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Interações

versão impressa ISSN 1413-2907

Interações v.8 n.15 São Paulo jun. 2003

 

ARTIGOS

 

A mulher, seu médico e o psicotrópico: redes de interfaces e a produção desubjetividade nos serviços de saúde1

 

The woman, her physician and the psychotropic drug: a web of inaterfaces and subjectivity production in public health services

 

 

Lúcia de Fátima CarvalhoI; Magda Dimenstein*II

*Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Departamento de Psicologia. Programa de Pós-graduação

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente trabalho procura investigar o significado e a função atribuídos ao uso de medicamentos ansiolíticos, por mulheres usuárias e médicos clínicos gerais. Tenta examinar a relação que se estabelece entre a usuária do medicamento, o médico prescritor e o medicamento utilizado, a fim de compreender como esse significado é construído no âmbito da saúde pública. A investigação foi realizada no serviço público de saúde da cidade de Natal/RN com dezesseis mulheres usuárias de medicamentos ansiolíticos, atendidas em diferentes postos de saúde do município, e com oito médicos clínicos gerais. Utilizamos como instrumento de pesquisa com as mulheres um roteiro de entrevista semi-estruturado focado nos seguintes eixos: os motivos do uso do medicamento, as expectativas em relação a esse uso, a resolutividade dos problemas. Com os profissionais o roteiro esteve ancorado na visão do clínico a respeito do medicamento e da usuária. Procuramos abordar as queixas recebidas, o tratamento proposto, a eficácia do remédio, os outros recursos utilizados além do medicamento e a dinâmica existente na sua relação com a mulher usuária.

Palavras-chave: Psicotrópico, Mulher, Subjetividade, Serviço de saúde, Médico.


ABSTRACT

The purpose of this paper is to investigate the meaning of and the function attributed to anxiolytic drugs by women users and medical general practitioners. It examines the relationship established between the woman, the physician that prescribes the drug, and the drug itself, in order to understand the construction of this relationship within the public health context. The study was conducted with sixteen women that were anxiolytic users and eight physicians that worked in different public health units of the city of Natal/RN. A semi-structured interview was conducted with the women to obtain information about: a) the reasons for using anxiolytic drugs; b) their expectations as a user, and c) the treatment as a solution to their problems. The interview with the health professionals focused on their view of the drug and the user, and included questions regarding user complaints, the proposed treatment, drug effectiveness, use of other treatment resources, and the dynamics of the physician-woman relationship.

Keywords: Psychotropic, Woman, Subjectivity, Public health services, Physician.


 

 

Introdução

Este estudo tem por objetivo analisar um fenômeno que constitui hoje um problema de saúde pública em nosso país, e vem sendo observado no cotidiano dos serviços, segundo estudos realizados em várias localidades brasileiras, como Simões e Farache Filho (1988) e Oliveira (2000). Trata-se do consumo excessivo de medicamentos psicotrópicos, do tipo ansiolítico, por mulheres na rede básica de saúde, e o abuso de prescrição desses medicamentos pelos profissionais. Nesse sentido, nossa meta é investigar significado e função atribuídos ao uso de medicamentos ansiolíticos, pelas mulheres usuárias da rede básica de saúde de Natal/RN, quanto pelos clínicos gerais que as atendem – profissional que mais prescreve medicamentos dentro das instituições de saúde – seguindo concepções de um modelo assistencial curativo.

Para um entendimento mais amplo do problema, tomamos como base a relação existente entre três eixos principais – o lugar do medicamento nas práticas de saúde (mercadoria de consumo e símbolo de saúde); o modelo de atenção à saúde; e as relações de gênero presentes na sociedade – que possibilitarão um melhor entendimento de como se processa a dinâmica da prescrição e do consumo de medicamentos ansiolíticos, no sentido de contextualizar essa prática e revelar as redes de interfaces que se estabelecem entre o serviço, o médico, o medicamento e a mulher. Consideramos tais elementos como constitutivos de um significado, que é construído no âmbito da saúde pública.

 

Método

A presente investigação foi realizada no serviço público de saúde da cidade de Natal/RN, com dezesseis mulheres usuárias de medicamentos ansiolíticos, atendidas em diferentes postos de saúde do município2, e com oito médicos clínicos gerais3. Com as mulheres, utilizamos como instrumento de pesquisa um roteiro de entrevista semi-estruturado, focado nos seguintes eixos: os motivos do uso do medicamento, as expectativas em relação a esse uso, a resolutividade dos problemas. O contato foi obtido por indicação do profissional durante a consulta, e as entrevistas realizadas após esse encaminhamento, em uma sala ao lado do consultório médico. Com os profissionais, o roteiro esteve ancorado na visão do clínico sobre o medicamento analisado e a usuária. Procuramos abordar as queixas recebidas, o tratamento proposto, a eficácia do remédio, outros recursos utilizados além do medicamento, e a dinâmica existente na sua relação com a mulher usuária.

Para analisar os dados obtidos nas entrevistas, tomamos como referência a técnica de análise das práticas discursivas apresentada por Spink, definida como “linguagem em ação, isto é, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e se posicionam em relações sociais cotidianas” (1999, p. 45). Tal técnica enfoca as diferentes maneiras como as pessoas, por meio do discurso, produzem realidades psicológicas e sociais. Julgamos que uma análise concreta dos sentidos atribuídos pela usuária dos medicamentos ansiolíticos e pelos profissionais que a atende só é possível se os considerarmos inseridos em um discurso bastante amplo, no qual as lacunas, as contradições, e conseqüentemente a ideologia, possam ser detectadas. Dessa forma, entendemos que tais sentidos são produzidos historicamente e adquirem, no âmbito individual, um senti-do particular, relacionando-se com a vida e com os motivos de cada um.

 

Os ansiolíticos e a medicalização da saúde

Os medicamentos ansiolíticos são os chamados calmantes, tranqüilizantes e sedativos, que agem sobre o sistema nervoso central, exercendo uma ação seletiva sobre a ansiedade. São os mais utilizados entre as substâncias psicoativas, vindo depois do álcool e do tabaco. O uso dessas substâncias na atualidade ocorre geralmente de forma indiscriminada, sendo indicados e amplamente usados no combate à insônia. Seu con-sumo pode acarretar alterações no comportamento, levar à dependência psíquica e/ou física, resultando muitas vezes em complicações pessoais e sociais graves. Sendo assim, faz-se necessário analisar os fatores determinantes desse uso.

O consumo dos BZD (Benzodiazepínicos), classe dos ansiolíticos mais vendida, assumiu uma proporção preocupante. Pesquisas como a de Soares et al (1991), feitas no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) com pacientes psiquiátricos e não psiquiátricos, e a de Rozemberg (1994), realizada na região serrana do Espírito Santo com lavradores, mostram um alto índice de uso desses medicamentos frente a transtornos emocionais: 88,4% e 88% respectivamente. No trabalho de Puebla et al (1985), realizado no Hospital Docente “Dr. Salvador Allende”, em Cuba, 70% dos 100 pacientes entrevistados usaram psicofármacos, entre os quais, 31% sem prescrição.

Oliveira (2000) discute esse problema de forma profunda ao dissertar sobre o consumo do Diazepam (marca de ansiolítico mais vendida atualmente) por mulheres acompanhadas pelo sistema público de saúde do município de Sobral/CE. A incidência de uso desse medicamento por mulheres é preocupante, como mostra o levantamento preliminar feito no início do referido estudo na cidade de Fortaleza/ CE junto a uma farmácia do sistema público de saúde: 72% dos consumidores do medicamento era constituído por mulheres. Tais dados foram comprovados em Sobral/CE, onde 75% dos consumidores da única farmácia da rede pública de saúde era do sexo feminino. Tais dados merecem uma reflexão a respeito do que está permeando esse tipo de prática na vida das mulheres.

Simões e Farache Filho (1988), em estudo sobre o consumo de medicamentos em uma região do estado de São Paulo, também observaram uma maior percentagem para o sexo feminino do que para o masculino: 23,5% e 16,5%, respectivamente, quanto ao uso com prescrição. Para o uso sem prescrição, a diferença mostra-se mais acentuada na faixa dos 20 aos 49 anos, em que aparece o percentual de 20,8% para o sexo feminino e 8,1% para o masculino.

A introdução dos BZD no mercado ocorreu no início da década de sessenta, e coincidiu com o aumento das drogas psicoativas como um todo (Soares et al, 1991). Substituíram, nessa década, praticamente todas as drogas utilizadas no tratamento da ansiedade – barbitúricos, meprobamato, hidrato de cloral e outros – que provocavam sérios efeitos colaterais. Mostraram-se muitos superiores a todos esses agentes ansiolíticos predecessores, sendo menos tóxicos, com menor potencialidade de provocar acidentes fatais e ainda com menor tendência para produzir tolerância farmacológica4 (Karniol et al, 1986). Foi exatamente essa segurança que criou uma certa irresponsabilidade generalizada no uso dos BZD, tanto por parte dos médicos, quanto dos pacientes e laboratórios, a partir da década de setenta.

Tais drogas, que antes apareciam como coadjuvantes no tratamento, hoje assumem o papel central, com o status de cura em si mesmas. Essa cura, porém, representa apenas a eliminação de sintomas que afligem seus usuários. Atualmente há grande competição de vários tipos de marcas, as quais anunciam suas vantagens cientificamente provadas e suas ações sobre os sintomas.

No que se refere às indicações na prática médica, há uma concordância geral de que os BZD devem ser usados no tratamento da ansiedade em curto prazo, não devendo exceder de dois a quatro meses, exceto em casos muito especiais. No entanto, o que se vê na prática é a continuidade de um uso que vai além de uma finalidade específica, e com um tempo indeterminado, em que o medicamento passa a ocupar um lugar fundamental e imprescindível na vida de muitos indivíduos. Isso ocorre porque o medicamento, ao eliminar os sintomas da ansiedade, passa a ser visto como a maneira mais fácil e rápida de enfrentar os problemas do cotidiano.

Quanto às conseqüências do seu uso indiscriminado, muitos autores afirmam que o uso de BZD de maneira inadequada é capaz de trazer mais malefícios do que benefícios à saúde, pois são substâncias que apresentam também efeitos indesejáveis. Pepe, Rosenfeld e Baesso (1991) e Rocha (1992), afirmam que grande parte dos efeitos colaterais é devida à depressão do sistema nervoso central (SNC), como é o caso da sonolência, sedação, fadiga, visão turva, comprometimento da performance psicomotora, dificuldade de memória e comprometimento intelectual. Isto faz com que o desempenho de tarefas que exigem maior habilidade, vigilância e reflexos rápidos pode estar comprometido.

A literatura sobre esse assunto afirma que nos dias de hoje a principal classe de medicamentos com potencial para ocasionar dependência física e psicológica é a dos BZD. Esse fenômeno é classicamente definido como uso continuado da medicação, mesmo após a resolução dos sintomas. Sougey et al (1987) afirmam que a dependência aos BZD está associada a dois principais fatores: longa duração do uso e altas doses do produto5. Em função disso, muitos autores recomendam uma campanha educativa entre os médicos, inclusive entre os psiquiatras, que possibilite um uso mais racional dos BZD.

Outro fenômeno decorrente do abuso de BZD é a síndrome de retirada ou síndrome de abstinência, um desconforto gerado pela sua retirada abrupta, e a tolerância, que se caracteriza pela utilização de doses cada vez maiores para obtenção dos efeitos anteriormente obtidos com doses menores. São distúrbios fisiológicos, sérios que muitas vezes comprometem a vida de quem utiliza esses medicamentos indiscriminadamente.

Oliveira (2000) discute mais profundamente o conceito de dependência, ampliando seu olhar para a dimensão social desse fenômeno. Segundo essa autora, “a dependência deve ser vista dentro da perspectiva cultural e socialmente determinada, que envolve uma variedade de significados e funções, independentes das seqüelas fisiológicas que muitas definições apresentam” (p. 72). Sua pesquisa com mulheres usuárias de Diazepam aponta para a necessidade que elas têm em relação a algo ou alguém: “é um grupo que precisa de muitas coisas: emprego, educação, moradia, salário justo, respeito, acolhimento, reconhecimento e solidariedade” (p. 72). Ela afirma que essas mulheres vivem em um estado de dependência psicológica e social bem mais grave do que o estado de dependência aos tranqüilizantes.

Os serviços de saúde, de forma geral, funcionam regidos por uma lógica que estimula o uso abusivo de medicamentos. Reações e efeitos como os acima citados são menosprezados, como se não estivéssemos lidando com vidas humanas, com direito à preservação da saúde. Além disso, os medicamentos ora em pauta estimulam uma postura passiva do usuário diante daquilo que provoca seu sofrimento, e podem impossibilitá-lo de usar seus próprios recursos contra as adversidades que oacometem. É possível que os ansiolíticos transformem-se em um verdadeiro ópio social, mascarando os sintomas emocionais, enquanto o contexto social continua inalterado, ou generalizando diferentes distúrbios e protelando o diagnóstico correto da doença subjacente.

Barros (1995) afirma que o fenômeno da medicalização foi reforçado duplamente: pelo raciocínio mecanicista e pela lógica capitalista de mercado. Como conseqüência dessa lógica, todos os bens e serviços de saúde passaram a ser considerados mercadorias, que devem gerar lucro. Segundo ele, uma das conseqüências mais significativas do incremento da medicalização é a intensificação da dependência:

As pessoas pretendem, cada vez com maior freqüência, resolver seus problemas – sejam ou não susceptíveis de serem classificados como “problemas médicos” – recorrendo aos serviços oferecidos pelo sistema de saúde. Isto não somente levou a uma hipervalorização do papel da Medicina e de seu instrumental tecnológico, mas provocou, igualmente, progressivo aumento da perda da capacidade das pessoas na conquista de alternativas para a resolução de problemas amiúde vinculados a fatores de ordem extramédica (p. 32-33).

À medida que o medicamento assume essa conotação de mercadoria, assume também, de acordo com Barros (1983), um duplo papel, ao satisfazer ao mesmo tempo os interesses do capital, e do modelo de saúde hegemônico que orienta a prática médica. A partir da idéia generalizada de solução, ele satisfaz as expectativas do paciente e do profissional, quando da prescrição, momento que se transformou na parte mais importante da consulta.

Dessa forma, deixa-se de ter uma visão ampla dos problemas e de seus determinantes, resultando na crença generalizada de que não parece ser possível enfrentar a doença sem a presença do arsenal terapêutico oferecido pelo sistema médico-industrial. Tudo isso serve para diminuir as possibilidades de utilização de outras alternativas no enfrentamento das enfermidades, principalmente as relacionadas aos aspectos psicológicos e sociais da vida do indivíduo.

Além da concepção de mercadoria, o medicamento também pode ser visto como símbolo de saúde, de acordo com Lefèvre (1983). Isso se dá em função do organismo humano ser visto como sede da saúde. Segundo esse autor, por meio dessa visão “biologizada” da saúde, é possível propor como “solução” o consumo da mercadoria remédio. A visão do medicamento como símbolo de saúde, a partir de uma concepção biologizada do processo saúde/doença, pressupõe que a enfermidade seja considerada como um fator orgânico, a ser enfrentada com o medicamento.

A noção (reificada) de saúde, que geralmente está presente na ótica desse autor, é de um estado orgânico, e o medicamento contém em si esse estado orgânico. Segundo Lefèvre “os medicamentos são imitações da vida enquanto fato orgânico, pedaços de vida orgânica (sono, tranqüilidade, potência sexual etc) comprimidos em um comprimido, ou em uma gota, ou em um xarope” (1983, p. 60). Concebida dessa forma, a saúde está à venda no mercado como uma mercadoria qualquer, por isso ela pode ser entendida em nossa sociedade como uma constelação de mercadorias produtoras de saúde. Essas mercadorias incorporam em si a saúde, passando a representá-la e a simbolizá-la; por outro lado, procuram apagar a doença como indicador ou sintoma de problemas, tanto no âmbito pessoal como no social (Lefèvre, 1987).

 

O modelo de atenção no sistema de saúde e a relação com o uso de ansiolíticos

Nosso objetivo, neste item, é fazer uma breve discussão a respeito do modelo de atenção à saúde, hegemônico no Brasil. Especificamente no serviço público de saúde, deparamo-nos com o problema dos atendimentos, que se mostram cada vez mais ineficazes, perpetuando situações que estão longe de proporcionar melhor saúde para quem necessita desses benefícios.

O Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser considerado como umadas principais inovações da reforma do Estado brasileiro. É fruto de um amplo processo de discussão em relação à situação de saúde do país, que envolveu o governo, profissionais de saúde progressistas e a população. A VIII Conferencia Nacional de Saúde, ocorrida em 1986, representou um marco na luta pela melhoria do sistema de atenção à saúde no Brasil, na medida em se constituiu como espaço de negociação e definição do SUS como política nacional.

Este sistema de saúde pode ser traduzido por um conjunto de ações, serviços e unidades que se integram, visando atividades de proteção, promoção e recuperação da saúde. Tem como princípios fundamentais a universalidade da assistência, a integralidade das ações e o controle social, dentre outros. Além disso, está fundamentado em uma perspectiva ampliada de saúde/doença, a qual tem como fatores determinantes e condicionantes, por exemplo, a alimentação, o saneamento básico, as condições de moradia, educação, trabalho, lazer etc, de forma que os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica a que está submetida. O SUS propõe um novo modelo assistencial que supere a divisão entre individual/coletivo, privado/público, biológico/social, curativo/preventivo, que fundamenta o modelo biomédico, bem como novos processos de trabalho orientados por equipes multiprofissionais, novas formas de gestão e controle dos serviços de saúde. A estratégia do Programa de Saúde da Família (PSF) foi construída para materializar todo esse ideário voltado para a produção social da saúde, entendida como qualidade de vida.

Observamos que ao longo dos últimos anos muitas dificuldades se impuseram contra a consolidação do SUS e a realização prática dos seus princípios gerais na maior parte do território nacional, principal-mente porque isso requer mudanças estruturais e institucionais, ainda não alcançadas completamente. Dentre essas dificuldades, podemos citar o predomínio político-ideológico do neoliberalismo, o desfinanciamento do setor saúde, o sucateamento das instalações e equipamentos, a falta de vontade e decisão políticas, a ausência de participação popular, de organização dos serviços, a inadequação da formação profissional etc – que se constituem como barreiras para o processo de transformação da saúde pública.

Isso não quer dizer que inúmeros municípios brasileiros não tenham avançado na implantação de ações baseadas nos princípios do SUS. Porém, o que predomina no país é o modelo biomédico, que fundamenta práticas – na maioria das vezes inadequadas ao perfil e às necessidades de saúde da população – e alimenta o sistema vigente, já que reforça a dicotomia saúde/doença, o que implica em uma atuação restrita, voltada exclusivamente para a enfermidade.

Esse modelo constitui o alicerce conceitual da moderna medicina científica, guiando e fundamentando as práticas referentes à saúde. Ele é basicamente condicionado pelo paradigma cartesiano, “que opera como se todos os entes constituíssem mecanismos ou organismos, sistemas com determinações fixas, condicionada pela própria posição de seus elementos” (Paim e Almeida Filho, 2000). Essa rígida estrutura conceitual considera o corpo como uma máquina, que pode ser completamente entendida em termos da organização e do funcionamento de suas peças. Conseqüentemente, leva a uma abordagem técnica de saúde, na qual a doença é reduzida a uma avaria mecânica, e a terapia médica à manipulação técnica.

Sem dúvida, a rigorosa divisão cartesiana entre corpo e mente concentrou a prática médica na “máquina” corporal, e negligenciou os aspectos psicológicos, sociais e ambientais da doença. Essa concepção mecanicista faz com que a medicina concentre-se em partes cada vez menores do corpo, e perca de vista o paciente como ser humano integral. Reduz-se a saúde a um funcionamento mecânico e, com o enfoque técnico de saúde, há a crença de que a cura da doença requer alguma intervenção externa, como a do médico, que pode ser física (por meio de cirurgia ou radiação), ou química – por meio de medicamentos (Capra, 1982). Essa visão não contempla o potencial curativo do paciente nem seu processo de busca de equilíbrio.

A construção da assistência à saúde no Brasil foi alicerçada sobre bases que negam um compromisso com o indivíduo, não considerando aspectos que são essenciais à atenção em saúde. Assim, o que se presencia é uma assistência à saúde ineficaz e com pouca resolutividade. Aos que têm um melhor poder aquisitivo, a assistência transformou-se em uma mercadoria paga, imputando à saúde um valor de mercado, pela qual quem pode paga e quem não pode permanece sem uma assistência adequada. Segundo Oliveira (2000), uma das conseqüências desse modelo excludente é a dependência das pessoas, que passam a crer que a solução de seus problemas de saúde está diretamente vinculada ao consumo do arsenal médico-industrial disponível no mercado.

Esse modelo de assistência à saúde está relacionado com a forma neoliberal de produção dos serviços de saúde no nosso país. De acordo com Campos (1992), seu funcionamento reproduz a forma mecanicista da prática, a qual sobrevive articulando interesses empresariais com os de amplas parcelas de profissionais de saúde, principalmente médicos e dentistas. Assentada nos moldes das concepções do modelo neoliberal, a prática de atendimentos na saúde pública é voltada para a assistência individual. Como exemplo disso, temos o incentivo ao aspecto quantitativo: a produtividade traduzida em números de procedimentos realizados6.

Tendo em vista que a mulher aparece como grande consumidora dos serviços e bens de saúde, notamos que ela está à mercê de um atendimento longe de ser adequado para a resolução de seus problemas.

Autores como Fonseca (1999) e Oliveira (2000) mostram que os serviços de saúde geralmente se organizam para atender a mulher no seu ciclo gravídico-puerperal, como no acompanhamento pré-natal, assistência ao parto e puerpério, e mesmo assim de forma deficiente. Verificamos, então, que o sistema de saúde, da forma como funciona, não atende às especificidades da mulher, na medida em que está voltado somente para os aspectos físicos e biológicos, sem levar em conta sua subjetividade. Não se percebe que as queixas recebidas – na maioria das vezes expressas por sintomas físicos ou psíquicos – são decorrentes de problemas econômicos e sociais, de desajustes familiares, dentre outros, e devem ser entendidas de uma maneira mais abrangente. Sem saber lidar com esses problemas, lança-se mão da medicação como único recurso disponível e de fácil acesso.

Analisando os discursos dos médicos prescritores de Diazepam, Oliveira (2000) conclui que esses profissionais:

Comprovam que as pessoas de classes baixas e vitimadas por injustiças sociais utilizam o Diazepam como um amortecedor social, já que não há políticas efetivas, e para essas classes sociais é restrito o acesso aos bens sociais, entre os quais se inclui uma assistência de qualidade à saúde (p. 107).

A autora afirma também que os critérios adotados pelos profissionais médicos para prescrição desses medicamentos são frágeis, estimulados por um sistema de saúde que sempre priorizou o lucro, deixando para segundo plano o sujeito em sua totalidade. Segundo ela, “medicar o sofrimento e a dor do dia-a-dia, impregnados de problemas sociais, com tranqüilizantes, é uma saída encontrada por um grande contingente de médicos, que se mostram passivos e coniventes com um adoecimento individual e coletivo” (Oliveira, 2000, p. 108). Dessa forma, podemos dizer que a abordagem mais freqüente na saúde se distancia do que se entende por cuidado, ou seja, uma prática terapêutica não prescritiva, nem moralizante, mas acolhedora e para além do sintoma.

 

A perspectiva de gênero e a questão do uso de ansiolíticosentre as mulheres

“Pois a verdadeira doença não é estar doente, mas na
cura, possuir remédios que ainda pertencem à doença”
(Lapoujade, 2002, p. 85)

Fazer referência às relações de gênero também se faz necessário para uma compreensão mais abrangente a respeito do uso excessivo de ansiolíticos, uma vez que as mulheres aparecem como as maiores consumidoras desse tipo de medicamento, de acordo com Bucher (1992), Barros (1983), dentre outros. Tendo em vista que essas relações identificam o tipo de vinculação social que se estabelece entre homens e mulheres, podemos considerá-las como sendo um elemento importante na determinação do comportamento apresentado. Indubitavelmente, as relações de gênero são permeadas por costumes e valores que determinam os papéis que cada um assume, havendo ligação direta com a formação da subjetividade e, portanto, com a forma de se ver e estar no mundo. Segundo Santana (2003):

O gênero possui uma perspectiva relacional que vai além da gramática. Ele existe para dar conta dos atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino e ao feminino, partindo do princípio que os lugares sociais e culturais de cada um são construídos como a relação de poder entre homens e mulheres, ou seja, hierarquicamente. Usar o termo gênero é, por princípio, rejeitar o biologismo determinista implícito no termo sexo, rompendo dessa forma com conceituações essencialistas (Oliveira, 1999). Ou, como diz Hirata e Kergoat (1994), o gênero é o sexo social que tem no aspecto relacional a sua maior característica (p. 50).

O aspecto que queremos destacar nesta discussão é o da divisão sexual do trabalho, pautada na separação do espaço público e da produção de bens como masculino, e o espaço privado, da reprodução, como feminino, o qual dá condições de esclarecer algumas questões a respeito da relação mulher-saúde. Sabemos que hoje a mulher ocupa um importante lugar no mercado de trabalho, e também tem uma participação política cada vez mais atuante. No entanto, também sabemos que as condições de emprego são muitas vezes precárias e desiguais em relação aos homens, assim como as remunerações. Além desses prejuízos, muitas mulheres assumiram um acúmulo de atividades, com dupla jornada de trabalho, contribuindo para o desenvolvimento de muitos problemas de saúde. Sem dúvida, é muito alto o preço pago pela mulher pela conquista de direitos básicos de cidadã, dado que colabora para o seu adoecimento. Dessa forma, a determinação do seu processo de saúde/doença está intimamente ligada às condições enfrentadas por elas em seu cotidiano, e às relações hierarquizadas de gênero – ou seja, relações de poder, de conflito e violência, seja na família no trabalho, ou nas instituições de saúde.

Diante do contexto atual, percebemos que ocorreram mudanças em relação às mulheres no decorrer do tempo, que resultaram em uma diversificação de suas necessidades de atenção. Porém, a assistência dirigida a elas não avançou, não acompanhou a complexidade de sua inserção na sociedade, e por isso, suas necessidades não estão sendo atendidas de forma contextualizada. A maioria das mulheres tem um cotidiano sobrecarregado de demandas e tarefas, que não é levado em conta no momento do atendimento, e o resultado é um número crescente de mulheres adoecendo e sendo submetidas ao uso de tranqüilizantes como forma de suportar as dificuldades de seu dia-a-dia.

Além disso, devemos considerar as concepções construídas social e culturalmente a respeito do que deve ser o comportamento do homem e da mulher, como determinantes para o consumo de ansiolíticos, que é resultado das diferenças nas relações de gênero presentes na sociedade. Oliveira (2000) analisa os discursos de médicos que atendem mulheres usuárias de Diazepam. Segundo essa autora, a justificativa desses profissionais para o uso do medicamento é baseada na seguinte concepção sobre a mulher, que não foge da que predomina na nossa sociedade: “Mais fraca, mais frágil, conseqüentemente necessita de maiores cuidados de saúde e vai em busca deles. São fracas, pois ficam em casa cuidando dos filhos, enquanto o homem é vislumbrado como mais forte, pois é quem traz o sustento da família” (p. 109).

A lógica expressa por esse profissional é de que a cachaça está para o homem assim como o Diazepam está para a mulher, ou seja, são vistos e utilizados como uma saída para muitos problemas. Dessa forma, a prescrição desse medicamento é justificada de maneira preconceituosa, como sendo coisa de mulher, baseando-se em valores machistas, que infelizmente ainda alicerçam as bases de nossa sociedade. Tendo em vista essa visão preconceituosa sobre as mulheres, o consumo de tranqüilizantes passa a ser encarado pela sociedade como algo natural. Na medida em que são vistas como fracas, é criada a necessidade de uso de alguma coisa que venha devolver-lhes o equilíbrio perdido, ajudando-as a se controlarem diante dos problemas do seu dia-a-dia.

De forma sucinta, queremos dizer que todas as relações sociais estão permeadas por questões de gênero e poder. Se pensarmos, de acordo com a perspectiva foucaultiana, na instituição de saúde como um espaço de disciplina e adestramento dos corpos, isto é, de investimento do poder, podemos entender as condutas padronizadas dos profissionais, a homogeneização das mulheres, e sua obediência às normas e prescrições no sentido da manutenção do status quo. Entre médicos e mulheres se estabelece, pois, uma complexa rede que articula classe, gênero e raça/ etnia – aspectos não aprofundados aqui – de forma a ser uma cadeia reprodutora de desigualdades e assujeitamento, de uma “verdade” que aprisiona a mulher e requer forte resistência no seu enfrentamento.

 

Resultados e discussão

Discursos das mulheres usuárias

Os dados sócio-demográficos das mulheres participantes desta pesquisa apontaram para o seguinte perfil: a idade variou entre 32 e 68 anos; são na maioria casadas; têm de um a três filhos; são originárias do interior do estado e têm incipiente escolaridade. São também, em grande parte, donas de casa ou trabalham fora do lar em atividades da economia informal – como vendedoras, faxineiras, artesãs, lavadeiras. A renda individual e familiar é muito baixa, variando entre um e dois salários mínimos. Utilizam o serviço público como único recurso para tratar da saúde, geralmente procurando esse atendimento uma a duas vezes por mês. Tais dados traduzem a dimensão singular, expressa no seu modo de vida, nos comportamentos e na forma de enfrentar as dificuldades impostas pelas suas condições, e isso repercute diretamente na maneira como se expressa o seu processo saúde/doença.

As queixas relatadas que motivaram o uso dos medicamentos psicotrópicos, segundo o relato das mulheres, são: insônia, nervosismo, dor de cabeça, dificuldade financeira, depressão, marido alcoolista. Esses fatores aparecem como pano de fundo e estão permeando o uso do medicamento em questão. Tais motivos refletem os problemas enfrentados por essas mulheres no seu dia-a-dia, os quais se traduzem em sintomas diversos, e em mal-estar, resultado de suas condições de vida, por pertencerem a uma camada social mais desfavorecida. Essas condições, a nosso ver, favorecem de forma decisiva o uso desse tipo de medicamento.

Os motivos apontados fazem parte de seu cotidiano e resultam em reações que traduzem a não suportabilidade às condições de sobrevivência impostas. Dessa forma, o medicamento aparece ocupando a função de um importante instrumento para o equilíbrio emocional. Algumas queixas aparecem nos discursos a seguir:

“Tomo o medicamento quando estou sentindo fortes depressões, muita dor de cabeça, aí eu começo a me assustar. Eu acordo à noite como quem tenha tomado um susto, como se tivesse acontecido alguma coisa, eu acordo toda me tremendo, assustada, mesmo sem ter havido nada” (usuária de 68 anos).

“Se eu não tomar penso que vou ficar doente, que não vou dormir mais, por isso não vou deixar de tomar nunca, só quando morrer” (usuária de 43 anos).

Podemos notar que há um significado particular atribuído ao uso desses medicamentos, relacionado à vivência subjetiva das situações de desconforto ou desequilíbrio emocional, e também à impotência diante dos sintomas apresentados, muitas vezes devido à falta de compreensão dos mesmos. Podemos perceber a presença do fenômeno da dependência, tanto fisiológica quanto psicológica, e a visão do medicamento como símbolo da tranqüilidade que elas necessitam.

O tempo de uso dos medicamentos na amostra variou de quatro meses a dezenove anos, mostrando que há usos crônicos com clara dependência, e casos recentes de uso. Sete das dezesseis mulheres entrevistadas utilizam-nos de um período de quatro meses a quatro anos; seis delas, de oito a onze anos; três usam de quinze a dezenove anos. Isto significa que o medicamento passou a ocupar um lugar imprescindível na vida dessas mulheres, principalmente daquelas que o utilizam há longo tempo.

Oliveira (2000), ao analisar a questão do tempo em sua pesquisa com mulheres usuárias de Diazepam, afirmou que os dados revelaram a maneira como esses casos são tratados no serviço de saúde, em que não há um acompanhamento sistemático das pacientes por parte dos médicos. Com isso eles perdem de vista essas mulheres, que passam a utilizar tais medicamentos por longos períodos, o que constitui um grave risco para a saúde. Há um consenso na literatura especializada que os BZD deveriam ser administrados durante um período que varia entre duas a doze semanas, e ser retirado gradualmente. No entanto, não parece ser isso o que acontece no âmbito da saúde pública.

Os dados expostos revelam um quadro de enorme gravidade, no que se refere à medicalização da mulher, com utilizações crônicas, que podem trazer conseqüências graves para a saúde. De fato, é no mínimo assustador que seis (das dezesseis mulheres entrevistadas) utilizem drogas desse tipo por um período que abrange de dez a dezenove anos. Infelizmente, essa é uma realidade presente, também de forma crônica, nos serviços públicos de saúde do nosso país.

As expectativas criadas pela maioria das mulheres são de melhora dos sintomas, como dormir melhor, ter tranqüilidade, ficar calma, relaxar, melhorar dos nervos, melhorar da cabeça. De fato, o discurso dessas mulheres usuárias revela um poder extraordinário atribuído ao medicamento, que vai além de possibilidades reais e concretas, como reflete a visão de duas mulheres nos relatos abaixo:

“Sem ele eu não vivo entende? Para mim só tem ele que é a minha calma (...) Me sinto outra pessoa quando eu tomo o medicamento” (usuária de 43 anos).

“Eu tomo, pois tomando ele eu acho que eu vou ficar boa desses troços que eu tenho. Quando eu páro de tomar é aquela tristeza, aquele desânimo, eu não tenho ânimo para nada, eu fico sem forças” (usuária de 45 anos).

“Eu acho que ele seja uma companhia para mim, entende? (...) é como se fosse uma arma para mim, eu estou segura com ele” (usuária de 58 anos).

Os discursos apontam o medicamento como algo que representa a força, a segurança perdida, a coragem para enfrentar o dia-a-dia oufazer sumir os problemas. É atribuído um sentido que extrapola os propósitos que esse recurso dispõe.

Outro relato dessa usuária aponta para mudanças no comportamento, para que o mesmo venha a ser “normal” e socialmente aceitável:

“Tomo é para me comportar em qualquer lugar, pois sou muito agitada. É para ficar tranqüila a ponto de eu conseguir arranjar trabalho, levar uma vida normal, ter uma normalidade... Eu queria trabalhar, ter uma vida própria, eu dependo dos outro”.

Nessa direção, notamos nesses relatos a indicação de algo perdido: a tranqüilidade, a normalidade, que são devolvidas pelo medicamento. O que ficou no lugar da saúde natural perdida foi a saúde artificial, ou seja, o medicamento. Essa expressão parece demonstrar a idéia de obtenção de outro estado para si, que é dado por meio do medicamento, o que lhe confere um alto grau de eficiência e eficácia simbólicas. Na interpretação de Lefèvre, “Eficácia simbólica é então o ‘resultado’ do símbolo, a prova de que o significado do medicamento é mesmo igual a ‘saúde’. Eficiência simbólica diz respeito ao processo de obtenção da saúde” (1991, p. 90).

De uma maneira geral, ele vem preencher a falta de alguma coisa, que muitas vezes essas mulheres não conseguem identificar claramente o que é. O fato é que uma prótese química é o único recurso de que dispõem para que haja uma garantia de continuidade de vida, na medida em que por meio do medicamento lhes é assegurado um certo grau de estabilidade para o enfrentamento dos problemas cotidianos. Podemos perceber que o ansiolítico utilizado de forma crônica passa a ter um sentido para essas mulheres, que se expressa sob a forma de necessidade. Por isso, o uso desse medicamento representa, para muitas delas, algo imprescindível no enfrentamento de seus problemas, o que justifica a continuação do comportamento de adição. O ansiolítico funciona, portanto, como um vigia permanente do desespero dessas mulheres, renovado a cada dia, passando a ser um instrumento na luta contra suas angústias e desequilíbrios emocionais provocados pelas situações geradoras de tensões. Ao ingerir o ansiolítico, elas esperam que o medicamento venha, de alguma forma, agir sobre suas realidades e trazerlhes uma sensação de segurança. Junto com suas carências aparecem sentimentos de preocupação e ansiedade, que são amenizados pelo uso do medicamento.

Ao serem investigadas a respeito das melhoras obtidas a partir do consumo, confirmou-se a predominância dos aspectos positivos do medicamento. Doze das dezesseis mulheres afirmaram que sua saúde melhorou. Elas se referiram a melhoras dos sintomas que as incomodavam. Em suas falas, referiram-se a mudanças como: dormir melhor, acalmar-se, tranqüilizar-se, relaxar, passar a dor de cabeça, entre outros. Três responderam que o medicamento resolveu em parte o que as incomodava. Apenas uma das usuárias afirmou não ter havido nenhuma melhora com o uso do medicamento, o que indica uma não resolutividade por meio do ansiolítico. Alguns relatos podem esclarecer esse aspecto:

“Resolveu muito, eu era desesperada, chorava direto” (usuária de 58 anos).

“Quando eu não tomava sentia muita dor de cabeça, descontrolava a minha vida. Com ele mudou porque eu tomo conta da minha casa direito, dos meus filhos, resolve as minhas coisas” (usuária de 38 anos).

Vale lembrar que muito desses discursos colocam a eliminação dos sintomas como sinônimo de solução dos problemas – para tanto, muitas vezes o medicamento é visto como determinante principal. Percebemos uma posição de alienação e submissão ao ansiolítico, o que pode deixá-las desatentas aos efeitos colaterais que podem ocorrer – sonolência, sedação, fadiga, visão turva – os quais levam ao comprometimento de tarefas que exigem maior concentração e reflexos rápidos. Talvez esses sinais sejam interpretados como algo positivo, e sentidos como “ter o corpo relaxado”, “ficar calma” etc. Além dis-so, a sensação de que o medicamento “transforma em uma outra pessoa” – dito por uma usuária anteriormente – indica o quanto esse objeto, na sua concepção, é capaz de eliminar aspectos indesejáveis, negativos, presentes em si mesma.

Tentamos investigar a auto-medicação entre as mulheres entrevistadas, perguntando-lhes se haviam sido aconselhadas por alguém, que não o médico, a usar esse tipo de medicamento, ou se haviam usado o de outra pessoa. Percebemos uma obediência à orientação do médico sobre as prescrições, e um certo receio de que o uso sem orientação viesse a fazer mal.

Esses dados vêm reforçar os já existentes a respeito dos medicamentos ansiolíticos. Dentro da população estudada, nota-se claramente sua função predominante de instrumento de alívio do mal-estar, sem levar em conta aspectos variados e abrangentes que determinam a saúde física e emocional da mulher usuária. A forma como sua saúde é vista e tratada – uma visão biologizada que elege o medicamento como recurso principal – faz com que os problemas emocionais decorrentes de fatores variados sejam também vistos e tratados de maneira restrita.

 

Discurso dos médicos

Nas entrevistas com os profissionais tentamos buscar sua visão a respeito desses medicamentos e da usuária, das queixas recebidas, do tratamento proposto, da eficácia do remédio e da dinâmica existente na relação entre eles e as usuárias. Constatamos algumas semelhanças entre as entrevistas desses profissionais.

As queixas trazidas pela mulher usuária, segundo eles, referem-se a sintomas de angústia, choro, irritabilidade, insônia, palpitações, tremores, labilidade emocional, problemas familiares. De acordo com a visão dos médicos, são decorrentes de problemas de ordem econômica e social, como marido desempregado, filhos para criar, problemas no emprego, alcoolismo na família, doença na família, morte etc. O seguinte relato de um médico retrata uma visão bastante comum entre a categoria:

“O problema é social, não tem nada a ver com saúde. É mais problema social. Ela tenta se esconder atrás de um calmantezinho. O problema é de família, de desemprego. Se não tivesse nada disso, com certeza não ia tomar calmante, não ia ter insônia, não ter nada disso”.

Podemos perceber que mesmo apontando para um aspecto importante, que é o social, ocorre mais uma interpretação limitada diante das queixas, ou seja, o social aparece de uma forma naturalizada, na medida em que é identificado como algo dado na vida dessas mulheres, estabelecendo uma relação de causa e efeito, desconsiderando a subjetividade da mulher usuária no processo, e sua maneira singular de viver tal realidade. Com efeito, ao analisarmos o problema do uso indiscriminado de ansiolíticos, não podemos desconsiderar os elementos que dizem respeito à subjetividade de cada uma das mulheres e das relações que estabelecem com o contexto no qual estão inseridas. Fica claro que no modelo de assistência oferecido, é dada pouca importância à individualidade das mulheres usuárias de ansiolítico, desconsiderando seu sofrimento e suas angústias como fatores fundamentais para desencadear problemas de saúde. Isto não significa que o profissional não tem consciência da existência de tais aspectos: o problema é que a sua prática não se amplia para que esses aspectos venham a ser contemplados.

O resultado do atendimento são diagnósticos que ignoram importantes elos, que não se encaixam na interpretação limitada do médico, muito embora nos relatos haja elementos riquíssimos, que se fossem considerados, poderiam favorecer uma interpretação mais real do sintoma apresentado.

No tratamento proposto, o tempo de retorno da usuária ao serviço varia de um mês a dois para acompanhamento e avaliação do tratamento, como mostram os seguintes relatos:

“Só passo medicação para um mês, que é para tentar, é aquela vigilância bem próxima para ver se consigo soltar ela da medicação”.

“Eu procuro marcar, agendar que ela venha com dez dias, quinze dias, só que a maioria não vem. Elas usam o remédio e estão se sentindo bem e vêm quando o remédio acaba né?”

No entender desses profissionais, muitas usuárias podem ser consideradas como dependentes dos medicamentos analisados. Mesmo consciente do problema da dependência ou de sua possibilidade, o médico não consegue evitar que ela muitas vezes ocorra. A nosso ver, isso acontece como conseqüência da mesma posição adotada em relação à saúde da população assistida, ou seja, o profissional quase sempre recorre à prescrição de tais medicamentos como único meio de enfrentamento dos problemas apresentados por tais mulheres.

Por outro lado, o medicamento representa, na relação médico/ usuária, o poder que esse profissional exerce, na medida em que é ele “quem sabe o que é bom” para a paciente. Nessa relação existe geralmente uma submissão cega ao saber e à figura do médico como autoridade que não pode ser colocada em dúvida, principalmente se o profissional é aquele que a acompanha há muito tempo.

Notamos que no atendimento prestado a essas mulheres há uma preferência por uma solução mais rápida e menos trabalhosa – a prescrição de ansiolíticos – e que desconsidera as causas das perturbações apresentadas. A forma indiscriminada de uso dessas drogas estaria, na visão de Wortmann et al (1994), subestimando a capacidade dos indivíduos em lidar com situações adversas, comuns aos processos vitais. Por esse motivo, achamos que devam ser direcionadas ações que possibilitem uma discussão sobre os motivos que estimularam o consumo indiscriminado do ansiolítico, pois o modo como as mulheres usuárias são acolhidas não oferece uma intervenção de cunho mais conscientizador.

Percebemos também, de forma clara, uma relação de poder estabelecida pelo complexo médico-industrial sobre a mulher usuária, por meio da imposição do medicamento, que como foi mostrado, tem no médico seu maior representante. Este, por sua vez, ancora-se no modelo de saúde vigente, que não permite uma postura diferenciada frente aos problemas de saúde, a não ser por meio do ato de prescrever. Além disso, a figura do médico é vista e tratada como uma autoridade, com um saber inquestionável e inabalável, a quem se deve respeito e obediência. Por outro lado, o saber da usuária é desconsiderado por esta, o que faz com que a palavra e o conhecimento de si sejam oferecidos ao médico, que visto como onipotente, saberá fornecer a solução mágica para seu problema.

Dois dos oito médicos entrevistados disseram preferir encaminhar para o especialista (psiquiatra) a paciente que procura o serviço pela primeira vez querendo a receita do remédio. Acham que esse profissional tem mais condições de julgar a necessidade ou não do uso. No entanto, um deles afirmou renovar a receita de usuárias que começaram o tratamento com o psiquiatra, contribuindo para a perpetuação do uso.

Outra questão colocada para os profissionais médicos diz respeito à eficácia dos medicamentos ansiolíticos. A visão deles é que o remédio é apenas um paliativo ou um coadjuvante de crises mais agudas. Parecem ter consciência de que o mesmo não resolve o problema apresentado, mas apenas alivia os sintomas a ele relacionados. No entanto, o que predomina em sua prática é a prescrição, mostrando que a mesma está tão impregnada na clínica e na cultura médica, que o profissional não consegue atuar de maneira diferenciada.

Podemos perceber que tanto o médico quanto o paciente são convertidos às normas de atendimento e tratamento do modelo hegemônico, e ao mesmo tempo convertidos às normas sociais da classe dominante. Em função disso, devemos atentar para o caráter ideológico das práticas educativas em saúde (ensinamentos dos médicos sobre cuidados com o corpo, com a saúde, com a prevenção e tratamento das doenças).

Para Ramos et al “tais práticas baseiam-se nas teorias que tomam a educação como instrumento, seja de adaptação à ordem social, seja formando ‘boas consciências’, bons cidadãos para, assim, aperfeiçoar a sociedade”. Segundo eles, a educação em saúde “teria por função mudar comportamentos, crenças e atitudes prejudiciais à saúde, man-tendo a população no interior das normas estabelecidas pela ordem médica” (1989, p. 151). Isso se traduz em uma forma de ocultar as contradições presentes nas relações sociais.

Investigamos ainda com os médicos que outros recursos poderiam ser utilizados quando o medicamento apresentasse limites. Houve uma opção unânime para a psicoterapia, que segundo eles seria uma outra forma de ajudar essas mulheres. Geralmente as encaminham por conceberem os problemas emocionais e comportamentais como não tratáveis na sua área de atuação, a não ser por meio do medicamento. Apenas um dos profissionais entrevistados ressaltou a importância do diálogo do médico com o paciente, em que este deve ser um “conselheiro para os problemas familiares do paciente”. A opção de encaminhar para o psicólogo não se configura apenas como uma outra forma de ajudar tais mulheres, mas demonstra também a falta de preparo desse profissional para acolher as pacientes, mostrando-se incapacitado em ouvir queixas que não estejam relacionadas a sintomas do corpo.

 

Considerações Finais

Podemos apontar algumas conclusões a respeito da dinâmica existente na relação médico/usuária: o profissional até consegue ter uma visão ampla dos problemas da mulher usuária dos medicamentos ansiolíticos, na medida em que os reporta aos aspectos sociais e econômicos determinantes, mas restringe a questão apenas ao aspecto social. Isso foge da sua possibilidade de atuação, pois no entendimento da maioria desses profissionais, as questões sociais não lhes diz respeito. O social aparece de uma maneira totalmente naturalizada, como se todas as mulheres vivenciassem esses eventos da mesma forma, desconhecendo a marcação subjetiva que faz parte da vivência de cada uma e resultando em um entendimento limitado dela.

Reportando os problemas advindos dessas mulheres à questão social, esses profissionais acreditam que sua abordagem seja mais ampliada, mais contextualizada. No entanto, notamos que a descontextualização se perpetua, pois o significado particular que cada experiência representa para cada mulher não é escutado. Tal fato ocorre porque eles não levam em conta a subjetividade das usuárias, as questões que as mobilizam a usarem esses medicamentos, e assim acabam por atuar de forma reducionista.

É preciso considerar as questões relacionadas à cidadania e à subjetividade dessas mulheres como elementos importantes na análise que propomos. Para uma compreensão abrangente da problemática estudada, é preciso uma articulação desses elementos, como forma de apontarmos saídas consistentes, calcadas na realidade apresentada, e que visem uma transformação social. Podemos considerar que o lugar ocupado por essas mulheres – da não cidadania, da ausência de direitos, da exclusão social – contribui para que o medicamento adquira um significado importante, vital para elas. Torna-se necessário não perder de vista as implicações das relações sociais da mulher usuária na construção da sua subjetividade.

É preciso observar de que maneira a sexualidade, as relações assimétricas de poder entre o masculino e o feminino, a relação com as instituições de saúde, a divisão sexual do trabalho, a falta de oportunidades, entre outros, são importantes para uma melhor compreensão do fenômeno que envolve o uso de ansiolíticos.

Considerando esta realidade como profissional de saúde, podemos pensar de que forma, na nossa prática, seria possível romper essa linha de ação padronizada e massificada direcionada à mulher usuária do serviço público de saúde, e em especial à usuária de ansiolíticos. Como podemos colaborar, como trabalhadores comprometidos, para mudanças consistentes na assistência à saúde? Como podemos romper essa violência institucional, fundada em um modelo dominante, que acaba reforçando uma posição de submissão a esse aparato que é também político e ideológico? Tendo em vista tais objetivos, é necessário que mudemos de posição em relação à nossa prática profissional, e alteremos os pressupostos teóricos que a fundamentam. Importante investir na criação de condições, de espaços, para que possam ser adquiridas novas significações na postura dessas mulheres diante de seu processo saúde/doença. É preciso possibilitar uma expansão do seu campo subjetivo, a fim de que possam perceber de que forma se instaura seu adoecimento, e não somente atribuir a fatores externos esse adoecer, sem que haja uma compreensão do porquê do seu surgimento. Isso significaria uma tomada de consciência, no sentido de entender e procurar soluções para os próprios problemas que as fazem adoecer, tornando-as verdadeiros sujeitos de mudanças, o que seria resultante da construção de uma significação pessoal para suas queixas.

 

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Endereço para correspondência
Lúcia de Fátima Carvalho
Rua Monte Sinai, 1872 – Cidade Jardim
59078-360 Natal - RN
E-mail: lucifatima@uol.com.br

Magda Dimenstein
Av. Praia de Genipabu, 2100 / 1402/N – Ponta Negra
59094-010 Natal - RN
E-mail: magdad@uol.com.br

Recebido em 23/10/02
Aprovado em 24/04/03

 

 

Notas

I Psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Natal; Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN.
II Professora do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Psicologia da UFRN; Doutora em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ; Pesquisadora do CNPq.
1 Trabalho elaborado a partir da Dissertação de Mestrado intitulada Dependência química em mulheres: um estudo sobre consumo de medicamentos ansiolíticos no serviço público de saúde de Natal/RN, apresentada pela primeira autora e orientada pela segunda ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRN, 2001. Esse estudo contou com o apoio financeiro da CAPES.
2 Pelo levantamento bibliográfico realizado, percebemos que a maior parte dos estudos que discutem dependência de medicamentos entre mulheres tomaram como sujeitos de pesquisa populações que freqüentam o serviço público de saúde. Não foram encontradas pesquisas que abordassem esse problema entre mulheres que freqüentam o setor privado de saúde ou entre classes mais favorecidas. No entanto, gostaríamos de ressaltar que o uso indiscriminado de ansiolíticos não é característico de uma determinada classe social, estando presente na sociedade como um todo.
3 A pesquisa e a apresentação dos resultados seguiram rigorosamente as determinações éticas pautadas no consentimento dos sujeitos (usuárias e profissionais), e no sigilo das informações e identidade dos participantes.
4 Esse fenômeno se caracteriza pela utilização de doses cada vez maiores do medicamento para obtenção dos efeitos anteriormente obtidos com doses menores.
5 No entanto, esses autores afirmam que mesmo em doses terapêuticas, a dependência pode ocorrer.
6 Dimenstein (1998), tratando especificamente dos psicólogos na saúde pública, aponta para o fato de que há no serviço público “uma priorização do modelo assistencial individual, de forma que no cálculo rendimento-hora (produtividade/ incentivo SUS), não são considerados atendimentos em grupo, nem aqueles ligados à assistência indireta, como as visitas domiciliares, aos equipamentos sociais das comunidades” (p. 88).