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Aletheia

versão impressa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.54 no.2 Canoas jul./dez. 2021

http://dx.doi.org/DOI10.29327/226091.54.2-7 

DOI 10.29327/226091.54.2-7

RELATOS DE PESQUISA

 

Violência sofrida no trabalho: um estudo com profissionais do setor de urgência e emergência de um hospital do norte do Brasil

 

Occurrence of violence suffered at work: a study with professionals in the urgency and emergency sector of a hospital in northern Brazil

 

 

Fernanda Bandeira da Silva1; Eliane Fraga da Silveira2; Dóris Cristina Gedrat3

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo foi descrever a ocorrência da violência sofrida por profissionais de saúde na Urgência e Emergência de um hospital do norte do país. Identificar a violência no setor de urgência e emergência possibilita gerar informações sobre a realidade de hospitais, o que colabora em sanar tais problemas que ocorram nos mesmos. A metodologia foi de abordagem quantitativa, com a aplicação de questionário com questões sobre violência sofrida e praticada no trabalho e sobre dados das vítimas e dos agressores, junto aos profissionais do centro de urgência e emergência do hospital pesquisado. Os resultados da pesquisa apontaram a conclusão de que o principal autor de violência laboral é o paciente de 31 a 40 anos e as maiores vítimas são as mulheres que trabalham no turno da noite, recebem entre R$ 1.000 e 2.999 e não contam com pós-graduação. Portanto, são necessárias estratégias saneadoras para o problema da violência entre profissionais de saúde.

Palavras-chave: Violência no Trabalho. Saúde do Trabalhador. Urgência e emergência.


ABSTRACT

The objective was to describe the occurrence of violence suffered by health professionals in the Urgency and Emergency of a hospital in the north of the country. Identifying violence in the urgency and emergency sector makes it possible to generate information about the reality of hospitals, which helps to remedy such problems that occur in them. The methodology was of a quantitative approach, with the application of a questionnaire with questions about violence suffered and practiced at work and about data of victims and aggressors, with the professionals of the urgency and emergency center of the researched hospital. The results of the research pointed to the conclusion that the main perpetrator of workplace violence is the patient between 31 and 40 years old and the biggest victims are women who work the night shift, receive between R $ 1,000 and 2,999 and do not have post- University graduate. Therefore, sanitation strategies are needed for the problem of violence among health professionals.

Keywords: Workplace Violence. Occupational Health. Urgency and emergency.


 

 

Introdução

O tema da pesquisa que originou este artigo foi a violência ocupacional que acomete profissionais da área da saúde, repercutindo na vida pessoal e profissional desses trabalhadores. O estudo buscou respostas para as seguintes questões norteadoras: Quem é o principal praticante de violência contra os profissionais de saúde no estabelecimento pesquisado? Quais profissionais são mais agredidos no local alvo do estudo? A violência sofrida no trabalho interfere na vida pessoal? E as seguintes hipóteses foram feitas: os profissionais que atuam no serviço de urgência e emergência Hospital Municipal Itaituba, PA, são agredidos mais psicologicamente com mais frequência do que fisicamente; as trabalhadoras da área da saúde são mais agredidas do que os trabalhadores; os médicos são o grupo que menos sofre violência; os médicos são os que mais causam agressões psicológicas a enfermeiros e técnicos de enfermagem; técnicos e auxiliares de enfermagem são as maiores vítimas de acompanhantes em eventos de violência física.

O objetivo geral foi descrever a ocorrência da violência sofrida por profissionais de saúde do Setor de Urgência e Emergência de um hospital da Região Norte do Brasil. Para tanto, os objetivos específicos foram identificar quais tipos de violência ocorrem no setor de urgência e emergência, verificar o perfil dos principais praticantes de violência, assim como o das vítimas de violência laboral e analisar em qual turno de trabalho mais ocorrem os eventos de violência física e psicológica.

No Brasil, serviços públicos hospitalares de urgência e emergência têm a finalidade de atender àqueles em estado grave e que necessitam de atenção médica imediata (Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2015). Contudo, os serviços hospitalares de urgência e emergência, principalmente Unidades de Pronto Atendimento – UPAs – e outros locais públicos de funcionamento 24 horas, têm se caracterizado pela superlotação, ritmo acelerado de atendimentos, sobrecarga de trabalho para os profissionais da saúde e outros fenômenos que culminam no desgaste físico e mental dos profissionais, seja médico, enfermeiro, técnicos de enfermagem e radiologia etc. (Scaramal et al., 2017; Bordignon & Monteiro, 2016).

Apenas recentemente o sistema público de saúde brasileiro tem elaborado pautas que discutem aspectos importantes como: carga horária de trabalho, riscos ocupacionais, falta de equipamentos de proteção, infraestrutura de trabalho deficitária e demais problemas que levam as organizações de saúde pública à precarização do serviço e, portanto, a problemas de saúde relacionados aos colaboradores. Cabe apontar que o desempenho do profissional depende da manutenção da sua própria saúde dos trabalhadores (Dias et al., 2016).

Segundo Santana et al. (2016), as agressões ao trabalhador transpassam os aspectos físicos do ambiente e de seus acontecimentos e alcançam questões sociais, como as relações inter e intrapessoais e, portanto, a satisfação com a atividade desenvolvida. Nesse inteire, a violência se configura como um fenômeno de múltiplas determinações. Agressões, abusos e outras violências se relacionam diretamente ao cotidiano de profissionais da área da saúde que atuam em urgências e emergências hospitalares (Scaramal et al., 2017; Lima, Ribeiro & Musse, 2018; Tsukamoto et al., 2019).

Reichert (2017) define a violência ocupacional como sendo o exercício de força contra um trabalhador, que causa ou não danos físicos, ou o abuso verbal e o bullying , que resultam em abalos psicológicos e emocionais. Tsukamoto et al. (2019) aponta que a agressão psicológica, que geralmente assume a feição verbal, inclui a intimidação e até mesmo a violência sexual. Já os comportamentos de violência física são agressões ao corpo ou ataques, em que se empurre, bata, chute, cuspa, morda, soque etc. Homicídio e estupro também são agressões físicas.

A violência no trabalho envolvendo os profissionais de saúde se caracteriza de três formas. A violência externa, aquela provocada por desconhecido, em que não se conhece o cliente e seu histórico. Esse tipo de violência possui maior probabilidade e gravidade em áreas com alarmante atividade de tráfico, crimes e consumo de drogas. É nomeada de "externa" por ocorrer durante ações de promoção da saúde nas ruas, domicílios e comunidades e também em atendimentos móveis de urgência e emergência. Há também a violência provocada pelo cliente que é recepcionado nas dependências hospitalares. Esse tipo de violência é a que mais incide sobre trabalhadores da saúde, devido à diversidade da clientela e a concentração de demanda nas urgências e emergências e no atendimento móvel, que incluem desde pacientes psiquiátricos, criminosos, dependentes químicos, embriagados a oncológicos, além de familiares dos pacientes, que muitas vezes reagem de forma desequilibrada (Pedro, Silva, Lopes, Oliveira & Tonini, 2017).

A violência interna ocorre entre os colaboradores da organização de saúde. A mesma pode ser verticalizada, quando parte de algum nível hierárquico superior, o que corresponde a abuso de poder e autoridade e assédio moral de administradores, gestores, coordenadores, diretores, supervisores etc., e pode ocorrer horizontalmente, nesse caso, entre indivíduos do mesmo setor (Pedro et al., 2017).

Os eventos e fenômenos que causam episódios de violência são multifatoriais, e pode-se incluir no rol de problemas que culminam em casos de agressões questões relacionadas à revolta social quanto a falhas no atendimento do serviço de saúde pública, como a falta de estrutura, de medicamentos e de recursos humanos. Na maioria dos casos de violência, o clímax se concatena à ineficiência e até mesmo ineficácia do Estado em alocar devidamente os recursos, o que culmina em precariedade do serviço ofertado e falta de credibilidade no trabalhador (Tsukamoto et al., 2019; Scaramal et al., 2017; Reichert, 2017).

No Canadá ocorrem falhas estruturais semelhantes às da realidade brasileira, pois os serviços de urgência e emergência também contam com falta de recursos humanos bem preparados, cobertura de segurança profissional e demanda sempre crescente, com aumento de casos de pacientes com problemas graves que exigem tratamentos complexos (Reichert, 2017). É complexo identificar a violência que acontece nos hospitais, notadamente quando não há repercussões físicas severas, na mídia ou na justiça. Existem estudos que enfatizam que todos os tipos de violência impactam a saúde psíquica, que, por sua vez, influencia as condições físicas dos trabalhadores, causando desde palpitações a dores crônicas na cabeça, nas articulações, músculos e outros locais (Pedro et al., 2017; Scaramal et al., 2017; Vieira, 2017).

A violência contra os profissionais da saúde, no ambiente hospitalar, acarreta graves consequências para o pleno desenvolvimento desses profissionais e para sua saúde, devendo ser encarada como um sério problema de saúde pública. Essa violência repercute em atitudes autodestrutivas (fumar, consumir álcool excessivamente etc.), ocorrência de patologias crônicas e uma excessiva carga de sofrimento psíquico, causado pela incapacidade do profissional para enfrentar a situação vivida. O agravante é que uma considerável parte dos casos de violência não é identificada, o que torna esse fenômeno quase que invisível dentro dos ambientes que ofertam atenção em saúde (Lima, Ribeiro, & Musse, 2018).

Os profissionais de enfermagem apresentam as maiores taxas como vítimas de violência física, psicológica, verbal ou sexual quando comparados aos demais profissionais de saúde. Entre os profissionais de enfermagem, os técnicos (nível médio de escolaridade) são os que mais se encontram em contato direito com os pacientes nas instituições de saúde. Sendo assim, são os mais expostos aos riscos de agressão física (Vieira, 2017).

As atividades desempenhadas pelos enfermeiros exigem contatos prolongados com pacientes, logo esses profissionais oferecem maiores probabilidades de sofrerem atos de violência. Contudo, o preconceito social e supostamente hierárquico, como o que aflige enfermeiros, é observado no tocante à sua comparação econômica com médicos. Médicos, geralmente, são vistos com mais autoridade do que enfermeiros, os quais desenvolvem, também, atividades de cuidado e bem-estar do paciente, enquanto médicos apresentam-se como os preponentes das curas e detentores de maiores salários (Tsukamoto et al., 2019).

Existem medidas para a prevenção de atos violentos contra trabalhadores da área da saúde em seus ambientes de trabalho. São estratégias como a capacitação para o enfrentamento de situações críticas e para a prevenção de atos violentos de pacientes, familiares ou da própria equipe de saúde e estabelecimento de número adequado de recursos humanos e materiais, além de instalação de dispositivos de segurança (Scaramal et al., 2017).

Além dessas medidas, os autores discutidos acima ainda propõem outras, as quais estão intimamente ligadas ao controle e combate da violência laboral contra profissionais da área da saúde. O impedimento da entrada de pessoas armadas nos ambientes hospitalares, a contratação de seguranças profissionais para as portarias, o estabelecimento de um protocolo sistemático de registro das formas de violência ocupacional e a composição de um comitê multidisciplinar para implantar um programa de prevenção de violência para o estabelecimento hospitalar, baseado nas diretrizes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial da Saúde (OMS), são as demais recomendações.

 

Metodologia

A pesquisa é descritiva, de abordagem quantitativa. O estudo foi realizado na organização pública de saúde de Urgência e Emergência, o Hospital Municipal, situado no perímetro urbano do município de Itaituba, PA. A cidade possui, de acordo com o Censo Nacional de 2010, uma população aproximada de 97.493 habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM – de 0.640, o que é uma faixa mediana (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2020; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], 2013).

A amostra do estudo foi composta de 47 profissionais da área da saúde (15 técnicos de enfermagem, 8 auxiliares de enfermagem, 11 enfermeiros, 8 técnicos em radiologia, 2 médicos especialistas e 3 médicos de clínica geral). Todos os profissionais foram convidados a participar da pesquisa. Foi aplicado questionário semiestruturado contendo perguntas que abordavam características da violência sofrida e praticada no trabalho. O mesmo questionário também abordou o perfil das vítimas e dos praticantes da violência. As perguntas foram de múltipla escolha, com aplicação do questionário de forma individual, em local e horário combinados, fora do local de trabalho. A coleta foi realizada unicamente pela pesquisadora.

Os dados foram analisados por meio de um software de cálculo estatístico, as análises descritivas, cálculo das frequências absolutas, porcentagens, média e desvio padrão para caracterizar o perfil socioeconômico, e os dados quantitativos foram analisados por meio do pacote estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS® Versão 20.0). O teste qui-quadrado (χ²) foi utilizado para testar se existe associação entre as variáveis nominais (p ≤0,005). E o teste V de Craemer para testar o grau de associação (onde 1 = associação máxima). A coleta de dados ocorreu entre fevereiro e junho de 2019. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Luterana do Brasil, sob o protocolo n. 3.049.320. Todos os partícipes assinaram o Termo de Consentimento Livre – TCL.

 

Resultados e Discussão

A pesquisa ocorreu com os profissionais da área da saúde que atuam no setor de urgência e emergência do Hospital Municipal de Itaituba, PA, totalizando 47 trabalhadores, partícipes da pesquisa. Em relação ao sexo dos participantes, 70,2% (n=33) foram mulheres. A idade média dos participantes foi de 35,8 anos (dp 9,29). A maioria, 74,5% (n=35), declarou-se parda, com 46,8% (n=22) casados e 44,7% (n=21) solteiros. Quanto à renda per capita, os rendimentos provenientes da atividade exercida no setor de urgência e emergência, 53,2% (n=25) afirmou receber entre R$ 1.000 e R$ 2.999 e somente 17,0% (n=8) recebe R$ 5.000 ou mais (Tabela 1).

Em relação à profissão de formação na área da saúde dos profissionais desta pesquisa, 31,9% (n=15) são técnicos em enfermagem, 23,4% (n=11) enfermeiros, 17% (n=8) auxiliares de enfermagem, 10,7% (n=5) têm formação em medicina e 17% (n=8) são técnicos em radiologia. E sobre a formação educacional, 68,1% (n=32) não continuaram os estudos após a formação da graduação ou curso técnico e 29,8% (n=14) são especialistas em suas áreas de atuação. Apenas um indivíduo possui mestrado, sendo que não há doutores no quadro funcional do setor (Tabela 1).

Quanto à violência sofrida pelos profissionais do setor de urgência e emergência desta pesquisa, 61,7% (n=29) relataram ter sofrido violência no local de trabalho. A alta prevalência, provavelmente, está relacionada ao fato de que esses profissionais estabelecem contato direto com pessoas em situações de angústia no primeiro momento do atendimento neste setor.

É possível inferir, com as informações das 47 entrevistas, que o perfil do profissional que atua no setor de urgência e emergência do Hospital Municipal de Itaituba, PA, é: técnica de enfermagem, parda, casada, com idade média de 35,8 anos, renda per capita entre R$ 1.000 e R$ 2.000, portanto, sem graduação ou pós-graduação, e relata ter sofrido violência no local de trabalho (61,7%).

A predominância do sexo feminino na equipe multiprofissional que trabalha na urgência e emergência do hospital pesquisado corrobora os dados publicados em outras pesquisas. Jackson e Ashley (2005) verificaram predominância de 76,3% de mulheres na composição do quadro de saúde em um hospital em Kingston, Jamaica. Os autores Lima e Farias (2008), no estudo do Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), em Boa Vista, no estado de Roraima, encontraram uma população de profissionais da área da saúde (235 sujeitos) 76% feminina (179 indivíduos), sendo16,2% da equipe composta por técnicos de enfermagem (n=38).

 

 

No estudo de Vasconcellos, Abreu e Maia (2012), uma pesquisa descritiva e transversal que analisou 76,7% de 30 trabalhadores, também apontaram o sexo feminino como o mais frequente (90,0%) e a categoria profissional dos técnicos de enfermagem representou 50,0% da amostra analisada. Da mesma forma, a pesquisa sobre avaliação do ambiente de trabalho entre enfermeiros e técnicos de enfermagem em uma unidade de urgência e emergência, realizada por Cuduro e Macedo (2018), em uma UPA de Curitiba, Paraná, em 2017, também evidenciou predomínio do sexo feminino entre os 63 partícipes. O trabalho de Rosset et al. (2017) também apontou maioria feminina no quadro de 33 trabalhadores da área da enfermagem que atuam na urgência e emergência de um hospital universitário, em 2016.

Com o trabalho dos autores Cuduro e Macedo (2018), houve a constatação de uma predominância etária na faixa dos 33,1 anos em média, para enfermeiras, e 35,8 para técnicas de enfermagem, o que, num contexto geral, se assemelha à média de idade verificada na equipe multiprofissional da urgência e emergência do Hospital Municipal de Itaituba, PA. Esses dados assemelham-se aos dados de Vargas, Soares, Ponce e Oliveira (2017), que, em seu trabalho sobre o perfil profissional e educacional de 184 profissionais da área da enfermagem, que atuavam em setores de urgência e emergência psiquiátrica de 17 hospitais paulistanos em 2012, observaram uma média de idade de 36,6 anos entre a população amostrada, e também teve a predominância do sexo feminino.

Ainda no tocante à faixa etária dos profissionais da área da saúde que atuam em urgências e emergências, há as considerações de Paula, Gusmão & Maia (2017), que coincidem com os achados da pesquisa no Hospital Municipal de Itaituba, PA. A faixa etária dominante num pronto socorro é em média de 30-39 anos, tornando a faixa dos 20 anos como extremos na área da urgência e emergência, relatando que essa população mais jovem demonstra antecipação, podendo também ter maiores índices de exaustão, causados ao prestar assistência.

Nesse contexto, é importante apontar que, apesar dos direitos civis alcançados pelas mulheres, como o de trabalhar fora do lar, as obrigações domésticas e a criação da prole ainda ficam em grande parte sob responsabilidade da parceira. Isso pode implicar em uma baixa qualidade de vida, quando se observa que a sobrecarga de afazeres dos trabalhos feitos dentro e fora de casa podem causar uma rotina estressante (Souza, Costa & Gurgel, 2014). Ainda quanto ao estado civil, Paula et al. (2017), em sua pesquisa sobre o perfil dos trabalhadores da área de enfermagem de um pronto-socorro de Carapicuíba, SP, com uma amostragem de 45 sujeitos, também conferiu uma predominância de sujeitos do sexo feminino e casadas.

Vargas et al. (2017), que analisaram o perfil educacional e profissional de uma amostragem de 184 enfermeiros que atuavam em urgências e emergências psiquiátricas de 17 hospitais da cidade de São Paulo, SP, encontraram uma maioria com pós-graduação e que realizou a graduação em nível superior em uma instituição privada, no caso respectivamente, n=138 (75%) e n=126 (68,5%). Esses dados de uma realidade de um hospital púbico da Região Sudeste do Brasil, que concentra a maioria do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, contrastam com os achados da pesquisa descrita neste documento, que foi realizada em uma das regiões macrorregionais censitárias mais pobres do país, a Região Norte.

Nesta pesquisa, os dados coletados apontam uma maioria de 32 sujeitos, dentre 47, sem pós-graduação, seguida do número de apenas 14 indivíduos que contam com alguma especialização. Essa informação pressiona para uma reflexão sobre o acesso do profissional da saúde a educação continuada e a qualificação profissional na Amazônia e o devido atendimento das necessidades em saúde da população.

A maior concentração populacional e riqueza no Sudeste do país implica em demandas por profissionais em saúde, uma vez que tais condições, que indicam uma sociedade urbana mais complexa, também suscitam maiores agravos à saúde na população e maior procura por serviços de saúde, enquanto na Região Norte há uma população que, apesar de em sua maioria ser urbana desde os anos 1980 (Costa & Rosa, 2017), expressa menos concentração de riqueza, logo, mais pobreza e menos oferta e acesso à educação, mesmo com demandas a serviços de saúde consideráveis.

A violência no trabalho, principalmente, no setor de urgência e emergência hospitalar, tem repercussão na saúde do trabalhador por implicar na estabilidade mental e vitalidade dos atores laborais. Segundo Deslandes, Souza e Lima (2020), cuidar de pessoas que foram vítimas de atos violentos – e muitas vezes chegam entre a vida e a morte – não é tarefa fácil. Além dos desafios técnicos, os profissionais também veem seus sentimentos e seus valores morais e éticos afetados. Não raramente a revolta e o sofrimento que esse tipo de atendimento gera no profissional da saúde são bastante intensos.

Como apontado por Deslandes, Souza e Lima (2020), o sujeito acolhido em setores de urgência e emergência se encontra em estado de trauma (resultante do trânsito, ambiente doméstico, assaltos etc.) ou adoecimento crônico ou infeccioso, o que resulta em comprometimento de funções fisiológicas vitais e do comportamento emocional. E isso gera um quadro de tensão no atendimento hospitalar prestado e, nisso, o profissional da saúde que realiza os procedimentos tem também a sua condição psicológica envolvida na recepção e processos prestados. E como apontam os autores citados, é muito comum que o atendente em saúde acabe submetido a um quadro de aflição e de resposta violenta do paciente ou acompanhantes.

Cabe apontar, como discutem Guerra, Xavier, Jesus, Lima e Musse (2017), que o fenômeno da violência na esfera da saúde é uma matéria que deve ser considerada importante, uma vez que, além de influenciar a prestação do delicado serviço de socorro e saúde, as implicações geram influências negativas no ajustamento comportamental dos sujeitos afetados, podendo lhes alterar a qualidade de vida, principalmente no tocante aos aspectos morais e mentais, assim como físicos e espirituais. Para Bordignon e Monteiro (2016), a exposição à violência no trabalho tem sido vinculada a problemas de saúde dos profissionais de enfermagem, que se apresentam por danos físicos, manifestações emocionais, transtornos e distúrbios psíquicos.

Como colocam Resende, Silva e Teixeira (2018), os setores de atendimento de urgência e emergência são os mais estressantes para os profissionais da saúde, dentre os tipos de áreas que concentram serviços hospitalares. E, ainda segundo tais autores, isso ocorre em virtude da grande probabilidade de eventos adversos, além do esforço e paciência, que são exigidos e da quantidade de acolhimentos realizados, que são fatores que degradam a qualidade de vida no trabalho, principalmente por formarem um ambiente que requer muita capacidade técnica, diversas competências e habilidades e tomadas rápidas de decisão.

O consumo de drogas, tratamentos e hábitos dos profissionais analisados na pesquisa descrita neste documento também foram alvo de investigação. Na amostragem geral, 97,9% (n=46) responderam não realizarem ou terem realizado tratamentos para transtornos de ansiedade, assim como para depressão, além de não usarem drogas ilícitas.

Sobre o consumo de álcool e tabaco, 36,2% (n=17) declararam consumir tais substâncias. E 85,1% (n=40) não têm diagnóstico para doenças crônicas (Tabela 2). No setor de urgência e emergência de qualquer hospital, o ritmo de trabalho é impulsionado pela quantidade de usuários, pelos riscos de vida e pelas condições de trabalho disponibilizadas para o atendimento. Esses fatores são mediadores de estresse laboral, característico desse ambiente, portanto, analisar a saúde e como as condições de trabalho afetam seus profissionais a partir do local de trabalho tem sido uma preocupação com o direito à saúde.

 

 

Ainda que, nesta pesquisa, penas 1 profissional do quadro do setor de urgência e emergência do hospital alvo tenha declarado fazer uso de drogas ilícitas e 36,2% (n=17) consumem álcool e fumem, é importante apontar que o uso de bebidas alcoólicas e drogas, hoje, têm sido grandes responsáveis por afastamentos do trabalho com licença médica. Isso expressa a importância de as organizações atentarem-se para a promoção de campanhas e ações internas sobre os malefícios desses produtos, o que está associado à procura de melhor qualidade de vida e qualidade de vida no trabalho (Paula et al., 2017).

Em relação ao estresse laboral, é preciso considerar que o paciente que dá entrada em urgência e emergência, na maior parte dos casos, está em estado grave ou em risco de morte eminente. Tal situação gera um ambiente desgastante nesses setores hospitalares, seja em virtude da carga de trabalho, seja pelas características dos processos executados (Bordignon & Monteiro, 2016). Ainda que não haja partícipes da pesquisa que tenham ou estejam realizando tratamento para ansiedade ou depressão, em virtude do trabalho, a pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN, 2013) sobre o perfil da enfermagem no Brasil apontou que, no Brasil, entre os 1.389.823 técnicos e auxiliares de enfermagem de 2013, 64,2% (n=892.325) apontaram sofrer desgaste com a profissão, o que, como apontam Ortigara e Fernandes (2014), geralmente, culmina em depressão e transtornos de ansiedade.

Entre os profissionais aqui pesquisados, 53% (n=25) declararam ter renda média entre R$ 1.000 a 2.999 reais, e 29,7% (n=14) estão na faixa de R$ 3.000 e 4.999 reais. Entre os salários mais altos, estão incluídos médicos e enfermeiros. Cabe salientar que a equipe tem 11 profissionais enfermeiros e apenas três enfermeiros estão nessa faixa, além dos 5 médicos (2 especialistas e 3 clínicos gerais). As menores rendas pessoais analisadas (R$ 1.000 e 2.999 reais) pertencem aos técnicos em radiologia e técnicos de enfermagem, que compõem a maioria no quadro total de funcionários do setor de urgência e emergência do hospital alvo do estudo (Tabela 3).

 

 

Gomes (2014), em sua pesquisa de estudo de caso sobre trabalho e saúde em um setor de urgência e emergência no Rio de Janeiro, RJ, apontou que enfermeiros recebem 5 e 10 salários mínimos e técnicos de 1 a 2 salários mínimos, o que também foi evidenciado na presente pesquisa. A Tabela 3 também mostra que apenas 3 enfermeiros, mas todos os 5 médicos detêm os salários maiores. Os autores Machado et al. (2015), na pesquisa sobre mercado de trabalho dos enfermeiros, sinalizam que esses profissionais da saúde têm uma extensa jornada de trabalho, vínculos precários, rendimentos mensais menores, ou seja, subjornadas, subsalários e subempregos.

 

 

Em relação a renda pessoal (per capita) dos profissionais e o sexo, os dados indicam que 72% (n=18) das mulheres possuem renda entre R$ 1.000 e 2.999 reais e 78,6% (n=11) possuem renda de R$ 3.000 e R$ 4.999. Nessas duas faixas, o número de mulheres é maior em relação aos homens. No extrato mais alto, apenas 8 profissionais têm renda per capita de R$ 5.000 reais ou mais. Nessa faixa, 4 são do sexo feminino e 4 são do masculino, ou seja 50% dos profissionais com salários mais altos são mulheres, o que representa igualdade no salário entre os sexos, no hospital alvo do estudo, na capitação de renda nas faixas de altos salários (Tabela 4).

Os sujeitos, no espaço hospitalar, apresentam uma interação entre os gêneros e poder, tanto na cultura da profissão, quanto no espaço e nas relações de trabalho. Paradella (2019) expõe que, no Brasil, entre 2012 e 2018, houve uma queda na diferença salarial entre homens e mulheres. Contudo, o autor, com base no estudo do IBGE para o Dia Internacional da Mulher em 2018, feito a partir dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), aponta que a população feminina ativa ganha, em média, 20,5% a menos que a masculina.

Olivieri (2016) aponta que as mulheres, a partir da segunda metade do século XX, passaram a acumular experiência em trabalhos fora do lar e também cada vez mais níveis de formação educacional. Ainda, o autor discute que a população feminina jovem despontou em expectativas quanto aos potenciais de remunerações ao adentrarem mercado de trabalho, o que possibilitou mais investimentos em educação e o planejamento do futuro profissional, com a optativa por cursos técnicos e de graduação com altos salários, tais como os homens.

A análise sobre a violência sofrida pelos 29 profissionais apontada na Tabela 5 revela que a violência psicológica teve a maior ocorrência, totalizando 69% (n=20) dos entrevistados, enquanto a violência física foi assinalada por 31% (n=9) dos sujeitos. A mesma tabela ainda demonstra, após a linha do tipo de agressão, uma abordagem geral das demais variáveis e suas categorias, dentro do corpo amostral de 29 sujeitos.

O turno diário de trabalho em que houve mais casos de violência laboral sofrida pelos profissionais foi o turno da noite, com 72,4% (n=21) dos profissionais. Os turnos da manhã e da tarde podem ser considerados como os menos violentos no setor, com 5 e 3 profissionais, respetivamente, que relataram ter sofrido violência nos mesmos, no período da pesquisa (Tabela 5). É importante apontar que avaliar qual o turno em que ocorrem os eventos de violência torna-se importante para as ações das políticas públicas.

De acordo com a pesquisa, 51,7% (n=15) dos profissionais apontaram como praticantes da violência os pacientes, entretanto, 44,8% (n=13) disseram que a violência foi ocasionada por acompanhantes do paciente. A pesquisa registrou que a violência laboral pode também ser praticada por colegas de trabalho. Um participante relatou que houve o ato de violência por colega de trabalho, no caso, da área da enfermagem (enfermeiro, técnico/auxiliar de enfermagem). Técnicos de radiologia e médicos não foram apontados como praticantes de violência com colegas de trabalho nesta pesquisa. A faixa etária do autor da violência, de acordo com a maioria dos apontamentos do estudo relatado, foi identificada entre 31 a 40 anos, por 55,2% (n=16) dos partícipes. 69% (n=20) das vítimas foram mulheres (Tabela 5).

A agressão psicológica foi predominante no hospital que foi base para esta pesquisa. Este dado corrobora os resultados da pesquisa de Vasconcellos et al. (2012), que analisaram 30 trabalhadores e registraram que 76,7% dos pesquisados também apontaram a violência psicológica como a mais frequente para os profissionais da saúde do sexo feminino que atuam no serviço de urgência e emergência de um hospital geral em Duque de Caxias, RJ. Da mesma forma, a violência psicológica foi apontada como a mais recorrente na pesquisa de revisão integrativa de literatura realizada por Pedro et al. (2017), que compilou os artigos científicos de periódicos indexados em sites de busca especializados, para o tipo de violência que mais acomete profissionais da saúde em urgência e emergência.

 

 

Sobre a violência psicológica que acomete profissionais da saúde do sexo feminino com formação em enfermagem, Bordignon e Monteiro (2016) apontam que agressões, principalmente as psicológicas, mais comuns, frequentes ou esporádicas e intensas ou não, além de problemas fisiológicos, causam crises de choro, irritabilidade e isolamento social, além de sentimentos de solidão, sentimento de tristeza, raiva, baixa autoestima. E sobre a prática de violência por parte de pacientes e acompanhantes, a mesma é tida como um risco ocupacional para profissionais da área da saúde, principalmente, para a enfermagem, que tem maior tempo de contato com esses sujeitos.

Nesta pesquisa, utilizando na análise de dados o teste estatístico do qui-quadrado (ꭔ 2 ), foi encontrada uma associação significativa que aponta o turno noturno como o mais violento (p=0,011). Além disso, nota-se que o turno da noite está associado com as maiores ocorrências de violência psicológica, que é a predominante, assim como as maiores ocorrências de agressões físicas, o que pode ser evidenciadas respectivamente, pelas porcentagens 75% e 66,7% dos casos que incidem em tal faixa de horário (Tabela 6).

Sobre o perfil do praticante de violência contra profissionais da saúde que trabalham na urgência e emergência do hospital alvo da pesquisa, dentre as 20 vítimas de violência psicológica, 55,0% (n=11) apontaram o acompanhante do paciente como principal autor da violência, com igual probabilidade entre os sexos (50%, n=10). A idade varia de 21 a 30 e 31 a 40 anos, as duas com 45,0% (n=9). Quanto à violência física, entre o total dos 9 respondentes da pesquisa que apontaram ter sofrido esse tipo de violência, esta foi apontada como a mais praticada por pacientes, 77,8% (n=7), sendo na maioria das vezes praticada pelo sexo masculino, 55,6% (n=5), com idade entre 31 a 40 anos (77,8%, n=7).

Quanto ao perfil das vítimas de violência laboral que atuam no local do estudo, dentre as 20 vítimas de violência psicológica, o ato de violência foi sofrida na maioria pelos técnicos de enfermagem e auxiliares, com 40% (n=8) destes profissionais com ambas formações profissionais, respectivamente, e sem pós-graduação 55% (n=11), com 80% (n=11) não-brancos. Em relação ao abuso físico, entre as nove vítimas registradas, 66,7% (n=6) são técnicos de enfermagem, 66,7% (n=11) possuem pós-graduação e todas as nove participantes não-brancas (Tabela 6).

Para verificar se existe relação entre a violência e as variáveis turno que ocorreu a violência, perfil dos agressores e perfil das vítimas, foi realizado o teste do qui-quadrado. O teste foi significativo (p=0,011) apenas para a variável turno: 75% da violência psicológica e 66,7% da violência física ocorreram no turno da noite, ou seja, o noturno está associado com os tipos de violência. O trabalho no turno da noite, por si, já pode gerar males à saúde do profissional que atua em urgência e emergência, uma vez que exige mudanças na rotina e nos horários de sono. O trabalhador noturno sofre um deslocamento no seu ciclo de sono-vigília, o que produz um desordenamento do ritmo circadiano, já que são realizadas tarefas que exigem concentração e raciocínio, justamente quando o ciclo biológico do organismo se prepara para o repouso (Loro, Zeitoune, Guido, Silveira & Silva, 2016).

 

 

Os setores de urgência e emergência exigem que o profissional da área da saúde envolvido em qualquer etapa do acolhimento tenha muita destreza psicomotora dinâmica e a habilidade de atuar sob tensão, uma vez que tal ambiente tem como principal característica, no Brasil, o acúmulo massivo de pacientes, os quais são muito diversos em termos dos quadros clínicos, que vão desde casos estáveis até muito críticos (Santos & Dias, 2005). Costa (2005) discute que, se a atenção primária funcionasse como deveria, a superlotação de urgências e emergências do país seria amenizada, uma vez que mitos pacientes atendidos nos setores hospitalares e socorro poderiam ser acolhidos em unidades básicas e outras instituições.

A pesquisa de Vasconcellos et al. (2012) também apontou que os principais causadores de violência foram os acompanhantes (87,0%), seguidos dos pacientes (52,2%). Santos e Dias (2005) discutem que os episódios de violência gerados por acompanhantes e pacientes são na maioria das vezes causados por insatisfação com o atendimento. Nessa esteira, tem-se que os eventos e fenômenos que causam episódios de violência são multifatoriais, mas é possível incluir no rol de problemas que culminam em casos de agressões questões relacionadas à revolta social quanto a falhas no atendimento do serviço de saúde pública, como a falta de estrutura, de medicamentos e de recursos humanos. Na maioria dos casos de violência, o clímax se concatena à ineficiência e até mesmo ineficácia do Estado em alocar devidamente os recursos, o que culmina em precariedade do serviço ofertado e falta de credibilidade no trabalhador (Vasconcellos et al., 2012; Reichert, 2017).

Reichert (2017) aborda problemas de violência que afligem enfermeiros canadenses. O mesmo faz observações pertinentes sobre falhas estruturais no serviço público de saúde do Canadá, os quais são, segundo o autor, semelhantes à realidade brasileira. No referido país, os serviços de urgência e emergência também contam com falta de recursos humanos bem preparados, cobertura de segurança profissional e demanda sempre crescente, com aumento de casos de pacientes com problemas graves que exigem tratamentos complexos.

Santos e Dias (2005) apontam que, como os serviços de urgência e emergência ficam abertos 24 horas e todos os dias da semana e concentram atendimento clinico, ambulatorial, de exames para diagnósticos e recursos para a maioria das intervenções, há a geração de um clima de resolutividade nesse ambiente, criado pela população, o qual não há na atenção básica. Então, além dos atendimentos estritamente competentes às urgências e emergências, esse fenômeno agrega ainda mais demanda a esses setores hospitalares, o que interfere na eficiência, aproveitamento de materiais e insumos, disponibilidade dos leitos, tempo de espera por atendimento e qualidade dos serviços ofertados.

Diante da constatação de que enfermeiros e técnicos de enfermagem compõem o maior grupo vitimado por violências dentro do Hospital Municipal da localidade foco da pesquisa, conforme expõem os dados da Tabela 6, é importante apontar que, segundo Somani e Khowaja (2012), a violência dirigida a profissionais da área da enfermagem em seu ambiente de trabalho apresenta consequências psicossociais, como baixa autoestima, distúrbios de estresse pós-traumático e do sono, autocensura, estresse e ansiedade e declínio da qualidade do trabalho. Em uma esteira que visa compreender por que enfermeiros e técnicos de enfermagem são os mais vitimados pela violência laboral no ambiente alvo da pesquisa, além de os mesmos serem o maior grupo profissional no local de estudo, cabe discutir que as atividades desempenhadas pelos enfermeiros exigem maior quantidade de contatos prolongados com pacientes, logo oferecem maiores probabilidades de sofrerem atos de violência.

É possível verificar que, em 2019, junto à população alvo do estudo, em se tratando da correlação sexo, cor da pele da vítima e tipo de violência, as profissionais mulheres de cor parda foram as mais acometidas por agressões de cunho psicológico (n=9; média: 35,4, dp=7,97) (Tabela 7). Entre os homens, os pardos foram os que mais sofreram violência psicológica (n=4; média: 29,75, dp=6,23). Entretanto, numa análise que considera a média, são os homens de cor de pele branca os mais agredidos psicologicamente (média = 52,50). Em se tratando de agressões físicas, o sexo feminino de cor parda é a população mais agredida (n=6; média: 36,67, dp= 10,21).

 

 

Na pesquisa do Conselho Federal de Enfermagem de 2013, sobre o perfil da enfermagem no Brasil, foi apontado que dentre técnicos e auxiliares de enfermagem existentes no país em 2013, um total de 1.389.823, 450.370 declararam já terem sofrido alguma violência no trabalho. Dentre esses, a violência psicológica foi apontada como a mais recorrente, com 67,0% (n=301.623). Ainda na mesma pesquisa, 232.204 sujeitos apontaram discriminação, que é uma forma de violência psicológica, em virtude de suas características físicas, sendo a relacionada ao gênero a mais apontada, por 42,9% (n=99.627) (COFEN, 2013).

A pesquisa descrita neste documento demonstrou que a cor/etnia parda é predominante na equipe da urgência e emergência do Hospital Municipal de Itaituba, PA, e isso pode ajudar a explicar o porquê de os pardos serem os mais agredidos, tanto entre homens quanto em mulheres, seja física ou psicologicamente (Tabela 7). Mas há de se considerar que a população brasileira parda, juntamente a de negros, é a mais vulnerável economicamente e que isso influencia nas questões de discriminação (Instituto Ethos, 2016). Mas, independente da forma da violência psicológica (racismo, de gênero, assédio sexual etc.), é preciso haver a compreensão de que há uma construção social que a sustenta na sociedade. Isso expressa o fato de que há uma doutrinação, a qual ocorre quando práticas discriminatórias são cultivadas, mesmo veladamente, em discursos intolerantes as diferenças (Barreto & Heloani, 2015).

A violência é um fenômeno muito variante e que faz parte da realidade das mulheres no Brasil. Sobrepor-se a essa questão, afim de sublimá-la, requer que a vítima seja acolhida pelos serviços sociais e também de justiça, para que haja atenção aos traumas gerados e punição do autor. São necessárias ações de enfretamento com cunho educacional que abordem a origem cultural da violência contra mulheres no país e desconstruam ideários sociais que influenciam a emergência de desigualdade de gênero, o que é imprescindível para todas as políticas públicas referentes ao tema (Scarance, 2019).

Em muito se fala da humanização dos processos de atenção em saúde por parte dos profissionais que atuam na área. Contudo, é preciso uma reflexão sobre o quanto a sociedade é dependente e inescapável de interações sociais que devem ser saudáveis para a estabilidade da qualidade de vida dos indivíduos e da coletividade. O ambiente de trabalho de urgência e emergência, enquanto imprescindível, também precisa de um clima estável que deve partir também da humanização por parte da clientela, que depende das condições físicas e mentais dos profissionais da área da saúde, que além de estarem em um local submetidos a pressões e contatos com agravos à saúde de acolhidos, ainda precisam lidar com situações de violência que podem condicionar agravos para o seu desempenho laboral e vida pessoal.

 

Conclusão

A violência psicológica, predominante, é praticada no período noturno e é a mais realizada por acompanhantes, tanto homens quanto mulheres, com idade entre 21 a 30 anos, tendo como vítimas mulheres pardas, enfermeiras e técnicas de enfermagem, com renda per capita de R$ 1.000 a R$ 2.999 e que não contam com uma pós-graduação, do que se infere que não houve continuidade na formação. Esses resultados corroboraram as hipóteses de que a violência predominante é a psicológica e que profissionais do sexo feminino sofrem mais violência do que homens e de que médicos são o grupo que menos sofre violência. Não se provaram verdadeiras as hipóteses de que médicos são os que mais causam agressões psicológicas a enfermeiros e técnicos de enfermagem e que estes são as maiores vítimas de acompanhantes em eventos de violência física.

As limitações da pesquisa referem-se à ausência de coleta de dados qualitativos, com a recuperação de relatos dos entrevistados, sobre se recebem apoio da organização onde atuam, no tocante à violência laboral, e como se sentem a respeito disso. Nenhum entrevistado quis dar uma declaração, pois temiam que por meio da sua fala fossem detectados e recebessem alguma retaliação da chefia. A análise dos resultados também encontrou dificuldades em seu desenvolvimento, uma vez que a literatura que aborda violência ocupacional em urgência e emergência é rala e não muito recente. Portanto, autores de um período maior que "cinco anos" de anterioridade ao presente foram considerados, devido à necessidade de preservação da diversidade na recuperação de obras.

Porém, acredita-se que a pesquisa foi suficiente em demonstrar uma amostra da realidade de uma urgência e emergência de um hospital público amazônico, onde a distribuição de renda é uma das mais deficitárias do país, e em especial, da região oeste do Pará, marcada historicamente por um desenvolvimento urbano acelerado e desorganizado e que conta com atendimentos de urgência e emergência com pouco suporte humano e material. Esta é uma pesquisa de campo inédita, sendo a primeira a abordar a violência laboral sofrida pelos profissionais da saúde que trabalham na urgência e emergência do Hospital de Itaituba, PA. Mesmo em Santarém, PA, a terceira maior cidade do estado, não há publicações que descrevam pesquisas com este tema.

 

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Endereço para correspondência
E-mail:fernadily@hotmail.com

Recebido em: agosto de 2020
Aceito em: maio de 2021

 

 

1 Fernanda Bandeira da Silva: Mestranda em Promoção da Saúde, Desenvolvimento Humano e Sociedade Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA
2 Eliane Fraga da Silveira: Doutora em Biologia, docente do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS
3 Dóris Cristina Gedrat: Doutora em Linguística Aplicada, docente do Programa de Pós-Graduação em Promoção da Saúde, Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS

 

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