SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.54 issue2Climacteric and menopause: relationship between body image and associated symptoms in riverside women in the AmazonSocial skills and use of social media by teens in high school author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.54 no.2 Canoas July/Dec. 2021

http://dx.doi.org/DOI10.29327/226091.54.2-4 

DOI 10.29327/226091.54.2-4

RELATOS DE PESQUISA

 

Experiência subjetiva quanto ao uso da realidade virtual em indivíduos com lesão da medula espinal traumática

 

Minimal experience regarding the use of virtual reality in traumatic spinal cord injuries

 

 

Danyane Simão Gomes 1, I, II; Alessa Adriana Pereira Lacort 2, II; Juliana Ribeiro Gouveia Reis 3, II; Maria Georgina Marques Tonello 4, I

IUniversidade de Franca - UNIFRAN
IICentro Universitário de Patos de Minas - UNIPAM

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi avaliar e comparar o nível de dor e as percepções de esforço de indivíduos com lesão da medula (LME) e indivíduos sem deficiência durante a aplicação da imagética motora associada à realidade virtual (RV). Tratou-se de um estudo analítico intervencional caso-controle, envolvendo 16 indivíduos, divididos em dois grupos, com oito indivíduos em cada, sendo Grupo experimental (GE) e Grupo controle (GC). Os indivíduos realizaram uma caminhada virtual utilizando o óculos de estereoscopia e foi aplicada a Escala de Experiência Subjetiva ao Exercício (EESE) e a Escala Analógica Visual de Dor (EVA). A dor esteve presente em 87,5% do GE e em 37,5% do GC. Nos dois grupos, os maiores escores da EESE foram relacionados ao domínio "bem-estar psicológico", sendo estatisticamente significantes. Desta forma, pode-se concluir que a atividade de imagética motora associada à RV foi satisfatória em promover bem-estar para os indivíduos com LME.

Palavras-chave: Traumatismo da medula espinal; Realidade Virtual; Ajuste emocional.


ABSTRACT

The objective of the study was to evaluate and compare the level of pain and the perceptions of effort of individuals with spinal cord injury (SCI) and individuals without disabilities during the application of motor imagery associated with virtual reality (VR). It was an analytical interventional case-control study, involving 16 individuals, divided into two groups, with eight individuals in each, being an experimental group (EG) and a control group (CG). The individuals performed a virtual walk using stereoscopic glasses and the Subjective Exercise Experience Scale (EESE) and the Visual Analog Pain Scale (VAS) were applied. Pain was present in 87.5% of the EG and in 37.5% of the CG. In both groups, the highest EESE scores were related to the "psychological well-being" domain, being statistically significant. Thus, it can be concluded that the motor imaging activity associated with VR was satisfactory in promoting well-being for individuals with SCI.

Keywords: Spinal cord trauma; Virtual reality; Emotional adjustment.


 

 

Introdução

As consequências decorrentes da lesão da medula espinal, como os comprometimentos motores e as dores, podem levar à incapacidade para a realização de determinadas atividades ou outras dificuldades que limitam a integração sócio familiar e laboral e, portanto, são muitas vezes condições importantes para estes indivíduos (Cruz, Santos, Margalho & Laíns, 2016).

A dor é uma adversidade frequente para estas pessoas e isso pode impactar de forma negativa a função tanto física, o humor, a participação social e a qualidade de vida. Vários tipos de dor podem ocorrer após a lesão medular e elas são situações difíceis de serem controladas e por isso, este gerenciamento pode ser complicado e não pode se concentrar apenas na abordagem da diminuição da dor, mas também nas funções física, psicológica, fatores comportamentais, sociais e ambientais (Siddall & Middleton, 2015).

A ascensão tecnológica tem concedido diferentes ferramentas tanto para a reabilitação quanto para a promoção da saúde desses indivíduos. Neste contexto, a realidade virtual (RV) surge como um instrumento de incentivo ao estilo de vida ativo, além de propiciar melhora de parâmetros físicos/motores, demonstrando ser uma alternativa aos tratamentos tradicionais, que muitas vezes, tornam-se repetitivos, prolongados e monótonos (Gomes, Reis & Tonello, 2018).

Segundo Kizony, Raz, Katz, Weingarden & Weiss (2005), a interação proporcionada pelos videogames ativos pode aumentar a motivação e o prazer durante a sessão de terapia, além de atingir os objetivos de uma reabilitação tradicional, porém de forma mais dinâmica, realista e relevante para as atividades do cotidiano desses indivíduos. Dessa forma, acredita-se que a reabilitação pós lesão da medula espinal tenha também grande importância na melhora da participação social destes indivíduos, como uma estratégia de prazer e lazer, a qual poderá promover o seu bem-estar psicológico.

Durante a prática de exercício físico, as variáveis afetivas e emocionais estão efetivamente envolvidas, o que pode confirmar os relatos de quem pratica exercício apontando as sensações positivas e agradáveis proporcionadas por essa atividade (Carneiro & Gomes, 2016). Assim, a prática da RV como uma forma de exercício para indivíduos com lesão medular poderia ter associação com o bem-estar, o que aumentaria o engajamento, a motivação durante a atividade, podendo estar altamente relacionada a efeitos positivos para esses indivíduos.

Sendo assim, o objetivo do presente estudo foi avaliar e comparar o nível de dor e as percepções de esforços de indivíduos com lesão da medula espinal e indivíduos sem deficiência durante a aplicação da imagética motora associada à RV.

 

Métodos

Tratou-se de um estudo analítico intervencional caso-controle, sendo realizada em um Centro Universitário de uma cidade do interior de Minas Gerais/MG, situado na cidade de Patos de Minas/MG, no período de junho a agosto de 2019, em uma sala disponibilizada pela instituição. A coleta foi realizada pela própria pesquisadora.

Para seu desenvolvimento, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEPE) da Universidade de Franca/ UNIFRAN, sob o número de aprovação 3.306.413 e submetido à Plataforma de Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC) e aprovado sob o número RBR-78yqfn. Os participantes foram esclarecidos previamente sobre os objetivos da pesquisa, procedimentos de coleta dos dados e as demais informações contidas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a anuência para participar do estudo, assinaram duas vias do termo, ficando uma em seu poder e a outra com as pesquisadoras. As pesquisadoras declaram que foram considerados os preceitos éticos, segundo a Resolução nº466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

A prevalência de lesão medular nessa população era desconhecida e por isso, a amostra foi por conveniência e composta por 16 indivíduos, sendo divididos em dois grupos: Grupo Experimento (GE), formado por oito indivíduos com lesão da medula espinal. Os participantes foram recrutados na Clínica Escola de um Centro Universitário da cidade de Patos de Minas/MG. O Grupo Controle (GC) foi composto por oito indivíduos sem deficiência, pareados por idade e sexo do grupo GE, constituído por acadêmicos do curso de fisioterapia dessa mesma Instituição de Ensino Superior (IES).

Os critérios de inclusão do GE foram: participantes de ambos os sexos, com idade entre 20 a 60 anos; sedentários; com diagnóstico clínico de lesão medular completa e/ou incompleta; com no mínimo um ano de lesão; com etiologia de lesão traumática. Para o GC, os critérios de inclusão foram: participantes de ambos os sexos; com idade entre 20 a 60 anos; sedentários; sem qualquer tipo de deficiência.

Os critérios de exclusão para ambos os grupos foram: instabilidade cardiovascular descontrolada; distúrbios neurológicos diferentes da lesão medular (por exemplo, acidente vascular encefálico) que poderiam interferir com o desempenho da imagética motora; diagnóstico médico de doenças demenciais, tais como Doença de Alzheimer, Demência Vascular, Demência Mista, Demência por Corpos de Lewy, Demência Frontotemporal; diagnóstico clínico de depressão; uso de medicamentos antidepressivos e comprometimento cognitivo.

Foi aplicado o Mini Exame de Estado Mental (MEEM) para avaliação da função cognitiva. Optou-se pela exclusão de indivíduos com escores abaixo de 23/24 no MEEM, pois como a técnica empregada no presente estudo (imagética motora) é uma tarefa cognitiva, acredita-se ela dependa dessa função, de forma a evitar interferências durante este processo e assim, garantir que o indivíduo pudesse realizar a ação.

O MEEM fornece informações sobre diferentes parâmetros cognitivos, contendo questões agrupadas em sete categorias, cada uma delas planejada com o objetivo de avaliar as funções cognitivas específicas, como a orientação temporal (5 pontos), orientação espacial (5 pontos), registro de três palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), recordação das três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto). O escore do MEEM pode variar de 0 pontos, o qual indica o maior grau de comprometimento cognitivo dos indivíduos, até um total de 30 pontos, o qual, por sua vez, corresponde a melhor capacidade cognitiva. De acordo com Tombaugh & McIntyre (1992), o ponto de corte 23/24 tem de boa a excelente sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de comprometimento cognitivo.

A avaliação de dados sociodemográficos foi composta pela anamnese direcionada para certificar-se da ausência de patologias ou instabilidades que o excluísse da pesquisa, além de informações pessoais, tais como: nome, idade, sexo, diagnóstico clínico, nível da lesão, classificação da lesão e história médica.

O nível de dor do participante foi avaliado por meio da Escala Analógica Visual de Dor (EVA). A EVA consiste em uma linha horizontal com 10 centímetros de comprimento, assinalada em uma de suas extremidades a classificação "SEM DOR" (representada pelo número zero) e, na outra, a classificação "DOR MÁXIMA" (representado pelo número 10). Os participantes realizaram a marcação com um traço no ponto que representa a intensidade de sua dor neuropática (Ciena et al., 2008).

Foi realizada uma sessão de imagética motora associada à RV com o uso do óculos de RV, chamado de Beenoculus, desenvolvido por brasileiros (Figura 1), conectado a um smartphone, o qual simulava um ambiente virtual direcionado para a imagética motora de uma caminhada utilizando-se da RV, durante três minutos. O Beenoculus é um equipamento parecido com grandes óculos selados contendo uma tela, lentes de profundidade e sensores com giroscópio. Esse equipamento é acoplado a um smartphone, que em conjunto com as lentes, consegue um bom resultado.

Esse ambiente gerou estímulos com ênfase na caminhada virtual. Durante a sessão, o indivíduo foi orientado a imaginar a ação motora do movimento de caminhar em cenário 3D, com luzes, texturas realistas, áudio e outros detalhes do ambiente virtual. Os indivíduos foram instruídos a se concentrarem nas sensações corporais produzidas durante as sessões de imagética motora e nas ações mentais solicitadas, sendo garantidas por meio de comandos verbais ao longo da coleta.

Na sequência, foi aplicada a Escala de Experiência Subjetiva ao Exercício (EESE). Essa escala foi traduzida e validada por Cabral e Palmeira (2003) na língua portuguesa. A versão original foi desenvolvida por MeAuley e Courneya (1994) e recebe o nome de "Subjective Exercise Experiences Scale - SEES". Ela avalia os estados emocionais subjetivos ao exercício e é composta por 12 itens distribuídos em três escalas: bem-estar (ótimo), desconforto (miserável) e fadiga (cansado). Os itens são respondidos numa escala tipo Lickert, que varia de um a sete, sendo "um" correspondente à "Nada" sentido e "sete" referente à "Muitíssimo".

Os dados coletados foram armazenados em um banco de dados no software estatístico Statiscal Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0 para Windows. Os escores do questionário sociodemográfico, da EVA e da EESE foram apresentados de forma descritiva (média e desvio-padrão).

A normalidade destes dados foi avaliada por meio do teste Shapiro Wilk. Por isso, para a comparação dos dados da EESE em cada grupo, foi utilizado o teste t para amostras pareadas (dados normais). Com o objetivo de verificar a existência ou não de diferenças, estatisticamente significantes, entre os resultados obtidos pelos participantes dos dois grupos, com relação ao nível de dor foi aplicado o teste U de Mann-Whitney (dados não-normais). O nível de significância estabelecido foi de 0,05 em uma prova bilateral.

 

Resultados

A amostra foi composta por 18 participantes, porém dois indivíduos com lesão da medula espinal foram excluídos, pois apresentaram escores do MEEM abaixo de 23. Portanto, a amostra final constituiu-se por 16 indivíduos, divididos em dois grupos: Grupo Experimental (GE) com oito pessoas com lesão da medula espinal e Grupo Controle (GC) com oito pessoas sem deficiência.

De acordo com a Tabela 1, nota-se que a média de idade do GE foi de 35 anos e 8 meses ± 11 anos e 6 meses e do GC foi de 26 anos e 6 meses ± 12 anos. Observou-se que 87,5% dos participantes, tanto do GE quanto do GC, pertenciam ao sexo masculino e 12,5% ao sexo feminino.

 

 

Na Tabela 2, estão demonstradas as características das lesões medulares dos indivíduos do GE. As lesões cervicais representaram 62,5% e as torácicas 37,5%. Quanto à classificação da lesão medular pela Associação Americana de Lesão Espinal (ASIA), observou-se que 62,5% apresentaram lesão C (lesão sensitiva e motora incompletas), 25% apresentou lesão D (lesão incompleta com função motora preservada abaixo do nível da lesão) e 12,5% lesão A (lesão medular completa, sem funções sensoriais ou motoras em segmentos S4-S5). Quanto à etiologia da lesão medular, 75% tiveram como causa o acidente automobilístico e 25%, o mergulho em água rasa. O tempo de lesão variou de dois a 21 anos, com média de 8 anos e 9 meses ± 7 anos e 10 meses.

 

 

Na Tabela 3, estão demonstradas as frequências e porcentagens de participantes dos dois grupos, de acordo com o nível de dor. Com relação à presença de dores no GE, 87,5% (7) dos indivíduos do GE relataram a presença de dores em seu dia-a-dia, sendo a média de 4,9 na EVA. Os locais dessas dores foram diversos, sendo relatados: membros superiores, coluna lombar e cervical, quadril, joelho e tronco. No GC observou-se que 62,5% (5) dos participantes não apresentaram queixas álgicas em seu dia-a-dia, sendo a média de 5,3 na EVA e 37,5% (3) relataram a presença delas, sendo nos joelhos, na coluna lombar e na região do músculo trapézio direito. Apesar da maior frequência de dores nos indivíduos do GE, quando aplicado o Teste U de Mann-Whitney, a diferença entre os dois grupos não foi estatisticamente significante (p=0,0738).

 

 

De acordo com os resultados da Tabela 4, nota-se que os maiores escores da Escala de Experiência Subjetiva ao Exercício (EESE) foram relacionados ao domínio de bem-estar psicológico durante a prática com a RV, nos dois grupos. No GC, observou-se que os indivíduos apresentaram o escore mínimo (4) nos domínios mal-estar e fadiga.

 

 

 

 

De acordo com os resultados demonstrados na Tabela 5, na comparação dos resultados entre os domínios da EESE, foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os escores "bem-estar psicológico X mal- estar psicológico" e "bem-estar psicológico X fadiga" nos dois grupos, sendo os maiores valores atribuídos ao bem-estar, porém, não foram encontradas diferenças, estatisticamente significantes, entre os domínios da EESE quando os dois grupos (GE e GC) foram comparados (Tabela 6). A comparação entre os valores de "mal-estar psicológico e fadiga" não pôde ser realizada porque o erro padrão da diferença foi zero.

 

Discussão

A investigação por recursos e técnicas que possibilitem ganhos funcionais e de bem-estar para pessoas com deficiência é uma constante na pesquisa clínica. Desta forma, o presente estudo buscou avaliar e comparar o nível de dor de indivíduos com lesão da medula espinal e indivíduos saudáveis; e verificar as percepções de esforço dos indivíduos durante a aplicação da imagética motora com a RV.

No presente estudo, 87,5% dos indivíduos com lesão medular relataram a presença de dor, sendo a média de 4,91 na EVA e a presença de dor severa aconteceu em 25%. No estudo de Andresen et al. (2016), a dor crônica foi relatada por 73% da amostra, sendo a média de dor de 5,6 (em uma escala de classificação numérica de zero a dez). Destes, 21% relataram dor leve (escala 1 a 4), 22% dor moderada (escala de 5 a 6) e a dor severa, esteve presente em 28% (escala de 7 a 10). Segundo Boldt et al. (2014), a dor crônica é um problema de saúde sério e frequente em indivíduos que sofreram lesão medular, o que pôde ser observado no presente estudo.

De acordo com Shaikh, Phadke, Ismail e Boulias (2016), podem existir diversos tipos de dor nestes indivíduos e muitas delas podem estar relacionadas à espasticidade. No entanto, a distinção entre dor neuropática e dor musculoesquelética pode ser difícil, já que ela pode acontecer em decorrência da espasticidade.

De acordo com Finnerup (2013), cerca de 40-50% dos pacientes com lesão medular apresentarão a dor neuropática e ela geralmente se desenvolve durante o primeiro ano pós lesão. Finnerup, Johannesen, Fuglsang-Frederiksen, Bach e Jensen (2003), acreditam que a dor abaixo do nível da lesão seja mediada centralmente, com potencial envolvimento de mecanismos supraespinhais e, além disso, é caracterizada pela hiperexcitabilidade no nível da lesão.

Colloca et al. (2017) afirmam que a qualidade de vida pode ser prejudicada em pacientes com dor neuropática. Justificam isto pelo fato do aumento de prescrições de medicamentos e visitas ao setor de saúde, bem como à morbidade causada pela própria dor e pela doença incitante, enfatizando a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para o tratamento destas dores. Porém, Boldt et al. (2014), afirmam também que as evidências são baixas para demonstrar que os tratamentos não-farmacológicos são eficazes na redução da dor crônica em pessoas que vivem com lesão da medula espinal.

Corroborando estes resultados, Jordan e Richardson (2016) afirmam que grande parte dos indivíduos com lesão medular desenvolvem doenças crônicas e debilitantes, além de dor neuropática, os quais não respondem bem aos tratamentos disponíveis, mesmo com os esquemas farmacológicos.

Nesta linha de pensamento, pesquisas que abordem estratégias para a redução de dores em indivíduos com lesão da medula espinal devem ser incentivadas, já que a dor crônica pode levar a limitações funcionais e emocionais nestes indivíduos. A RV também tem grande importância neste contexto, já que estudos buscam avaliar o seu uso na redução dessas dores.

Latimer, Ginis, Hicks e McCartney (2004) afirmaram que o uso de exercícios regulares a longo prazo em pessoas com lesão medular pode estar relacionado com a diminuição da dor e a melhora do humor. Para eles, intervenções como a fisioterapia, a hidroterapia, educação postural, treino de transferências e treino de propulsão na cadeira de rodas podem auxiliam no controle da dor musculoesquelética crônica.

Pensando nisso, Jordan e Richardson (2016) avaliaram os efeitos da caminhada virtual com a resolução das dores neuropáticas, apresentando dois estudos de caso, sendo o segundo, um estudo-piloto. Seus resultados sugeriram que as dores neuropáticas nas pessoas com lesão medular foram reduzidas no tratamento com caminhada virtual, independentemente da localização delas. Estudos anteriores sugeriram que os modelos de estimulação ambulatória não invasivos poderiam reduzir a dor em pessoas com este tipo de lesão (Ö zkul, Kılınç, Yıldırım, Topçuoğlu & Akyüz, 2015) e reverter a reorganização cortical mal-adaptativa.

Defrin, Grunhaus, Zamir e Zeilig (2007) mostraram por meio de um estudo duplo-cego, randomizado e controlado que a Estimulação Magnética Transcraniana repetitiva do córtex mostrou uma redução significativa na pontuação da dor em indivíduos com lesão da medula espinal.

Quanto à percepção de esforço avaliada pela EESE, no presente estudo, verificou-se que na avaliação dos indivíduos de ambos os grupos, houve "bem-estar psicológico" durante a prática com RV apresentando relevância estatística em ambos os grupos, sendo os escores de "mal-estar psicológico" e "fadiga" próximos dos valores inferiores. Para Zimmerli, Jacky, Lünenburger, Riener e Bolliger (2013), a prática com RV resulta em envolver e motivar experiências sem o efeito de ter os pacientes estressados, o qual poderia gerar a perda da auto-estima.

Nightingale, Rouse, Walhin, Thompson e Bilzon (2018) realizaram um estudo com o objetivo de investigar o efeito de um programa de exercícios domiciliares para a parte superior do corpo, com seis semanas intervenção, na aptidão cardiorrespiratória e nos índices de qualidade de vida. Neste estudo, a escala de auto-eficácia ao exercício (ESE) foi aplicada e encontrou-se relação positiva dos escores da ESE associada tanto à qualidade de vida física, quanto mental e, acreditam que intervenções que busquem melhorias na aptidão cardiorrespiratória pode também alcançar uma melhoria correspondente na percepção de auto-eficácia ao exercício.

De acordo com Morais (2014), é importante considerar a prática do exercício físico como um dos componentes facilitadores do bem-estar e saúde das pessoas, e isso levou alguns autores e organizações a conceituar o conjunto de fatores associados à definição de bem-estar. Ainda segundo Morais, uma boa saúde resulta em um estado de bem-estar físico e emocional relacionado a uma elevada capacidade de ter prazer de viver e de encontrar as estratégias adequadas para lidar com as adversidades.

Nesta linha de pensamento, destaca-se a importância da criação de estratégias que promovam o bem-estar e a saúde de indivíduos que apresentam lesão medular, já que as consequências debilitantes sobre a saúde deles pode ser um fator preditor para quadros de menor participação social, o que influenciaria até mesmo na QV destes indivíduos.

Neste sentido, surge a RV como estratégia que incentiva o estilo de vida ativo, podendo ser usada como uma forma de reabilitação ou até mesmo de atividade física, podendo atuar na promoção da saúde destes indivíduos. De acordo com Roosink e Mercier (2014), a imersão gerada pelo ambiente com feedback virtual em tempo real, pode reduzir os possíveis efeitos negativos do exercício e a percepção de dor durante a sua execução. Além disso, este feedback pode acrescentar motivação para a execução da tarefa solicitada e assim, criar um estado de concentração focado na terapia.

Apesar desses achados, sugere-se que os resultados devem ser considerados com cuidado, já que não estão livres das limitações. O pequeno tamanho amostral é certamente a maior delas, pois pode ter influenciado nas análises estatísticas. Porém esta limitação amostral é justificada pela dificuldade de acesso a essa população já que se trata de uma patologia não notificada.

De acordo com as Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular (Ministério da Saúde, 2015), ocorrem 40 novos casos/milhão/ano e desta forma, pela estimativa da população brasileira, induz-se que nesse município ocorram aproximadamente 6 novos casos/ano de lesão medular, sendo 80% traumáticos.

Outra limitação seria em relação ao instrumento de RV usado (óculos) associado à imagética motora, pois existe uma diversidade de formas de RV, podendo ser testadas outras formas, tais como os videogames ativos, com associação de movimentos da parte superior do tronco. Uma terceira limitação foi o desenho do estudo, sendo recomendados protocolos a longo prazo, com maior número de sessões realizadas.

 

Conclusão

Indivíduos com lesão da medula espinal apresentaram alta frequência de dor e maiores experiências de bem-estar psicológico durante a imagética motora associada à RV, o que foi observado também nos indivíduos do grupo controle.

Portanto, acredita-se que a RV possa ser uma estratégia eficaz para promover experiência psicológica positiva, o que pode gerar impactos favoráveis em seu processo de reabilitação e de vida diária. Ainda são importantes novos estudos que comprovem o uso de estratégias não-farmacológicas sobre os mecanismos de dor neuropática, já que ela é frequente nestes indivíduos, o que pode comprometer sua qualidade de vida. A criação de estratégias que gerem bem-estar são de extrema importância para eles, pois podem auxiliá-los a controlar melhor as adversidades que acompanham esse tipo lesão.

No entanto, faz-se necessário o desenvolvimento de estudos que envolvam populações maiores e sem diversidade amostral que comprovem assim, a influência do uso da RV no tratamento de pacientes com lesão medular traumática.

 

Referências

Andresen, S. R., Biering-Sørensen, F., Hagen, E. M., Nielsen, J. F., Bach, F. W., & Finnerup, N. B. (2016). Pain, spasticity and quality of life in individuals with traumatic spinal cord injury in Denmark. Spinal cord, 54( 11), 973-979.         [ Links ]

Boldt, I., Eriks-Hoogland, I., Brinkhof, M. W., Bie, R. de, Joggi, D., & Elm, E. von. (2014). Non‐pharmacological interventions for chronic pain in people with spinal cord injury. Cochrane Database of Systematic Reviews , (11). Disponível: <h ttps://doi.org/10.1002/14651858.CD009177.pub2> Acessado: 03/2020.         [ Links ]

Cabral, A., & Palmeira, A. (2003). Validação preliminar da Escala da Experiência Subjectiva ao Exercício–EESE–para a língua portuguesa. Actas das IX Jornadas Nacionais de Psicologia do Desporto.

Carneiro, L., & Gomes, A. R. (2016). Querer fazer exercício e fazer exercício: papel dos fatores pessoais e psicológicos. Revista iberoamericana de psicología del ejercicio y el deporte, 11( 2), 253-261.         [ Links ]

Ciena, A. P., Gatto, R., Pacini, V. C., Picanço, V. V., Magno, I. M. N., & Loth, E. A. (2008). Influência da intensidade da dor sobre as respostas nas escalas unidimensionais de mensuração da dor em uma população de idosos e de adultos jovens. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde, 29( 2), 201-212.         [ Links ]

Colloca, L., Ludman, T., Bouhassira, D., Baron, R., Dickenson, A. H., Yarnitsky, D., & Raja, S. N. (2017). Neuropathic pain. Nature Reviews Disease Primers, 3, 17002. Disponível: < https://doi.org/10.1038/nrdp.2017.2 > Acessado: 02/2020.         [ Links ]

Cruz, A., Santos, S., Margalho, P., & Laíns, J. (2016). Desporto Adaptado no Bem-Estar Psicológico do Lesionado Medular. Portuguese Journal of Physical and Rehabilitation Medicine/Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitaçã, 28, 16-21.         [ Links ]

Defrin, R., Grunhaus, L., Zamir, D., & Zeilig, G. (2007). The effect of a series of repetitive transcranial magnetic stimulations of the motor cortex on central pain after spinal cord injury. Archives of physical medicine and rehabilitation, 88( 12), 1574-1580.         [ Links ]

Finnerup, N. B. (2013). Pain in patients with spinal cord injury. PAIN®, 154, 71-76.         [ Links ]

Finnerup, N. B., Johannesen, I. L., Fuglsang-Frederiksen, A., Bach, F. W., & Jensen, T. S. (2003). Sensory function in spinal cord injury patients with and without central pain. Brain, 126( 1), 57-70.         [ Links ]

Gomes, D. S., Reis, J. R. G., Tonello, G. M. (2018). A realidade virtual como uma prática em promoção de saúde. In: MISSIAS-MOREIRA, R. Qualidade de vida e saúde em uma perspectiva interdisciplinar. v.4. Ramon Missias-Moreira, Luís Manuel Mota Sousa (org.). Curitiba: CRV.         [ Links ]

Jordan, M., & Richardson, E. J. (2016). Effects of Virtual Walking Treatment on Spinal Cord Injury–Related Neuropathic Pain: Pilot Results and Trends Related to Location of Pain and at-level Neuronal Hypersensitivity. American journal of physical medicine & rehabilitation, 95( 5), 390-396.

Kizony, R., Raz, L., Katz, N., Weingarden, H., & Weiss, P. L. T. (2005). Video-capture virtual reality system for patients with paraplegic spinal cord injury. Journal of Rehabilitation Research & Development, 42(5), 595-609.         [ Links ]

Latimer, A. E., Ginis, K. A. M., Hicks, A. L., & McCartney, N. (2004). An examination of the mechanisms of exercise-induced change in psychological well-being among people with spinal cord injury. Journal of Rehabilitation Research & Development, 41(5), 643-652.         [ Links ]

MeAuley, E., & Courneya, K. S. (1994). The subjective exercise experiences scale (SEES): Development and preliminary validation. Journal of Sport and Exercise Psychology, 16(2), 163-177.         [ Links ]

Ministério da Saúde. (2015). Secretaria de Atenção à Saúde. Diretrizes de Atenção à Pessoa com Lesão Medular. Brasília: Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Departamento de Atenção Especializada.         [ Links ]

Morais, A. R. V. (2014). Fatores psicológicos de manutenção da prática de exercício físico. Tese de Doutorado, Universidade do Minho, Braga.         [ Links ]

Nightingale, T. E., Rouse, P. C., Walhin, J. P., Thompson, D., & Bilzon, J. L. (2018). Home-based exercise enhances health-related quality of life in persons with spinal cord injury: a randomized controlled trial. Archives of physical medicine and rehabilitation, 99(10), 1998-2006.         [ Links ]

Özkul, Ç., Kılınç, M., Yıldırım, S. A., Topçuoğlu, E. Y., & Akyüz, M. (2015). Effects of visual illusion and transcutaneous electrical nerve stimulation on neuropathic pain in patients with spinal cord injury: A randomised controlled cross-over trial. Journal of back and musculoskeletal rehabilitation, 28(4), 709-719.         [ Links ]

Roosink, M., & Mercier, C. (2014). Virtual feedback for motor and pain rehabilitation after spinal cord injury. Spinal Cord, 52(12), 860-866.         [ Links ]

Shaikh, A., Phadke, C. P., Ismail, F., & Boulias, C. (2016). Relationship between botulinum toxin, spasticity, and pain: a survey of patient perception. Canadian Journal of Neurological Sciences, 43(2), 311-315.         [ Links ]

Siddall, P. J., & Middleton, J. W. (2015). Spinal cord injury-induced pain: mechanisms and treatments. Pain management, 5 (6), 493-507.         [ Links ]

Tombaugh, T. N., & McIntyre, N. J. (1992). The mini-mental state examination: a comprehensive review. Journal of the American Geriatrics Society, 40(9), 922-935.         [ Links ]

Zimmerli, L., Jacky, M., Lünenburger, L., Riener, R., & Bolliger, M. (2013). Increasing patient engagement during virtual reality-based motor rehabilitation. Archives of physical medicine and rehabilitation, 94(9), 1737-1746.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail:danyanesg@hotmail.com

Recebido em: abril de 2020
Aceito em: agosto de 2021

 

 

1 Danyane Simão Gomes: Doutoranda em Promoção de Saúde pela Universidade de Franca (UNIFRAN). Mestre em Fisioterapia pelo Centro Universitário do Triângulo (UNITRI). Docente do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). Endereço: Av. Padre Almir Neves de Medeiros, 430 apto 401 – Bairro Sobradinho. Patos de Minas – Minas Gerais. Telefone: (34) 98806 7333.
2 Alessa Adriana Pereira Lacort: Graduanda em Fisioterapia pelo UNIPAM. Endereço: Rua Muruci, 33 – Bairro Alto da Boa Vista. Patos de Minas – Minas Gerais.
3 Juliana Ribeiro Gouveia Reis: Doutora em Promoção de Saúde (UNIFRAN). Mestre em Promoção de Saúde (UNIFRAN). Docente do Centro Universitário de Patos de Minas (UNIPAM). Endereço: Rua Farnese Maciel, 552 apto 601 – Bairro Centro. Patos de Minas – Minas Gerais.
4 Maria Georgina Marques Tonello: Doutora em Educação Especial (UFSCar). Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Promoção de Saúde (UNIFRAN). Coordenadora do Grupo de Pesquisa de Lazer e Estilo de Vida Ativo (ProLEVA). Endereço: Av. Dr. Armando de Salles Oliveira, 201 - Parque Universitário. Franca – São Paulo.

Creative Commons License