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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.52 no.2 Canoas July/Dec. 2019

 

ARTIGOS EMPÍRICOS -PSICOLOGIA

 

Prevalência de distúrbios do sono e fatores associados em crianças de 0 a 3 anos de um bairro do sul do Brasil

 

Prevalence of sleep disorders and associated factors in children aged 0 to 3 years of a district in the south of Brazil

 

 

Mateus Martins Nudelmann1,I ; Aline Groff Vivian2,II

IHMGV
II
ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência de distúrbios do sono em crianças de 0 a 3 anos e respectivos fatores associados. Trata-se de um estudo transversal, no qual foram avaliados 47 bebês da Vila União Operária, em Canoas/RS. Os dados foram coletados nas residências das famílias, onde os responsáveis responderam a um questionário sobre distúrbios do sono. A prevalência de distúrbio de sono referido em bebês foi 40,4% e os fatores associados foram: bebês que têm dificuldade para iniciar o sono mais frequentemente, mães com falta de apoio nos cuidados do bebê, com falta de apetite, que dormem mal, com perda de interesse pelas coisas, que cansam com facilidade e com suspeita de Transtorno Mental Comum (TMC). A falta apoio das mães nos cuidados dos seus filhos e a saúde mental materna são fatores associados com distúrbio de sono em bebês.

Palavras-chave: Distúrbios do Sono; Bebês; Fatores Associados


ABSTRACT

The aim of the present study was to verify the prevalence of sleep disorders in children from 0 to 3 years old and associated factors. This was a cross-sectional study in which 47 babies from Vila União Operária, in Canoas/RS, were evaluated. The data were collected in households of families, where those responsible answered a questionnaire regarding sleep disorders. The prevalence of reported sleep disorder in babies was 40,4% and the associated factors were: babies who have trouble to fall asleep more often, mothers who do not receive enough support in the care of the baby, with lack of appetite, who sleep bad, with a loss of interest in things, who tired easily and with suspected Common Mental Disorder. Lack of support from mothers in caring for their children and maternal mental health are factors associated with sleep disorder in babies.

Keywords: Sleep Disorders; Babies; Associated Factors.


 

 

Introdução

Atualmente, não existe um consenso na literatura sobre o que pode ser objetivamente considerado um distúrbio do sono na primeira infância (Lopes et al., 2010). Algumas manifestações que podem ser entendidas como distúrbios do sono são a dificuldade em iniciar o sono, dificuldade em manter o sono, despertar antes do desejado, resistência a ir para a cama nos momentos apropriados, dificuldade em dormir sem a intervenção do pai ou cuidador (Devoto, 2016). Os distúrbios do sono da criança, em todas as idades, apresentam uma grande variedade (Cohen & Marcelli, 2009), sendo frequentes na primeira infância (crianças de 0 a 3 anos) e ocupando lugar de destaque no plano da clínica psicossomática (Kreisler, Fain & Soulé, 1981).

A expressão somática ocupa uma posição privilegiada na psicopatologia do bebê, pois esta atinge suas principais funções: sono, alimentação, eliminação e respiração (Kreisler et al., 1981). Quando ocorrem manifestações somáticas e do comportamento da criança, sem causa orgânica, podem-se sinalizar dificuldades na interação mãe-bebê ou pais-bebê (Peruchi, Donelli & Marin, 2016).

Quanto ao padrão do sono adequado da primeira infância, os recém-nascidos requerem maior tempo total de sono e têm um padrão de sono-vigília fragmentado. A partir de cinco meses de idade, as crianças têm a capacidade de dormir por períodos mais longos. Aos seis meses de idade, as crianças são capazes de dormir sem mamadas noturnas, mas existe uma variação significativa. À medida que as crianças crescem, os períodos de sono se alongam gradualmente e tempo total de sono diminui (Carter, Hathaway & Lettieri, 2014).

Estudos mostram que a prevalência de distúrbio de sono na primeira infância varia de 10 a 46% (Byars, Yolton, Rausch, Lanphear & Beebe, 2012; Hiscock & Wake, 2001; Lam, Hiscock & Wake, 2003; Lopes et al., 2010; Sadeh, Mindell, Luedtke & Wiegand, 2009). Uma das possíveis razões para essa divergência de prevalências é que os estudos usam diferentes critérios para definir distúrbios de sono, além de o sono em bebês de 0 a 3 anos poder apresentar alterações de acordo com alguns fatores, como o contexto sociocultural, por exemplo (El-Sheikh & Kelly, 2017).

Sob o ponto de vista etiológico, os distúrbios do sono na infância podem ser influenciados por fatores culturais, sociais, ambientais, médicos, fisiológicos e psicológicos (Bathory & Tomopoulos, 2017; Gregory & Sadeh, 2016). Alguns fatores ambientais têm sido insistentemente apontados como responsáveis por alterar a qualidade do sono na primeira infância: coleito, depressão materna, rotina irregular de sono, interações parentais na hora de dormir (Lopes et al., 2010; Sadeh et al., 2009).

Distúrbios de sono estão associados com problemas comportamentais, dificuldade de aprendizagem, diminuição da atenção e irritabilidade (Santos et al., 2016). A falta de sono pode também afetar a memória e interromper a regulação emocional na primeira infância (McDonald, Wardle, Llewellyn, van Jaarsveld & Fisher, 2014). No que diz respeito às consequências porvindouras dos distúrbios de sono, as crianças que tiveram problemas, como a duração curta do sono noturno antes da idade de três anos e meio, têm aumento do risco de altas pontuações em escalas de hiperatividade-impulsividade e baixo desempenho cognitivo aos seis anos, assim como, esses distúrbios, têm uma forte associação e são fatores de risco para ansiedade e depressão, problemas de atenção e agressividade na juventude (Romeo et al., 2013). Além disso, distúrbios de sono na primeira infância aumentam o risco de sofrer de obesidade posterior (Miller, Lumeng & LeBourgeois, 2015).

Diante deste cenário, vários estudos demonstraram que os distúrbios do sono infantil são passíveis de tratamento com intervenções comportamentais em curto prazo (Hall et al., 2015; Symon & Crichton, 2017; Werner et al., 2015). Dessa forma, essa informação evidencia a importância da precoce identificação deste problema nas crianças.

De acordo com a revisão da literatura acima apresentada, é frequente a presença de distúrbios de sono na primeira infância. Bebês insones podem ser acometidos de agitação ou apatia e ter alteração em vários aspectos do seu desenvolvimento. Os pais ou cuidadores podem experimentar uma angústia que estaria ligada a uma distorção na relação mãe-filho.

Diante destas constatações, associadas à frequência significativa de distúrbios, justificase a realização desta pesquisa. A existência limitada de estudos sobre distúrbios de sono em bebês no contexto sociocultural brasileiro apontam para a relevância do trabalho.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi verificar a prevalência de distúrbios do sono em bebês de 0 a 3 anos acompanhados em visitas domiciliares pelos estudantes de medicina da disciplina Ciclo da Vida I da ULBRA. Especificamente, buscaram-se investigar quais são as variáveis associadas aos distúrbios do sono na população de bebês analisada.

 

Método

Foi realizado um estudo observacional e quantitativo com delineamento transversal, no qual foram avaliados bebês de 0 a 3 anos, residentes da Vila União Operária, em Canoas/RS, que foram acompanhados em visita domiciliar pelos estudantes de medicina da ULBRA da disciplina Ciclo da Vida I. No período de fevereiro a novembro de 2017, foram entrevistadas 45 mães, sendo que para 2 delas o questionário foi aplicado para 2 filhos, totalizando, assim, uma amostra de 47 díades mãe/filho.

Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas pelo próprio pesquisador e por estudantes de medicina previamente treinados. As mães dos bebês foram visitadas em suas residências, onde receberam informações sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após esse procedimento, elas responderam três instrumentos, nesta ordem sequencial: a ficha de dados sociodemográficos, o questionário "Avaliação dos distúrbios de sono da primeira infância" e o questionário SRQ-20 (Self Report Questionare-20). Os três questionários foram aplicados em uma única visita e o tempo de aplicação foi, aproximadamente, 30 minutos.

No questionário sociodemográfico, foram avaliadas as informações de data de nascimento, sexo e idade do bebê; idade e escolaridade da mãe; quantidade de filhos e renda familiar. O instrumento "Avaliação dos distúrbios de sono da primeira infância" contém 60 questões que permitem avaliar a presença, intensidade e frequência do sono, assim como os aspectos que podem influenciar o sono. Esse questionário foi adaptado a partir do questionário "Sympton Check-list": Avaliação dos Transtornos Psicofuncionais da Primeira Infância (Pinto, 2004; Robert-Tissot et al., 1989), que ainda não está validado no Brasil e explora os seguintes aspectos: sono, alimentação, digestão, respiração, pele, alergias, comportamento, medos, separação, utilização de cuidados médicos e mudanças na vida da criança. A utilização desse instrumento foi feita mediante autorização da detentora de seus diretos autorais. Para a adaptação do "Avaliação dos distúrbios de sono da primeira infância" se utilizou o segmento que aborda sobre sono do questionário "Sympton Check-list" e foram acrescentadas questões sobre condições, que de acordo com a literatura, interferem no sono dos bebês. Já o questionário SQR-20 foi utilizado para avaliar os TMCs nas mães dos bebês. Este instrumento, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (Jacinto & Tolfo, 2017), é composto de 20 questões sobre sintomas físicos e psíquicos, com escala de respostas dicotômicas (sim/não), para rastreamento de distúrbios psiquiátricos menores (ansiedade, depressão, reações, psicossomáticas, irritação e cansaço mental). O ponto de corte para a suspeição de TMC nesse estudo foi sete ou mais respostas positivas, com base em estudo de validação no Brasil (Santos, Araújo, Pinho & Silva, 2010).

A variável dependente utilizada foi distúrbio do sono dos bebês referido por suas mães (sim/não). Embora o questionário utilizado tenha perguntas sobre os padrões de comportamento de sono, utilizou-se como critério para distúrbio de sono a referência das entrevistadas de problema de sono no seu filho pelo fato de os critérios para distúrbios de sono do questionário não serem validados e não existir no Brasil um instrumento já validado para avaliar as alterações de sono (Lopes et al., 2010). As variáveis independentes selecionadas foram divididas em categorias: variáveis sociodemográficas e econômicas, variáveis com padrões de sono, variáveis sobre fatores ambientais, variáveis ginecoobstétricas, variáveis psicossociais e variáveis para os itens do questionário SRQ-20.

A associação entre distúrbio do sono referido e as variáveis independentes foi investigada por intermédio de análise bivariada utilizando-se o teste do qui-quadrado com nível de significância de 5%, além da utilização da análise de regressão logística binária, adotando-se intervalo de confiança de 95%.

Para a tabulação dos dados, foi utilizado o programa Microsoft Excel 2007 e os cálculos estatísticos foram realizados com o programa SPSS versão 17.0. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da ULBRA (sob parecer CAAE 63261416.8.0000.5349) em janeiro de 2017. As informações obtidas foram mantidas em sigilo, sendo preservada a identidade dos participantes da pesquisa.

 

Resultados

A prevalência de bebês com distúrbios do sono referidos pelas mães foi de 40,4%. Dentre as 45 mães entrevistadas, a média de idade foi 26,31 anos (DP = 7,30 anos), tendo variado de 17 a 45 anos. Quanto à faixa etária, 3 (6,67%) das entrevistadas tinham 18 anos ou menos, a maioria (55,56%) estava entre 19 a 24 anos, 7 (15,56%) encontravam-se entre 25 e 30 anos e 10 (22,22%) das mães tinham 31 anos ou mais. Sobre a escolaridade materna, a mais prevalente foi ensino médio completo (42,22%), enquanto nenhuma entrevistada tinha ensino superior completo. No que diz respeito à quantidade de filhos, a média de filhos por mãe foi 1,88 (DP = 1,19 filhos), variando de 1 a 6 filhos. A maior parte das mães, 23 (51,11%), tinham apenas 1 filho, 12 (26,67%) entrevistadas tinham 2 filhos e 10 (22,22%) tinham 3 filhos ou mais. Em relação à renda familiar, 15 (33,3%) das mães ganhavam entre 1 e 2 salários mínimos, correspondendo à faixa salarial que compreende a maior quantidade de mães avaliadas.

Quanto aos bebês, dentre os 47 indivíduos da amostra, a média de idade foi 0,96 anos (DP = 0,78 anos). Observou-se predomínio dos bebês com menos de 1 ano de idade, 29 (61,70%). Entre 1 a 2 anos, encontravam-se 11 (23,40%) bebês, no intervalo de idade entre 2 a 3 anos, tinha 6 (12,77%) bebês e com mais de 3 anos (mais especificamente com 3 anos, 1 mês e 14 dias), tinha 1 (2,13%) indivíduo da amostra. A maior parte, 27 (57,45%), era do sexo masculino e 20 (42,55%) eram do sexo feminino. Nenhuma das variáveis sociodemográficas e econômicas foi associada ao distúrbio de sono referido pela mãe.

As características sociodemográficas e econômicas da amostra estudada encontramse na Tabela 1.

 

 

No que diz respeito às características do sono dos bebês (Tabela 2), as mães referiram que 20 bebês (42,55%) nunca apresentaram dificuldade para iniciar o sono. Os bebês que tiveram dificuldade para iniciar o sono quase todas as noites (14,89%) e todas as noites (17,02%) foram associados com distúrbio de sono referido, tendo percentuais de 71,4% e 75% de distúrbio de sono, respectivamente. Quanto ao tempo de demora para dormir, houve um equilíbrio entre as respostas, sendo que os bebês que dormiam em menos de 30 minutos, aproximadamente (25,53%), foram os mais prevalentes. Os bebês que demoravam mais tempo para adormecer, ou seja, que iniciavam o sono em mais de 1 hora, aproximadamente (20,45%), foram aqueles com maior prevalência de sono referido pelas mães (77,7%), com tendência a significância estatística (p = 0,068). A maior parte dos bebês não conseguia iniciar o sono sozinho (57,45%), acordava todas as noites (37,17%) e acordava 1 ou 2 vezes por noite (57,45%). Quanto mais despertares noturnos, maior é a quantidade de mães que denotam seu filho como tendo distúrbio de sono. Além disso, a maioria dos bebês dormia sempre nos mesmos horários (59,57%). De todos os comportamentos de sono, o único que foi associado ao distúrbio de sono referido pela mãe foi a dificuldade de iniciar o sono (p = 0,045).

 

 

Na Tabela 3, observam-se variáveis referentes a fatores ambientais que poderiam modificar o sono das crianças. Em relação ao local em que o bebê dorme, 28 (59,57%) crianças tinham o seu leito no quarto dos pais e 17 (36,17%) dormiam na mesma cama que os pais. Quase a totalidade (95,74%) não frequentava creche. Notou-se predomínio de bebês que cochilavam todos os dias durante o dia (74,47%). Quanto ao hábito de assistir televisão, as mães referiram que a maior parte dos bebês não assistia televisão pela manhã (61,70%) nem à tarde (51,06%) nem à noite (68,09%). Observou-se que 31 (67,39%) dos bebês não moravam com algum fumante, enquanto 15 (32,61%) moravam. Nenhuma das variáveis relacionadas a fatores ambientais foi associada estatisticamente com distúrbio de sono dos bebês referido pelas mães.

 

 

Em relação às variáveis gineco-obstétricas avaliadas, a maior parte dos bebês nasceu a termo (77,78%), com 3 a 4 Kg (59,57%) e de parto normal (55,32%). Os bebês que nasceram a termo, entre 3 e 4 Kg e de parto cesárea apresentaram menores prevalência de distúrbios de sono referido, tendo, respectivamente, 37,1%, 28,5% e 33,3% de percentual de distúrbio de sono, entretanto nenhuma variável gineco-obstétrica foi associada ao distúrbio de sono (Tabela 4).

 

 

Quanto as variáveis psicossociais, 38 (80,85%) dos bebês da amostra são filhos de mães que nunca tiveram algum filho que morreu e 9 (19,15%) das crianças são filhos de mães que algum filho faleceu. Houve predomínio de bebês que nasceram de uma gravidez planejada (55,32%) e cujas mães consideram receber apoio suficiente nos cuidados dos filhos (85,11%). Constatou-se que a prevalência de distúrbios de sono dos bebês de mães que tiveram filhos que já morreram era de 55,5% e dos bebês que têm mães que não tiveram filhos que morreram era de 36,8%. A prevalência de distúrbios de sono referido dos bebês cujas mães tiveram gravidez planejada ou não planejada foi equilibrada. E, por sua vez, o porcentual de distúrbios de sono em bebês que recebiam apoio suficiente nos cuidados do bebê foi de 32,5%, enquanto os bebês cujas mães não recebiam apoio suficiente nos cuidados do bebê tiveram prevalência de distúrbios de sono referido de 85,7%. Assim, houve associação estatística significativa de mães que não recebiam apoio suficiente nos cuidados dos filhos com distúrbio de sono referido nos bebês (p = 0,026).

Na Tabela 5, apresentam-se as variáveis psicossociais distribuídas de acordo com a amostra dos bebês.

 

 

Quanto às respostas das entrevistadas obtidas por meio do SQR (Tabela 6), os sintomas psicossomáticos que tiveram associação com distúrbio de sono nos bebês referido pelas mães foram: falta de apetite (p = 0,017), dormir mal (p = 0,002), perda de interesse pelas coisas (p = 0,041) e cansar com facilidade (p = 0,011).

No tocante à investigação da associação distúrbios de sono de bebês com a saúde mental de suas mães, a partir das respostas apresentadas no SRQ-20, observou-se que 15 (31,91%) bebês tinham mães que obtiveram pontuação que as classificava como possíveis casos de TMC (Tabela 7), havendo, nestes casos, associação com distúrbio de sono referido em bebês (p = 0,016).

 

 

 

Discussão

Dentre os 47 bebês de 0 a 3 anos que constituíam a amostra desse estudo, 19 (40,4%) deles tinham distúrbio de sono referido por suas mães. A prevalência foi semelhante à de investigação realizada em Pelotas/RS, que encontrou 35,7% dos bebês com alteração no padrão de sono (Lopes et al., 2010), embora esta pesquisa não tenha usado distúrbio de sono referido como critério para alteração de sono. O estudo atual apresentou uma prevalência mais alta de distúrbios de sono em bebês, quando comparado com outro que também usou o relato dos pais como critério para distúrbio de sono em bebês, apontando 10% distúrbio de sono em bebês (Byars et al., 2012). Uma das possíveis causas desta alta prevalência de distúrbio de sono referido em bebês encontrada no presente trabalho pode ser pelo fato de que as pessoas entrevistadas pertencerem a famílias de baixa renda (Byars et al., 2012). Contudo, um estudo australiano (Lam et al., 2003), obteve a prevalência similar ao do nosso estudo, de 36 a 45%, de pais que relataram um distúrbio com o sono do seu bebê com seis meses de vida.

Quanto aos aspectos sociodemográficos e econômicos, nenhum fator foi associado ao distúrbio de sono em bebês. Em um estudo de Pelotas/RS (Santos, Mota, & Matijasevich, 2008), também, não foi encontrada associação entre a idade e a escolaridade materna com despertares noturnos aos 12 meses de idade, em contraste com estudo de Londres (McDonald et al., 2014), em que menor escolaridade materna foi associada com sono mais curto. No estudo de Pelotas/RS (Santos et al., 2008), ainda, o despertar noturno foi mais frequente entre filhos de mães com maior paridade, diferentemente do nosso estudo, em que os bebês de mães com três ou mais filhos tiveram tendência a ter menos distúrbio de sono referido. No tocante à classe socioeconômica há divergências na literatura, enquanto o mesmo estudo de Pelotas (Santos et al., 2008) e um estudo inglês (Tomalski et al., 2016) concordaram com o presente estudo, demonstrando que nível socioeconômico não está associado com distúrbios de sono em bebês, um estudo do Canadá (Byars et al., 2012) encontrou associação entre famílias de baixa renda e distúrbios de sono. E, em relação ao sexo do bebê, ser do sexo masculino foi associado com distúrbios de sono por alguns estudos na literatura (McDonald et al., 2014; Santos et al., 2008), ao passo que, nesta pesquisa e em outra de Pelotas/RS (Lopes et al., 2010) não houve associação.

No que diz respeito às características do sono dos bebês, a única variável associada ao distúrbio de sono referido pela mãe foi a frequência de dificuldade para iniciar o sono (p = 0,045), na qual ter dificuldade para iniciar o sono quase todas e todas as noites aumentam a chance de ter distúrbio de sono. Ademais, em nosso estudo constatou-se que os bebês que demoram mais de 1 hora, aproximadamente, para iniciar o sono têm maior prevalência de distúrbio de sono, entretanto não se relacionaram com relevância estatística com distúrbio do sono (p = 0,068). Em concordância com este achado, encontrou-se na literatura (Hiscock & Wake, 2001), que demorar mais tempo para adormecer está correlacionado com distúrbio de sono em bebês. Como resultado do nosso estudo, também se notou que quanto mais vezes o bebê acorda durante a noite, maior o número de mães que relatam distúrbio de sono em seus filhos, da mesma forma, o estudo supracitado (Hiscock & Wake, 2001), obteve associação positiva entre acordar mais vezes à noite e distúrbio de sono em bebês. No presente estudo, dormir sempre nos mesmos horários não foi um fator de proteção para distúrbio de sono, em contraste com outras pesquisas (Nunes & Bruni, 2015; Sadeh et al., 2009) que mostram que ter uma rotina regular de sono é benéfico para o sono dos bebês. Muitos estudos (Byars et al., 2012; Lam et al., 2003; Lopes et al., 2010) utilizam algumas dessas variáveis de comportamentos de sono como critérios para distúrbios de sono, contudo, não existe um consenso na literatura sobre o que pode ser objetivamente considerado uma alteração de sono na primeira infância (Lopes et al., 2010). Algumas perguntas que podem caracterizar distúrbios de sono, como ronco, não foram o foco desse estudo, podendo ser analisadas em pesquisas futuras.

No que concerne às variáveis relacionadas com fatores ambientais, nenhum dos elementos averiguados foi significativamente associado com distúrbio de sono em bebês, possivelmente devido ao pequeno tamanho amostral, uma vez que muitas dessas variáveis já foram associadas com distúrbio de sono na primeira infância na literatura. Alguns dos fatores investigados neste trabalho que muitos estudos corroboram foi a associação de coleito do bebê com distúrbios de sono (Field, 2017; Hiscock & Wake, 2001; Kim, Lee & Cain, 2017; Santos et al., 2008), assim como bebês que assistem televisão à noite terem prejuízo no seu sono (McDonald et al., 2014), porém estas relações não foram encontradas na presente pesquisa.

Em relação às variáveis gineco-obstétricas, os resultados demonstram que os bebês que nasceram a termo, entre 3 e 4 Kg e de parto cesárea obtiveram menores prevalência de distúrbios de sono referido. Já os que nasceram pré-termo, com mais de 4 Kg e entre 2 e 3 Kg e de parto normal apresentaram as maiores prevalências de distúrbio de sono referido. Nenhuma dessas condições foi associada ao distúrbio de sono em bebês referido pelas mães. Da mesma forma, dois diferentes estudos de Pelotas/RS (Lopes et al., 2010; Santos et al., 2008) não encontraram associação entre alterações de sono em bebês aos 12 meses de idade com prematuridade e baixo peso ao nascer. Em oposição a esses achados, outro trabalho da literatura (McDonald et al., 2014) demonstrou relação entre baixo peso ao nascer e sono mais curto em bebês.

Quanto aos aspectos psicossociais, os achados mostraram que os bebês com maior prevalência de distúrbio de sono foram: os bebês de mães que tiveram um filho que morreu, os filhos de mães que tiveram a gravidez não planejada e os filhos de mães que receberam apoio não suficiente nos cuidados do bebê. Os bebês cujas mães recebem apoio insuficiente nos cuidados dos seus filhos tiveram associação com distúrbio de sono referido, tendo como prevalência de alterações de sono de 85,7%, valor bem mais alto comparado aos 32,5% de distúrbio de sono dos filhos de mães que recebem apoio suficiente nos cuidados. Neste trabalho, o distúrbio de sono nos bebês não foi associado com morte de algum filho, contudo, alguns pais podem ter sentimentos ambivalentes em relação aos bebês que sobreviveram, pois, pelo medo de perder esses filhos, podem, por um lado, ter medo de investir afetivamente nestes filhos e, por outro, passar a superprotegê-los (Silva, 2005). Isto posto, um estudo (Thunström, 1999) correlacionou a preocupação e a ansiedade dos pais em relação à saúde dos seus filhos com distúrbio de sono nos bebês.

Em relação aos resultados obtidos a partir do questionário SRQ-20, distúrbio de sono referido nos bebês foi associado com mães que tiveram sete ou mais respostas positivas no questionário (p = 0,016), isto é, têm suspeita de TMC, expressão criada por Goldberg e Huxley (1992), que é caracterizada por sintomas somáticos como irritação, cansaço, esquecimento, redução da capacidade de concentração, ansiedade e depressão (Pedrosa, Couto & Luchesse, 2017). Outros estudos da literatura que associaram sintomas depressivos (Hiscock & Wake, 2001; Lopes et al., 2010) e ansiosos (Ystrom et al., 2017) da mãe com distúrbio de sono em seus bebês ratificam esse achado.

Algumas limitações do presente estudo devem ser consideradas. A interpretação dos dados é limitada pelo desenho do estudo transversal, não podendo ser feita uma relação causa-efeito entre os distúrbios do sono em bebês e as demais variáveis. Ademais, algumas variáveis desse estudo não foram associadas com distúrbio do sono possivelmente devido ao pequeno tamanho amostral, visto que elas já foram associadas com alterações do sono em bebês em outras pesquisas. Outra limitação se refere ao fato de que o atual trabalho não teve como objetivo a análise de outras variáveis, as quais, possivelmente, influenciam a qualidade de sono, como parassonias, ronco, uso de medicamentos, uso de chupeta, nível de barulho, nível de iluminação; necessitando de futuros estudos com essas variáveis.

 

Conclusão

O presente estudo contribuiu para revelar informações sobre a prevalência de distúrbio de sono e fatores associados em bebês de 0 a 3 anos. Ao analisar os resultados desta pesquisa percebe-se que quase a metade dos bebês participantes apresentaram distúrbio de sono referido por suas mães. Entre os comportamentos de sono, o único que mostrou associação positiva ao distúrbio de sono, referido pela mãe, foi a dificuldade de iniciar o adormecer. Assim como em outras pesquisas, o presente estudo demonstrou que a saúde mental das mães relaciona-se com distúrbios de sono em seus filhos. E nosso estudo também constatou que as mães que não recebem apoio suficiente nos cuidados dos bebês esteve associado com distúrbios de sono nos seus filhos. Esses achados motivam que novos estudos possam ser feitos a fim de ratificar os resultados e investigar a intervenção nos fatores associados ao distúrbio do sono em bebês.

A partir do entendimento do problema e das circunstâncias que se correlacionam com distúrbio de sono, pode-se elaborar intervenções com o intuito de promover fatores de proteção na população estudada. Dessa forma, é pertinente que os profissionais de saúde abordem, frequentemente, comportamentos e sintomas específicos do sono dos bebês a fim de identificar problemas, com o objetivo de tratar esses distúrbios e, desse modo, prevenir suas repercussões.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: mateusmn@gmail.com

 

Recebido em: janeiro de 2019
Aceito em: março de 2019

 

1 Mateus Martins Nudelmann: Médico Generalista, Residente de Medicina de Família e Comunidade (HMGV).
2 Aline Groff Vivian: Psicóloga Clínica, Mestre e Doutora em Psicologia (UFRGS), Professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde (ULBRA).

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