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Interações

versión impresa ISSN 1413-2907

Interações v.7 n.13 São Paulo jun. 2002

 

RESENHAS

 

Luciana Goldman1

Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 

MATHEUS, Tiago C. Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002. 199 p.

Não é de hoje que a juventude é tema de discussão em várias áreas de conhecimento das chamadas Ciências Humanas, principalmente a partir de seu papel participativo nos movimentos sociais (por exemplo, nos da década de 60). A sede por transformações políticas, artísticas e culturais e a busca por ideais mais humanitários e libertadores são marcas atribuídas aos jovens de todo o mundo. Mas será que ainda podemos tomar tais concepções como representativas da realidade atual? Alguns trabalhos recentes respondem a esta pergunta com um sonoro “não”; haveria, sim, o oposto, isto é, um descrédito e um ceticismo crescente entre os jovens, reflexos de uma crise nos ideais sociais. Então, que operações têm transformado essa faixa da população nas últimas décadas?

Tiago Matheus, psicanalista, procura percorrer os territórios e fronteiras deste tema em seu livro Ideais na adolescência: falta (d)e perspectivas na virada do século, resultado de um trabalho de pesquisa que culminou em sua dissertação de mestrado, concluída em 2000 no Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia da USP. O título alude aos campos de conhecimento que o trabalho procura integrar de forma a criar um diálogo nem sempre harmonioso entre diversas áreas, como Psicanálise, Sociologia e História. Nas palavras de Matheus: “A investigação psicanalítica voltada para a compreensão dos fenômenos sociais, implica numa relação de tensão com os outros saberes” (p. 31); e conclui apostando na interdependência que seu assunto (a adolescência) requer: “Mesmo com os riscos assinalados, é no reconhecimento da tradição de uma Psicanálise que não se propõe como conhecimento unívoco, que este trabalho busca se situar” (p. 33). O autor percorre o tema dos ideais atuais na adolescência a partir do ponto de vista da Psicanálise, que não se restringe ao saber sobre o indivíduo exclusivamente, mas que se propõe a refletir sobre a dimensão social e política do mesmo.

A juventude, no que mais recentemente se convencionou chamar no campo da Psicologia de Adolescência, parece trazer embutida em sua semântica a noção de passagem, seja do universo infantil ao adulto, do universo familiar ao social, de uma geração anterior à seguinte. Esta passagem, longe de ser natural e sem obstáculos, impõe ao sujeito transformações subjetivas envolvidas na busca de autonomia frente às figuras parentais em direção a marcas próprias de inscrição no universo adulto e social. Tratase de um grandioso trabalho psíquico que envolve perdas, lutos e novas perspectivas. Um dos aspectos relevantes do tema referese a um fato objetivamente constatável: a explosão demográfica juvenil brasileira. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que, em 1995, a faixa etária mais numerosa no Brasil era a de 15 a 19 anos, compreendendo 10,4% da população, aspecto que ficou conhecido como “onda jovem”. Este importante dado inspirou a análise de Matheus sobre esta população. Foram ouvidos 50 adolescentes, de classes populares da região urbana da cidade de São Paulo, com a colaboração de outros profissionais, para identificar as expectativas e ideais expressos pelos jovens.

Matheus vai buscar, na fala dos adolescentes, os elementos de uma rica discussão. Para amparála, remetese a um conceito central, a saber, o de ideais. Dedica um capítulo a explorar este conceito, que não é consensual na teoria psicanalítica. Em seguida, traz contribuições a respeito da adolescência e o trabalho psíquico que esta demanda do sujeito, explorando a hipótese defendida em seu trabalho de que “a crise adolescente adquire importância particular por se mostrar como espaço de reflexão sobre os conflitos que a cultura da qual faz parte procura encobrir” (p. 87). Algumas conclusões: predomina entre os jovens pesquisados o ceticismo em relação às possibilidades de mudanças da realidade que os cerca, tornandoos pragmáticos em relação a ideais de vida em sociedade. Ao lado desse pragmatismo, é possível ouvir, em paralelo, uma dimensão mais fantasiosa que busca resistir ao ceticismo, expressa por meio de projetos de vida que incluem sonhos de transformação. As transformações já não passam por grandes revoluções políticas e sociais, mas estão presentes nas ações que promovem pequenas mudanças. Referências explícitas à importância do trabalho e da família reforçam a idéia de que os ideais individuais procuram apoio em uma realidade que possa incluir laços sociais de familiaridade e solidariedade. Quanto maior a organização social, mais se torna possível que os adolescentes sustentem alguns ideais, ainda que restritos. O livro de Matheus aponta, em meio ao declínio de objetivos sociais que possam amparar a crise adolescente, saídas apontadas pelos próprios jovens para esta mesma crise. Saídas modestas, mas não menos transformadoras. Não se trata de uma juventude conformada com a exclusão e o desamparo social: estamos diante de uma procura por transformações possíveis e menos pretensiosas, oferecendo projetos de mudança para o coletivo. O livro não pretende resolver as tensõesimpostas pelo tema, já enunciadas no próprio título. É preciso discernir, em meio à falta de perspectivas na virada do século, as perspectivas existentes: aquelas que a força de transformação dos adolescentes não deixa desaparecer.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: lugoldman@terra.com.br

 

 

1Mestranda em Psicologia na Universidade São Marcos.