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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.54 no.1 Canoas ene./jun. 2021

http://dx.doi.org/DOI10.29327/226091.54.1-13 

DOI 10.29327/226091.54.1-13

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Intervenção em psicologia positiva com mães na pediatria: relato de experiência

 

Positive psychology intervention with mothers at pediatrics: experience report

 

 

Doralúcia Gil da Silva 1,I; Amanda de Almeida Schiavon 2,II; Janine Pestana Carvalho 3,I; Henry Barbosa Antunes 4,I; Claudia Hofheinz Giacomoni 5,II

IUniversidade Federal de Pelotas - UFPel
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Mães exercem papel importante no processo de hospitalização das crianças. As intervenções em psicologia positiva podem contribuir com o fortalecimento dos recursos positivos delas, o que por sua vez auxilia na recuperação da saúde das crianças. Este estudo teve por objetivo apresentar o relato da aplicação e avaliação de uma intervenção em psicologia positiva para mães de crianças hospitalizadas, visando demonstrar evidências de utilidade clínica da intervenção. A intervenção buscou diminuir sintomas de estresse, ansiedade e depressão, aumentar os níveis de bem-estar subjetivo e promover o uso de estratégias de enfrentamento adaptadas ao contexto da hospitalização infantil entre as mães. Os resultados mostraram que o procedimento pode ter auxiliado as mães usarem estratégias favorecedoras durante a hospitalização, bem como alternarem o seu uso conforme a demanda. Além disso, elas puderam vislumbrar elementos positivos presentes e sentirem-se apoiadas.

Palavras-chave: psicologia positiva; pediatria; família.


ABSTRACT

Mothers exercise an important role in their children hospitalization process. Positive psychology interventions may contribute to the strengthening of mothers’ positive resources, which in turn helps in children’s health recovery. This study aims presents a positive intervention pilot project enforcement and evaluation report, directing to demonstrate evidence of intervention clinical utility. The intervention pursued to decrease anxiety, depression and stress symptons, increase subjective well being and positive coping strategies to the hospital context in parents. Results demonstrated that intervention may have helped mothers to use positive strategies during hospitalization and to alternate them according the need. Moreover, mothers could glimpse positive elements presents and feel supported.

Keywords: positive psychology; pediatric; family.


 

 

Introdução

A ansiedade frente à hospitalização de uma criança com uma condição aguda de saúde deve ser trabalhada também com os familiares dela (O’Malley, Kimberly, Randell & Dowd, 2016). As condições agudas de saúde são doenças transmissíveis ou infecciosas de curso curto (doenças do aparelho respiratório, apendicite) ou traumas (acidentes, quedas) que, em geral, ocorrem em caráter episódico, emergencial, imprevisível e podem gerar altos níveis de estresse em pouco tempo (Ministério da Saúde, 2018). Nestes casos, as mães, comumente, são os adultos que permanecem como acompanhantes durante a internação, tendo papel importante de apoio e adaptação às crianças. Quando há uma relação de vínculo afetivo, proteção e confiança estabelecida entre o menino ou menina e a figura parental, o adulto é capaz de exercer um papel importante na adaptação à rotina hospitalar, tratamento e recuperação do filho ou filha (Tehrani, Haghighi & Bazmamoun, 2012). Desse modo, considerando as mães como estas figuras, é importante que elas possam ser acolhidas e olhadas no processo de hospitalização pela equipe de saúde (O’Malley et al., 2016; Tehrani et al., 2012). Nesse sentido, cabe aos profissionais da equipe de saúde proporcionar acolhimento e alívio da ansiedade e estresse da mãe, levando em consideração que isto pode contribuir com a melhora de saúde da criança. Ao mesmo tempo, aponta-se para um horizonte que vá além de meramente reduzir sintomas. A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2014) entende a saúde como um bem estar físico, social e mental, e não apenas como ausência de doenças. Em concordância a essa premissa, a Psicologia Positiva propõe o enfoque em forças e aspectos saudáveis das pessoas. Estudos evidenciam a influência de uma vida plena, com sentido, e com emoções positivas na saúde (Gander, Proyer & Ruch, 2016; Gantt, 2016). Assim, justifica-se elencar esta perspectiva como uma possibilidade promissora aos profissionais da psicologia que atuam nas equipes em hospitais.

Com o desenvolvimento dos estudos em Psicologia Positiva, surge a sua aplicação em intervenções. Intervenções em Psicologia Positiva (IPP) são procedimentos que visam promover forças, virtudes e emoções positivas e fortalecer aspectos do funcionamento psicológico saudável (Gander et al., 2016). Tendo em vista as considerações teóricas anteriores a respeito da importância do apoio às mães no período de hospitalização das crianças e a visão de fortalecimento dos recursos saudáveis, foi elaborada, aplicada e avaliada uma intervenção em psicologia positiva direcionada para mães de crianças hospitalizadas com condições agudas de saúde.

A referida intervenção foi construída e aplicada em forma de estudo piloto. A concepção e elaboração da intervenção, incluindo a justificativa para o seu formato e aplicação, se deu por meio de revisão teórica de estudos da psicologia da saúde, psicologia hospitalar e psicologia positiva (Campbell, DiLorenzo, Atkinson & Riddell, 2017; Dodt, Joventino, Aquino, Almeida & Ximenes, 2015; Gander et al., 2016; Gantt, 2016; Muscara et al., 2015; O’Malley et al., 2016; Paranhos & Werlang, 2015; Schueller, Kashdan & Parks, 2014). Os objetivos da IPP foram aumentar os níveis de bem-estar subjetivo, propiciar o desenvolvimento e flexibilização de estratégias de enfrentamento positivas para a hospitalização e reduzir os sintomas de ansiedade e depressão das mães acompanhantes das crianças hospitalizadas.

Ao aplicar uma intervenção, é fundamental considerar a sua avaliação criteriosa. Dentro dela, princípios como a eficácia e utilidade clínica são relevantes para a continuidade da replicação. A eficácia de uma intervenção em Psicologia é obtida através da avaliação científica sistemática sobre se o tratamento funciona (American Psychological Association, 2006). A utilidade clínica diz respeito à aplicabilidade, viabilidade e utilidade do tratamento para o seu fim específico. Tal dimensão inclui a generalização ou extrapolação dos resultados quando a sua eficácia já tenha sido estabelecida (American Psychological Association, 2006). Esta dimensão é o interesse do presente estudo, uma vez que este traz o relato de experiência da aplicação e avaliação da intervenção.

Deste modo, visando identificar evidências de utilidade clínica desta intervenção, este estudo tem como objetivo apresentar o relato de experiência sobre a aplicação e avaliação de uma intervenção em Psicologia Positiva (IPP) para familiares de crianças hospitalizadas com condições agudas de saúde.

 

Método

Participantes

Participaram 30 mães, sendo que 12 receberam a intervenção na modalidade grupal, 10 na modalidade individual e nove compuseram o grupo de comparação, que recebeu uma tarefa controle de psicoeducação sobre etapas do desenvolvimento infantil típico. Das 22 mães que realizaram a intervenção, oito participaram do follow up por telefone realizado três meses após o procedimento com o uso de uma entrevista de avaliação da intervenção. A maioria, 86,7%, eram mães biológicas (n = 26), casadas 80% (n = 26), com média de idade M = 25,37 (DP = 7,03) e donas de casa 83,3% (n = 25). As crianças das participantes eram maioria do sexo masculino, das que participaram da intervenção em grupo (n = 7), da intervenção individual (n = 9) e do grupo de comparação (n = 6). A média de idade das crianças nos grupos foi 1,08 (DP = 1,84); 1,72 (DP = 3,30) e 0,42 (DP = 0,58) respectivamente. O principal motivo de internação das crianças foi bronquiolite nos três grupos (n = 5). Os critérios de exclusão foram: pessoas não alfabetizadas, maiores de 18 anos, mães cujo motivo da hospitalização da criança fosse doença grave (câncer, doenças neurológicas, síndromes genéticas, doenças crônicas) e que estivessem hospitalizadas há mais de um mês, devido ao fato de que a gravidade da doença e o tempo prolongado de internação afetam significativamente o estresse e as estratégias de enfrentamento (Schultze-Lutter, Schimmelmann & Schmidt, 2016).

Procedimentos e Considerações Éticas

O trabalho foi realizado em um Hospital Escola no interior do Rio Grande do Sul. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de ética da instituição responsável, sob o número CAD 1.973.322. Todas as participantes que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A internação pediátrica desta instituição tem por característica atender crianças com condições agudas de saúde, sendo casos de doenças graves encaminhados para outros hospitais de referência. Foi realizado estudo quase experimental, com alocação das participantes em três condições diferentes, a saber: intervenção em grupo, intervenção individual e grupo de comparação. As mães não sabiam a qual condição seriam destinadas, apenas se participariam na forma individual ou grupal. A unidade de internação pediátrica onde foi realizado o estudo é composta de duas enfermarias com cinco leitos em cada uma. O tempo permitido para a realização da pesquisa na instituição foi de junho a dezembro. O tamanho da amostra foi atingido conforme o tempo disponibilizado para a realização da pesquisa (aproximadamente 28 semanas). Aleatoriamente, a cada semana era realizada uma modalidade em uma das enfermarias (intervenção em grupo, intervenção individual ou grupo de comparação) e assim, após finalizar as três modalidades, novamente iniciava-se o rodízio semanal das modalidades de intervenções até fechar o prazo final. As participantes que se enquadravam nos critérios eram convidadas a participar do estudo, e após o aceite preenchiam os instrumentos. Os instrumentos avaliavam bem estar subjetivo, sintomas de estresse, ansiedade e depressão e modos de enfrentamento de problemas. Ao final da semana, quando ocorrera um grupo de comparação, era oferecida a possibilidade de aplicar a intervenção àquelas participantes.

A intervenção foi aplicada por uma psicóloga do hospital nas próprias enfermarias. Consistiu em um encontro de duas horas composto de diferentes exercícios. A avaliação da intervenção foi feita através de instrumentos padronizados preenchidos pelas participantes. Elas responderam aos mesmos instrumentos antes da atividade, um dia depois e três meses após, desta vez por telefone. A aplicação destes e as ligações telefônicas foram realizadas por alunos de graduação em Psicologia treinados para tanto. Após cada aplicação da intervenção e das etapas de avaliação, a moderadora e os avaliadores reuniam-se para trocar observações sobre o processo. Além disso, todos realizavam registros por escrito. Estas observações feitas durante as etapas da pesquisa e os registros por escrito tinham um caráter descritivo sobre as reações das participantes e foi utilizada como uma ferramenta metodológica para amparar a avaliação da utilidade clínica da intervenção (Arpini, Zanatta, Paraboni, Rodrigues, & Marchesan, 2018).

Para atingir cada objetivo da intervenção foi concebida e aplicada uma atividade diferente. Inicialmente, foi realizado um rapport inicial para conhecer as participantes, saber as características de cada caso e contextualizar o objetivo da intervenção. Após, foi realizada atividade em que as mães eram convidadas a compartilhar as experiências da hospitalização e do adoecimento das crianças. Foram trabalhados os temas de comparação e apoio social. Para trabalhar as estratégias, foi realizada psicoeducação sobre estratégias de enfrentamento e exercício de aprendizado a partir da observação de comportamento. Por fim, a partir da intervenção sobre as estratégias, foi incluído o tema do estresse, compreendido dentro da vivência do adoecimento e hospitalização (Campbell et al., 2017). Foi abordado o que é, como se manifesta e relações com sintomas de ansiedade e depressão. Assim, foi conduzido exercício sobre manejo do estresse com técnicas de relaxamento. Por fim, o exercício das Três coisas boas (Mongrain & Anselmo-Matthews, 2012) foi ministrado com objetivo de restabelecer e promover bem-estar entre as mães.

 

Resultados

Desde o início dos procedimentos da pesquisa, já no momento do convite em participar do estudo, as participantes demonstraram reações que foram observadas pelos pesquisadores. A seguir serão apresentados os relatos dos avaliadores e moderadora da intervenção sobre todas as etapas do processo. Estas ocorreram desde o momento do convite em participar do estudo.

Antes da intervenção

Durante o convite para a participação na pesquisa, foi observado que ao fazer o convite uma mãe influenciava a outra a aceitar ou não. Quando uma mãe aceitava ou recusava, as demais seguiam com a mesma resposta. Da mesma maneira, quando elas estabeleciam algum tipo de vínculo prévio, isso influenciava a decisão de todas participarem juntas ou não na pesquisa.

Na aplicação dos questionários houve quatro desistências. As mães disseram que achavam difíceis de responder por não conseguirem mensurar a resposta ao item ou por não saberem os significados de algumas palavras.

Durante a intervenção

Durante a aplicação da intervenção, chamou atenção a importância da flexibilidade e acolhimento dos temas que pudessem emergir por parte da moderadora a fim de promover o engajamento na atividade. Nas intervenções em grupo, algumas mães haviam recusado previamente a participação. No entanto, durante a intervenção essas mesmas mães entravam no ambiente em que a intervenção estava sendo realizada e participavam junto com o grupo. Este fato não foi interrompido pela psicóloga que conduzia para não prejudicar o vínculo com as demais mães e manter a postura acolhedora da intervenção.

Na psicoeducação sobre as estratégias de enfrentamento, muitas participantes demonstravam e relatavam alívio ao saber que as estratégias não são boas ou ruins a priori, mas que variam conforme a situação e o indivíduo, e que, muitas vezes, a eficácia do seu uso está em conseguir alterná-las. Outro aspecto interessante diz respeito ao visível incremento de emoções positivas que as mães experienciavam quando realizavam o exercício das Três coisas boas.

Após a intervenção

Durante a aplicação dos instrumentos após a intervenção, as mães conversavam entre si sobre temas abordados na atividade. Além disso, embora existisse um breve questionário a ser preenchido pelas participantes, com o intuito de avaliar a intervenção, por vezes esse feedback foi comunicado de maneira verbal no momento da aplicação dos instrumentos, quando as participantes agradeciam ou relatavam mais tranquilidade em relação ao dia anterior da aplicação da intervenção. Da mesma forma, em atendimentos subsequentes na instituição pela equipe da psicologia algumas participantes seguiam falando dos temas abordados na intervenção.

Três meses após a intervenção

Foi realizado um follow-up três meses após a realização da intervenção por telefone com o uso do questionário de avaliação de intervenção (Núcleo de Estudos em Psicologia Positiva [NEPP], 2016). Tal instrumento foi estruturado em três questões com cinco alternativas de respostas fechadas e três questões abertas. Avaliou a percepção das mães sobre o aproveitamento ao ter participado do encontro, o aprendizado das informações transmitidas, possíveis mudanças de atitudes a partir da intervenção e espaço para críticas e sugestões.

Foi possível o contato com oito mães. Dessas, quatro afirmaram terem gostado da intervenção, três disseram que o encontro as ajudou, sendo que uma afirmou que "veio no momento certo" e uma ressaltou que "a moça (psicóloga) foi muito atenciosa". Apenas uma participante relatou que "tudo que a gente falou, falou e falou não me serviu de nada". Sobre a intervenção as ter auxiliado de alguma forma, as participantes relataram que foi um aprendizado, uma forma de distração, pois "ajuda a tirar a cabeça dali". Também foi dito que o procedimento "tira o estresse". Uma participante contou que estava "muito raivosa e que a pesquisa a desvirtuou disso". Ainda foi mencionado pelas mães que é importante não ficar apenas focada na doença, remédio e dor. As mães disseram que recomendariam a outras mães com crianças hospitalizadas que passassem pela intervenção.

 

Discussão

Um dos primeiros pontos a serem destacados foi a recusa inicial, seguida de engajamento na atividade, de algumas mães em participar do estudo. Isto pode ser compreendido como receio das participantes em tratar dos tópicos propostos, os quais são mobilizadores por si só (falar sobre a emergência da condição aguda, a necessidade de hospitalização, estratégias de enfrentamento) e a fragilidade do momento. Assim, é importante destacar a postura acolhedora e empática do profissional ao abordar os temas relacionados à hospitalização (O’Malley et al., 2016). Além disso, sabe-se que a privacidade é algo prejudicado no ambiente e rotina hospitalar. No entanto, é um aspecto a ser prezado e considerado pelos profissionais.

Quanto às desistências ao preencher os instrumentos na pré avaliação, pode-se pensar que isso esteja relacionado ao baixo nível de escolaridade das participantes. Isso aponta para a escassez de instrumentos breves padronizados com boas propriedades psicométricas para avaliações de populações com baixa escolaridade, especialmente em relação aos construtos bem-estar subjetivo e modos de enfrentamento de problemas (Guimarães & Porto, 2017).

Porém, aquelas mães que se engajaram em participar de todas as etapas finalizaram os questionários com poucas dúvidas. Essas foram acompanhadas durante o preenchimento pela equipe da psicologia, sendo auxiliadas quando necessário. Esse procedimento buscou amenizar as possíveis dificuldades que as participantes pudessem ter e minimizar os vieses da avaliação pré e pós-intervenção. Sugere-se que esse apoio da equipe durante o preenchimento dos instrumentos seja bem treinado antes com os avaliadores e de fato realizado para facilitar esta importante etapa de avaliação da intervenção.

Apesar de a intervenção seguir um protocolo, na prática cada uma tinha particularidades, pois as participantes abordavam desdobramentos dentro dos temas propostos na intervenção. Tal postura flexível e acolhedora pode ter beneficiado as mães a sentirem-se amparadas e incentivadas a realizar a atividade com fluidez. Nas intervenções em grupo esse apoio pareceu mais evidente, na medida em que elas podiam trocar experiências entre si e perceber que os pares passavam por situações semelhantes. Além disso, o elemento da flexibilidade é importante uma vez que a intervenção estava sendo implementada pela primeira vez, de modo a possibilitar ajustes e melhorias no seu enquadre e aplicação (Schueller et al., 2014).

Além do impacto nas participantes que realizaram a intervenção, observou-se que a atividade realizada no grupo de comparação também produziu uma vivência positiva relatada pelas participantes após o procedimento. O exercício realizado serviu para tirar dúvidas da saúde e do desenvolvimento das crianças, o que pode ter desviado um pouco o foco da situação estressora. Esta atividade promoveu, à semelhança do que foi percebido na intervenção grupal, sentimento de apoio e acolhimento mútuo, o que elicia, ainda que momentaneamente, alívio de estresse e ansiedade. Estes aspectos percebidos pela equipe e relatados pelas participantes tanto nas intervenções quanto nos grupos de comparação denotam que as mães aproveitaram em alguma medida as atividades e puderam obter algum benefício delas, o que pode denotar elementos de utilidade clínica.

Outro ponto a ser destacado refere-se ao exercício Três Coisas Boas ter finalizado a intervenção. Pelo fato de este ter feito o fechamento da atividade, de modo que as mães pudessem visualizar os aspectos positivos presentes na situação, pode ter favorecido um incremento dos afetos positivos e deixado uma boa impressão nas participantes a respeito do encontro. Essa questão concorda com resultados relatados em outros estudos que usaram esse exercício (Mongrain & Anselmo-Mathews, 2012; Schueller et al., 2014). Ainda pode ser entendido como uma evidência de que as pessoas conseguem experienciar emoções positivas mesmo em situações estressoras e que as IPP funcionam mesmo com pessoas mais propensas a apresentarem maiores níveis de estresse e ansiedade. Este é um resultado favorável e encorajador com relação à continuidade de replicação das IPP.

As falas das participantes que valorizavam a equipe de saúde à disposição para os cuidados da criança e a percepção de atendimento bom, apontam para o modo como as pessoas encaram a própria vida, uma vez que as que relatam serem felizes são aquelas que enfocam e valorizam o que têm, e não se preocupam com o que não têm (Gantt, 2016).

Devido a esta reavaliação da vivência da hospitalização e reconhecimento de aspectos positivos, o conceito de crescimento pós- traumático faz sentido para a compreensão dos fenômenos observados. Apesar das controvérsias a respeito deste construto e das formas de avaliá-lo, ele pode ajudar a elucidar o entendimento das mães que a experiência de hospitalização e adoecimento de seus filhos também teve componentes positivos e pode preparar melhor as cuidadoras para futuras possíveis intercorrências (Campos & Trentini, 2019). A condição aguda de saúde da criança ocorre em caráter emergencial e acarreta altos níveis de estresse. Porém, o adequado atendimento médico com a melhora clínica das crianças, a assistência de outros profissionais da saúde, o apoio social percebido vindo da família e das outras mães de outras crianças internadas em conjunto podem ter facilitado a experiência e ter deixado algum aprendizado benéfico.

Desse modo, considerando todos os apontamentos anteriores, é possível indicar que há algumas evidências da utilidade clínica da intervenção. No entanto, esta deve seguir sendo aprimorada em futuros estudos.

Quanto ao procedimento do follow-up, devem ser observadas algumas limitações. Por se tratar de uma ligação telefônica, não foi possível acessar todas as mães em função de falhas nas linhas (envio para caixa postal) e pelo não atendimento do telefonema. Além disso, houve recusas. Entre os motivos para essas pode estar a recusa relacionada a alguma limitação da intervenção ou a não querer recordar a situação de hospitalização. Por outro lado, ao ofertar a avaliação a partir de um telefonema facilitamos o acesso de participação.

Cabe apontar que aspectos da subjetividade dos pesquisadores de alguma forma estiveram presentes nas observações realizadas durante a aplicação e avaliação da intervenção, o que não significa um viés prejudicado ao trabalho (Arpini et al., 2018). Para a compreensão e obtenção da utilidade clínica, é necessária uma maior aproximação do pesquisador, com o compartilhamento e discussão das observações práticas da aplicação e avaliação da intervenção, a fim de poder ter uma visão ampliada sobre todo o processo que se passou. Assim como, para a utilidade clínica é importante verificar como as participantes estavam recebendo e vivenciando as intervenções, uma vez que é relevante que as atividades sejam contextualizadas e tenham algum valor para as pessoas que as estão recebendo (Arpini et al., 2018).

 

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Endereço para correspondência
E-mail:doralu.gil@gmail.com

Recebido em: março de 2020
Aceito em: janeiro de 2021

 

 

1 Doralúcia Gil da Silva: Psicóloga, Doutora e Mestra em Psicologia (UFRGS). Hospital Escola UFPEL.
2 Amanda de Almeida Schiavon: Psicóloga (UFPEL). Mestranda em Psicologia Social (UFRGS). amandaschiavon@yahoo.com.br.
3 Janine Pestana Carvalho: Psicóloga (UFPEL). janinepcarvalho@hotmail.com.
4 Henry Barbosa Antunes: Graduando em Psicologia UFPEL. henryyantunes@gmail.com.
5 Claudia Hofheinz Giacomoni: Psicóloga (PUCRS), Doutora e Mestra em Psicologia (UFRGS). Professora do Programa de Pós Graduação em Psicologia (UFRGS). giacomonich@gmail.com.

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