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Interações

versão impressa ISSN 1413-2907

Interações v.7 n.13 São Paulo jun. 2002

 

ARTIGOS

 

A feminista, sua mãe, seus filhos e netos

 

The feminist, her mother, children and grandchildren

 

 

Marília Novais da Mata Machado1

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com a hipótese de que o movimento feminista vive um momento de impasse, são colocadas em questão as afirmações de que ele foi vitorioso e de que o fim do patriarcalismo está próximo. Para isso, foi criada a figura abstrata de uma feminista cuja história de vida está imbricada às de suas avós, mãe, filhos e netos. Paradoxalmente, à medida que essa feminista se torna auto-suficiente, mais ela se aproxima do fracasso, presa na teia de sua incapacidade de obter ajuda, tão senhora de si parece ser.

Palavras-chave: Gênero, Movimento feminista, Teoria das gerações, Patriarcalismo, Feminismo.


ABSTRACT

If it is assumed that the women’s liberation movements are now facing an actual impasse, then it is possible to question their successful story as well as the end of patriarchy. For the purpose of this essay, a feminist abstract figure, whose life is firmly imbricated with that of her grandmothers, mother, children and grandchildren, has then be created. Paradoxically, the more this feminist figure becomes self-sufficient, the more she risks to fail due to her incapacity to get help, so self-confident she seems to be.

Keywords: Gender, Women’s liberation movements, Generations theory, Patriarchy, Feminism.


 

 

Para Vera Fróes (in memoriam),
Concessa Vaz e Helena Crivellari

 

1. Prólogo

Este é um ensaio sobre a situação da mulher e, como tal, estudo informal, amplo e aberto. Totalmente escrito na terceira pessoa, traz, contudo, muito de experiência e reflexão pessoal. Começou a ser pensado durante as comemorações de cinqüenta anos de O segundo sexo, quando as conquistas sinalizadas por Simone de Beauvoir davam sinais múltiplos de retrocesso. A oportunidade de escrevê-lo veio de convite a participar de uma mesa redonda denominada Coisas da vida, no Colóquio Internacional de Sociologia Clínica e Psicossociologia (Belo Horizonte, julho de 2001), em um momento de vida particularmente difícil: mudança de casa para reforma de apartamento, trabalho novo, abandono do cigarro, perda de diálogo com o filho, morte de amigos, crise na relação com a mãe. Por outro lado, momento também de descoberta do paradoxo colocado pela auto-suficiência, de tomada de conhecimento da teoria das gerações, ao ser exposta a ela em trabalho de coorientação de tese (Moreira, 2001) e de uma viagem para festejar o casamento da filha de uma amiga.

A figura da feminista foi tomando forma a partir da história de vida de uma centena de mulheres, irmãs, parentes, amigas, colegas, conhecidas, cujos nomes foram listados e percorridos incessantemente, em Belo Horizonte, em São João del Rei e no Rio de Janeiro. Aos sábados, Helena Crivellari e Concessa Vaz participavam da criação, nos passeios a pé pelas ruas de Belo Horizonte. A história verídica da jovem japonesa que abre o texto e o fecha, já amadurecida, é uma narrativa de Helena.

 

2. A feminista

Em 1991, uma jovem japonesa chegou a São Paulo. Ficou em casa de sua parente nissei que ia ajudá-la a encontrar um marido. Era a chance da jovem escapar à sujeição à qual estaria submetida em sua terra, onde dominava (e ainda domina) uma forte estrutura familiar na qual pais e maridos são senhores de prerrogativas, deveres e direitos.

Se os estudos e reflexões de Manuel Castells (1999, p. 169) estão corretos, naquele ano, o patriarcalismo – isto é, “a autoridade imposta institucionalmente do homem sobre a mulher e os filhos no âmbito familiar” – já estava seriamente abalado. O poder patriarcal, que é sustentado justamente pela família patriarcal, declinava no restante do mundo desenvolvido, como demonstrado pelas estatísticas, comparando dados das décadas de 60 a 90, que apontavam para o aumento constante da taxa de divórcios; o adiamento da formação de casais; o aumento da taxa de uniões consensuais, sem legalização; a queda nos índices de fecundidade; o surgimento de uma variedade maior de estruturas domésticas, como lares monoparentais, pessoas vivendo sós, casais sem filhos, parcerias homossexuais, grupos de amigos e amigas.

Com exceção do Japão e da Espanha, no início dos anos 90, nos países desenvolvidos, o modelo familiar com predomínio da autoridade masculina era o estilo de vida de uma minoria. O enfraquecimento do patriarcalismo foi muito favorecido pelo fato das mulheres terem entrado no mercado de trabalho e aumentado seu grau de escolarização. Em 1990, no mundo todo, elas representavam 32,1% da força de trabalho; 41% delas, com mais de 15 anos, eram economicamente ativas.

É verdade que seguiam (e seguem) ocupando cargos que exigem as mesmas qualificações em troca de salários menores que os dos ho-mens, com menos segurança no emprego e menores chances de chegarem a posições mais elevadas (Castells, 1999, p. 200). Nos Estados Unidos, em 1991, elas recebiam 72% do que percebiam os homens; na Alemanha, 73,6%; na França, 80,8%. Dados da ONU, de 1995, mostram que, no Japão, recebiam 43% do que percebiam os homens; na Coréia, 51%; em Singapura, 56%; em Hong Kong, 70%; na América Latina, entre 44 e 77%. Nos países asiáticos, a situação é agravada pelo fato do trabalho feminino ser regulado por acordos entre os gerentes de fábrica e os pais de família, isto é, estar inserido na estrutura patriarcal.

Um movimento semelhante ao da jovem japonesa ocorreu também no Brasil. No final dos anos 60, início dos 70, algumas jovens brasileiras de nível educacional elevado, muitas vezes conhecendo bem outras línguas, também encontraram no “rodar-mundo” uma forma legítima de escapar do mal-estar difuso que sentiam em suas famílias. De alguma forma, muitas buscaram fugir do pai autoritário, das regras impostas pelos irmãos homens, do poder dos filhos mais velhos sobre os mais jovens, da mãe dominadora. Iam trabalhar ou estudar fora, na América do Norte, na Europa ou em outra cidade. Algumas delas iam recém-casadas, apostando em seus maridos liberais. Cientes ou não de quão feministas eram, elas negaram aquela “identidade de mulher con-forme definida pelos homens e venerada na família patriarcal” (Castells, 1999, p. 211). Amélias rebeldes, elas são boas representantes de uma geração que pode ser descrita como revolucionária (Moreira, 2001).

É justamente essa feminista dos anos 60-70 que hoje se pergunta se suas conquistas não estão sendo seriamente solapadas. Nas vitrines de Nova Iorque, Los Angeles, Toronto, Paris, Londres, Roma, Rio de Janeiro ou Belo Horizonte, ela vê de volta os símbolos da opressão: sapatos com saltos torturantes, impedindo o caminhar; sutiãs sufocantes, cheios de barbatanas, dificultando a respiração livre e o gesto espontâneo; penduricalhos que se assemelham a correntes. Mas ela prefere seguir seu caminho, no passo confortável de quem sabe que é possível se livrar dessas e de muitas outras amarras. Ela se recorda de sua mãe, ainda amarrada, apontando-lhe um caminho.

 

3. Sua mãe

Se desde os anos 60 as lutas feministas vêm conquistando vitórias (as derrotas também serão tratadas aqui) é porque se fundamentam em um sólido movimento que as antecede: a luta de gerações precursoras, muito submetidas ainda ao poder patriarcal, mas atentas às brechas que poderiam trazer a liberação – educação, trabalho, redução do número de filhos.

Geração precursora e geração revolucionária são conceitos teóricos que vêm sendo construídos, desde 1874, quando, em Milão, um certo Giuseppe Ferrari – teórico socialista saint-simoniano e, depois, proudhoniano – propôs um modelo de transformação político-social. Segundo ele, são necessárias quatro gerações para que uma mudança seja absorvida: uma precursora, uma revolucionária, uma reativa e uma resolutiva. Claudine Attias-Donfut (1988) retomou esse modelo em seu livro Sociologia das Gerações e Maria Ignez Moreira o completou, analisando, em 2001, interações entre jovens avós e suas filhas, mães adolescentes. Moreira demonstrou que qualquer geração apresenta as quatro características principais, uma delas, entretanto, dominando sobre as demais. Além disso, é possível surgir, por exemplo, sujeitos reativos (ou reacionários, caso se prefira esta tradução) em um período revolucionário, resolutivos em gerações precursoras etc. A tese inicial e suas derivações não deixam de ser compatíveis com a de Gabriel de Tarde, de 1890. Em seu célebre livro As leis da imitação, Tarde sugeriu que uma mudança social é “uma verdadeira dissociação de pais e filhos (...) uma não-imitação de exemplos paternos”.

A geração de mulheres precursora da feminista entrou timidamente no mercado de trabalho. Acumulando também o serviço doméstico, a educação dos filhos e o cuidado do marido, percebia o seu trabalho mal-remunerado, fora de casa, como um extra temporário que ajudava a família, mas não era a principal fonte de seu sustento. Inserida na estrutura familiar dominante na época, ela também era muito autoritária, exercendo seu mando irrestrito sobre os filhos. O homem seguia sendo o grande provedor (de fato ou imaginariamente), gozando sempre dos privilégios patriarcais, dono do nome, da censura, da repressão, do trabalho e do corpo da mulher.

No Brasil, esse sistema de representação da posição respectiva do homem e da mulher prevalece em larga escala e é ainda suficientemente forte para atravessar classes sociais. Por exemplo, em um trabalho de intervenção psicossociológica (Mello Filho, 1985), foi possível observar ex-moradores de uma favela sendo instalados em um conjunto habitacional que lhes fora cedido pelo Poder Público, após serem desabrigados por enchentes: a grande maioria dos homens, longe de seus empregos e bicos anteriores, passava o dia tomando cachaça e ouvindo rádio, nos bares. As mulheres e as crianças alimentavam e sustentavam as casas trabalhando na lavoura de mandioca, feijão e milho, situada ao lado do conjunto. Essa “capina”, como era chamada, seria o embrião de uma cooperativa, que vinha sendo dirigida por um dos homens, com a orientação de agentes externos. Vinha também do exterior o pagamento das mulheres, quantia “indigna” para um homem, segundo a representação compartilhada, na época, pelos que se dedicavam a tomar cachaça e pela equipe de universitários e universitárias que realizava a intervenção.

Esse imaginário familiar está associado a condutas reais. Para muitos brasileiros (e brasileiras), ainda é impensável, senão escandaloso, que o homem realize as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos, mesmo quando desempregado, mesmo quando os dois membros do casal trabalham,por horas, fora de casa. É claro que a mãe precursora já se ressentia disso. Para socializar o homem, o pai da feminista cantarolava para os filhos:

“Abdom que moda é esta
Abdom sai da cozinha
Que cozinha é lugar só de mulher”.

Por essa e por outras, a precursora sugeria às filhas que estudassem, que não dependessem do marido, que não fossem esposas de tempo integral, que adiassem o casamento até terem um futuro profissional garantido. Em Minas Gerais, eram as avós que sopravam no ouvido das netas: “Vê se não têm tantos filhos, como eu, como sua mãe”.

A feminista se beneficiou dos métodos contraceptivos; fez a revolução dos costumes; dissociou vida sexual e procriação. Mais bem preparada que a mãe precursora, mesmo porque as oportunidades sociais foram ampliadas, ela obteve postos melhores no mercado de trabalho. Lutou pela igualdade de direitos e, também, pelo reconhecimento das diferenças de gênero; criticou o paternalismo; combateu a opressão e a violência masculina; desvelou sua própria violência; descobriu que o amor materno é um mito; desnaturalizou a troca de fraldas; em alguns países, como a Espanha, lutou contra o governo ditatorial; em outros, como a Itália, militou dentro dos sindicatos operários; defendeu a liberação da mulher; subverteu a autoridade na família e na sociedade; criou instituições de defesa da mulher. Mudou de cidade, mudou de país, mudou de vida. Quando se sentiu explorada pelo marido autoritário, divorciou-se. Casou-se de novo, fez a opção lesbiana ou resolveu ser só.

Para sua mãe precursora, ela exagerou, radicalizou. Devia ceder mais ao homem, aceitá-lo mais, fosse ele o pai, o marido, o ex-marido, o namorado ou o filho, tanto faz. A criadora não reconheceu sua criatura. Esse estranhamento chegou a extremos: a precursora sempre esteve certa de que a vida da feminista foi mais fácil que a sua, pois pouco a viu presa e submissa. Assim, agora, não admite vê-la cansada, estressada, doente. Não entende como isso pode ter acontecido. Culpa a filha. Diz a ela que procure um médico, que tome remédios. E exige dela cuidados para si própria semelhantes aos que sua geração prestou à própria mãe. Quanto mais independente, auto-suficiente e autônoma a representa, mais exige dela.

De seu lado, embora extenuada, pois vem dando conta de duplas, tríplices ou quádruplas jornadas de trabalho, a feminista revolucionária tenta dar conta também de seus velhos pais; nada lhe parece impossível.É nessa fase da vida que ela entra em queda livre. No início, a casa está perfeita; no trabalho, ela é considerada; os filhos vão bem; o marido não tem reclamação; seus deveres para com os pais são rigorosamente cumpridos. Mas, ela já não é tão jovem. Cada vez mais exausta, ela vê aumentar seu estresse. Prematuramente envelhecida, torna-se socialmente invisível e desinteressante. Encontra as doenças – especialmente a depressão, a ansiedade, a hipertensão e o alcoolismo. Passa a sofrer acidentes – primeiro os pequenos, como queimaduras e tombos; depois, outros, mais graves. Enfraquecida, passa a se ver, dentro da própria casa, vítima de uma certa violência interpessoal e de muitos abusos psicológicos. Seu marido e seus filhos homens, além de sempre enciumados, vingam-se da perda do poder que sofreram por anos.

Se, contudo, ela continua a tentar a onipotência, passa a ser cada vez mais explorada por demandas excessivas, pois ninguém precisa ser solidário com a auto-suficiência.

No final, a feminista revolucionária fracassada encontra a destruição física, na doença, no acidente, no deixar-se morrer. Mas, de fato, morre de cansaço, abandonada à própria sorte pelos ex-maridos, que há muito se esqueceram dela e já não pagavam mais pensões; pelos filhos que nunca souberam que ela necessitava de ajuda; pelas irmãs que acharam que ela dava conta de tudo sozinha, que teria bastado que tomasse calmantes, fizesse reposição hormonal e voltasse a fumar; pelas amigas às quais não teve tempo de pedir socorro.

Mas, se ela não se transformou em uma baixa de batalha, se escapou da drogadição, da carência que a tornou voraz e obesa, da humilhação, dos diversos sintomas difusos, da couraça que a fez rígida e dura, da piração e da solidão, do sufoco e da sujeição, mesmo cansada, ela está contente. Sabe que conseguiu uma vitória espetacular. Abalou o sistema de dominação. Está livre da teia patriarcal. Tem a tranqüilidade e a satisfação de quem conseguiu alguma coisa. Vive a espontaneidade e a alegria. Encontra a rede de solidariedade entre iguais, a entreajuda feminina. Encontra parceiros e parceiras que a consideram e a reconhecem e com os quais ela pode conversar em situação de igualdade. Sente-se realizada e saudável. Pode continuar sua revolução, sempre inacabada.

 

4. Seus filhos e netos

A feminista tem filhos. Ela os planejou. Decidiu quando e quantos iam nascer. Ensinou a eles como ver o trabalho invisível. Narrou para eles os percalços das múltiplas jornadas de trabalho. Está certa de que os criou com responsabilidade, quase sempre na ausência do pai. Diferente de sua mãe, conversou com eles abertamente sobre todos os assuntos, incluindo sexo e métodos contraceptivos.

Esperou que eles (e elas) a tomassem como modelo. Esperou deles (e delas) solidariedade. Porém, geração reativa (ou reacionária), ao invés de ajudá-la, muito ao contrário, aprenderam, com aquelas lições, que têm de fugir desses monstros, desses pesadelos inomináveis – dupla jornada, trabalho invisível... Assim, tornaram-se intermináveis adolescentes (Anatrella, apud Nicolaï, 1994) e, para espanto da feminista, declararam em alto e bom som: “não saio da casa de minha mãe; lá é a maior mordomia”. Logo com ela, que havia corrido mundo para escapar da casa dos pais.

Alguns dos filhos, ainda adolescentes, tornam-se pais e mães, pois reagem também a anticoncepcionais e a planejamento familiar, ícones da geração anterior. Dizem que assumem, mas assumir quer dizer apenas que terão o filho. Quase sempre são as famílias das jovens mães que cuidam dessa nova geração. A feminista, nesse momento, observa: “Ser avó é ótimo. Difícil é ser mãe da mãe”.

O fenômeno do prolongamento da adolescência lança uma nova luz sobre os dados mencionados por Castells (1999), relativos à constituição cada vez mais tardia de novos núcleos familiares. As estatísticas foram interpretadas por ele como resultado da entrada da mulher no mercado de trabalho. Mas uma série de outros fatores podem estar igualmente operando, isoladamente ou em conjunto: novas tecnologias que garantem à mulher concepção e gestação seguras, em idade mais avançada; filosofias de gozo da vida enquanto jovem, deixando a dificuldade de criar filhos para mais tarde (ou para os outros); rejeição da vida adulta e manutenção de vínculos de dependência com a mãe.

Os casamentos acabam acontecendo. Novo espanto para a feminista. Eles ocorrem na igreja e no cartório, incluem véus e grinaldas, festas tão majestosas e dispendiosas quanto possível. Os noivos justificam: “A gente tem que fazer tudo direito. É para dar certo. Se for de um jeito qualquer, vai dar errado”. E aí vai uma crítica à geração revolucionária, representada pelos reativos como um fracasso, por causa dos divórcios, do abandono dos filhos pelo pai, da criação matercêntrica, da sucessão de parceiros tanto do pai quanto da mãe; dos sofrimentos repetidos, impostos a todos, pais e filhos, a cada mudança na composição familiar; das ansiedades, depressões, tristezas, medos...

Eles ofendem à feminista, menosprezando seu modo de vida. E ela, a feminista, sente esse modo de vida como uma conquista inestimável. No íntimo, ela tem um pouco de vergonha desses filhos. Considera-os preguiçosos, exploradores, muito egoístas, meio incompetentes. Acha os homens machistas, homofóbicos, atrasados. Acha as mulheres pouco solidárias, cultivadoras da inexperiência, submissas a modelos que as diminuem, novamente objetos, depois de tantos anos de luta. Há exceções, mas...

A geração reativa prossegue e, como tantas outras gerações, refunda constantemente o mundo. A revolucionária acha que eles se parecem com os avós, não os reconhece. De novo, a criadora renega a criatura.

Mas, há os netos, aquela nova geração tão próxima e tão distante. A feminista, agora, aposta neles. Acha que eles vão resolver o que nem ela nem seus filhos foram capazes de solucionar – coisas do tipo: como manter a autonomia de mulheres e de homens sem que isso represente, para elas, um aumento da carga de trabalho e, para eles, uma inaceitável perda de privilégios.

É possível que a próxima geração seja a resolutiva, segundo a conceituação de Ferrari (1874, apud Attias-Donfut, 1988) e Moreira (2001). Como também é possível que esse modelo linear, mesmo tornado mais dialético em suas derivações, não funcione, simplesmente não tenha nada a ver com a realidade.

É possível que toda a revolução feminista vá por água abaixo e que o patriarcalismo, em suas formas mais fundamentalistas, volte a ganhar terreno. Há sinais múltiplos apontando nesse sentido. Há quem ache que o século XX foi o da derrota das mulheres, grandes perdedoras, pois ganharam, depois de tanto barulho, o trabalho fora de casa, no qual são discriminadas, e continuam com a totalidade dos trabalhos de casa.

É possível também que, ao contrário, a revolução continue e novas configurações, favoráveis a todos (e a todas) sejam construídas. Afinal, o feminismo tem sofrido altos e baixos, vem sendo reinventado e renegociado a cada instante. O sucesso dos acontecimentos indo nessa direção traria mais democracia, menos sujeição, mais liberdade para todo mundo.

É possível que a feminista dos anos 60-70 ainda veja esse desenrolar das coisas. Há sinais também nessa direção. O feminismo, hoje, é forte em muitos países, incluindo movimentos os mais diversospossíveis. Neste momento, entra na Ásia.

E, novamente, se Castells (1999) aponta para a direção correta, ele chegará forte, também, no Japão, a exemplo de outros movimentos ocidentais que lá vingaram. Talvez liberte aquela jovem japonesa, agora já não tão jovem, que, naquela ocasião, não conseguiu um marido no Brasil.

 

Referências Bibliográficas

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TARDE, Gabriel. (1890) Les lois de l´imitation.        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Marília Novais da Mata Machado
Rua Prof. Júlio Mourão, 17/101 – 30380-340 - Belo Horizonte/MG
tel/
Fax.: (31) 3293-2917
E-mail: marilianmm@terra.com.br

Recebido em 20/04/02
Aprovado em 12/07/02

 

 

1Doutora pela Universidade de Paris Norte – Paris XIII; Pesquisadora Visitante na Universidade Federal de São João del Rei (bolsa FAPEMIG).