fatores causadores e protetores.

 

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Endereço para correspondência
E-mail
: felipekaluf@gmail.com

Recebido em: setembro de 2018
Aceito em: fevereiro de 2019

 

 

1 Felipe Kaluf de Andrade: Graduando em Medicina, Universidade de Franca.
2 Liandra Aparecida Orlando Caetano: Graduanda em Psicologia, Universidade de Franca.
3 Wanderlei Abadio de Oliveira: Psicólogo, Doutor em Ciências, Pós-doutorando do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
4 Jorge Luiz da Silva: Psicólogo, Doutor em Enfermagem em Saúde Pública. Docente do Programa de Pós-Graduação em Promoção de Saúde, Universidade de Franca.
5
Marina Garcia Manochio-Pina: Nutricionista, Doutora em Ciências pelo Departamento de Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Docente do curso de pós-graduação em Promoção de Saúde, Universidade de Franca.

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