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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.53 no.1 Canoas Jan./June 2020

 

ARTIGO INTERNACIONAL - PROMOÇÃO DA SAÚDE

 

Transcendendo fronteiras: experiência de enfermeiras brasileiras em Portugal

 

Transcending borders: experience of brazilian nurses in Portugal

 

 

Fernanda Schommer Stein1,I,II; Renata Simionato2, I,II; Daniela da Silva Schneider3,II

IUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA)
II
Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Introdução: Programas de residência multiprofissional em saúde, no Brasil, oportunizam a formação de profissionais enfermeiros nos ambientes em que se realiza saúde. Transcender a realidade de saúde, ao possibilitar mobilização internacional, contribui para o desenvolvimento acadêmico-profissional. Objetiva-se descrever a experiência de enfermeiras em um hospital de Portugal. Metodologia: Trata-se de um relato de experiência de enfermeiras residentes em relação a um período de estágio internacional. Resultados e discussão: Pode-se observar diversas diferenças entre os papéis realizados por profissionais enfermeiros no Brasil e em Portugal. Além disso, a organização da categoria e suas rotinas de trabalho também divergem da brasileira. Considerações finais: Oportunizar experiências internacionais implica em ampliação de horizontes culturais e técnicos e desenvolvimento de pensamento crítico-reflexivo.

Palavras-chave: Enfermagem; Especialização; Intercâmbio Educacional Internacional.


ABSTRACT

Introduction: Multiprofessional health residency programs in Brazil provide opportunities for the training of professional nurses in health settings. Transcending health reality by enabling international mobilization contributes to academic and professional development. The purpose of this study is to describe the experience of nurses in a hospital in Portugal. Methodology: This is an experience report of resident nurses in relation to an international internship period. Results and discussion: We were able to observe several differences between the roles performed by professional nurses in Brazil and Portugal. In addition, the organization of the category and its work routines also differ from the Brazilian one. Final considerations: Opportunity for international experiences implies broadening cultural and technical horizons and developing critical-reflective thinking.

Keywords: Nursing; Specialization; International Educational Exchange.


 

 

Introdução

A internacionalização dos Programas de Pós-Graduação no Brasil é definida por diretrizes de cooperação internacional, que complementam a educação e a formação de seus professores e estudantes. A partir de 2007, por meio da Lei nº 62/2007 (Diário da República Eletrônico de Portugal, 2007), do Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior, Portugal intensificou o processo de mobilidade externa e interna de estudantes e professores. Com isso, um dos objetivos das formações do ensino superior no país é a contribuição para a cooperação internacional e para a aproximação entre os povos, especialmente para os países de língua portuguesa e os países europeus (Girondi et al., 2016).

Para Teichler 2004 apud (Peraro, Volpato, Vieira & Zilli, 2017), no que tange o processo de internacionalização do ensino superior, tem-se três âmbitos interligados, sendo esses "a internacionalização, a europeização e a globalização". Assim, a mobilidade acadêmica envolve, além do movimento de deslocamento, estruturas, meios, culturas e significados, uma vez que possibilita o intercâmbio de saberes científicos e transculturais (Castro & Cabral, 2012).

Oportunidades, assim, possibilitam a comparação entre as enfermagens brasileira e portuguesa, identificando-se diferenças e potencialidades entre os cuidados e proporciona uma visão crítica, ampliada e diferencial. Portanto, relatar esse tipo de experiência torna-se importante para fomentar a pesquisa científica e incentivar os estudantes de graduação e pós-graduação a ingressarem em novos desafios e buscarem esse tipo de oportunidade, assim como motivar os colegas estrangeiros, para que também venham para o Brasil e ampliem a troca de saberes.

Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo relatar a experiência de enfermeiras residentes brasileiras, durante o período de mobilidade acadêmica, em um hospital público de Portugal e fazer uma reflexão sobre as potencialidades e os desafios da internacionalização estudantil na pós-graduação.

 

Metodologia

Relato de experiência de duas enfermeiras integrantes do programa de pósgraduação em residência multiprofissional em saúde com ênfase em saúde do adulto e do idoso da Universidade Luterana do Brasil, que realizaram estágio optativo em um hospital público de Portugal.

O processo de aceite para a realização do estágio perpassou autorização do Conselho de Residência Multiprofissional, contato e encaminhamento de documentos pelo setor de Relações Internacionais da universidade no Brasil, submissão de documentos na plataforma online da instituição de ensino e aceite, então, por parte da universidade e do hospital em Portugal.

Assim, a vivência e as atividades práticas de enfermagem ocorreram em fevereiro de 2019, com uma enfermeira residente atuando em unidade de cuidados intensivo e outra em centro cirúrgico.

 

Resultados e discussão

Em Portugal, teve-se a oportunidade de atuar e observar a prática do trabalho de enfermagem dentro do bloco cirúrgico (BC) e da Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) no hospital vinculado à instituição de ensino superior de Angra do Heroísmo – Açores. Assim, cada residente ficou, durante um mês, estagiando em um desses setores.

O hospital que foi cenário de prática presta serviços de urgência, atendimentos clínicos, procedimentos ambulatoriais e cirúrgicos, cuidados intensivos, além de internação clínicocirúrgica, pediátrica, unidade de neonatologia, psiquiatria e saúde mental, estando entre os hospitais que apresentam os melhores serviços de urgência a nível nacional, com equipes preparadas para atuar, inclusive, em transporte aéreo (Portal HSEIT, 2019).

Categorias Profissionais e Competências das Equipes de Enfermagem

Em Portugal não existe a classe dos técnicos de enfermagem, como há no Brasil. Sendo assim, cabe ao enfermeiro a prestação do cuidado integral ao paciente. No entanto, existem os auxiliares de ação médica, os quais não possuem formação teórica e técnica formal na área de enfermagem e, portanto, não podem realizar procedimentos invasivos, porém, são suporte ao enfermeiro na realização dos cuidados de higiene, alimentação e conforto. Cabe aos auxiliares, também, a higienização dos materiais médicos utilizados nos pacientes e cuidados básicos de manutenção do setor em que atuam (Girondi et al., 2016). Já no Brasil, segundo a resolução nº 7.498 do Conselho Federal de Enfermagem de 1986 (COFEN, 1986), a enfermagem atua em consonância com enfermeiros e técnicos de enfermagem, cada um desempenhando as suas respectivas funções, mas sempre em complementação uma com a outra.

Ao longo do período prático, observou-se diferenças no que tange às competências do enfermeiro no Brasil e em Portugal: observou-se que, enquanto em Portugal todo cuidado assistencial do paciente é de responsabilidade do enfermeiro, no Brasil muitos cuidados podem ser realizados por técnicos de enfermagem (punção venosa e coleta de exames laboratoriais venosos, vesicais e de vias aéreas, cuidados de higiene e conforto, curativos, diluição e administração de medicações, administração de dietas enterais) e apenas algumas atividades assistência são exclusivas do enfermeiro (coletas de sangue arterial, administração de dieta parenteral, punção de fístulas arteriovenosas, sondagens nasoenterais e vesicais).

Em termos de estrutura, a UCI é equipada com nove leitos de cuidados intensivos, sendo três destinados à especialidade da cardiologia e os demais à clínica geral. Cada leito é equipado com cama automática, ventilador, monitor de parâmetros vitais, estativa com sistema de aspiração à vácuo e sistema de oxigênio, bombas de infusão de medicações e dietas por sondas, além de itens individuais de cuidados de higiene e conforto. Além disso, a unidade conta com carro de parada cardiorespiratória, maletas de transporte, equipamento de ecografia, equipamento de diálise, computadores para registros eletrônicos e salas de apoio (preparo de medicações, estoques de materiais, expurgo). Os cuidados de organização do setor são realizados pelos auxiliares de ação médica, porém, cabe ao enfermeiro líder o controle e conferência de insumos, podendo ser realizada por enfermeiro assistencial na ausência desse.

Além disso, enfermeiros assistenciais no Brasil assumem muitas atividades de gerenciamento e de educação, sendo responsáveis pela escala de pessoal de enfermagem, controle de materiais fixos, controle de estoques, treinamentos de equipe e articulação interprofissional. Em contrapartida, em Portugal, as atividades de cunho mais administrativo estão centradas no enfermeiro líder, que também atua diretamente na assistência de enfermagem.

Experiência no Bloco Cirúrgico e em Unidade de Cuidados Intensivos

Durante o período de um mês no BC, pode-se observar cirurgias de diversas especialidades, como ortopedia, cirurgia geral, vascular, urologia, ginecologia. A atuação como residente de enfermagem foi observacional e, em algumas situações, atuando na. prática juntamente com o preceptor responsável. Assim, foi possível observar as funções dos diferentes profissionais de enfermagem do BC e a importância de cada um deles no cuidado e na qualidade de saúde prestados ao paciente.

Atuam, no BC, basicamente três categorias de enfermeiros: os enfermeiros de anestesia, enfermeiros instrumentistas e enfermeiros circulantes. Os enfermeiros instrumentistas e circulantes revezam as funções durante o decorrer das cirurgias do dia, enquanto os enfermeiros de anestesia possuem uma escala para atuarem tanto na sala de operações, quanto na sala de recuperação pós-anestésica.

O horário de trabalho da enfermagem em Portugal também é um pouco diferente do vivenciado na maioria dos hospitais brasileiros. Enquanto no Brasil os enfermeiros podem realizar turno com horário de 6, 8 ou 12 horas, em Portugal o enfermeiro trabalha 8 horas por turno, na maioria dos setores, igualmente distribuídas entre matutino, vespertino e noturno. Entretanto, o BC do hospital de estágio em Portugal possui uma particularidade no horário de trabalho dos enfermeiros, compreendendo a equipe do turno da manhã, das 8h às 15h, e um grupo de enfermeiros de plantão das 13h às 20h, atendendo apenas urgências e as cirurgias do dia que estão finalizando. Durante a noite e nos finais de semana, uma equipe fica de sobreaviso, somente para atender as urgências que possam ocorrer, não necessitando estarem no hospital necessariamente, apenas se forem chamados.

Outra divergência observada refere-se ao número de enfermeiros por turno. Em Portugal, no BC com quatro ou cinco salas em funcionamento, há, em média, doze enfermeiros. Já no hospital universitário brasileiro onde ocorreu essa prática, há um enfermeiro e dez técnicos de enfermagem por turno, para um BC com seis salas de operação. Essa organização influencia na atuação do enfermeiro no cuidado direto com o paciente, pois parte de sua carga horária de trabalho está direcionada para o trabalho administrativo. Reforça-se que essa função administrativa é decisiva no bom desempenho do cuidado integral de enfermagem, porém, por vezes, pode distanciar o enfermeiro dos pacientes.

Observou-se também, em Portugal, diferenças relacionadas à organização da categoria de enfermagem na UCI. Assim, em cuidados intensivos, a distribuição de escala de pessoal ocorre com três a cinco enfermeiros atuando por turno de 8 horas, com rotatividade de turno (diferente do Brasil, os profissionais dessa instituição não possuíam jornada de trabalho fixa, tendo a distribuição ocorrendo em dois dias de trabalho de manhã (8h-16h), dois à tarde (16h-24h), dois à noite (24h-08), e uma folga). No Brasil, geralmente cada turno de trabalho conta com profissionais de enfermagem (enfermeiros e técnicos de enfermagem) em horários fixos por turnos de 6h ou 12h, e enfermeiros substitutos para situações de folgas ou férias.

Em termos de cuidado, cada profissional enfermeiro ficava responsável por um a três pacientes para realização da assistência integral, com uma atuação participativa dos demais colegas de área, tendo uma visão de responsabilidade integrada por aqueles assistidos. No Brasil, nas unidades de cuidados intensivos em que se realizou as atividades práticas da residência, há dois enfermeiros para um público de dez pacientes, sendo que cada técnico de enfermagem assume os cuidados de dois pacientes.

Cuidados não delegáveis, ou seja, de responsabilidade privativa do enfermeiro são realizados pelos profissionais designados para cada escala e ambos os enfermeiros. compartilham a atuação em gerenciamento de setor, de organização profissional, manejo de conflitos, educação continuada, articulação interprofissional. Quanto aos enfermeiros líderes, no Brasil, esses atuam de forma exclusivamente administrativa, supervisionando equipes e atuando juntamente ao corpo de gestão da instituição.

Diferenças da Língua Falada em Portugal

Apesar de ambos os países falarem a mesma língua, alguns termos técnicos do português de Portugal diferem em significado ou entonação do português brasileiro, o que tornou mais difícil o entendimento no início do intercâmbio, porém, também tornou a experiência ainda mais rica e interessante. São alguns exemplos de termos: algalia (sonda vesical), penso (curativo), constipação (resfriado), ligadura (atadura), arrastadeira (comadre), casa de banho (banheiro). Além disso, o fato de os portugueses utilizarem uma velocidade de fala mais rápida, aliada às diferenças de entonação, também se constituiu um desafio para uma boa comunicação no início do estágio, indo de encontro a Girondi et al. (2016), que também relataram dificuldades durante o intercâmbio relacionado a fala portuguesa.

 

Considerações Finais

A oportunidade de realizar um período de estágio em um hospital no exterior proporcionou a ampliação de horizontes relacionado a uma outra realidade, com o desenvolvimento competências culturais, a troca de experiências entre os colegas enfermeiros, participação em eventos científicos. O compartilhamento de conhecimentos e de práticas em enfermagem, com suas diferenças entre os dois países, contribuiu para a construção de uma visão mais crítica em relação ao papel do profissional enfermeiro no Brasil, sua importância na realização de cuidados diretos ao paciente, sendo esse profissional um ator ativo fundamental no desenvolvimento da arte de cuidar.

Outras produções científicas demonstram que estudar no exterior pode influenciar positivamente no desenvolvimento das competências de enfermagem (Bardaquim & Dias, 2019). Entre elas, o aumento do conhecimento cultural, o desenvolvimento de pensamento crítico-reflexivo, o aumento do crescimento pessoal e os impactos na prática de enfermagem do estudante.

 

Referências

Bardaquim, V.A., & Dias, E.G. (2019). A realização de intercâmbio no doutorado de enfermagem: um relato de experiência. Journal of Nursing and Health, 9(1), 1-8.         [ Links ]

Castro, A.A., & Cabral, A. Neto. (2012). O ensino superior: a mobilidade estudantil como estratégia de internacionalização na América Latina. Revista Lusófona de Educação, 21(21), 69-96.         [ Links ]

Conselho Federal de Enfermagem (1986). Resolução 7.498/86. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Recuperado em: 10 de agosto de 2018 <http://www.cofen.gov.br/lei-n-749886-de-25-de-junhode-1986_4161.html>         [ Links ].

Diário da República Eletrônico de Portugal (2007). – Lei nº 62/2007. Dispõe sobre o regime jurídico das instituições de ensino superior. Recuperado em: 10 de agosto de 2018 <https://dre.pt/pesquisa/-/search/640339/details/maximized>.

Girondi, J.B.R., Cerqueira, M.L., Amante, L.N., Hammerschmidt, K.S.A., Fernandez, D.L.R., & Palma, A.P.L.B.Z. (2016). Intercâmbio acadêmico internacional em enfermagem perioperatória: relato de experiência na graduação. Revista Mineira de Enfermagem 20(e943), 1-5.         [ Links ]

Peraro, M., Volpato, D., Vieira, A. C. P., & Zilli, J. C. (2017). A internacionalização das especializações de uma instituição de ensino superior de Criciuma – SC. Caderno Profissional de Administração da UNIMEP,7(2), 122-136.

Portal HSEIT (2019). Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira. HSEIT com o melhor serviço de urgência - estudo aponta HSEIT como tendo o melhor serviço de urgência a nível nacional. Recuperado em: 10 de agosto de 2018 <https://www.hseit.pt/node/504>         [ Links ].

 

 

Endereço para correspondência
E-mail:fernandasstein@hotmail.com

Recebido em: setembro de 2019
Aceito em: dezembro de 2019

 

 

1 Fernanda Schommer Stein - Bacharela em Enfermagem pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e especialista em Saúde do Adulto e Idoso - Enfermagem Cirúrgica pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).
2
Renata Simionato - Bacharela em Enfermagem pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e especialista em Saúde do Adulto e Idoso - Enfermagem Cirúrgica pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA).

3
Daniela da Silva Schneider - Docente Coordenadora do Curso de Graduação em Enfermagem e Tutora do Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade Luterana do Brasil.

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