SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.53 issue2Humanizing signs between psychology and nursing: intervention report in a neonatal intensive care centerWork psychology in social assistance: analysis from a focus group author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.53 no.2 Canoas July/Dec. 2020

http://dx.doi.org/10.29327/226091.53.2-12 

DOI 10.29327/226091.53.2-12

RELATOS DE EXPERIÊNCIA - PROMOÇÃO DA SAÚDE

 

Residência integrada multiprofissional em saúde do adulto e do idoso: um ano de formação de enfermeiras em atenção hospitalar

 

Integrated multiprofessional residence in adult and elderly health: one year of nurses training in hospital care

 

 

Fernanda Schommer Stein1; Renata Simionato2; Larissa Borges da Silva3; Amábile Rodrigues de Souza Milani 4; Daniela da Silva Schneider5; Solange Machado Guimarães6

ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Residências Integradas Multiprofissionais em Saúde são programas de pós-graduação caracterizados por ensino em serviço. A ULBRA oferece o programa com ênfase em Saúde do Adulto e do Idoso e Saúde Comunitária. Objetiva-se descrever as atividades realizadas em ambiente hospitalar por enfermeiras. Trata-se de um relato de experiência de enfermeiras residentes em relação ao primeiro ano de formação especializada. O primeiro ano de residência abrangeu atividades em unidades de internação, centro cirúrgico e unidade de tratamento intensivo. Diversas foram as atividades desenvolvidas pelas residentes, abrangendo aperfeiçoamento técnico, produção de conhecimento científico e atuação em gestão e gerenciamento. A presença de tutores e preceptores é fundamental no sentido de discutir, orientar e facilitar a inserção e o desenvolvimento profissional do residente. O programa de residência permitiu aperfeiçoar habilidades nos três campos de atuação da categoria: assistência, gerenciamento e pesquisa.

Palavras-chave: Enfermagem; Especialização; Internato não Médico.


ABSTRACT

Multiprofessional Integrated Residences in Health are postgraduate programs characterized by in-service teaching. ULBRA offers the program with emphasis on Adult and Senior Health and Community Health. The purpose of this study is to describe the activities performed in a hospital environment by nurses. This is an experience report of resident nurses in relation to the first year of specialized training. The first year of residence included activities in hospitalization units, surgical center and intensive care unit. There were several activities developed by residents, covering technical improvement, production of scientific knowledge and management. The presence of tutors and preceptors is fundamental in the sense of discussing, guiding and facilitating the insertion and professional development of the resident. The residency program allowed to improve skills in the three fields of activity of the category: care, management and research.

Keywords: Nursing; Specialization; Internship Nonmedical.


 

 

Introdução

Propostas de mudanças na formação em saúde no Brasil vêm sendo discutidas com maior intensidade desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que propôs a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Diante da relevância dessa temática, intensificou-se a atuação do Ministério da Saúde (MS) na orientação da formação dos profissionais da saúde para atender as necessidades do SUS (Ministério da Saúde, 2006).

Assim, os programas de residência multiprofissional e em área profissional de saúde constituem modalidades de pós-graduação e contemplam as profissões: Biomedicina, Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Medicina Veterinária, Nutrição, Odontologia, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. O período de especialização nessas modalidades é de dois anos, com cumprimento de uma carga horária de 60h semanais (Portaria Interministerial, n. 1.077, 2009).

O Projeto Pedagógico do Programa de Pós-Graduação em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde (RIMS) da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) designa que:

"A Residência Multiprofissional em Saúde deverá favorecer um sistema de troca, diálogo e interação pedagógica entre corpo técnico-docente, corpo discente, preceptores, funcionários e usuários, destacando o papel dos residentes na construção de novas realidades" (Universidade Luterana do Brasil [ULBRA], 2018, p. 26).

A respeito do processo de formação na modalidade ensino em serviço, são desafios a inserção dos residentes nos espaços já constituídos pelos trabalhadores, o lidar com a precarização dos recursos humanos e estruturais inerentes à realidade de saúde do país, o desenvolvimento de habilidades diante de diferentes visões a respeito do residente e sua responsabilização na organização do serviço (profissional formado versus profissional em formação), além da articulação inter/multiprofissional, que pressupõe espaços de reuniões e discussões com tomada de decisões em equipe (Rodrigues, 2016). Em relação ao profissional residente diante das instituições/ambientes de prática,

Há uma inserção diferenciada e a articulação com a formação exige supervisão das práticas, horários para estudos, reflexões, reuniões, vivências nas experiências de trabalhos em rede, possibilidade de encontros que ampliem o leque de reflexões e conhecimentos, retornando sob a forma de novas possibilidades e estratégias de educação permanente que reverbere na transformação de modelos e modos de operar em saúde (Rodrigues, 2016, p. 79).

Considerando todos os espaços em que ocorre o "fazer saúde" e as articulações de saberes multiprofissionais necessários para promoção de uma assistência integral e de qualidade, são muitos os desafios e as potencialidades da formação profissional em saúde. Diante disso, visualizou-se a necessidade de analisar e divulgar o trabalho realizado durante o processo de formação profissional em serviço. Assim, esse artigo objetiva descrever as atividades realizadas em ambiente hospitalar por enfermeiras vinculadas ao programa de residência integrada multiprofissional em saúde da ULBRA.

 

Método

Trata-se de um relato de experiência de enfermeiras residentes em relação ao primeiro ano de formação especializada, vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da ULBRA, com ênfase em Saúde do Adulto e Idoso. As atividades do programa de residência são realizadas em um hospital universitário da região metropolitana de Porto Alegre (RS), que atende por meio do SUS, de convênios, e a pacientes particulares.

Nesse programa de residência específico, as profissões que compõem a equipe multiprofissional são Assistência Social, Biomedicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia e Psicologia, e os campos de atividades estão distribuídos em unidades de internação clínica e cirúrgica, nas unidades de tratamento intensivo e em centro cirúrgico.

Como registro das atividades da residência, é realizado um relatório com frequência mensal (instrumento próprio da Comissão de Residência Multiprofissional COREMU/ ULBRA). Assim, a escrita desse artigo foi motivada pela diversidade de atividades realizadas pelas residentes de enfermagem nos setores supracitados e para demonstrar a produção no período de um ano de residência.

Como limitação, compreende-se que esse relato de experiência é relativo à vivência de residentes em um ponto específico do tempo e espaço e, por isso, não reflete a realidade vivenciada por outros residentes, uma vez que há mudanças circunstanciais. Quanto aos aspectos éticos do trabalho, entendeu-se que não haveria necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que todo processo de práticas dos residentes e de redação do manuscrito foram realizados de forma conjunta com docentes da ULBRA vinculados ao Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde da instituição.

 

Resultados

O primeiro ano de formação da residência tem como foco a realização de atividades práticas em unidades de internação clínica e cirúrgica. Contudo, conforme as relações de ensino e serviço vão se articulando no tempo e espaço, pode haver rotatividade de setores antes de completo o primeiro ano de residência. Assim, em março de 2017, ingressaram nesse programa quatro residentes de enfermagem.

No primeiro ano, a distribuição das profissionais de enfermagem ocorreu como segue: uma residente permaneceu na unidade de internação no período de março à julho de 2017, e então foi realocada para sala de recuperação pós-anestésica, onde permaneceu até março de 2018; uma residente permaneceu na unidade de internação entre março e agosto de 2017, sendo encaminhada para unidade de tratamento intensivo em setembro de 2017; uma residente permaneceu na unidade de internação de março à novembro de 2017 e, então foi transferida para a unidade de tratamento intensivo; por fim, uma residente permaneceu um ano na unidade de internação e, após, foi transferida para a sala de recuperação pós-anestésica em março de 2018.

Diversas são as atividades desenvolvidas por profissionais enfermeiros nos campos hospitalares, abrangendo desde a assistência direta ao paciente, até atividades mais administrativas, como organização de recursos e gerenciamento de equipe. A Tabela 1 demonstra as atividades desempenhadas pelas enfermeiras residentes conforme instrumento próprio da COREMU/ULBRA.

 

 

Na sequência, a Tabela 2 apresenta as principais atividades realizadas pelas residentes de enfermagem que não foram contempladas no instrumento da COREMU. Reforça-se que, em virtude de as atividades abaixo elencadas não possuírem um instrumento padronizado, o seu registro foi realizado conforme cada residente vivenciou o cotidiano do setor em que estava inserida.

 

 

Além de todas atividades realizadas nos setores de práticas assistenciais (Tabela 1 e Tabela 2), as residentes também participaram de treinamentos institucionais (ministraram e assistiram), participaram da elaboração de trabalhos científicos (capítulos de livro, artigo, projetos de ambulatórios), compareceram a eventos de atualização profissional, participaram do grupo multiprofissional de acompanhamento de pacientes em pré e pós-operatório de cirurgia bariátrica (intra-hospitalar), participaram de rounds multiprofissionais (discussões de casos), atividades de tutoria (discussões de casos, grupo de estudos, visita de reconhecimento de campo extra institucional, projetos científicos, organização de atividades das residentes), atividades de gerenciamento e administrativas (reuniões de equipes, reuniões com enfermeiros, treinamentos de equipe, participação conjunta na seleção de pessoal, gestão de leitos, auditoria e elaboração e análise de indicadores).

 

Discussão

A partir da Lei nº 11.129, foi instituída e definida como modalidade de ensino de pósgraduação lato sensu a Residência Multiprofissional em Saúde, voltada para a educação em serviço e destinada às categorias profissionais que integram a área de saúde. Esta, é caracterizada como um programa de cooperação intersetorial que favorece a inserção qualificada dos profissionais da saúde no mercado de trabalho (Silveira et al., 2010).

Os princípios e diretrizes orientam os programas de Residências que foram desenvolvidos em parceria entre os gestores e instituições formadoras em áreas justificadas pela realidade local, considerando o modelo de gestão, a realidade epidemiológica, a composição das equipes de trabalho, a capacidade técnico assistencial, as necessidades locais e regionais e o compromisso com os eixos norteadores (Portaria Interministerial, n. 45, 2007), dos quais se destacam: cenários de educação em serviço; concepção ampliada de saúde que considere o sujeito enquanto ator social responsável por seu processo de vida;integração de saberes e práticas que permitam construir competências compartilhadas para a consolidação da educação permanente, tendo em vista a necessidade de mudanças nos processos de formação, de trabalho e de gestão na saúde; o estabelecimento de sistema de avaliação formativa, com a participação dos diferentes atores envolvidos, visando o desenvolvimento de atitude crítica e reflexiva do profissional a fim de contribuir no aperfeiçoamento do SUS (Silveira et al., 2010).

Os Programas de Residência Multiprofissional e em Área Profissional de Saúde são articulados de maneira estratégica em conjunto com os Ministérios da Saúde e da Educação, coordenados pela Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde. A Educação Continuada em Saúde (ECS) insere-se em uma construção de relações e processos que vão do interior das equipes em atuação conjunta às práticas interinstitucionais e/ou intersetoriais, implicando as políticas nas quais se inscrevem (Cunha, Vieira & Roquete, 2013). Durante esse período de residência, os processos de ECS foram realizados por meio de treinamentos setoriais e institucionais, que foram ministrados e/ou assistidos pelas residentes. A realização do processo de trabalho específico da área da enfermagem deve ser baseada em evidências, oportunizando a realização de um cuidado de qualidade e adequado às necessidades do paciente. Não obstante, em virtude das limitações de recursos humanos e materiais, nem sempre as melhores práticas assistenciais veiculadas no meio científico puderam ser aplicadas durante o exercício profissional.

Para o MS, no processo de ECS, o aprender e o ensinar devem se incorporar ao cotidiano das organizações e ao trabalho, tendo como objetivos a transformação das práticas profissionais e da própria organização do trabalho. Esse processo ocorre por meio da problematização do processo de trabalho, onde a atualização técnico-científica é um dos aspectos da transformação das práticas (Cunha et al., 2013). As articulações entre as diferentes categorias profissionais da residência consistiram num processo de trabalho desafiador, visto que o profissional residente, apesar de estar em formação, muitas vezes supre as necessidades de recursos humanos da instituição. Com isso, faltaram espaços para que a equipe multiprofissional da residência pudesse discutir casos e articular intervenções no serviço em que se inseriu, fragmentando a integralidade do cuidado prestado por essa constituição de equipe. Refletir sobre a formação implica incluir diversos sujeitos, sejam docentes e tutores, sejam os trabalhadores vinculados aos serviços e demais integrantes dos Programas RIMS. Implica refletir o "mundo da formação" e o "mundo dos serviços".

Destaca-se que as propostas pedagógicas devem estar vinculadas aos interesses e necessidades do SUS e pressupostos presentes na Lei Orgânica da Saúde (Brasil, Lei n.º 8.080/1990). Outro ponto importante é o papel das instituições formadoras e das Associações/Conselhos Profissionais que definem e defendem determinado projeto de formação em suas respectivas áreas profissionais. Programas de residência voltados à construção multiprofissional oportunizam ampliar a formação, onde o trabalho em equipe abre possibilidades de construção teórico-prática, sem perder de vista a especificidade presente na formação de origem. Aqui, surgem as potencialidades dos Programas RIMS – trabalho multi e interdisciplinar em prol do paciente e de acordo com as políticas de saúde vinculadas ao SUS (Silveira et al., 2010).

Os conhecimentos sobre princípios e diretrizes do SUS, articulações de rede intra e intermunicipal, níveis de atenção em saúde, articulação do trabalho multiprofissional e interdisciplinar são abrangidos nos ambientes de sala de aula. Em todos os semestres do período de formação da residência multiprofissional, os profissionais residentes são lecionados por professores da universidade de diversas categorias profissionais. Todas as disciplinas são ministradas de forma transversal, não havendo aulas específicas para os núcleos profissionais. Nessas, abrange-se tanto conhecimentos técnico-científicos como a vivência dos residentes nos campos de práticas (principalmente por meio da elaboração de estudos de caso para fins didáticos), estabelecendo um link entre a realidade do sistema de saúde vivenciada e as evidências produzidas no meio científico.

Os processos de tutoria e preceptoria se relacionam à formação dos residentes, abrangendo a teoria inerente ao campo acadêmico e as vivências em campos de prática assistencial. Dentre as atribuições do tutor, estão a supervisão docente-assistencial com organização das atividades práticas e orientações teórica e técnica, ensino e orientações na busca de conhecimento, além de ser referência para avaliação das competências desenvolvidas pelo residente. Já ao preceptor, sendo um profissional vinculado à instituição de práticas assistenciais, compete a supervisão das atividades docentes-assistenciais realizadas pelos residentes nos diversos campos em que se inserem, exercendo sua função de forma que haja integração dos conceitos da academia e a realidade que se apresenta no cotidiano da área da saúde, sendo um facilitador para modificações do cenário institucional (Botti & Rego, 2008; Lucena, Rodrigues, Lucena, Marques & Adolfo, 2015).

A residência multiprofissional da ULBRA com ênfase em atenção da saúde do adulto e do idoso contempla a participação de tutores e preceptores para todas as áreas da saúde envolvidas. Especificamente para área da enfermagem, a tutoria de núcleo tem sua realização por meio de encontros com frequência semanal, em que são realizadas discussões sobre as práticas vivenciadas no ambiente hospitalar, organização das atividades das residentes, discussão de casos específicos, além de produção técnico-científica (capítulos de livros, artigos, entre outros). Também, a tutoria se insere nos campos de práticas – momento em que a tutora atua por meio da visualização e discussão sobre o cotidiano do trabalho da enfermagem no ambiente hospitalar.

Quanto à preceptoria da enfermagem, essa se deu com profissionais enfermeiras da instituição, com titulação mínima de especialistas e experiência prática nos campos assistenciais. O processo de ensino em serviço foi realizado conforme as situações se apresentavam no período de práticas, não tendo um espaço físico nem de tempo específico para discussão de casos aprofundados, nem estímulo à pesquisa científica para proposição de intervenções inovadoras nos cenários assistenciais. Nesse ponto, o processo de formação das residentes enfrentou dificuldades e limitações, tanto inerentes ao cotidiano intenso de atividades (alta demanda de atividades assistenciais, falta de espaços de discussão uni e multiprofissionais, limitações estruturais, de suprimentos e de recursos humanos), assim como àquelas vinculadas a visão a respeito do profissional residente (profissional já formado, porém em processo de especialização, conhecimento científico versus espaços para proposição de intervenções e mudanças com a realidade que se apresenta na instituição de saúde). Também, há de se considerar a existência de rotatividade de pessoal na instituição e, como consequência, houve mudanças de profissional-preceptor nesse percurso. Frequentemente as equipes assistenciais, principalmente a de enfermagem, precisam se adaptar à inserção do meio acadêmico na instituição – pelo fato de a instituição de saúde, onde são realizadas as atividades práticas da residência, ter vínculos tanto da graduação quanto da pós-graduação com a ULBRA, essa está habituada a receber um elevado número de alunos, porém o processo de adaptação é constante em virtude também da rotatividade dos acadêmicos, residentes e docentes.

Considerando o profissional-preceptor como um facilitador na inserção dos residentes nos setores da instituição, visualiza-se a necessidade de que esses profissionais recebam um suporte da instituição de ensino no sentido de estarem instrumentalizados e capacitados para atuarem de acordo com as propostas e expectativas do programa de residência e serem agentes ativos no processo de formação técnico-científica dos residentes (Lucena et al., 2015).

A dualidade existente entre o papel da residência na instituição foi vivenciada pelos residentes durante o primeiro ano do programa de residência da ULBRA. Os residentes de enfermagem foram acompanhados nos setores pelos respectivos enfermeiros responsáveis. Sendo assim, dependendo do setor e do enfermeiro da unidade, as tarefas e os pacientes a serem avaliados eram divididos e as decisões e ações eram compartilhadas e discutidas com esses profissionais, a fim de aprimorar o aprendizado e a técnica na formação escolhida. Porém, em algumas situações, os residentes ficaram sozinhos nos setores, precisando assumir uma postura de responsabilidade pelos pacientes e de comando da equipe de enfermagem. O quantitativo de atendimentos e de procedimentos registrados pelas residentes de enfermagem (Tabelas 1 e 2) demonstram a elevada demanda de trabalho no período de um ano. Isso possibilitou o aprimoramento de técnicas da enfermagem e o exercício da liderança inerente a essa categoria profissional. Contudo, há uma sobrecarga de demandas que culminam em desgaste físico e emocional, podendo levar à síndrome de burnout. Pesquisa realizada em Campo Grande, com 18 residentes do programa de RIMS da UFMS, verificou o índice de burnout e a qualidade de vida dos alunos, identificando aumentos significativos no índice de exaustão emocional e piora no índice de realização pessoal. Além disso, uma piora progressiva do índice de qualidade de vida dos alunos (Sanches et al., 2016). Também, uma pesquisa realizada por meio de um survey online, evidenciou que situações prazerosas são ofuscadas por aquelas de sofrimento e que a utilização de estratégias adaptativas para enfrentamento consiste em fator de proteção (Souza & Araujo, 2018).

Muitas vezes, os residentes são vistos como um profissional que veio para compensar a defasagem de recursos humanos, tendo as demandas do serviço prioridade em relação aos aspectos de formação do residente. Assim, o residente é visto como parte da equipe de trabalho. Porém, mesmo possuindo competência técnica-científica para atuar na sua profissão, o residente não responde individualmente pelas necessidades do setor e, por estar em processo de formação, ele deve ser respaldado pelo profissional da instituição durante toda a residência (Rodrigues, 2016).

Estudo realizado em uma unidade de internação cirúrgica verificou o desconhecimento de enfermeiros e técnicos de enfermagem a respeito do papel dos residentes de enfermagem dentro da equipe. Na percepção dos técnicos de enfermagem, o residente foi visto como mais um profissional auxiliando nas tarefas da unidade.Para as enfermeiras entrevistadas, a residência em enfermagem é uma oportunidade de aprendizado na prática, porém, a presença do residente juntamente com o enfermeiro responsável pelo setor foi vista como uma inibição na atuação do residente, gerando falta de autonomia (Drago, Salum, Andrade, Medeiros & Marinho, 2013).

As práticas assistenciais aconteciam através da sistematização da assistência de enfermagem, com a avaliação do paciente de forma integral e desenvolvimento de prescrições e evoluções baseadas nas necessidades do indivíduo e no nível de complexidade do cuidado prestado. Além disso, também era realizado o planejamento e solicitação dos recursos humanos e materiais para a unidade, bem como o gerenciamento dos leitos. Ainda, participamos de ações educativas, por meio do desenvolvimento e aplicação de treinamentos com a equipe de enfermagem. Assim, a experiência de um ano como residentes no ambiente hospitalar permitiu aperfeiçoar as habilidades técnicas e o raciocínio clínico aprendidos durante a graduação, além de proporcionar um ambiente de discussão com as equipes multiprofissionais da instituição (apesar de limitados a rounds semanais), possibilitando a articulação de propostas de cuidado de forma interdisciplinar.

Para Silva, Contim, Ohl, Chavaglia e Amaral (2015), o modelo de assistência prestada nos hospitais, centrada na doença, na prescrição e no tratamento, precisa agregar à prática profissional uma visão humanista e integral no contexto do processo de saúdedoença, englobando aspectos político, econômico, educacional e familiar. Neste contexto, os programas de residência multiprofissional em saúde possibilitam a discussão de casos entre os diferentes profissionais envolvidos no cuidado ao paciente, favorecendo uma assistência mais humanizada e holística ao indivíduo.

 

Conclusões

Programas de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde, oferecidos em parceria entre os ministérios da Saúde e da Educação, constituem uma importante modalidade de ensino em serviço, integrando saberes de diferentes categorias profissionais. A elevada carga horária instituída pelos programas (60 horas semanais), aliada a alta demanda de atividades e dos papeis desempenhados pelos residentes geram sobrecarga, além de irem em contra fluxo a lutas de diversas categorias profissionais da saúde, incluindo da enfermagem, por uma jornada de trabalho de 30 horas semanais.

A presença de tutores de núcleo e de profissionais-preceptores com capacitação e experiência da área de atuação, são fundamentais para a inserção do profissional residente no ambiente de serviço, mas também há a necessidade de incentivar e de oportunizar espaços para produção de intervenções e conhecimentos científicos. Por fim, os registros das atividades realizadas por residentes de enfermagem demonstram a amplitude de atuação dessa categoria profissional.

 

Referências

Botti, S. H. O., & Rego, S. (2008). Preceptor, Supervisor, Tutor e Mentor: quais são seus papéis?. Revista Brasileira de Educação Médica, 32(3), 363-373.         [ Links ]

Cunha, Y. F. F., Vieira, A., & Roquete, F. F. (2013, outubro). Impacto da residência multiprofissional na formação profissional em um hospital de ensino de Belo Horizonte. X Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, 10. Recuperado em: 17 de Julho de 2018 de <https://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos13/15318312.pdf>         [ Links ].

Drago, L. C., Salum, R. L., Andrade, S. R., Medeiros, M., & Marinho, M. M. (2013). A Inserção do Residente em Enfermagem em uma Unidade de Internação Cirúrgica: Práticas E Desafios. Cogitare Enfermagem, 18(1), 95-101.         [ Links ]

Lei nº 8.080 (1990, 19 de setembro). Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências.         [ Links ]

Lucena, C. M. F., Rodrigues, F. J., Lucena, P. L. C., Marques, C. C. O., & Adolfo, A. A. P. (2015, agosto). Análise da Formação Pós-Graduada em Moldes de Residência Multiprofissional sob a Ótica de Preceptores/Tutores e Residentes. Anais da VII Jornada Internacional de Políticas Públicas: Para além da crise global: experiências e antecipações concretas, São Luís, MA, Brasil, 7. Recuperado em: 02 de Agosto de 2018 de <http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinpp2015/anais-joinpp-2015.html>         [ Links ].

Ministério da Saúde (2006). Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão na Educação em Saúde. Residência multiprofissional em saúde: experiência, avanços e desafios. Recuperado em: 20 de Julho de 2018 de <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/residencia_multiprofissional.pdf>         [ Links ].

Portaria Interministerial, n. 1.077 (2009, 12 de novembro). Dispõe sobre a Residência Multiprofissional em Saúde e a Residência em Área Profissional da Saúde, e institui o Programa Nacional de Bolsas para Residências Multiprofissionais e em Área Profissional da Saúde e a Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde.         [ Links ]

Portaria Interministerial, n. 45(2017, 12 de janeiro). Dispõe sobre a residência multiprofissional em saúde e a residência em área profissional da saúde e institui a comissão nacional de residência multiprofissional em saúde. Recuperado em: 02 de Agosto de 2018 de <http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/residencia/portaria_45_2007.pdf>         [ Links ].

Rodrigues, T. F. (2016). Residências Multiprofissionais em Saúde: formação ou trabalho? Serviço Social e Saúde, 15(1), 71-82.         [ Links ]

Sanches, V. S., Ferreira, P. M, Veronez, A. V., Koch, R., Souza, A. S., Cheade, M. F. M., & Christofoletti, G. (2016). Burnout e Qualidade de Vida em uma Residência Multiprofissional: um Estudo Longitudinal de Dois Anos. Revista Brasileira de Educação Médica, 40(3), 430-436.         [ Links ]

Silva, J.C., Contim, D., Ohl, R. I. B., Chavaglia, S. R. R., & Amaral, E. M. S. (2015). Percepção dos residentes sobre sua atuação no programa de residência multiprofissional. Acta Paulista Enfermagem. 28(2), 132-8.         [ Links ]

Silveira, L. L. L., Caldas, M. R. D. Filho, Nóbrega, R. C., Freitas, V. S., Cavalcante, N. C., Sales, I. R. P..., & Batista, L. M. (2010, outubro). A importância da residência multiprofissional em saúde na formação de profissionais qualificados. [Resumo]. XIII Encontro de Iniciação à Docência. João Pessoa, Paraíba, Brasil, 13. Recuperado em: 17 de Julho de 2018 de <http://www.prac.ufpb.br/anais/XIIENEX_XIIIENID/ENID/PET/resumos_02.html>         [ Links ].

Souza, E. C. P., & Araujo, T. C. C. (2018). Percepção sobre formação em residência na área da saúde: necessidades, expectativas e desafios. Rev. SBPH. 21(1), 36-55.         [ Links ]

Universidade Luterana do Brasil. (2018). Projeto Pedagógico do Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde. Canoas: Programa de Pós-Graduação em Residência Integrada Multiprofissional em Saúde. Ulbra.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência
E-mail:fernandasstein@hotmail.com

Recebido em: novembro de 2018
Aceito em: janeiro de 2020

 

 

1 Fernanda Schommer Stein: Bacharela em Enfermagem pela UFCSPA (2015). Especialista em Saúde do Adulto e Idoso: Enfermagem Cirúrgica pelo Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da ULBRA (2019). Especialista em Cardiologia e Hemodinâmica pela UNYLEYA (2020).
2
Renata Simionato: Bacharela em Enfermagem pela UFCSPA (2016). Especialista em Saúde do Adulto e Idoso: Enfermagem Cirúrgica pelo Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da ULBRA (2019).

3 Larissa Borges da Silva: Bacharela em Enfermagem pela UFSM (2015). Especialista em Saúde do Adulto e Idoso pelo Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da ULBRA (2019).
4
Amábile Rodrigues de Souza Milani: Bacharela em Enfermagem pela UNIP (2010). Especialista em Prática Médico-Cirúrgica pela FAMERP (2011). Especialista em Saúde do Adulto e Idoso pelo Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da ULBRA (2019).

5 Daniela da Silva Schneider: Orientadora do artigo. Mestre em Enfermagem pela UFSC (2000). Atuou como docente do Curso de Graduação em Enfermagem e como Tutora do Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde da ULBRA
6
Solange Machado Guimarães: Coorientadora do artigo. Mestre em Educação pela PUCRS (1989). Atuou como docente do Curso de Graduação em Enfermagem e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Residência Multiprofissional em Saúde (Ênfase Saúde do Adulto e do Idoso) da ULBRA.

 

Creative Commons License