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Aletheia

versión impresa ISSN 1413-0394

Aletheia vol.55 no.1 Canoas ene./jun. 2022

http://dx.doi.org/10.29327/226091.55.1-5 

DOI 10.29327/226091.55.1-5

ARTIGOS EMPÍRICOS

 

"Infeliz(es) para sempre": narrativas de mulheres sobre violência conjugal

 

"Unhappy forever": women's narratives about conjugal violence

 

 

Camila Antunes Diniz Soares; Miriam Tachibana

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Considerando que a mulher que se encontra numa relação amorosa violenta, muitas vezes, persiste na manutenção dessa conjugalidade, este estudo objetivou investigar a experiência emocional de mulheres que vivenciam ou já vivenciaram uma relação conjugal violenta. Foram realizadas entrevistas individuais com seis mulheres beneficiárias de uma ONG dedicada à violência intrafamiliar. Cada entrevista foi mediada pela apresentação de uma narrativa interativa, a partir da qual a participante era convidada a inventar o desfecho. Após cada entrevista, a entrevistadora redigiu uma narrativa transferencial sobre o encontro. O conjunto das narrativas transferenciais foi analisado psicanaliticamente à luz da Teoria dos Campos. Foi identificado o campo "Infeliz(es) para sempre", em que as participantes manifestaram sofrimento radical frente à possibilidade de ficarem sozinhas, "preferindo" compartilhar a infelicidade com o cônjuge agressor a lidarem com o desamparo. Considera-se que tais achados podem auxiliar na intervenção dos profissionais que atuam junto a esse grupo social específico.

Palavras-chave: conjugalidade; violência doméstica; violência contra mulher


ABSTRACT

Since the woman who is in a violent marital relationship often persists in maintaining that conjugality, this study aimed to investigate the emotional experience of women who experience or have experienced a violent marital relationship. Individual interviews were conducted with six women beneficiaries of an NGO dedicated to intrafamily violence. Each interview was mediated by the presentation of an interactive narrative, from which the participant was invited to formulate its outcome. After each interview, the interviewer wrote a transferential narrative about the encounter. The set of transferential narratives was analyzed psychoanalytically through the Theory of Fields. The field "Unhappy forever" was identified, in which the participants manifested radical suffering at the possibility of being alone, "preferring" to share their unhappiness with the aggressor partner rather than dealing with the helplessness. It is considered that such findings may assist in the intervention of professionals who work with this specific social group.

Keywords: conjugality; domestic violence; violence against women


 

 

Introdução

A violência conjugal, entendida aqui como aquela que é praticada por um parceiro íntimo (Pietri & Bonett, 2017), não é um fenômeno novo. Entretanto, durante muito tempo, ela não teve visibilidade, dado o imaginário de que o espaço doméstico seria um refúgio permeado exclusivamente por vínculos amorosos, num contraponto à ameaça de violência do ambiente externo (Fontoura, Silva, & Kobayashi, 2018). Quando havia a percepção de que, na esfera conjugal, ocorriam episódios de violência, esses eram ignorados pela sociedade, imersa na cultura de que "em briga de marido e mulher não se mete a colher" (Lima & Werlang, 2011).

Foi apenas a partir da década de 70, com os movimentos feministas, que a violência conjugal passou a ser concebida como um problema de saúde pública (Allegue, Carril, Kohen, & Tejéria, 2014). Desde então, foram sendo estabelecidos, no Brasil, marcos legais e institucionais que permitiram o enfrentamento do fenômeno da violência conjugal. Dentre eles, vale destacar, a partir da década de 80, a implementação das delegacias especiais de atendimento à mulher, bem como a criação, em 2006, de um dispositivo específico para legislar sobre a violência contra a mulher, a Lei 11.340, conhecida como a Lei Maria da Penha (Barbosa et al., 2021). Mais recentemente, foi promulgada a Lei 13.104/2015, denominada Lei do Feminicídio, que enquadra o homicídio contra a mulher no rol dos crimes hediondos (Silveira, 2021).

Os dados epidemiológicos parecem indicar, contudo, que esses dispositivos ainda não foram capazes de influenciar o fenômeno, que segue ocorrendo em índices elevados. Consoante os dados disponíveis nos sistemas de saúde e de segurança pública, no Brasil, entre 2010 e 2017, foram registrados 442.800 casos de violência conjugal (Giannini & Coelho, 2020). De acordo com Silveira (2021), conforme dados do Atlas da Violência de 2019, em 2017, foram registradas 4.963 mortes de mulheres brasileiras, configurando o maior registro em 10 anos. Ainda, segundo dados de 2016 da Organização das Nações Unidas, o Brasil estaria em quinto lugar no ranking mundial de países com os maiores índices de violência de gênero (Silveira, 2021).

Mais alarmante do que esses números, todavia, é a constatação de que as mulheres têm dificuldade em decidir sobre a continuidade ou não do processo criminal contra os seus parceiros, havendo muitas delas que, em audiência, não conseguem sustentar um claro posicionamento a respeito (Guimarães, Dinis, & Angelim, 2017). Justamente por muitas mulheres terem o costume de denunciar seus parceiros e, após, retirarem a queixa, não dando sequência ao processo criminal que, em 2012, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não seria mais necessária a representação da mulher para o andamento dos processos relativos à violência conjugal com lesão corporal (Guimarães e cols., 2017).

Mas, ainda que sejam lançadas estratégias para que mulheres - que outrora já tiveram a sua liberdade cerceada por leis - não se mantenham em relações destrutivas, fazendo uso efetivo das leis que estão hoje a seu serviço, faz-se necessário nos indagarmos o que as leva a permanecerem nessa conjugalidade violenta (Guimarães e cols., 2017). Posto que, na atualidade, a mulher tem o direito de escolher em quem votar, se quer se casar, se quer trabalhar e se quer ter filhos, por que ela escolheria permanecer numa dinâmica conjugal violenta?

A violência conjugal tem sido objeto de estudo de diferentes áreas do conhecimento, dentre as quais a Sociologia, a História, a Enfermagem, o Direito, o Serviço Social, a Psicologia, dentre outras, que apresentam concepções distintas de violência (Dias & Neves, 2014), e que, por sua vez, sustentam respostas também diversas para essa mesma questão sobre a permanência da mulher na relação violenta. Nesse campo interdisciplinar que configura o fenômeno da violência conjugal, podem acabar surgindo tensões entre as diferentes áreas de saber (Dias & Neves, 2014). Dentre elas, vale destacar a tensão entre os estudiosos seguidores das teorias feministas e os psicanalistas que, numa perspectiva mais tradicionalista, seguem reproduzindo o discurso freudiano de que a mulher seria marcada pela inveja do pênis ou que, dentre as três possibilidades fenomênicas de masoquismo, haveria o masoquismo caracteristicamente feminino, associado ao se sentir castrado (Freud, 1924/1996).

Embora nos identifiquemos com a Psicanálise, estamos de pleno acordo com a vertente de psicanalistas, dentre os quais destacamos Ayouch e Tardivo (2013), Allegue e cols. (2014) e Ferreira e Danziato (2019), para quem se faz imprescindível abordar psicanaliticamente o fenômeno da violência conjugal sem a reprodução de teorizações psicanalíticas que carregam, em seu bojo, estereótipos de gênero. Segundo Ayouch e Tardivo (2013), assim como a Psicanálise nos mostra a importância de interrogar a postura de quem emite um determinado discurso, caberia aos psicanalistas fazerem as mesmas interrogações, apropriando-se das teorizações freudianas e contextualizando-as sócio-historicamente. Caso contrário, como destacam Allegue e cols. (2014), corre-se o risco de associar, de modo equivocado, a mulher vítima de violência conjugal a uma disposição inata ao masoquismo, ao invés de se refletir, mais criticamente, que a Psicanálise foi desenvolvida em uma cultura na qual a figura feminina ocupava maximamente um lugar subordinado ao patriarcado.

Se, por um lado, entendemos que a adoção de alguns conceitos da Psicanálise clássica têm servido de obstáculo para legitimá-la como corpo teórico passível de agregar à compreensão da mulher vítima de violência conjugal (Allegue e cols., 2014), por outro, entendemos que, sem desconsiderar a luta feminista em proteger a mulher vítima de violência conjugal (Dias & Neves, 2014), a Psicanálise enriquece a compreensão do fenômeno ao implicar essa mulher em relação à violência conjugal, convocando-nos a olhar para o fenômeno em uma dimensão relacional (Ayouch & Tardivo, 2013). Assim, é de nosso entendimento que, embora a violência se constitua na eliminação do outro na manifestação de sua singularidade, isso não significa que, ao nos debruçarmos sobre o fenômeno da violência conjugal, devemos igualmente "eliminar" o lugar da mulher nessa dinâmica, focalizando apenas no comportamento desviante de um dos cônjuges (Harrati, Coulanges, & Vavassori, 2018). Evidentemente que não se trata de incriminar a mulher pela violência por ela sofrida, mas, sim, de refletir sobre a sua coparticipação, que muitas vezes acaba sendo esquecida, dado o raciocínio de que vítima e agressor não teriam uma relação de complementariedade (Penna, 2018). Nessa perspectiva de que o que é violento é o vínculo conjugal, ambos os cônjuges são concebidos como coautores, mesmo que não necessariamente de forma simétrica (Razera & Falcke, 2017).

Movidas por essas reflexões psicanalíticas, no presente trabalho, objetivamos investigar a experiência emocional de mulheres que vivenciam ou que já vivenciaram uma relação conjugal violenta, com o intuito de produzir conhecimento sobre os aspectos emocionais interatuantes na manutenção e na separação desse tipo de vínculo conjugal.

 

Método

Após a aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de Ética de Pesquisa envolvendo seres humanos (CAAE: 82215717.2.0000.5152), buscamos as participantes desse estudo dentre as beneficiárias de uma ONG especializada no atendimento a famílias em situação de violência intrafamiliar, localizada no interior de Minas Gerais. Isto posto, tratava-se de mulheres que haviam solicitado atendimento espontaneamente por parte da equipe interdisciplinar dessa instituição, constituída de profissionais da Psicologia, da Assistência Social e do Direito.

Embora várias mulheres tenham sido convidadas a participar do estudo, via contato telefônico, muitas não compareceram na data e no horário que haviam sido estabelecidos para a realização da entrevista, que acontecia numa sala da própria ONG. Deste modo, ao final, contamos com a participação de apenas seis mulheres, cujas idades variavam entre 34 e 58 anos. Todas elas haviam sofrido pelo menos violência física e psicológica, sendo que três delas se mantinham com os cônjuges, enquanto as outras três declararam que os relacionamentos abusivos haviam terminado. O tempo de relacionamento abusivo variou de dois a 33 anos, sendo que quatro participantes relataram episódios de tentativa de suicídio. Quatro das seis participantes trabalhavam e cinco delas eram mães, sendo que a única que não tinha filhos havia vivido um aborto espontâneo quando se encontrava grávida do parceiro que a agredia. Todas as participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com as diretrizes nacionais e internacionais de pesquisa.

As participantes foram entrevistadas individualmente, segundo o método psicanalítico. Logo, na realização das entrevistas, evitou-se o uso de perguntas diretivas, entendendo que, se as participantes fossem muito direcionadas, suas associações livres, tão valiosas para a compreensão do psiquismo do indivíduo, seriam interrompidas (Freud, 1913/1996). Mas, apesar de termos tido um cuidado de não furtar as participantes de associarem livremente, entendemos que era interessante a adoção de uma estratégia metodológica que servisse de recurso dialógico, favorecendo a comunicação emocional significativa das participantes. Segundo Aiello-Vaisberg (1995), que vem desenvolvendo pesquisas psicanalíticas em cujas entrevistas têm sido adotados recursos dialógicos variados, essa é uma estratégia valiosa, uma vez que é criado um ambiente lúdico, no qual o participante se aproxima de questões angustiantes de modo relativamente relaxado:

Durante a interação, o pesquisador brinca, fazendo uma proposta projetiva que é sempre uma pergunta feita de modo cifrado. Desenhe, conte uma estória, faça uma dobradura, dramatize, seja o que for, é uma pergunta indireta (...). Assim, o pesquisador brinca ao perguntar, substituindo a questão conceitual por uma espécie de enigma imaginário, ao qual o sujeito responde brincando. O sujeito brinca de "fazer de conta" que só está atendendo à demanda manifesta quando sabe estar fazendo mais do que isso (Aiello-Vaisberg, 1995, p.121).

Dentre as várias possibilidades de recurso dialógico, no presente trabalho, optamos pelo uso de uma narrativa interativa (Granato & Aiello-Vaisberg, 2016), estratégia essa que vem sendo eficazmente usada em investigações psicanalíticas empíricas sobre fenômenos variados (Bonfatti & Granato, 2021; Pekny & Granato, 2019). Assim, no início das entrevistas, foi apresentada, em um primeiro momento, uma narrativa interativa, vale dizer, uma narrativa não-terminada, que contava, de maneira análoga às situações experienciadas pelas próprias participantes, a história ficcional de uma mulher desiludida quanto ao seu relacionamento amoroso A narrativa interativa, especialmente elaborada para a realização dessa entrevista, foi a seguinte:

Sentada no ônibus, Joana observava, através da janela, sem muita atenção, o caminho que estava sendo percorrido. De repente, seu coração acelerou! Para a sua surpresa, estava passando em frente ao lugar em que conhecera Mário. Já fazia tempo que ela não via esse lugar. Como havia mudado! Reparou que a cor do local havia sido mudada. Parecia também que o lugar era bem menor do que ela se lembrava. Ou será que haviam feito uma reforma e mudado a estrutura dele? Imediatamente, começou a pensar no quanto a sua relação com o Mário também havia mudado muito, desde que haviam se conhecido. Como se estivesse diante de um filme, a história do relacionamento deles começou a se passar em sua cabeça. Lembrou-se que...

Depois da leitura conjunta dessa narrativa, cada participante foi convidada a inventar um desfecho e, em seguida, a conectá-la à sua própria narrativa conjugal. Assim, a narrativa interativa tornou possível uma ponte entre a história ficcional e a própria experiência da participante.

Após a realização de cada entrevista, a pesquisadora que realizou os encontros redigiu uma narrativa transferencial (Aiello-Vaisberg, Machado, Ayouch, Caron, & Beaune, 2009), que consiste num texto em que são narrados não apenas os atos e falas das participantes, mas também os sentimentos despertados, na entrevistadora, durante o encontro vivido, e que são tão valiosos numa pesquisa psicanalítica. Essa etapa metodológica fez-se necessária visto que, somente a partir da escrita da narrativa transferencial é que se torna possível retornar para aquilo que foi apresentado pelas participantes e desenvolver reflexões clínico-teóricas. Com efeito, durante as entrevistas propriamente ditas, a pesquisadora estava mais envolvida com as participantes, tendo a sua subjetividade mesclada à delas, como comumente ocorre nas entrevistas psicanalíticas (Coelho & Cunha, 2021).

Em seguida, o conjunto composto pelas seis narrativas transferenciais redigidas pela entrevistadora e pelos seis desfechos de narrativa interativa, elaborados pelas entrevistadas, foi analisado segundo o método psicanalítico. Fazendo uso da atenção flutuante, realizamos uma leitura do material, suspendendo nossos juízos e teorias pré-existentes, correlata à escuta que teríamos na prática clínica com os pacientes, a fim de compreender interpretativamente aquilo que nos havia sido comunicado (Aiello-Vaisberg & Assis, 2017).

A partir daí, foi adotada a "Teoria dos Campos", do psicanalista brasileiro Fábio Herrmann, segundo a qual o psiquismo é atravessado por campos, que se configurariam como linhas de força sustentando o modo como a realidade é representada por aquele indivíduo (Herrmann, 2007). Pensando que cada campo, fechado em uma lógica bem definida, implica na manutenção representacional do indivíduo (Sanches & Cardoso Jr, 2006), influenciando seguramente seu modo de agir sobre o mundo, buscamos, no presente trabalho, identificar quais campos permeiam a experiência emocional de mulheres em situação de violência conjugal, influenciando-as a romperem e/ou a manterem a conjugalidade violenta.

 

Resultados e discussão

Partindo da consideração psicanalítica do material, foi possível identificar que as participantes estavam atravessadas pelo campo intitulado "Infeliz(es) para sempre", segundo o qual a mulher vítima de violência conjugal é marcada pela infelicidade desde sempre e para sempre, independentemente de permanecer ou de se separar do cônjuge agressor. Neste sentido, observamos manifestações nas participantes de que o seu sofrimento independeria do relacionamento conjugal violento. Para ilustrar essa questão, apresentamos o trecho da narrativa transferencial derivada de uma das entrevistas, transcrita a seguir:

Assim que apresentei2 a narrativa interativa para Bethânia3, mulher de 34 anos, ela a completa dizendo: "Eu acho que sempre termina com abuso, sabe?" A participante conta que é casada há 15 anos e que as agressões começaram um ano e meio após se casar. Fala: "Tudo começou quando ele começou a beber muito e a chegar em casa muito tarde. Ele também passava os finais de semana fora. Saía e não falava para onde estava indo e nem quando voltava. Eu não gostava daquela situação e me achava no direito de ir perguntar por que ele tinha demorado tanto". Ela diz que, quando começou a confrontá-lo, as agressões começaram: "No início, as agressões eram apenas verbais, depois passaram as ser físicas. A primeira foi um puxão de cabelo, depois um tapa na cara, depois chutes... e assim por diante". Bethânia me diz que começou a entrar num quadro de depressão e, por isso, foi afastada de seu trabalho. Mas ressalta que seu sofrimento não seria apenas reflexo de sua relação conjugal, contando que teve uma história de vida bastante difícil, pois seu pai também era viciado em álcool e fazia com a sua mãe o mesmo que seu marido fazia com ela. Quando seus pais se separaram, ele levou os filhos consigo, mas, logo, acabou se desfazendo deles, dando a guarda deles, inclusive a dela, para outras pessoas conhecidas. Ao falarmos sobre família, a participante diz que a família de seu marido o protege muito, sempre se colocando do lado dele, quando ela reclama dele. Fala que eles dizem que ela deve ter mais paciência com ele. Ela fala irritada: "Só eu que tenho que ter paciência?". Bethânia me conta que, mesmo com todas as brigas, como queria muito ter uma família, acabou engravidando de uma menina que, atualmente, tem três anos de idade. Diz que é justamente por causa da filha que, agora, tem cogitado se separar do marido. Ela fala, em tom de lamento: "Ela sabe de tudo, mesmo sendo pequenininha. Ela sempre fala: ‘Mamãe, por que o papai não fica com a gente?’ Me parte o coração quando eu a levo em alguma pracinha e ela vê as outras crianças com os pais e me pergunta por que o papai não sai com a gente".

Elegemos o material relativo à entrevista com Bethânia pois restou claro que, mesmo antes de se envolver numa dinâmica conjugal violenta, ela já havia experienciado, em sua infância, episódios de violência intrafamiliar. Em outras palavras, é como se ela comunicasse que, mesmo antes de se casar, já se sentia infeliz. E, talvez, justamente por conta disso, ao se deparar novamente com a infelicidade junto à família que construiu, mostrou-se tão desiludida, encerrando a narrativa interativa dizendo que "sempre termina em abuso". Aqui, ela também estaria nos comunicando que achava que ela seria infeliz para sempre?

Seria possível, num primeiro momento, pensarmos que talvez Bethânia vislumbrasse a possibilidade de vir a ser feliz somente com a sua filha, tanto que ela diz que, por causa de sua filha, estava pensando em se divorciar. De fato, Silva e Silva (2020), que realizaram entrevistas com mulheres que haviam comparecido a uma delegacia da mulher, apontam que uma das participantes só conseguiu se movimentar para fazer a denúncia contra o cônjuge agressor após ele ter também agredido fisicamente os filhos deles. Franco, ce Féres-Carneiro (2018), que entrevistaram doze genitores que estavam brigando na justiça pela guarda dos filhos, após separação conjugal decorrente de violência, notaram que vários participantes lamentavam pelas agressões conjugais terem ocorrido na presença das crianças. Desde essa perspectiva, seria possível pensar que Bethânia estava tentando se empoderar a partir de sua relação com a filha para dar conta de se afastar de seu marido e, enfim, encontrar a felicidade a dois ou, melhor, a duas.

Num segundo momento, entrementes, vemos que, a despeito das agressões cometidas pelo marido, parece que aquilo que mais provocava dor em Bethânia era o fato dele se fazer tão ausente na dinâmica estabelecida entre ela e sua filha, tanto que expressou que lhe doía o fato dele não se fazer presente nos passeios das duas. Assim, apesar de Bethânia sustentar o discurso manifesto de que, por causa de sua filha, pensava em se separar do marido, ela parecia lamentar justamente pelo tanto que ele se mostrava ausente, dando mostras de que, talvez, não tivesse ainda condições de promover ainda mais a distância entre eles, através do divórcio. Ademais, se contextualizarmos que Bethânia decidiu engravidar há quatro anos, após quase dez anos de violência conjugal, podemos pensar que sua filha, num primeiro momento, esteve mais associada à esperança de que ela e seu marido ficassem mais próximos, como que numa tentativa de salvar a relação. Silva e Silva (2020) entrevistaram igualmente uma participante que, a despeito da violência conjugal, estava planejando ter um filho com o parceiro, só desistindo da ideia de com ele construir uma família quando descobriu que ele mantinha relações extraconjugais. Seguindo essa lógica, Bethânia talvez tenha comunicado que, como em toda relação, que termina sempre em abuso, ela e o marido talvez permaneceriam sendo, juntos, "infelizes para sempre".

Nessa ordem de ideias, a partir do campo "Infeliz(es) para sempre", notamos que as participantes carregavam tanto sentimento de infortúnio que, para elas, parecia vigorar a lógica de que, se fosse para serem infelizes, que essa infelicidade se desse de modo compartilhado, e não solitário. É como se, para a mulher, fosse menos doloroso ela e o cônjuge serem juntos infelizes para sempre do que ela, sozinha, ser infeliz para sempre. Essa questão fica clara a partir de novo trecho de narrativa transferencial de uma das entrevistas realizadas:

Tão logo terminamos de ler a narrativa interativa, Cássia, mulher de 56 anos, me pergunta: "Você quer saber como a história termina ou o que acontece a partir daí?". Digo-lhe que ela pode me contar o que quiser, então ela me fala que acreditava que a personagem Joana deveria ser uma moça jovem, já que não estava dirigindo o próprio carro, e que, talvez em função da pouca idade, tivesse tido várias fantasias em relação ao rapaz, tendo expectativas demais. A participante, fazendo uma contraposição com a personagem da narrativa interativa, já diz que ela foi casada por 25 anos e que, embora estivessem separados, atualmente, ela queria voltar para casa, nem que fosse para construir uma casinha para ela no fundo do terreno e ficarem "descasados". Cássia me diz, então, que ela e o marido brigavam muito devido ao fato dela não gostar de ele usar drogas. Ela conta que, como ela faz uso de antidepressivos, pois já tentou o suicídio diversas vezes, ele ficava dizendo-lhe que ela também fazia uso de drogas. Ela fala que, do mesmo modo que ele faz coisas que ela não gosta, ela também faz coisas que ele não gosta, como sair de casa. Nessa hora, Cássia relata um episódio em que ela estava na casa da vizinha quando o marido chegou na casa deles, fazendo com que ela entrasse escondida, pelos fundos, na própria casa, para que ele não percebesse que ela havia saído. Quando conversamos sobre como ela foi parar na ONG, ela diz que foi a sua filha mais velha quem a estimulou a buscar ajuda. Mas diz que não queria se separar do marido: "Me sinto casada. Nunca quis e nem quero nada com outro homem. Quero ficar com ele. A gente casa várias vezes ao longo da vida". Mais para frente, ela associa a sua insistência em permanecer com seu marido a sua criação: "Foi a maneira como a minha mãe me criou. Ela ferrou comigo". A participante me explica, então, que sua mãe sempre mudava de assunto quando ela reclamava com ela de seu relacionamento conjugal, dizendo que ela tinha casa, comida e marido e que isso já era o suficiente. Ela fala que, nessas horas, diz para a sua mãe: "Você está certa, mãe, não está me faltando nada. Por que que eu vou procurar problema saindo de casa?" Antes de encerrarmos a entrevista, quando perguntei se havia mais alguma coisa que ela gostaria de me dizer, ela me dá uma orientação: "Mulheres da minha década não tinham informação. Vocês, que estão jovens, não podem deixar por menos. Têm que procurar ajuda."

A partir do material, vemos que, ao mesmo tempo em que Cássia desejara, durante o período em que esteve casada, ter mais liberdade para poder ao menos sair de casa, ela se recusava a aceitar a separação, chegando inclusive a almejar estar pelo menos "descasada", morando no mesmo terreno que o do ex-marido. A dificuldade de Cássia em visualizar o término de seu casamento fica clara não apenas quando ela diz que as pessoas se casam várias vezes (como se quisesse casar-se novamente com o marido), mas, também, quando mediante a apresentação da narrativa interativa, ela não conta como a história do casal termina, centrando-se apenas nos desencontros de expectativas entre eles.

Em outros estudos nos quais mulheres atravessadas pela violência conjugal foram escutadas, dentre os quais podemos citar os de Ferreira e Danziato (2019), Pietri e Bonet (2017) e Harrati e cols. (2018), foi igualmente observada a dor em se verem separadas, a ponto de os autores apontarem que nem sempre o que faz com que a mulher se mantenha na conjugalidade violenta é a dependência financeira ou o medo de retaliação. Haveria, como Cássia deixa bem claro, um sofrimento em não se ver mais como uma mulher casada, o que, segundo Ferreira (2017), seria reforçado por uma cultura que prega o amor romântico, induzindo as mulheres a permanecerem casadas para sempre, mesmo sob o jugo da violência.

Nesse sentido, conforme Ferreira (2017), haveria estreita relação entre o patriarcalismo e o amor romântico, uma vez que em ambos caberia à mulher fazer sacrifícios e renúncias para que o casamento perdure. A mulher deveria, atravessada por esse imaginário, ser capaz de um autoabandono, em prol da coesão familiar, não porque seria masoquista, mas por ela ter sido socializada a ocupar esse lugar de dominação, de subordinação..., correndo o risco de ser culpabilizada pelos outros e por si mesma se não o fizer (Allegue et al., 2014). Desde essa perspectiva, a mulher vítima de violência conjugal entende que insistir na relação seria algo que revelaria a sua força e resistência para suportar o "(in)felizes para sempre", e não algo associado à submissão (Guimarães e cols., 2017).

Pode-se compreender que Cássia nos traz um exemplo muito emblemático dessa socialização patriarcal quando narra que, ao pedir conselhos para a sua mãe, a qual seria supostamente o seu ideal de figura feminina, apreende que ela deve valorizar o ambiente doméstico sustentado por seu marido. É possível também pensarmos que essa preocupação toda em permanecer casada, mesmo se fosse para serem "infelizes para sempre", estivesse ligada à idade da participante, que se mostrou, aliás, inquieta com essa questão tanto ao início quanto ao final da entrevista. Talvez, por ela ter 56 anos e vivermos em um mundo que valoriza excessivamente a juventude, Cássia tivesse a fantasia de que, se ficasse novamente solteira nessa idade, seria infeliz sozinha para sempre?

Atravessadas pelo campo "Infeliz(es) para sempre", algumas participantes tentaram o suicídio como gesto radical para acabar com o sofrimento imaginado como eterno. Para ilustrar essa questão, apresentamos o trecho de uma narrativa derivada de uma nova entrevista:

Quando apresentei a narrativa interativa para Elis, de 36 anos, ela começa a chorar e diz que Joana se lembrou de que não deveria ter saído de casa naquele dia. Ela então narra que, no dia em que conheceu o companheiro que a agredia, ela não pretendia sair, na verdade, mas acabou sendo convencida por uma amiga a ir num baile funk. Embora não tivesse se interessado de início pelo rapaz que se aproximou dela, gostou do fato dele ser tão trabalhador. Por mais que ele lhe dissesse que não queria ter nada sério com ela, tanto que não a apresentou aos seus amigos, ela seguiu investindo nele. E foi assim que o relacionamento foi sendo estabelecido, sendo marcado também por violência psicológica e um episódio de agressão física, quando ela se opôs à proibição dele de que ela trabalhasse. Elis conta então que, num determinado dia, teve um sangramento e que foi assim que descobriu que havia engravidado dele, sem querer, e que estava sofrendo um aborto espontâneo. Diz que foi um momento importante, porque ele a apoiou, embora "da maneira dele", meio seca. A participante diz que as pessoas não souberam ao certo o que estava ocorrendo com ela, mas que sabiam que havia um problema conjugal, pois o tempo todo ele terminava com ela e ela sofria muito. Até que, num determinado dia, Elis diz que decidiu ingerir várias medicações, num movimento de tentativa de suicídio, e um amigo a salva, o que fez com que ela fosse inserida na rede especializada. Diz: "Graças a Deus eu estou livre hoje. Livre quase 100%. Ele acabou comigo, acabou com a minha autoestima". E, então, ela começa a elogiar os profissionais da ONG, dizendo que estava se sentindo abraçada por eles. Após a participante ter falado sobre a sua superação, ela me conta outro episódio sobre o ex-namorado. Fala que ele teria se esquecido do aniversário dela, mas que, depois, ao se dar conta do erro que havia cometido, a levara para escolher um presente para si mesma. Ela narra que acabou escolhendo um relógio, que era, aliás, o que ela estava usando naquele momento da entrevista. Ela me mostra a peça e me diz que ainda o usava o tempo todo.

Assim como no presente trabalho deparamo-nos com um número alto de participantes que havia tentado o autoextermínio, outros pesquisadores, dentre os quais podemos citar Correia et al. (2018) e Silva Junior et al. (2021), também observaram a correlação entre a violência conjugal e o suicídio. Correia et al. (2018), por exemplo, que entrevistaram 10 mulheres que haviam se envenenado e se encontravam em situação de violência conjugal, apontam que, talvez, após experienciar uma relação marcada por tanta depreciação, a mulher acabe se sentindo tão impotente que a morte acaba sendo vislumbrada como uma alternativa para essa existência sentida como insuportável. Haveria mulheres que inclusive resistiriam em abandonar o parceiro violento com o receio de que o parceiro internalizado pudesse ser ainda mais violento para com elas. Em outras palavras, embora haja pesquisadores, dentre os quais podemos destacar Melan (2020), que entendem que há uma violência pós-separação, decorrente de ameaças do agressor numa tentativa última de manter o poder sobre a mulher que está escapando, no presente estudo, vimos que essa violência pós-separação pode vir a ser atuada também pela mulher contra si mesma.

Ainda sobre o material de Elis, seria possível constatar não apenas que havia violência antes e após a separação, mas, sobretudo, que, talvez a participante não tivesse de fato experienciado a separação, mantendo-se ainda num campo de não separação. Quando Elis encerra a entrevista contando um episódio em que o ex-namorado havia feito uma reparação dando-lhe de presente um relógio, a participante, de certo modo, estava resgatando, junto à entrevistadora, aspectos positivos de seu ex-namorado. E, ao mostrar que ela seguia usando esse relógio, a despeito da separação formal que se dera entre eles, ela estaria metaforicamente comunicando que ainda carregava consigo tais aspectos positivos do ex-cônjuge, bem como a esperança de que ele mais uma vez a reparasse por suas falhas junto a ela?

Num primeiro momento, seria possível pensarmos que a dificuldade de Elis em se ver efetivamente separada decorreria do fato de que a violência conjugal, como descrita por Walker (1999), apresenta-se de forma cíclica, havendo, logo após o ataque violento propriamente dito, uma fase de lua de mel, em que o agressor se mostra francamente arrependido e disposto a mudanças e reparações. Razera e Falcke (2017), que entrevistaram três casais atravessados por violência conjugal, observaram que, justamente por haver fases de maior cuidado em meio a fases de maior tensão, os membros do casal se mostram tão esperançosos e ambivalentes, com dificuldade de vislumbrarem a separação definitiva.

Num segundo momento, entretanto, valeria à pena refletirmos se, paralelamente à conduta sedutora que o cônjuge pode vir a apresentar, dificultando a separação propriamente dita, não haveria uma fragilidade psíquica, por parte dessa mulher, que a impossibilitaria de se ver sem ter o seu psiquismo contornado por alguém, a ponto de, num caso radical como o de Elis, a separação estar atrelada à tentativa de aniquilamento de si mesma. Desde essa perspectiva, a mulher, atravessada pelo campo "Infeliz(es) para sempre", se manteria numa relação amorosa como estratégia de sobrevivência psíquica. Para ilustrar essa questão, elegemos o trecho da narrativa interativa relativa à outra entrevista, conforme segue:

Tão logo apresentei a narrativa interativa para Gal, de 58 anos, ela começou a chorar. Disse que era difícil narrar a sua história, porque ela havia caminhado por um rumo que não era o que ela queria, mas que ela já não tinha mais como voltar. Ela me conta, em seguida, que conheceu seu marido quando estava numa lanchonete, na cidade onde ela morava. Diz: "Ele estava tomando cerveja, aí ele perguntou se eu queria. Eu falei: ‘Ah, não sou muito de beber não, mas vou aceitar. Aí eu pedi um copo e, enquanto o garçom não trazia um outro copo, ele falou que eu poderia tomar no copo dele. Eu comecei a tomar junto com ele. Começamos assim: eu sem muito interesse. Ele morava em outra cidade e às vezes eu não tinha vontade de que ele fosse na minha cidade me ver. Eu não sentia falta dele". Gal me narra, então, que seu irmão caçula acabou falecendo, o que fez com que seus pais fossem embora da cidade em que todos eles moravam. Ela ficou morando provisoriamente na casa de sua irmã, até que acabou decidindo mudar para a cidade do marido e com ele se estabelecer. A participante diz que, após vários anos sendo agredida pelo marido, decidiu que iria se separar (tanto que até passou a dormir na cozinha), mas que seu marido não acatava. Fala: "Eu sempre quis tirar essa dúvida: se ele não queria separar porque ele não queria separar de mim ou se era porque ele não queria dividir os bens comigo". Passados mais 10 anos, em que o casal permaneceu junto, em meio a agressões verbais e físicas, Gal relata que começou a se envolver com um homem que conheceu pela internet. Fala que, nessa época, ele também estava saindo com outras mulheres e que, constantemente, ela pegava o celular dele para ver as possíveis conversas dele com elas. Em tom de lamento, fala: "Eu acho que o que mais fez ele tomar raiva de mim foi eu ter mexido no celular dele, mais do que eu ter me envolvido com outra pessoa. Porque, depois desse episódio, ele começou a dormir no quarto com a porta trancada e, ainda com medo de eu fazer cópia de chave, ele colocava um travessão, para eu não conseguir abrir de jeito nenhum".

Algo que chama a atenção na narrativa de Gal é que, desde o início do relacionamento, ela não conseguia identificar em si mesma o desejo de estar amorosamente com aquele homem que se aproximava dela. Trata-se de algo que Elis também nos apresenta em sua narrativa sobre o início de seu relacionamento. Ambas, aliás, relatam não apenas a dificuldade em localizar dentro de si se queriam ou não estar com aqueles homens, como também a incapacidade de discriminarem se queriam ou não beber cerveja ou ir a um baile funk.

Essa dificuldade em identificar os seus próprios desejos e anseios foi igualmente observada em outras pesquisas psicanalíticas. Lima e Werlang (2011), que entrevistaram psicanaliticamente 12 mulheres envolvidas em violência conjugal, observaram que suas escolhas conjugais haviam se dado de modo passivo, como se houvesse a expectativa de que alguém, independentemente de quem fosse, preenchesse um sentimento de vazio. Wobeto (2013), que acompanhou clinicamente três mulheres vítimas de violência conjugal, notou que suas participantes apresentavam tanta dificuldade em narrar como haviam se aproximado de seus cônjuges que talvez não fosse possível dizer que elas os teriam escolhido. Seria possível falar em processo de escolha quando parece que estamos diante de um indivíduo cuja identidade psíquica parece tão pouco delineada e seus movimentos parecem acontecer mais como um espelhamento aos outros do que como derivados de suas próprias vontades? Na narrativa de Gal, vemos que, na ocasião em que ela decidiu se separar, o que mais a inquietou foi saber por que o marido não queria lhe conceder o divórcio, precisando mais identificar o que se passava dentro dele do que sustentar o seu próprio movimento de se divorciar.

A partir daí, é possível levantarmos a hipótese de que, talvez, em alguns casos, as mulheres vítimas de violência conjugal se aproximem e não deem conta de se afastar dos companheiros agressores, dado um frágil psiquismo que parece demandar alguém que lhes dê um contorno psíquico. Evidentemente, ao tecermos essas reflexões, não estamos ingenuamente desconsiderando que todo ser humano é naturalmente impregnado de um sentimento de solidão existencial, que o leva a buscar refúgio na conjugalidade, sendo a parceria amorosa uma tentativa de se sentir pertencente a alguém (Dias & Neves, 2014). Como bem aponta Wobeto (2013), principalmente no início dos relacionamentos amorosos, é comum haver uma anulação da distância entre os dois corpos, num movimento que pode inclusive lembrar a psicose, em que dois tentam fazer como se fossem um só.

O que nos chama a atenção, entretanto, é que parece que, no caso das mulheres entrevistadas, a necessidade de se ancorar em alguém e assim permanecer pareceu se fazer maximizada. Aqui, seria possível fazermos uma interlocução com a obra do psicanalista inglês Donald Winnicott, que discorreu sobre o desenvolvimento emocional em termos de (in)dependência ao ambiente. Segundo Winnicott (1963/1983), nos primórdios da vida, o bebê teria um psiquismo tão incipiente, demandando maximamente um ambiente cuidador para desenvolver suas potencialidades inatas, que seria possível falar que, nessa fase, ele estaria numa dependência absoluta em relação ao ambiente. Somente após um período de muita provisão ambiental é que o indivíduo migraria para uma fase de dependência relativa, em que as falhas ambientais já seriam toleradas sem serem sentidas como invasivas, até que, mais para frente, fosse possível chegar à última fase, a de rumo à independência. Vemos que Winnicott fez questão de intitular essa última fase de "rumo à independência" justamente porque, enquanto ambientalista, entendia que o ser humano, por mais maduro que fosse, jamais seria completamente independente do ambiente.

Muito embora Winnicott compreendesse que o indivíduo sempre dependeria, em algum grau, do entorno vivido, ele compreendia como problemático aquele que apresentasse uma incapacidade de estar só consigo mesmo, num movimento de sempre depender que um outro se mostrasse concretamente presente para não se sentir desamparado (Winnicott, 1958/1983). Em seu famoso texto "A capacidade para estar só", Winnicott (1958/1983) levanta a hipótese de que o que dificultaria o processo de individuação do sujeito, fazendo com que ele dependesse o tempo todo de um outro com quem se indiferenciar, teria a ver com a maneira com a qual o indivíduo vivenciou as suas relações primárias. Para ele, seria impossível desenvolver a capacidade de estar só se o indivíduo talvez desde sempre tenha se sentido desamparado, sem jamais ter vivido uma boa experiência que pudesse ser internalizada, cumprindo a função de auxiliá-lo a caminhar rumo à independência.

Partindo dessa teorização winnicottiana, seria possível pensarmos que, por mais que as participantes desse estudo fossem mulheres adultas, trabalhadoras e algumas delas mães, do ponto de vista psíquico, mostravam-se mais numa postura de dependência do que de independência em relação ao outro. Essa incapacidade de ficarem sós consigo mesmas poderia ter a ver com suas relações estabelecidas na infância? Algumas participantes, quando relataram sobre suas histórias de vida, de fato trouxeram narrativas permeadas pelo desamparo: Bethânia, por exemplo, falou sobre ter sido criada por outras pessoas que não os seus pais; Cássia apresentou a fala "minha mãe ferrou comigo", dentre outras. Sabemos também que, em outros estudos dedicados a mulheres em violência conjugal, foram igualmente identificadas histórias de infância marcadas por privações (Ferreira & Danziato, 2019; Harrati et al, 2018; Lima & Werlang, 2011).

Seria possível, a partir daí, tal como destacam Harrati et al. (2018), entender que a mulher, que teve para si um casal parental incapaz de cuidados, tende a investir em sua própria conjugalidade com dificuldades de individuação? Segundo esse raciocínio, a dificuldade da mulher em se separar teria a ver com o seu receio de ter atualizado o sentimento de desamparo infantil, com a dependência ao cônjuge sendo assimilada como proteção, indo ao encontro de nosso imaginário social patriarcal, que concebe que uma mulher nunca está melhor sozinha (Penna, 2018).

Dada a compreensão de que haveria um entrelaçamento entre um desenvolvimento psíquico marcado por falhas e um imaginário social que reforça uma subjetividade feminina caracterizada por inferioridade, opressão e subordinação (Guimarães e cols., 2017), é que entendemos que se faz tão importante que a mulher, que se encontra em situação de violência conjugal e persevera para assim se manter, seja olhada não enquanto responsável, mas como participante ativa, que se esforça para que a relação, mesmo violenta, perdure (Penna, 2018). A importância de refletirmos sobre o lugar que a mulher ocupa ativamente em suas parcerias violentas fica clara para que se tenha condições de compreender por que Gal, após tantos anos de agressão física conjugal, chega à instituição lamentando pelo fato de seu marido trancar-se num quarto para que ela não se aproxime dele, numa dinâmica que mais lembra uma inversão de papéis.

Vale destacar que, apesar de apontarmos a fragilidade da identidade psíquica das participantes desse estudo, que se mostraram maximamente dependentes de alguém que lhes desse um contorno psíquico, vemos que as mesmas apresentaram, em suas narrativas, tentativas de maior individuação. Podemos pensar que o momento em que Gal dormia na cozinha, bem como aquele em que ela mantinha um caso extraconjugal, como exemplos de tentativa de separação, não apenas conjugal, mas, sobretudo, psíquica. De maneira análoga, quando Cássia nos conta que, mesmo com a interdição do marido, ela saía escondida de casa e, quando Elis fala dos profissionais da ONG como aqueles que estariam lhe dando maior continência, estariam também apresentando movimentos na tentativa de experienciar como é viver com os seus próprios recursos. Do mesmo modo, podemos entender que, quando Bethânia reclama que os familiares de seu marido pedem para que ela tenha mais paciência com ele, ao mesmo tempo em que revela um posicionamento infantil de esperar que os outros se responsabilizem pela mudança na sua vida conjugal (Wobeto, 2013), mostra também uma mulher irritada com os comentários dos outros. Em meio a essa narrativa na qual ela ataca o marido e os familiares dele, não haveria, também, uma mulher tentando cavar a sua alteridade, mesmo que apenas narrativamente nesse momento? Pietri e Bonnet (2017), que entrevistaram 19 mulheres francesas que se encontravam em abrigos, por estarem sofrendo ameaças de seus (ex)cônjuges, discorrem como pequenos movimentos, por parte desse coletivo, podem simbolizar uma tentativa de maior individuação-separação, ainda que seja a mera adoção do termo "eu" (ao invés de "nós") ou da preocupação em narrar a história conjugal usando marcadores temporais que ajudem a resgatar o senso de continuidade existencial. Seriam pequenos movimentos, mas que não deixariam de equivaler a um grande avanço (Pietri & Bonnet, 2017).

 

Considerações Finais

A partir desse estudo, observamos que as participantes, habitando o campo "Infeliz(es) para sempre", manifestavam sofrimento e resistência frente à separação conjugal, mesmo que a conjugalidade tenha sido marcada por violência. Podemos inclusive pensar que talvez tenhamos tido tão poucas participantes no estudo - o que pode ser considerado uma limitação da presente pesquisa - em função do imaginário das mulheres contatadas de que, de nosso lado, havia a expectativa de que elas se mostrassem capazes de se separar de seus cônjuges. Afinal, como ligávamos para as possíveis participantes a partir de uma ONG dedicada às famílias em situação de violência, pode ser que tenha havido uma compreensão, por parte delas, de que nós, assim como os profissionais da instituição, esperássemos que elas apresentassem manifestações em direção ao encerramento do ciclo de violência conjugal.

A despeito de, do ponto de vista ético, os profissionais que atuam junto à vítima de violência conjugal não fazerem intervenções "cobrando" a mulher para que ela encerre o relacionamento, sabemos, até por sermos profissionais da área da saúde que por vezes atendem mulheres em situação de violência conjugal, que o profissional pode ser atravessado pelo sentimento de impotência, ao testemunhar vítimas narrando episódios tão dolorosos para, em seguida, se desligarem do serviço ao se reconciliarem. Entendemos, contudo, a partir da realização desse trabalho, que, uma vez que as mulheres em situação de violência conjugal parecem se mostrar psiquicamente tão frágeis, dependendo maximamente de um outro que lhes dê um senso de identidade psíquica, que essa seria a brecha para a equipe conseguir intervir, vindo a ser, de forma deslocada, esse outro em quem elas podem se apoiar. Na medida em que essas mulheres demandam compartilhar suas infelicidades com alguém e seus familiares parecem somente lhes pedir para que cumpram o estereótipo de mulher que se sacrifica pela relação conjugal, vemos que os profissionais podem vir a ser aqueles que irão acompanhá-las, sendo "infelizes" junto a elas, provisoriamente.

 

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Recebido em: maio de 2021
Aprovado em: setembro de 2021

 

 

1 Como apenas uma das autoras realizou as entrevistas e redigiu as narrativas transferenciais delas derivadas, nos trechos de narrativas transferenciais aqui apresentados será adotada excepcionalmente a primeira pessoa do singular.
2 Todos os nomes das participantes são fictícios, inspirados em nomes de cantoras famosas da música popular brasileira.

 

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