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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.53 no.2 Canoas jul./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.29327/226091.53.2-4 

DOI 10.29327/226091.53.2-4

ARTIGOS EMPÍRICOS -PSICOLOGIA

 

Averiguando os caminhos da psicoterapia domiciliar

 

Ascertaining the ways of home psychotherapy

 

 

Gabriele Serur1 ; Eleonora Apolo de Azevedo2; Renate Brigitte Michel3

Universidade Católica do Paraná

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A psicoterapia domiciliar é uma prática pouco conhecida que, entretanto, adquire importância junto a pacientes com dificuldade de locomoção ou com presença de patologias que dificultem o acesso à hospitais/ clínicas. Tendo em vista a escassez de estudos sobre o tema, este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa exploratória sobre o atendimento psicológico domiciliar, realizado com 21 psicólogos da cidade de Curitiba (PR). O objetivo foi identificar o tipo de clientela atendida, quais as abordagens e quais as principais vantagens e desvantagens relacionadas a esse tipo de atendimento. Identificou-se que essa modalidade é mais cômoda para o cliente, mas nem sempre para o profissional. Há predominância de algumas vantagens na psicoterapia realizada em domicílio como manutenção do vínculo terapêutico, maior acesso a informações importantes advindas da observação do ambiente e dos comportamentos espontâneos devido à familiaridade do paciente com o ambiente, o que possibilita novas referências para análise diagnóstica.

Palavras-chave: Psicoterapia em domicilio; Terapia domiciliar; Home care.


ABSTRACT

Home psychotherapy is a little-known practice that, however, acquires importance among patients with locomotion difficulties or with the presence of pathologies that make access to hospitals / clinics difficult. Considering the lack of studies on the subject, this article presents the results of an exploratory research on home psychological care, performed with 21 psychologists from the city of Curitiba (PR). The objective was to identify the type of clientele served, which approaches and what are the main advantages and disadvantages related to this kind of service. It was identified that this modality is more comfortable for the client, but not always for the professional. There is a predominance of some advantages in home psychotherapy as maintenance of the therapeutic link, greater access to important information from the observation of the environment and spontaneous behaviors due to the patient’s familiarity with the environment, which makes possible new references for diagnostic analysis.

Keywords: Psychotherapy at home; Home therapy; Home care.


 

 

Introdução

O atendimento terapêutico em domicílio vem se consolidando no Brasil a exemplo de outros países como Estados Unidos e França, abrangendo diversos segmentos da área da saúde, como Enfermagem, Fisioterapia, Nutrição e Medicina. Este atendimento apresenta-se prioritariamente como uma vertente da Medicina e da Enfermagem, ainda que esta prática venha se constituindo também como uma área possível ao profissional da psicologia. Esta modalidade possibilita a identificação do contexto socioeconômico, cultural e familiar do paciente, algo que nem sempre o hospital ou o consultório são capazes de proporcionar.

A assistência de saúde em domicílio era amplamente utilizada no final do século XVIII, na Europa, antes da criação dos grandes hospitais quando caíram em desuso, restringindo-se o tratamento ao paciente internado e no máximo ao familiar acompanhante (Foucault, 1977). Devido à superlotação hospitalar, entretanto, a assistência domiciliar voltou a ser empregada em 1947, nos Estados Unidos, com o objetivo de diminuir as internações hospitalares e oferecer um ambiente psicossocial mais adequado ao paciente. No Brasil, esta intervenção é mais recente, datada da década de 80, com a iniciativa de desocupar parte dos leitos superlotados do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (Lima, Spagnuolo & Patrício, 2013; Martelli et al., 2011).

Pode-se dizer que o atendimento em domicilio, portanto, apresentou-se inicialmente como uma alternativa para evitar ou diminuir o tempo das internações hospitalares, diminuir seu custo tanto para a família quanto para o Estado, bem como evitar infecções hospitalares e proporcionar um tratamento mais específico e, nos casos de saúde mental, reintegrar a pessoa o mais rapidamente possível à vida cotidiana e melhorar suas condições psicológicas (Martelli et al., 2011). No entanto, esse tipo de abordagem mostrou-se favorável à manutenção ou estimulação da autonomia do paciente, uma vez que nesse setting as atividades podem ser executadas no tempo dele, favorecendo a criação de um vínculo entre cuidador e cliente para promoção, manutenção e/ou restauração de sua saúde (Lima et al., 2013).

A assistência domiciliar pode ser realizada por uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas e assistentes sociais (Martelli et al., 2011). Há também a possibilidade da inclusão de fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, farmacêuticos e pedagogos nestas equipes (Langaro, 2017).

O atendimento de saúde em domicílio implica a necessidade de ser realizado de maneira contínua e integral, com cuidados sistematizados e supervisão da equipe voltada para a realidade do cliente e sua família. As diretrizes para a atenção domiciliar no Sistema Único de Saúde (SUS), conforme homologa a Lei Federal nº 10.424/02, incorporada à Lei Federal nº 8.080/90, apresentam as ações que podem ser empregadas nessa prática, como procedimentos terapêuticos, educação sanitária, cuidados paliativos e visitas de monitoramento, os quais objetivam o cuidado integral e transdisciplinar (Diário oficial da União, 2002). A lei supracitada torna necessário analisar as condições locais, habitacionais, sociais e culturais, tidas como critérios de inclusão para o atendimento domiciliar (Martelli et al., 2011; Rehem & Trad, 2005).

Por outro lado, ainda não há um financiamento em nível federal específico para esta prática. As equipes multidisciplinares devem atuar nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora. Entretanto, cabe ressaltar que esta lei determina que apenas é possível realizar uma internação domiciliar com indicação médica, vetando assim os outros profissionais de terem voz ativa na decisão de oferecer ao paciente um atendimento em domicílio, questão esta que tem sido alvo de debates por parte dos Conselhos Regionais de Psicologia.

Outro aspecto importante do atendimento domiciliar é sua vantagem inovadora, capaz de retirar os profissionais do lócus de únicos detentores do saber para dialogar com outras pessoas no domicílio, que possuem diferentes saberes e práticas de cuidado (Martins, Franco, Merhy & Feuerwerker, 2009). Desta forma, propicia-se ao profissional a possibilidade repensar seus posicionamentos muitas vezes enrijecidos. Além do mais, a prática de cuidado em casa torna as equipes de saúde mais permeáveis aos diferentes aspectos que os pacientes e suas famílias vivenciam, e podem proporcionar um cuidado ampliado que não se limita aos aspectos biológicos da doença (Silva, Sena, Seixas, Feuerwerker & Merhy, 2010).

O profissional que atende em domicílio, especialmente o psicólogo, precisa ficar atento aos limites do ambiente, mantendo seriedade, foco e bom-senso, uma vez que neste setting são os clientes quem ditam o comportamento esperado dos visitantes como: onde se sentar; qual ambiente será utilizado para o atendimento, entre outros. Também, de acordo com Laham (2004), não é possível saber previamente os tipos de moradias que o psicólogo irá encontrar, às quais poderão ser grandes, pequenas, com diversos cômodos ou um só, de modo que ele precisa ser criativo para atender com o mínimo de interferência possível e garantir o máximo de privacidade.

Na psicoterapia domiciliar, o vínculo também deve ser diferente, pois é necessário por parte do psicólogo um cuidado especial para preservar os objetivos e limites do trabalho em um ambiente repleto de particularidades de seus clientes. As relações interpessoais em domicílio são pautadas pela interação em grupo, o que se configura como um todo a partir de unidades diferentes, ou seja, o sujeito e sua família são vistos como protagonistas de suas vidas e saúdes, em um processo dinâmico (Puschel, Ide & Chaves, 2006).

Características do Atendimento Psicológico Domiciliar

Especificamente no que se refere a prática do psicólogo em domicílio, esta ainda é pouco conhecida. Para Langaro (2017), o psicólogo que atua com atenção domiciliar pode avaliar como o paciente e sua família vivenciam a situação da doença e quais seus recursos de enfrentamento, com a intenção de oferecer suporte e possibilitar o aumento dos recursos emocionais dos clientes. Este profissional pode ainda perceber a dinâmica familiar de modo a traçar o melhor plano de tratamento e ajudar a equipe multidisciplinar na compreensão da dinâmica do cliente e sua família, facilitando a comunicação entre as partes envolvidas.

Essa prática é realizada principalmente junto a pacientes com dificuldade de locomoção, cuidados paliativos, pessoas idosas em situação de doença, portadores de doenças crônicas e agudas e pacientes com transtornos psíquicos que dificultem a locomoção (Langaro, 2017; Lima et al., 2013; Martelli et al., 2011; Rehem & Trad, 2005). No caso dos pacientes em cuidados paliativos, a atenção domiciliar é capaz de oferecerlhes uma morte mais humanizada. Nesta prática é possível respeitar desejos, opiniões, crenças e história de vida do paciente e sua família, resolver-se pendências emocionais, espirituais e sociais (Kóvacs, 2009; Langaro, 2017).

Estudos têm demonstrado que os familiares e cuidadores de um indivíduo que tenha morrido no hospital apresentam maiores riscos de desenvolver problemas psiquiátricos e estresse pós-traumático do que aqueles cujo parente tenha morrido em casa, uma vez que nos hospitais a qualidade de vida é menor tanto para o paciente quanto para seus familiares. Portanto, o atendimento domiciliar apresenta diversos benefícios, como atendimento mais humanizado, comodidade para o cliente e sua família, maior contato familiar e acesso profissional (Lima et al., 2013).

Entretanto, apesar de todos os benefícios que a família pode ter com este tipo de atendimento, há alguns riscos presentes, tanto para o doente como para os familiares. O próprio cuidador, em algum momento de sua vida, pode ter sido cuidado pelo familiar doente, e desejar retribuir tais cuidados em um momento tão delicado, tendo em vista sua gratidão e amor. Entretanto, Queiroz, Pontes, Souza e Rodrigues (2013) afirmam que se feito por conta de uma obrigação moral, será preciso um esforço maior para ressignificar esta relação. Existe grande risco de sobrecarga desse familiar cuidador, o que se intensifica quando lhe falta ajuda profissional no domicílio. Ele passa por uma reestruturação de sua dinâmica de trabalho, da rotina e será preciso uma nova organização da família. Nem sempre é possível que todos se mobilizem para cuidar do familiar doente, gerando maior fadiga para aquele que se responsabilizar enquanto cuidador. Essa pessoa, no entanto, quase nunca se considera boa o bastante para a tarefa.

É preciso também analisar a dinâmica da família e o papel desempenhado pela pessoa adoecida. Quando bem compreendida, a família pode ser um agente terapêutico eficaz, pois torna-se um elo entre doente e equipe. Do contrário, pode funcionar como uma barreira, prejudicando o tratamento a ser realizado. Considerando-se as diversas circunstâncias, a equipe pode auxiliar na distribuição das tarefas e da nova organização necessária para aquele núcleo familiar (Queiroz et al., 2013).

Para o autor, faz-se necessária, no atendimento familiar, a parceria com a família, a atuação em conjunto com a comunidade e com os demais serviços de atendimento ao paciente nos diversos níveis de atenção à saúde e estabelecer uma rede de apoio social. Retirar o paciente do hospital para casa exige organização para que ele não venha a ser privado da atenção à saúde necessária à sua condição (Queiroz et al., 2013).

Concepções técnicas do profissional em domicílio

A prática da terapia domiciliar exige flexibilidade e abertura do profissional, uma vez que ele terá que se deslocar da sua zona de segurança e conforto do consultório ou hospital e visitar o paciente em sua casa, local este desconhecido e, portanto, com menores chances de que o psicólogo possa controlar as variáveis do ambiente. Ainda assim, a observação do ambiente domiciliar pode trazer vantagens ao processo terapêutico, pois ele precisa ampliar e modificar sua visão do processo, desde suas concepções de família e terapia familiar, como também seu conhecimento em assuntos como vínculos, perdas e lutos (Fonseca, 2012).

O cuidar em domicílio exige conhecimentos técnicos aliados à empatia e compaixão. A qualidade de vida é subjetiva e percebida de maneira diferente pelo paciente, família e equipe de saúde e engloba fenômenos físicos, sociais, psicológicos e espirituais. Pensar em qualidade de vida exige dos profissionais o controle dos sintomas, diminuição do sofrimento, a busca do conforto espiritual e o fortalecimento dos vínculos familiares (Queiroz et al., 2013).

Os profissionais de saúde também podem passar por sobrecarga emocional, uma vez que necessitam de preparação para lidar com seus próprios sentimentos. É preciso lidar com a experiência de finitude quando em contato com pacientes terminais, principalmente considerando-se o vínculo desenvolvido ao longo do tratamento, vínculo este intensificadopela convivência em domicílio. Também é preciso considerar que o próprio ambiente domiciliar pode causar no profissional sentimento de impotência, frustração e revolta, uma vez que podem ocorrer conflitos de difícil resolução (Queiroz et al., 2013).

Os achados teóricos apontam que, na opinião dos profissionais de saúde a respeito do atendimento em domicílio, esta modalidade de atendimento exige uma formação técnica específica que ainda está ausente na graduação. Consideram que ainda lhes faltam conhecimentos e habilidades para tratar um paciente fora das instituições em que normalmente atuam (Queiroz et al., 2013).

O objetivo deste artigo é, portanto, identificar as questões mais relevantes na prática do atendimento psicológico domiciliar, por meio da investigação desta modalidade de atendimento, analisando a influência da família no processo psicoterapêutico domiciliar, as diferenças e similaridades das práticas dos psicólogos de diferentes linhas teóricas psicológicas no atendimento domiciliar e a identificação das facilidades e dificuldades no atendimento psicológico domiciliar.

 

Método

Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica na base de dados Scientific Eletronic Library Online (SCIELO) e Redalyc, com os descritores "Terapia domiciliar", "Acompanhamento domiciliar" e "home care", dos últimos 10 anos. Foram considerados os critérios: artigos escritos em português, que possuíssem pelo menos um psicólogo na equipe e referirem-se especificamente a psicoterapia em domicilio.

Esse mapeamento teórico indicou a necessidade de uma pesquisa exploratória, com o objetivo de desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores, proporcionando uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato (Gil, 2007).

Para tanto, foi desenvolvida uma entrevista em modelo semiestruturado, a qual corresponde a um roteiro planejado com perguntas elaboradas em conexão com os objetivos propostos. Esta pesquisa contou com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da PUCPR, sob parecer 04950312.4.0000.0020. Os participantes foram profissionais de Psicologia com prática na área da saúde, selecionados pela amostragem por conveniência, ou seja, selecionados por sua disponibilidade e que, portanto, ofereciam maior facilidade operacional. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da entrevista.

As entrevistas foram realizadas presencialmente ou via e-mail, visando a comodidade de alguns entrevistados. Foi realizada uma análise quanti- qualitativa articulando os 6 artigos encontrados na revisão bibliográfica e os dados das entrevistas coletadas, objetivando uma discussão aprofundada acerca do tema.

 

Resultados

Na revisão bibliográfica foram encontrados inicialmente 73 resultados, sendo 41 da SCIELO e 32 da Redalyc. Apenas 6 artigos contemplavam todos os critérios adotados nesses trabalhos (Tabela 1), dos artigos excluídos: 6 não eram artigos em língua portuguesa; 38 não correspondiam ao tema foco deste estudo; 18 eram artigos exclusivamente de Enfermagem, 2 de odontologia, 2 deles referiam-se a equipe multidisciplinar sem a participação de um profissional da Psicologia, 1 deles era da Geriatria, 1 da Fisioterapia e 1 de Engenharia.

 

 

Na parte exploratória da pesquisa foram contatados 54 profissionais, tendo como amostra final 21 participantes os quais respondendo efetivamente à entrevista. Os profissionais entrevistados são em grande parte do sexo feminino (81%) e em contraste com os de amostra masculina (19%). Do total de entrevistados, 7 atuam como acompanhantes terapêuticos, 10 atuam exclusivamente com psicoterapia individual e 4 atuam em mais de uma modalidade de atendimento, dependendo da demanda, sendo elas psicoterapia individual, de casal e familiar.

No que diz respeito a psicólogos que realizaram psicoterapia domiciliar com mais de um paciente, o número de atendimentos variou conforme a demanda. No entanto, percebeu-se que o maior número de entrevistados (33,3%) realizou mais de 20 atendimentos com seus clientes, seguindo-se de profissionais que realizaram até 5 atendimentos (28,6%). O número de atendimentos menos frequente foi de 15 a 20, que aconteceu em 9,5% dos casos.

Em parâmetros gerais, os pacientes desses psicoterapeutas apresentam-se a maior parte solteiros (42,9%), seguido dos casados (38,1%), viúvos e divorciados (9,5%). Quanto à idade, a amostra se faz heterogênea, variando de 9 a 90 anos. A classe socioeconômica prevalecente é a classe média, seguida da classe alta. Nenhum paciente atendido por esta amostra era da classe baixa, de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos próprios terapeutas entrevistados. Vale ressaltar que os profissionais entrevistados atuam todos na rede privada.

Quanto a distribuição das modalidades de atendimento encontradas, as informações referentes à quantidade de profissionais de cada linha teórica, presença de equipe multidisciplinar, quantidade de atendimentos e tipo de atendimentos e pacientes foram organizadas de acordo com cada abordagem.

Nos atendimentos pautados na teoria Humano existencial (Tabela 2), os psicoterapeutas atuam com atendimento familiar, na modalidade de Terapia de casal e no Acompanhamento terapêutico, destacando a necessidade de se considerar a atenção a família quando se trabalha no ambiente domiciliar. 4 deles atuam em equipes multidisciplinares formadas por médicos, enfermeiras e fisioterapeutas. Os profissionais entrevistados atuam com pacientes com dificuldade de locomoção (n=6) e cuidados paliativos (n=2). 2 deles ressaltaram a necessidade de conhecer o ambiente doméstico do paciente.

 

 

Dos psicoterapeutas da teoria Comportamental (Tabela 3), os profissionais que atuam com a abordagem behaviorista (n=4) ou cognitiva-comportamental (n=4) têm como demanda o acompanhamento terapêutico (n=4), psicoterapia individual (n=3) e reabilitação (n=1). Esses psicoterapeutas apresentaram o maior número de atuação com equipes multidisciplinares, 7 deles atuam com equipe multidisciplinar, sendo que os profissionais que integram estas equipes são tanto da área da saúde quanto da escolar, compostas por médicos, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e educadores físicos. Os atendimentos foram destinados a casos de Transtorno do Espectro Autista (n=4), fobia social (n=1), pacientes em estágio terminal (n=1), déficit de Habilidades sociais (n=1) e Transtorno de personalidade Borderline (n=1).

 

 

Dos sujeitos entrevistados que atuam na linha psicodinâmica (Tabela 4), 3 deles realizaram terapia familiar esporadicamente, e todos atuaram com psicoterapia individual. Diferente das outras linhas psicológicas, nenhum deles se utilizou de equipe multidisciplinar. Estes profissionais atenderam a casos em que o paciente apresentou dificuldade de locomoção por déficit motor (n=3) e AVC (n=1).

 

 

Nas entrevistas foram coletadas informações sobre os aspectos positivos e das facilidades de realizar uma psicoterapia em domicílio e aspectos negativos. Dos aspectos positivos, os entrevistados apontaram que é benéfica a presença e disponibilidade da família durante a terapia, condição que pode ser utilizada pelo terapeuta para esclarecer aspectos referentes à origem do comportamento de seu paciente e ajudar a perceber quais integrantes estão mais ou menos dispostos a contribuir com o processo terapêutico. Outro dado coletado é que os psicoterapeutas identificaram que o paciente sofre pela reestruturação da família, pelo vínculo com cuidadores (formais e/ou informais), tendo grande parte da sua queixa relacionada a isso. A doença e o tratamento, em muitos casos, pode ser uma oportunidade de ressignificação de eventos familiares importantes por envolver a maior parte dos membros em alguma medida.

As respostas dos entrevistados apontam também que conhecer o ambiente físico no qual o cliente está inserido é positivo e possibilita novas referências para análise diagnóstica, através de uma visão mais clara sobre as relações entre paciente, familiares e condições ambientais. Referem também a facilidade que a terapia em domicilio traz para o paciente, o que ajuda a manter os atendimentos mesmo em situações em que seria difícil ou impossível ao paciente ir até o consultório. Para eles, o ambiente doméstico traz segurança ao paciente e a ajuda do terapeuta pode orientá-lo no sentido de estabelecer uma nova rotina, mudar contingências, falar sobre a morte, resolver questões em aberto e lidar com a despedida (pacientes terminais), entre outras questões, de acordo com o objetivo do atendimento psicológico.

Quanto aos aspectos negativos, alguns dos entrevistados apontaram que a interferência da família durante os atendimentos, interrompendo o andamento da sessão, pode comprometer o sigilo necessário em certas ocasiões. Além disso, a família pode demonstrar resistência em situações nas quais existe sofrimento emocional intenso. Outros aspectos negativos apontados pelos profissionais foram a desqualificação, por parte da família, do processo psicoterapêutico e a falta de segurança que o ambiente doméstico proporciona, nos casos em que o paciente é agressivo e pode entrar em surto psicótico, entre outras situações. Dos entrevistados, 32% apontaram que não acredita que o ambiente domiciliar seja adequado para o desenvolvimento do trabalho, tendo em vista o barulho e as interferências, bem como as dificuldades de deslocamento do psicólogo e o tempo gasto com isso.

Por fim, dos aspectos que viabilizam esse tipo de atendimento, os entrevistados apontam que o atendimento domiciliar é realizado em grande parte devido a impossibilidade de locomoção física, sendo eles: doença terminal, acidente vascular cerebral, idosos com dificuldade de locomoção, pós-cirúrgicos e problemas ósseos (75%). Os entrevistados levantaram ainda outros motivos menos frequentes, como o atendimento pós-parto, luto e observação in loco do ambiente familiar (25%).

De acordo com a amostra não existem contraindicações para este tipo de atendimento desde que alguns critérios estejam presentes, sendo estes: a existência de disponibilidade do terapeuta, respeito às questões éticas, estabelecimento do contrato e dos objetivos da terapia. No entanto, em alguns casos, os profissionais referem que não é recomendada esta modalidade de psicoterapia, sendo ressaltado pelos entrevistados o cuidado de se observar casos nos quais não há necessidade de acompanhamento na residência do cliente.

 

Discussão

O que parece de fato ser um diferencial no atendimento domiciliar é o ambiente físico e que, sendo diferente do habitual, pode alterar o modo como o paciente e sua família veem o profissional. Esta modalidade de atendimento é normalmente mais cômoda para o cliente (Lima et al., 2013), mas nem sempre para o psicólogo, pois este desconhece o "local de trabalho", possui menos controle dos acontecimentos da casa do que teria em seu consultório e necessita pensar em seu deslocamento até o cliente, o que demanda tempo e dinheiro. Esse dado é concordante com a literatura, a qual afirma que o psicólogo necessita repensar seu posicionamento enrijecido e técnicas tradicionais quando está no domicílio do cliente (Laham, 2004; Silva et al., 2010).

Fonseca (2012) afima a importância da inclusão da família nos atendimentos, ainda que nem todos os profissionais atuem com atendimento familiar. Especificamente no atendimento domiciliar, pode haver dificuldade na interação com a família, pois em geral esta encontra-se presente na casa e por vezes o espaço físico não garante privacidade, devendo o psicólogo mostrar-se flexível, conforme apontado também no estudo de Laham (2004).

Alguns profissionais da amostra veem a inclusão da família como algo positivo, pois conseguem perceber como estes integrantes agem em relação ao paciente e como ele age e reage a isto, possibilitando uma visão sistêmica das relações, benefícios já propostos na literatura (Langaro, 2017). Quando visto deste modo, parece haver a possibilidade de buscar "aliados" ao trabalho terapêutico, pois alguns parentes podem estar dispostos a contribuir com a efetividade do tratamento afinal, a família, quando valorizada, pode atuar como um elo entre os profissionais e a pessoa enferma (Queiroz et al., 2013).

Por outro lado, alguns profissionais referem que, às vezes, os familiares parecem prejudicar o andamento das sessões, por meio de interferências e resistências, o que exige um cuidado especial em relação aos objetivos e limites do trabalho terapêutico (Puschel et al., 2006). Estas reações, no entanto, não parecem ser exclusivas do trabalho domiciliar, uma vez que podem ocorrer em um consultório ou no ambiente escolar e mesmo no contexto hospitalar, pois são pertinentes ao atendimento psicológico e, talvez, não devessem limitar a prática em domicílio, embora possam encontrar-se intensificadas nesta modalidade de atendimento. Por outro lado, a falta de conhecimento teórico-prática pode dificultar a tomada de decisão ética nos momentos limites da psicoterapia domiciliar, instigando a necessidade de possíveis soluções para a temática.

Percebeu-se também que parece haver uma frequência maior de atendimentos duradouros em domicílio, como se comprovou na maior frequência de profissionais que costumam realizar mais de 20 atendimentos por paciente. Isso pode indicar que, apesar de muitos profissionais terem afirmado não considerarem o lar do cliente o ambiente mais adequado para seus atendimentos, percebem a grande importância em realizá-los quando o seu cliente apresenta determinadas necessidades (como por exemplo o Transtorno do Espectro Autista), mostrando a indispensabilidade deste modelo de psicoterapia. No entanto, também há grande demanda para atendimentos com até cinco sessões, demonstrando que existe necessidade de atuações pontuais em momentos de crise de um cliente, cuidados paliativos e observação do ambiente para planejar possíveis intervenções.

Em relação à equipe multidisciplinar, é relevante o número de profissionais da amostra que atuam sem uma equipe (n=6), tendo em vista que os casos de atendimentodomiciliar em geral exigem a presença de mais de um tipo de profissional, como previsto em lei e ressaltado na literatura (Langaro, 2017; Martelli et al., 2011), inclusive considerando equipes transdisciplinares (Martelli et al., 2011; Rehem & Trad, 2005).

Este dado parece apontar que, embora os clientes por vezes sejam acompanhados por outros profissionais, estes não dialogam entre si, algo que possivelmente traria benefícios ao paciente. Poucos deles relataram a presença de um enfermeiro, nutricionista ou fisioterapeuta na equipe de trabalho, profissionais que certamente estão presentes na vida de pacientes com dificuldade de locomoção, por exemplo.

Percebe-se que, dos sujeitos abordados e que concordaram em participar da pesquisa, o número de respondentes efetivos é menor do que daqueles que, apesar de terem aceito o convite, não efetivaram sua participação por não enviarem a entrevista respondida. Esse dado pode representar a realidade do campo pesquisado. Foram levantadas pelas pesquisadoras algumas hipóteses possíveis como: impedimentos como tempo, acúmulo de outras atividades e pouca compreensão de alguns profissionais a respeito da importância da pesquisa científica. Além disso, levantou-se a hipótese de que talvez haja um desconforto em falar sobre o tema, uma vez que esses profissionais não possuem orientações claras e fundamentadas para suas práticas domiciliares, sentindo-se inseguros e constrangidos em dividir suas experiências, como já foi apontado em estudo anterior (Queiroz et al., 2013).

Uma amostra mais abrangente seria necessária para averiguar a frequência de profissionais da linha humano-existencial, behaviorista e psicodinâmica, atuando em domicílio, algo que a amostra exploratória não foi capaz de comprovar. No entanto, percebeu-se que há pouca divulgação deste tipo de atendimento, de modo a haver dificuldade em acessar psicólogos que atendam em domicílio, até mesmo porque há dificuldade de identificar as áreas de atuação de cada profissional após sua formação.

 

Conclusões

Pode-se observar vantagens no atendimento psicoterapêutico em domicilio, como a possibilidade de se obter mais e melhores informações sobre a rede relacional do paciente em questão, a possibilidade de intervir diretamente com os familiares envolvidos com a problemática do paciente e a devida orientação preventiva de cuidadores quando este é o caso. Todavia, existem desafios da prática, principalmente no que tange às decisões éticas de sigilo e privacidade.

Várias são as indicações para a efetividade destes atendimentos. As limitações do paciente para vir ao encontro de seu psicoterapeuta é a razão mais importante apontada pelos profissionais para determinar a utilização desta modalidade de atendimento.

É necessário que os profissionais psicólogos, atentos às verdadeiras situações de vida dos seus clientes, não se limitem a situações pré-estabelecidas e talvez até a posturas rígidas, mas que possam levar sua atuação para onde ela é realmente necessária, superando dificuldades e incluindo essas modalidades em sua prática profissional.

Esta pesquisa pretendeu contribuir para ressaltar a necessidade de um desenvolvimento teórico-prático nesse tipo de atuação, garantindo ética e alcance dos objetivos desejados. Entende-se que esta amostra não teve representatividade estatística, de modo que se espera que outras pesquisas exploratórias ou conclusivas possam se originar desta primeira.

 

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Endereço para correspondência
E-mail: gabriele.serur@hotmail.com

Recebido em: março de 2019
Aceito em: maio de 2020

 

 

1 Gabriele Serur: Graduanda em Psicologia; bolsista da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; rua Imaculada Conceição, 1155, Prado Velho- Curitiba/Paraná, CEP 80215-901, (41) 998755767.
2 Eleonora Apolo de Azevedo: Graduanda em Psicologia; bolsista da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; rua Imaculada Conceição, 1155, Prado Velho- Curitiba/Paraná, CEP 80215-901, (41) 988934443.

3 Renate Brigitte Michel: Doutora em Teologia; Professora titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; rua Imaculada Conceição, 1155, Prado Velho- Curitiba/Paraná, CEP 80215-901, (41) 999079072.

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