SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.55 issue1Acute effects of the PEEP-ZEEP technique on tracheostomized patients in an Intensive Care UnitStress predictors among telecommuting Federal Judiciaryls employees author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia vol.55 no.1 Canoas Jan./June 2022

http://dx.doi.org/10.29327/226091.55.1-3 

DOI 10.29327/226091.55.1-3

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

Fatores de personalidade e sintomatologia depressiva de pacientes com fibromialgia

 

Personality factors and depressive symptoms in fibromyalgia patients Abstract

 

 

Ketry Johnston de Oliveira Martel 1; Sibeli Carla Garbin Zanin 2; Vinicius Renato Thomé Ferreira 3; Kelly Zanon de Bortoli Pisoni 4; Carine Tabaczinski 5

Faculdade IMED, Passo Fundo/RS.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presença de sintomas depressivos em pacientes crônicos é comum e está associada com a redução da qualidade de vida. Esse estudo em questão, objetivou levantar a sintomatologia depressiva em pacientes fibromiálgicos crônicos e identificar sua relação com características de personalidade. Trata-se de um estudo transversal, descritivo e correlacional. A amostra consistiu de 20 indivíduos, homens e mulheres, com idades entre 32 a 62 anos, com diagnóstico de fibromialgia e em processo de tratamento clínico. Para a coleta de dados utilizou-se o Inventário de Depressão Beck (BDI-II) e a Bateria Fatorial de Personalidade (BFP) e as análises foram descritivas e correlacionais. Identificou-se sintomas depressivos moderados a graves na maioria dos pesquisados e houve associação entre Neuroticismo, Extroversão, Realização e Abertura, indicando que pacientes com fibromialgia se mostram em sofrimento psicológico, com possível dificuldades na tomada de iniciativa, na abertura a novas experiências e na automotivação.

Palavras-chave: fibromialgia; depressão; personalidade


ABSTRACT

Depressive symptoms in chronic patients is common and it is associated with less life quality. This study aimed to list depressive symptoms in chronic fibromyalgia patients and identify their connection with personality characteristics. This is a cross-sectional, descriptive and correlational study. There were 20 people involved, men and women, from 32 to 62 years old, with fibromyalgia diagnosed and undergoing clinical treatment. For data collection, the Beck Depression Inventory (BDI-II) and the Personality Factor Battery (BFP) were used with descriptive and correlational analyzes. Moderate to severe depressive symptoms were identified in the majority of those surveyed and there was an association among Neuroticism, Extroversion, Achievement and Openness indicating that patients with fibromyalgia are in psychological distress with possible difficulties in taking the initiative, being open to new experiences and in self-motivation.

Keywords: fibromyalgia; depression; personality.


 

 

Introdução

A fibromialgia (FM) é uma doença que possui etiopatogenia pouco esclarecida, e envolve dor musculoesquelética crônica, dor generalizada, problemas relacionados ao sono, entre outros, e que é comumente confundida com outras patologias de ordem reumática (Helfenstein Junior, Goldenfum & Siena, 2012). A identificação das causas é difícil devido aos sintomas amplos, o que muitas vezes prejudica o diagnóstico. Além disso, na FM a dor afeta habilidades cognitivas e emocionais, exigindo uma abordagem biopsicossocial para compreensão e gestão terapêutica (Arnold et al., 2016).

Há registros na literatura médica e clínica da FM desde 1952, sendo que o primeiro estudo científico foi realizado no ano de 1976. Somente em 1981 foi reconhecida como síndrome a partir da publicação de um estudo que caracterizou seu quadro clínico (Heymann et al., 2017). O termo deriva do latim fibro que significa tecido fibroso e que é aquele que faz parte de ligamentos e tendões; do grego mio que quer dizer músculo, e das palavras algose ia que remete a ideia de condição de dor (Helfenstein et al., 2012). A prevalência da FM na população mundial varia entre 0,66 e 4,4%, sendo mais evidente em mulheres do que em homens, especialmente na faixa etária entre 35 e 60 anos (Cavalcante et al., 2006; Marques, et. al., 2017). No Brasil, a prevalência é de cerca de 2,5% (Heymann et al., 2017).

É comum nos pacientes a presença de diversas regiões dolorosas que são chamadas de tender points, impactando negativamente na qualidade de vida e nas atividades diárias (Cavalcante et al., 2006). Além da dor difusa e em pontos palpáveis, a FM não apresenta processos inflamatórios nas articulações e músculos e está associada com distúrbios do intestino, problemas na glândula tireóide, distúrbios no endométrio e sintomas depressivos (Berber, Kupek & Berber, 2005).

A dor presente na FM envolve uma experiência desconfortável, desempenhando um papel significativo na incapacidade funcional e limitando o indivíduo nas tarefas diárias e no trabalho (Castro et al., 2011). A dor crônica aumenta o risco de comorbidades psiquiátricas como transtorno depressivo maior, sendo este frequente em pacientes com FM (Martins, Polvero, Rocha, Foss & Santos Junior, 2011). A presença de sintomas depressivos está associada ao grande comprometimento que a síndrome é capaz de gerar no organismo, reduzindo o limiar de dor e prejudicando a qualidade de vida dos pacientes (Filho, et al., 2021).

A depressão é caracterizada por humor deprimido- diferente de tristeza-, a qual envolve, principalmente, a perda de vontade, prazer e satisfação. Acomete uma grande parte da população mundial, sendo considerada incapacitante e responsável por grande prejuízo psicossocial (Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais [DSM], 2013). Aproximadamente 20% das pessoas que convivem com dores crônicas apresenta algum transtorno de humor (Anxietyand Depression Association of America [ADAA], 2018). Esses dados sugerem que portadores de fibromialgia são mais sensíveis a estímulos que, corriqueiramente para outras pessoas, não causam dor. Tais sensações desagradáveis podem desencadear problemas para dormir, dores de cabeça, sensibilidade a temperaturas, problemas de memória e dormência nos braços e pernas.

A avaliação psicológica pode ser uma ferramenta fundamental para acompanhamento e identificação de fatores críticos que possam impactar no bem-estar e saúde dos pacientes (Cohen, Swerdlik & Sturman, 2014), já que na área da Psicologia da Saúde o objetivo não é somente investigar os fatores de risco ou da progressão da doença, mas também os comportamentos que predizem a saúde e ajudam na prevenção e promoção da mesma (Straub, 2014). A avaliação dos fatores de personalidade é importante na descoberta de características que são capazes de refletir positiva ou negativamente na saúde ou na doença (Thomas & Castro, 2012).

Dentre as teorias da personalidade, o Big Five ou Cinco Grandes Fatores (CGF) é um modelo que compreende os fatores: Extroversão, Socialização, Realização, Neuroticismo e Abertura para Experiências (Hutz, Nunes & Nunes, 2010), sendo inicialmente construída por McCrae e John (1992) e adaptada para o Brasil por Hutz et al.(1998). O modelo define a personalidade humana a partir de uma rede hierárquica de fatores, vistos como predisposições comportamentais que o indivíduo possui para dar respostas às diversas situações da vida.

A personalidade é um construto da psicologia que sempre teve destaque na área da Avaliação Psicológica. Diz respeito a padrões de comportamento e atitudes típicas de um determinado indivíduo, de modo que os traços de personalidade diferem de um indivíduo para outro. Os traços de personalidade podem ser usados para resumir, prever e explicar a conduta de um indivíduo, de forma a indicar o comportamento e a maneira como ela processa/ assimila informações (Hutz, Nunes & Nunes, 2010; Thomas & Castro, 2012).

Estudos têm buscado identificar a relação entre os traços da personalidade, especialmente aspectos relacionados ao Neuroticismo com sintomas clínicos da FM e também com sintomas depressivos. Pacientes com FM apresentam sofrimento psíquico, como ansiedade, sintomas depressivos e, de maneira geral, apresentam traços da personalidade que facilitam respostas psicológicas a situações estressantes, como a catastrofização ou técnica de enfrentamento deficiente, embora não tenha sido identificado nenhum perfil específico de personalidade da FM (Malin & Littlejohn, 2012a).

Também, encontrou-se diferenças estaticamente significativas entre sintomas característicos da FM (sono, dor, fadiga e confusão), bem como para as variáveis psicológicas, como sintomas depressivos, de ansiedade e de estresse entre o grupo de mulheres com fibromialgia e sem a doença, ou seja, no grupo de pessoas com fibromialgia apareceu estes sintomas. Além disso, o Neuroticismo foi o único fator do Big Five que mostrou diferença significativa entre os grupos (Malin & Littlejohn, 2012b).

Diante da literatura acima exposta, o presente estudo parte da hipótese de que, indivíduos diagnosticados com FM apresentam níveis significativos de depressão e, seus traços de personalidade, especialmente aspectos relacionados ao Neuroticismo, também estão relacionados à doença. O objetivo é levantar a sintomatologia depressiva em pacientes fibromiálgicos e, relacioná-lo, com os fatores de personalidade dos mesmos.

 

Método

Delineamento

A pesquisa caracterizou-se como estudo transversal, descritivo e correlacional.

Participantes

Participaram do estudo 20 indivíduos, escolhidos por conveniência, por indicação de profissionais médicos de um Hospital Ortopédico de uma cidade ao norte do Rio Grande do Sul, sendo dezoito mulheres e dois homens, com idades entre 32 a 62 anos (Média: 48,15 anos e DP: 8,22). Quanto ao nível de escolaridade 35% possuíam ensino fundamental incompleto, 35% ensino médio, 25% ensino superior e 5% ensino fundamental completo. Todos os participantes possuem diagnóstico de FM no momento da pesquisa, e estavam em processo de tratamento em um hospital de uma cidade ao norte do Rio Grande do Sul.

Instrumentos

Inventário de Depressão Beck -BDI-II – Gorenstein et al. (2016)

A coleta de dados utilizou o Inventário de Depressão Beck (BDI-II), desenvolvido por Beck, Steer e Brown (1996) e adaptado para o Brasil por Gorenstein et al. (2016). Tem como objetivo medir o grau de sintomas depressivos e consta de 21 itens, divididos em duas subescalas. O aspecto cognitivo-afetivo (itens do 1 ao 13) e os fatores físicos-somáticos (itens do 14 a 21). A avaliação da intensidade dos sintomas leva em conta os seguintes pontos de corte: mínimo (0-13), leve (14-19), moderado (20-28) e grave (29-63) (Gorenstein et al., 2016). Os estudos psicométricos indicaram um o coeficiente alfa de Cronbach para escala tota] l foi de 0,93 para pacientes e de 0,92 para estudantes universitários.

Bateria Fatorial de Personalidade - BFP – Hutz, Nunes & Nunes (2010)

Avalia a personalidade a partir do modelo dos Cinco Grandes Fatores – CGF (Big Five). É formada por 126 itens, onde cada indivíduo responde optando por uma escala do tipo Likert de sete pontos (de 1 a 7), que avalia o quanto a pessoa se identifica com cada sentença. A análise dos dados psicométricos indicou alfas de Cronbach de 0,89 para o fator Neuroticismo; 0,84 para Extroversão; 0,85 para Socialização; 0,83 para Realização e alfa de 0,74 para o índice de Abertura para experiências (Nunes, Hutz & Nunes, 2016).

Procedimentos éticos e de coleta de dados

A proposta da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da IMED nº 2.555.382, estando em consonância com as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Resolução n.º 466/2012) e Conselho Nacional de Saúde (510/2016). Todos os participantes foram esclarecidos quanto ao sigilo e aspectos relacionados à metodologia e objetivos do estudo a partir do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Cada participante assinou e recebeu uma via, antes de responder os instrumentos.

A aplicação foi realizada individualmente em uma sala de atendimento médico, dentro de um Hospital Ortopédico do norte do Rio Grande do Sul. Os pacientes foram contatados, via telefone, e dia e horário foram agendados para a aplicação da testagem. Primeiramente foi aplicado o BDI-II, e em seguida a BFP, com tempo estimado de 20 minutos. A testagem deu-se entre os meses de junho e setembro de 2017.

Análise dos dados

Para avaliar a associação entre as variáveis numéricas, o teste da correlação de Spearman (rho) foi aplicado. Para avaliar as associações entre as variáveis categóricas, o teste qui-quadrado de Pearson foi utilizado. O nível de significância adotado foi de 5% (p≤0,05) e as análises foram realizadas no programa SPSS versão 21.0. Para as correlações, foram considerados valores (positivos ou negativos) de 0,1 a 0,39, fraco; 0,4 a 0,69, moderado; 0,7 a 0,99, forte; e 1, perfeito (Dancey & Reidy, 2018).

Resultados

A média de pontuação do BDI-II foi de 24,4 (DP=12,06), indicando uma faixa de sintomas depressivos moderados neste público. Identificou-se entre os participantes 30% de sintomas depressivos graves (6 participantes apresentando pontuação entre 29-63), 30% de sintomas depressivos moderados (6 participantes apresentando pontuação entre 20 a 28), 25% de depressivos leves (5 participantes apresentando pontuação entre 14 a 19) e 15% com sintomas depressivos mínimos (3 participantes apresentando pontuação entre 0 e 13).

Em comparação com a amostra normativa, os pacientes com fibromialgia apresentaram pontuação da BFP com classificação alta nos fatores Neuroticismo (N), Vulnerabilidade (N1) e Depressão (N4), com duas correlações positivas e moderadas com o BDI-II (Neuroticismo e Depressão) e uma positiva e fraca (Vulnerabilidade). Por outro lado, os fatores Abertura (A), Abertura a ideias (A1) e Busca de novidades (A3) apresentaram classificação baixa, e duas correlações negativas e fracas (Abertura e Busca de novidades) e uma negativa e moderada (Abertura a ideias) com o BDI-II. Em relação ao BDI-II foram encontradas correlação negativa e forte em Assertividade (E3) (rho= -0,6), e correlação negativa e moderada em Realização (R) (rho= -0,51) e Competência (R1) (rho= -0,44) e moderada com Liberalismo (A2) (rho= -0,48), como nos mostra a Tabela 1.

 

 

Discussão

Com base nos resultados identificou-se a presença de sintomas depressivos moderados entre os pacientes fibromiálgicos. Considerando que mais da metade dos pesquisados apresentaram sintomas depressivos graves e moderados, a partir do BDI-II, sendo a maioria da amostra constituída por mulheres na faixa etária dos 32 aos 62 anos. No entanto, deve-se considerar a amostragem por conveniência do estudo, a qual não visou levantar informações quanto à prevalência de fibromialgia por sexo, não sendo possível assim, relacionar esses dados com a literatura existente.

E, no que tange a literatura existente, a mesma aponta que a FM acomete mais mulheres (Barreto, Oliveira, Montino & Luz, 2020; Marques et al., 2017), especialmente na faixa etária entre 35 e 60 anos (Cavalcante et al., 2006). Além disso, já foi identificada a presença de sintomas depressivos em 40% dos pacientes com fibromialgia (Castro-Sánchez et al., 2012; Homann et al., 2012). Essa relação configura-se possivelmente pelo fato de que a dor crônica reduz a capacidade funcional e gera comprometimento da qualidade de vida destas pessoas, o que consequentemente amplia os sintomas depressivos devido à tendência ao isolamento, frustração, sentimentos de derrota e insatisfação consigo mesmo, impactando nas dimensões familiares, ocupacionais e sociais (Castro et al., 2011; Kadimpati, et al., 2015).

Quanto à BFP, o fator Neuroticismo (N) e as facetas Vulnerabilidade (N1) e Depressão (N4) mostraram valores altos. A partir da análise correlacional entre os resultados do BDI-II e da BFP, observou-se correlação significativa, positiva e moderada (0,45) com a faceta Depressão (N4) do fator Neuroticismo. Estes dados mostram que pessoas com fibromialgia relatam com maior intensidade os eventos negativos, predispostos a apresentarem sintomas de depressão e ansiedade, além disso, são emocionalmente frágeis.

Altos escores de Neuroticismo podem estar relacionados com sintomatologia depressiva, uma vez que o sujeito é mais sensível, preocupado e tende a apresentar ideias dissociadas da realidade, ou seja, sem uma percepção geral do contexto, com altos índices de ansiedade e utilização de estratégias de enfrentamento pouco adaptativas (Thomas & Castro, 2012). Vários construtos cognitivo-afetivos, incluindo dor catastrofizando, que é as respostas negativas exageradas frente a dor que pode surgir ou que já está instaurada e ansiedade relacionada à dor, estas, podem estar relacionadas com o início e a progressão da dor crônica, podendo o Neuroticismo e os sintomas depressivos estarem ligados a esses construtos (Kadimpati, et al., 2015).

Pessoas com índices altos na faceta vulnerabilidade, por exemplo, tem baixa autoestima e mostram-se temerosas em perder as amizades e se sujeitam a agradar os outros, além disso, sentem-se inseguras e dependentes (Nunes et al., 2010). Estas características, possivelmente, têm relação com a dor crônica que estes pacientes apresentam, reduzindo assim, sua qualidade de vida e acarretando problemas funcionais, deixando a pessoa mais suscetível a problemas emocionais. Quanto maior o sintoma depressivo, maior a associação a gravidade da dor e aumento do comprometimento do funcionamento físico, ocupacional e social (Filho, et al., 2021).

Estudos que também buscaram avaliar aspectos da personalidade em pacientes fibromiálgicos obtiveram resultados parecidos. O traço do Neuroticismo já foi encontrado como o mais evidente entre 27 mulheres jovens com FM, apresentando uma correlação entre essa característica da personalidade, sinais clínicos da doença e processos psicológicos como sintomas de depressão, ansiedade e estresse (Malin & Littlejohn, 2012b). Pacientes com fibromialgia tiveram escores mais altos de Socialização, Neuroticismo e Abertura do que aqueles com outras doenças reumáticas (Bucourt et al., 2017).

Outra relação encontrada foi o da faceta Assertividade ou Dinamismo (E3), que é a terceira faceta do fator Extroversão, apareceu relacionada negativamente com o BDI (-0,6), foi uma das correlações de magnitude mais forte encontrada no presente estudo e, descreve indivíduos com capacidades de tomar iniciativas em diversas situações, relaciona com o quanto estas pessoas colocam suas ideias em prática e quão dinâmicas elas são. Pessoas com altos índices de E3 não se mantêm paradas pois, envolvem-se em várias atividades ao mesmo tempo, sempre mantendo-se ativas. Ao contrário, pessoas com baixos escores de E3 não estão sempre envolvendo-se em atividades e usufruem uma atividade de cada vez, demorando para tomar decisões (Nunes et al., 2010).

Frente a isso, a relação moderada e negativa encontrada entre esta faceta e o BDI presume que, pessoas com estas características de personalidade mostram-se com menos sintomas depressivos. Considerando as explicações na literatura quanto aos sintomas depressivos, pode-se pensar que pessoas com sintomatologia depressiva tem maiores problemas de autoestima, apresentam dificuldades de tomar decisões (Nunes et al., 2010) e consequentemente menos assertivas se mostram, o que supõe pensar que pacientes com fibromialgia apresentam estas dificuldades.

O fator Realização (R) e o BDI-II correlacionaram-se negativamente (-0,51), sendo esta relação, a segunda de magnitude mais forte encontrada neste estudo. Pessoas com altos escores em Realização mostram–se motivadas para as ações, planejam as mesmas em função de metas e objetivos, tendem a ser esforçadas e dedicadas ao trabalho (Nunes et al., 2010). Neste sentido, acredita-se que esta relação negativa e moderada explica o fato destas pessoas sentirem-se pouco motivadas nas atividades que executam pelo fato de lidar com a doença e a dor constante, característica específica desta doença crônica. O estresse é um fator que potencializa a doença.

Já a faceta Competência (R1), do fator Realização, foi associado com os resultados do BDI, esta correlação moderada e significativa (-0,44), porém negativa, mostra que pessoas com percepções favoráveis de si mesmas, que acreditam nas próprias capacidades e que possuem clareza nos próprios objetivos, atributos de altos escores desta faceta não mostram sintomas depressivos (Nunes et al., 2010). Este raciocínio complementa o descrito acima entre o fator Realização e os sintomas depressivos. Identifica-se assim, que, possivelmente, pacientes com fibromialgia, além de se mostrarem com pouca motivação para as atividades, também não acreditam na sua própria capacidade para a realização das mesmas.

Por sua vez, o fator Abertura (A), juntamente com as facetas Abertura a ideias (A1) e Busca por novidades (A3), apresentaram-se com índices baixos em comparação com os dados normativos do instrumento. Segundo os resultados, pacientes com fibromialgia não exibem a necessidade de vivenciar novidades, tem pouca motivação para realizar atividades diferentes, características centrais do fator Abertura. Pessoas com baixos índices deste fator, mostram-se mais atrelados a rotinas, evidenciam um certo dogmatismo e pouco interesse por novas atividades (Nunes, Zanon & Hutz, 2018). Nesse sentido, pacientes com fibromialgia em função das limitações da doença demonstram menor motivação para experiências diferentes.

Quanto à correlação da BFP e o BDI, a faceta Liberalismo (A2) obteve relação com o BDI-II (-0,48), porém negativa e moderada, esta faceta indica características de pessoas que estão abertas a novos valores morais e sociais. São pessoas que relativizam estes valores e têm consciência de que os mesmos podem mudar ao longo do tempo, mostrando-se com maior facilidade em lidar com valores e contextos diferentes dos seus (Nunes et al, 2010). Entende-se desta relação que, pessoas com fibromialgia que apresentam maior relativização quanto a valores morais e sociais, características da faceta Liberalismo, tendem a apresentar menos sintomas depressivos, escores altos em Liberalismo relacionaram–se com alta autoeficácia, pois esta flexibilidade de percepções de valores facilita uma percepção positiva da pessoa, quanto as suas interações sociais (Nunes, 2009). Considera-se que pacientes com fibromialgia que se mostram "abertos" a novos valores e costumes, apresentam menos sintomas depressivos.

Aspectos da personalidade podem levar a uma maior propensão a determinadas formas de viver a doença. Contudo, os pacientes vivenciam no cotidiano uma série de situações limitadoras e que afetam sua qualidade de vida, parecendo haver uma correlação efetiva entre a dor e outras condições negativas geradas pela FM, com sentimentos depressivos ou outras percepções que afetam a saúde do paciente.

Considerando as discussões levantadas, destaca-se a importância do uso dos testes psicológicos junto a pacientes com FM, sendo o BDI-II capaz de identificar a sintomatologia depressiva e a BFP possibilitando a investigação dos fatores de personalidade. Contudo, nesse tipo de avaliação é importante ter cuidado na inclusão de sintomas depressivos e ansiosos na avaliação da personalidade, uma vez que podem ocorrer diferenças nos escores de várias dimensões da personalidade e confundir o diagnóstico de transtornos de personalidade (Torres et al., 2013).

De qualquer forma, conhecer os aspectos psicológicos envolvidos na FM é importante, tendo em vista a complexidade da síndrome e a necessidade do paciente ser assistido na dimensão da saúde física e mental (Nunes, 2015). Contudo, nesses pacientes a análise dos fatores de personalidade pode ajudar na identificação de vulnerabilidades individuais, permitindo assim intervenções preventivas e/ou quando a síndrome já estiver desencadeada, auxiliar no planejamento das ações terapêuticas multidisciplinares (Torres et al., 2013). Estes resultados servem para o profissional buscar analisar estes e outros fatores que estão associados a um maior controle da doença, para que assim possa-se delinear estratégias mais efetivas de enfrentamento da doença (Brito, Schaab & Remor, 2019), dada a importância dos fatores de personalidade.

Os resultados do presente estudo evidenciam que em pacientes com fibromialgia os sintomas depressivos foram encontrados. O fator Neuroticismo, que é considerado o principal fator relacionado à questão da instabilidade emocional, e que traz uma tendência ou risco maior para transtornos mentais, mostrou-se em índices altos. Verificou-se que os fatores Extroversão, Realização e Abertura estão também presentes, podendo estar relacionados com a dificuldade do paciente em superar a complexidade do quadro clínico vivido. Isso pode estar associado a diferentes fatores, podendo ser destacada a pouca motivação, baixa autoestima e a falta de objetivos que os leva a uma certa estagnação cotidiana e perspectivas limitantes decorrente da cronicidade da doença.

Tendo em vista o objetivo deste estudo, fez-se um levantamento da sintomatologia depressiva em pacientes fibromiálgicos, relacionando-o com características da personalidade. A maioria da amostra apresentou sintomas depressivos moderados ou graves e foram encontradas correlações moderadas e fortes entre facetas da BFP e sintomas depressivos do BDI. No entanto, fatores como Abertura, Extroversão e Realização estão relacionados negativamente com sintomas depressivos na amostra pesquisada de forma significativa, o que sugere que nesta amostra quanto maior estes atributos estiverem presentes menor é a presença de sintomas depressivos.

Cumpre ressaltar que, uma dificuldade encontrada neste estudo diz respeito à participação de pacientes com fibromialgia. Apesar de contatar com um número expressivo de indivíduos fibromiálgicos, poucos mostraram interesse na pesquisa, destacando queixas de dor e impossibilidade de participação.

 

Referências

Anxiety and Depression Association of America. (2018). Fibromyalgia. Recuperado em 07 de Outubro, 2020, de https://adaa.org/understanding-anxiety/related-illnesses/other-related-condit ions/fibromyalgia         [ Links ]

American Psychiatry Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental disorders - DSM-5. (2013). (5th.ed.). Washington: American Psychiatric Association.         [ Links ]

Arnold, L. M. el al. (2016). Fibromyalgia and chronic pain syndromes. The Clinical Journal of Pain, 32(9), 737-746. doi:10.1097/ajp.0000000000000354.         [ Links ]

Balbín, M. M. (2015). Equilibrio psicológico. La esenciadel enigma eneltratamiento de pacientes con Fibromialgia. Revista Cubana de Reumatología, 17(2), 216-219. Recuperado dehttp://scielo.sld.cu/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1817-599620150003 00006&lng=es&tlng=es.         [ Links ]

Barreto, C. M. S., Oliveira, L. E. G. de., Montino, Y. F., & Luz, C. P. N. (2020). Condição clínica de mulheres fibromiálgicos na menacme, do pré ao pós-diagnóstico. Revista Saúde.com, 16(1). doi: 10.22481/rsc.v16i1.5438        [ Links ]

Berber, J. de S. S., Kupek, E., & Berber, S. C. (2005). Prevalência de depressão e sua relação com a qualidade de vida em pacientes com síndrome da fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, 45(2), 47–54. doi:10.1590/s0482-50042005000200002         [ Links ]

Beck, A. T., Steer, R. A., & Brown, G. K. (1996). Manual para o Inventário de Depressão Beck-II. San Antonio, TX: Corporação Psicológica.         [ Links ]

Brito, A., Shaab, B. L., & Remor, E. (2019). Avaliação Psicológica de Pacientes com Doenças Crônicas não Transmissíveis. In C. S. Hutz., D. R, Bandeira., C. M. Trentini & E. Remor (Orgs.), Avaliação Psicológica no contexto de Saúde e Hospitalar (150-159). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Bucourt, E., et al. (2017). Comparison of the Big Five personality traits in fibromyalgia and other rheumatic diseases. Joint BoneSpine,84(2), 203-207. doi: 10.1016/j.jbspin.2016.03.006.         [ Links ]

Castro, M. M. C., Quarantini, L. C., Daltro, C., Pires-Caldas, M., Koenen, K. C., Kraychete, D. C., & Oliveira, I. R. (2011). Comorbidade de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes com dor crônica e o impacto sobre a qualidade de vida. Archives of Clinical Psychiatry, 38(4), 126–129. doi:10.1590/s0101-60832011000400002.         [ Links ]

Castro-Sánchez, A. M., Matarán-Peñarrocha, G. A., López-Rodríguez, M. M., Lara-Palomo, I. C., Arendt-Nielsen, L., & Fernández-de-las-Peñas, C. (2012). Gender differences in pain severity, disability, depression, and widespread pressure pain sensitivity in patients with fibromyalgia syndrome without comorbid conditions. Pain Medicine, 13(12), 1639–1647. doi:10.1111/j.1526-4637.2012.01523.         [ Links ]

Cavalcante, A. B., Sauer, J. F., Chalot, S. D., Assumpção, A., Lage, L. V., Matsutani, L. A., & Marques, A. P. (2006). A prevalência de fibromialgia: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Reumatologia, 46(1). doi:10.1590/s0482-50042006000100009.         [ Links ]

Cohen, R. J., Swerdlik, M. E., & Sturman, E. D. (2014). Testagem e avaliação psicológica: introdução a testes e medidas (8ª ed.). Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Dancey, C., & Reidy, J. (2018). Estatística Sem Matemática para Psicologia (7ª ed.). Porto Alegre, RS: Penso.         [ Links ]

Filho, F. H. M. de O., Neta, M. das G. R. da S., Farias, L. B. P., Marques, G. A. R., Júnior, J. L. P... Paiva, A. de A. (2021). Manifestações dos sintomas da depressão em pacientes com fibromialgia. Research, Society and Development, 10(15). http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i15.22587        [ Links ]

Gorenstein, C., Pang, W. Y., Argimon, I. L., & Werlang, B. S. G. (2011). Inventário Beck de Depressão-II. Manual. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Helfenstein Junior, M., Goldenfum, M. A., & Siena, C. A. F. (2012). Fibromialgia: aspectos clínicos e ocupacionais. Revista da Associação Médica Brasileira, 58(3), 358–365. doi:10.1590/s0104-42302012000300018.         [ Links ]

Heymann, R. E., et al. (2017). Novas diretrizes para o diagnóstico da fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, 57, 467-476. doi:10.1016/j.rbr.2017.05.006.         [ Links ]

Homann, D., Stefanello, J. M. F., Góes, S. M., Breda, C. A., Paiva, E. dos S., & Leite, N. (2012). Percepção de estresse e sintomas depressivos: funcionalidade e impacto na qualidade de vida em mulheres com fibromialgia. Revista Brasileira de Reumatologia, 52(3), 324–330. doi:10.1590/s0482-50042012000300003.         [ Links ]

Hutz, C. S., Nunes, C. H., Silveira, A. D., Serra, J., Anton, M. & Wieczorek, L. S. (1998). O desenvolvimento de marcadores para a avaliação da personalidade no modelo dos cinco grandes fatores. Psicologia: Reflexão e Crítica, 11(2), 395-411. doi.org/10.1590/S0102-79721998000200015.         [ Links ]

Hutz, C. S., Nunes, C. H. S., & Nunes, M. O. (2010). Bateria fatorial de personalidade-manual técnico. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Nunes, C. H. S. S., Zanon, C., & Hutz, C. S. (2018). Avaliação da Personalidade a partir de Teorias Fatoriais da Personalidade. In C. S. Hutz., D. R. Bandeira., & C. M. Trentini (Orgs.). Avaliação psicológica da inteligência e da personalidade. Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Kadimpati, S., Zale, E. L., Hooten, M. W., Ditre, J. W., Warner, D. O. (2015) Associations between neuroticism and depression in relation to catastrophizing and pain-related anxiety in chronic pain patients. PLoS ONE, 10(4). doi:10.1371/journal.pone.0126351.         [ Links ]

Malin, K. & Littlejohn, G. O. (2012a). Personality and fibromyalgia syndrome. The Open Rheumatology Journal, 6, 273-285. doi:10.2174/1874312901206010273.         [ Links ]

Malin, K. & Littlejohn, G. O. (2012b). Neuroticism in young women with fibromyalgia links to key clinical features. Pain Research and Treatment, Article ID 730741, 7. doi:10.1155/2012/730741         [ Links ]

Marques, A. P., Espírito Santo, A. S., Berssaneti, A. A., Matsutani, L. A. & Yuan, S. L. K. (2017). A prevalência de fibromialgia: atualização da revisão de literatura. Revista Brasileira de Reumatologia, 7(4), 356-363. doi:10.1016/j.rbr.2016.10.004.         [ Links ]

Martins, M. R. I., Polvero, L. O., Rocha, C. E., Foss, M. H., & Santos Junior, R. (2011). Uso de questionários para avaliar a multidimensionalidade e a qualidade de vida do fibromiálgico. Revista Brasileira de Reumatologia, 52(1), 21–26. doi:10.1590/s0482-50042012000100003.         [ Links ]

McCrae, R. R., & John, O. P. (1992). An introduction to the Five-Factor Model and its applications. Journal of Personality, 60, 175-216. doi:10.1111/j.1467-6494.1992.tb00970.         [ Links ]

Nunes, C. H. S. S., Hutz, C. S., & Nunes, M, F. (2016). O. Bateria fatorial de personalidade – BFP: manual técnico. São Paulo, SP: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Nunes, M. F. O. (2009). Estudos Psicométricos Da Escala De Autoeficácia Para Atividades Ocupacionais. (Tese de doutorado, Universidade São Francisco). Recuperado de https://www.usf.edu.br/galeria/getImage/427/6937595134239266.pdf.         [ Links ]

Straub, R. O. (2014). Psicologia da saúde: Uma abordagem Biopsicossocial. Porto Alegre, RS: Artmed.         [ Links ]

Thomas, C. V. & Castro, E. K. (2012). Personalidade, comportamentos de saúde e adesão ao tratamento a partir do modelo dos cinco grandes fatores: uma revisão de literatura. Psicologia, Saúde & Doenças, 13(1), 100-109. doi:10.15309/12psd130108.         [ Links ]

Torres, et al. (2013). Personality does not distinguish people with fibromyalgia but identifies subgroups of patients. Gen Hosp Psychiatry, 35(6), 640-8. doi:10.1016/j. genhosppsych.2013.07.014.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail:carine_tbz@hotmail.com

Recebido em: outubro de 2021
Aceito em: dezembro de 2021

 

 

1 Psicóloga com ênfase na área clínica, graduada pela Faculdade IMED, Passo Fundo/RS.
2 Psicóloga (UPF), Doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco (USF), com ênfase em avaliação psicológica, docente na Faculdade IMED.
3 Psicólogo (UPF), Doutor em Psicologia (PUCRS), docente na Faculdade IMED.
4 Psicóloga (UFSM), Doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco (USF), docente na Faculdade IMED.
5 Psicóloga (IMED), pós-graduada em Psicologia e Maternidade pela UNIARA, SP, mestranda em Psicologia com ênfase no bem-estar de professores universitários pela Faculdade IMED.

 

Creative Commons License