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Interações

versão impressa ISSN 1413-2907

Interações v.9 n.18 São Paulo dez. 2004

 

ARTIGOS

 

Sexualidade na adolescência: um estudo sobre jovens homens

 

Sexuality in adolescence: studying young men

 

Maria Juracy Filgueiras ToneliI; Mariana Barreto VavassoriII

Universidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo tem como objetivo discutir as práticas sexuais e alguns valores a elas associados por estudantes do sexo masculino de ensino médio, entre 15 e 19 anos, em Florianópolis/SC. Na pesquisa sobre a qual se fundamenta a presente discussão foi utilizado questionário aplicado em sala de aula. Os resultados, analisados sob um enfoque de gênero, apontam mudanças e permanências no comportamento sexual dos jovens em relação às gerações passadas. Entre as permanências destacase a idéia de que o uso do preservativo masculino interfere no prazer sexual, e a justificativa de que seu uso não é necessário quando se confia na parceira.

Palavras-chave: Adolescência, Sexualidade, Gênero, Direitos sexuais e reprodutivos, Masculino.


ABSTRACT

This paper intends to discuss the sexual practices of and meanings associated to them by high school male students between 15 and 19 years old who dwell in Florianopolis, a state capital of southern Brazil. For this research a questionnaire was applied in the classroom. The outcomes, taking into consideration an analysis of gender, pointed to changes and continuities in sexual behavior in relation to past generations. Among the continuities, it is particularly worrying the belief that the use of condoms disturbs sexual intercourse, and that its use is not necessary when the boy trusts his partner.

Keywords: Adolescence, Sexuality, Gender, Sexual and reproductive health, Masculinity.


 

 

O interesse em estudar a presença dos homens no campo da saúde sexual e reprodutiva tem seu início em torno dos anos 80, em função de duas questões principais: o aumento da incidência da Aids, em especial no segmento constituído por mulheres casadas, e o papel que os homens exerceriam na regulação da fecundidade de suas parceiras, particularmente no que diz respeito aos riscos reprodutivos (Villa, 1998). A maioria dos estudos sobre os processos reprodutivos, no entanto, ainda considera a mulher como agente exclusivo da reprodução, subentendendo o papel dos homens como um adendo que possibilitaria bloquear decisões reprodutivas femininas e/ou um mero apoio à saúde da mulher (Villa, 2001).

Em alguns países latino-americanos, na década de 90, foram produzidos os primeiros trabalhos sobre as representações sociais da masculinidade e suas possíveis mudanças (Fuller, 1997; Valdés e Olavarria, 1997, 1998; Arilha, Ridenti e Medrado, 1998; entre outros). Destacam-se, progressivamente, os trabalhos no campo dos estudos de gênero, que em geral, a partir de uma perspectiva antropológica, começam a perspectivar a vida reprodutiva e a sexualidade como parte de uma construção relacional de identidades de gênero, situada social e historicamente (Arilha e Citeli, 1998; Arilha, 1999a, 1999b; Arilha, Ridenti e Medrado, 1998; Fuller, 2000; Lyra, 1997, 1998, 1999; Palma e Quilodrán, 1997; Villa, 1997, 1998, 2001; entre outros).

Figueroa-Perea (1999) discute as possibilidades de análise da presença masculina no campo da saúde reprodutiva. Segundo ele, uma das possibilidades de se explicitar a presença dos rapazes nos processos de saúde reprodutiva se dá pela necessidade de se promover a saúde das mulheres e dos filhos. Trata-se de uma análise que não considera os aspectos relacionados ao exercício de poder engendrados nas/pelas relações sociais e sexuais, a partir de uma ótica funcional que não questiona o objeto de estudo e intervenção.

Conforme o mesmo autor, a constatação da importância da participação masculina na esfera da reprodução implicou na necessidade de maiores investigações sobre os homens nesse processo, aumentando o número de estudos sobre o tema. Contudo, há subjacente a muitos deles a visão restrita de controle da natalidade, por enfocarem sobretudo as questões de anticoncepção e planificação familiar (Figueroa-Perea, 1998, p. 93). O que parece estar a descoberto, ou então pouco investigado, são os modos sociais de expressão da masculinidade e suas influências na forma como os homens se relacionam com sua sexualidade e com a reprodução.

Os resultados de pesquisas demonstram a manutenção do padrão da dupla moral sexual, em que a iniciação sexual dos homens é estimulada e a das mulheres é coibida (Parker, 1991; Lyra, 1997). Dados da Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde – PNDS/ Sociedade Civil de Bem Estar Familiar no Brasil – BEMFAM/96 (BEMFAM, 1999) por exemplo, demonstram que a diferença etária quanto à primeira relação sexual entre homens e mulheres ainda se mantém em torno de um a dois anos. No entanto, a experiência sexual pré-marital já é absolutamente freqüente na América Latina, e embora o uso de profissionais do sexo esteja presente, há mudanças em curso a esse respeito. No âmbito brasileiro, atualmente amigas(os) ou namoradas(os) são cada vez mais as(os) parceira(os) da iniciação sexual (BEMFAM, 1992, 1999; Comissão de Cidadania e Reprodução/CCR, 1995; Siqueira et al, 2001).

No caso específico da gravidez na adolescência, pode-se afirmar que esta tem se constituído objeto de investigações e intervenções nas duas últimas décadas de forma destacada, em virtude do aumento de sua incidência em todos os segmentos da população. No Brasil, no período de 1977-81, a taxa de fecundidade das adolescentes de 15 a 19 anos estava em torno de 87 por mil mulheres. Dez anos depois já havia se elevado para 97 por mil (BEMFAM, 1999; Camarano, 1998). Os dados mais recentes relativos a partos de nascidos vivos do SUS, que dizem respeito ao ano de 2001, apontam que dos 5.060 nascimentos ocorridos em Florianópolis, 32 (0,63%) são referentes a adolescentes de 10 a 14 anos e 854 (16,8%) de adolescentes de 15 a 19 anos (Ministério da Saúde, 2001). Em Santa Catarina, em relação à Aids, de 1984 a 1998, a distribuição proporcional dos casos notificados por sexo aparece da seguinte forma: da faixa etária de 10 a 14 anos, dos 9 casos notificados, 6 eram meninos e 3 meninas; de 15 a 19 anos, foram notificados 129 casos, dos quais 81 eram do sexo masculino e 48 do sexo feminino (Santa Catarina, 2000).

A situação dos adolescentes mostra-se particularmente preocupante na medida em que os resultados das pesquisas apontam a vulnerabilidade dos jovens no sentido da convivência com formas diversificadas de violência, bem como a inexistência e/ou fragilidade dos serviços de apoio à saúde e à educação. No caso da saúde sexual e reprodutiva, os programas continuam centrados nas mulheres, dificultando a discussão sobre as questões de gênero envolvidas nas negociações entre os parceiros – entre elas o uso do preservativo –, o que auxiliaria os adolescentes a exercerem sua sexualidade de maneira segura e apoiada (Siqueira et al, 2001; ONU, 1996).

O objetivo geral da pesquisa,1 e do próprio artigo, é estudar as práticas sexuais que adolescentes do sexo masculino de duas camadas sociais distintas, e moradores do município de Florianópolis, desenvolvem sobre a sexualidade. Por sua vez, os objetivos específicos são: a) identificar e analisar as concepções que esses adolescentes formulam sobre o exercício da sexualidade e as relações que estabelecem com eventuais parceiras(os); b) identificar e analisar a utilização ou não de métodos contraceptivos por parte desses adolescentes; c) identificar e analisar as concepções que esses adolescentes formulam sobre a gravidez e a paternidade nessa fase do ciclo vital; d) fornecer subsídios para programas públicos que atuem na área da Saúde Reprodutiva, e para profissionais em geral que trabalhem com essa faixa etária.

 

A pesquisa: sujeitos e procedimentos

Com o intuito de investigar como os adolescentes do sexo masculino de Florianópolis estão vivenciando suas práticas sexuais e reprodutivas, esboçou-se uma pesquisa que abordou os comportamentos de homens de 15 a 19 anos – faixa etária correspondente, segundo resultados de pesquisas compilados pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2001), como o período de maior incidência da iniciação sexual entre os homens. A idéia era a de constituir uma amostra com estudantes do nível médio das duas redes de ensino – pública e privada –, pais e não pais. No entanto, como a amostra foi constituída de forma aleatória, buscando paridade entre as redes, nenhum pai foi identificado no grupo investigado. O acesso aos adolescentes efetivou-se a partir da escola, mediado em geral pela orientadora educacional.

O instrumento utilizado para se obter as informações necessárias à investigação – questionário com questões abertas e fechadas – foi construído a partir de algumas estratégias fundamentais: 1) entrevistas preliminares com adolescentes por meio da estratégia de rede social, com o intuito de apreender sub-temas e termos específicos relacionados ao âmbito da vida sexual e reprodutiva dos jovens; 2) consulta à literatura especializada; 3) consulta a pesquisadores e profissionais experientes na área da sexualidade dos jovens; 4) teste piloto do instrumento junto a cinco turmas do ensino médio de duas grandes escolas públicas do município (n=85), que atendem a clientelas sociais distintas – camadas médias e médias inferiores.

Os questionários foram aplicados em sala de aula pelas auxiliares de pesquisa especialmente treinadas para essa finalidade. Na ocasião da aplicação garantia-se o anonimato e solicitava-se a assinatura do termo de consentimento esclarecido. As informações obtidas foram trabalhadas de forma estatística, verificando-se os percentuais e as médias simples. Obteve-se um total de 241 questionários considerados válidos, segundo os critérios de sexo, nível de escolaridade e idade. Ao final da análise, os resultados foram devolvidos a cada escola participante por meio da entrega do relatório e de palestras oferecidas às turmas de estudantes que colaboraram com a investigação.

 

Resultados

Os adolescentes investigados e seu contexto

Todos os estudantes investigados da escola privada freqüentavam o turno matutino (n=125). Nas escolas públicas (n=116) aproximadamente 67% estudavam à noite e 33% pela manhã. Quanto ao trabalho remunerado também se nota uma grande diferença entre os índices das duas redes: 14,4% dos estudantes da escola privada exerciam atividades remuneradas, e nas escolas públicas, 45,7%. Nestas, mais da metade daqueles que estudavam à noite também trabalhavam (56,4%), e 83% dos que trabalhavam estudavam à noite.

Na rede pública a distribuição das idades encontrou-se de certa forma equilibrada, com um pequeno destaque para os grupos de 17 e de 15 anos, maior e menor concentração, respectivamente 28,4% e 21,6%. A grande maioria (60,3%) cursava o 1º ano, seguida de 23,3% no 2º e 16,4% no 3º ano.

Já na rede privada, 53,6% freqüentavam a 2ª série, 41,6% a 1ª série e apenas 4,8% estavam na 3ª série. A maioria (82,4%) tinha entre 15 e 16 anos, e como era de se esperar em função da série em que estudavam, poucos foram os participantes com 17 e 18 anos (somente 23), correspondendo a 17,6%.

Quando comparados os níveis de instrução paterno e materno nas duas redes de ensino, verifica-se também uma significativa diferença: as mães de alunos da rede privada que possuem o nível universitário completo e/ou pós-graduação representam 53,6% do total. Na rede pública a faixa mais expressiva com relação à escolaridade materna é a do ensino fundamental incompleto, com 59,1%. Dos pais de estudantes da rede particular, aqueles que possuem nível universitário completo e/ ou pós-graduação totalizam 61%, enquanto na pública a maioria (48,6%) tem o ensino fundamental completo. Esses números demonstram que entre os investigados, a escolaridade de mães e pais de alunos da rede privada é mais alta, e a escolaridade dos homens/pais é maior que a das mães em ambas as redes.

Na rede pública a grande maioria dos adolescentes (83,3%) morava com sua família nuclear de origem, 12,1% com a família ampliada, dois com seus patrões, um sozinho e outro casado. Na rede privada a grande maioria (98,4%) afirmou morar com a família nuclear de origem, e os demais (1,6%) com amigos. Dois deles eram casados.

O que dizem os adolescentes sobre sua iniciação e práticas sexuais

No que diz respeito às práticas sexuais verificou-se que em ambas as redes de ensino o número daqueles que já “ficaram” com alguém corresponde à absoluta maioria (95,2% na rede privada e 97,4%, na pública)2 e a idade média em que tal evento ocorreu pela primeira vez é de 11 e 12 anos, respectivamente. Quanto aos limites das práticas para o que consideram “ficar”, o índice daqueles que responderam “transar” é consideravelmente maior nas escolas da rede pública (38%), comparado com 9,3% da particular. Nesta, a alternativa “até onde ela deixar” chega a 47,7%, enquanto na rede pública o índice correspondente é 19%.

Em relação à idade em que ocorreu a iniciação sexual dos adolescentes observa-se no gráfico abaixo que a curva referente à escola privada encontra-se mais concentrada, variando em um espectro de 12 a 17 anos, ao passo que a curva correspondente às escolas públicas, apesar de ter as maiores concentrações nas mesmas idades (14 e 15 anos), encontra-se mais dispersa, estendendo-se de 9 a 18 anos. O que se pode depreender a partir desses dados é que pode existir uma certa correlação entre nível de escolaridade, padrão sócio-econômico e idade de iniciação sexual.

Figura 1. Gráfico da idade de iniciação sexual dos adolescentes investigados.

As primeiras parceiras sexuais foram principalmente namoradas (24,2% e 37%), amigas (28,8% e 28,4%) e profissionais do sexo (13,6% e 3,7%). Destacam-se as diferenças entre os dois grupos no que diz respeito às parceiras namoradas e profissionais do sexo. No grupo da escola privada, oriundo das camadas médias, a iniciação sexual ainda acontece com profissionais do sexo em número maior do que o das escolas públicas (oriundo das camadas médias inferiores e populares). Na rede pública a porcentagem daqueles que se iniciaram sexualmente com a namorada é, por outro lado, consideravelmente maior do que na rede privada.

Em ambas as redes a maioria dos estudantes assinalou a casa da parceira como sendo o local da primeira relação sexual, correspondendo respectivamente a 28,8% e 46,3%. A casa do próprio adolescente ficou em segundo lugar (19,7% e 18,3%). A opção “casa de amigos” apresentou-se somente na rede particular (15,2%), ao passo que a alternativa “praia” correspondeu aos índices 9,1% na rede particular e 14,6% na rede pública.

O espectro das idades das parceiras na primeira relação apresentou-se de forma semelhante entre os dois grupos, ou seja, 12-37 anos na rede privada, e 12-38, na pública. As maiores porcentagens referem-se à faixa de 14 a 16 anos, como se pode perceber na figura 2 abaixo. Pode-se depreender que os adolescentes do grupo investigado, em sua maioria, têm sua iniciação sexual com parceiras de idade semelhante à deles, ou seja, adolescentes também.

Figura 2. Distribuição das idades da parceira na primeira relação sexual.

Questionados quanto a experiências com parceiros do mesmo sexo, o índice de respostas afirmativas foi de 1,7% na rede particular e 4,3% na rede pública. Entretanto, é possível pensar que estes números podem não ser representativos do total dessas experiências em função dos preconceitos e da dificuldade para responder à questão face às condições em que o questionário foi aplicado (sala de aula). Praticamente todos os alunos que participaram da pesquisa afirmaram já terem se masturbado (96,7% e 86,8% rede particular e pública, respectivamente), bem como terem gostado de tal experiência (98,3% e 92,5%). A prática de sexo virtual foi confirmada por 24,8% dos adolescentes da rede particular e 10,3% da rede pública. Esta prática aparece por meio dos contatos via telefone/disque amizade e/ou pela internet. Esses adolescentes afirmam conversar sobre sexo, na maior parte das vezes, com seus pares (90,8% e 76%), e em segundo lugar com mães e/ou pais (42,2% e 23,1%).

Comportamento preventivo

Quanto ao uso de preservativos, dentre os 66 alunos da rede privada que afirmaram já terem tido relações sexuais, 58 (86,6%) afirmaram tê-lo utilizado na última relação. Importante ressaltar que 15 adolescentes justificaram o fato de não terem usado ou fazerem uso de maneira irregular do preservativo.

Na rede pública, 81 adolescentes já tiveram relação sexual. Destes, 61 (73,5%) declararam ter utilizado preservativo na última relação. As justificativas para o uso irregular foram diferentes das respostas dos estudantes da rede privada, como se pode verificar no gráfico abaixo. A diferença entre as classes sociais precisaria ser melhor investigada quanto a esse aspecto, uma vez que foge ao escopo da pesquisa aqui discutida.

Figura 3. Justificativas dos adolescentes da amostra para o uso irregular do preservativo em suas relações.

Mesmo mantendo a preocupação com a gravidez, quase um terço dos adolescentes de ambos os grupos acredita que não há possibilidade da parceira engravidar se o homem tirar o pênis da vagina antes de ejacular. Há também aqueles que afirmaram não saber de tal possibilidade (9% e 19,5%). Este dado confirma a limitação das informações desses jovens no que diz respeito às questões sexuais e reprodutivas.

Moral Sexual

Quanto aos planos para o casamento, os números relativos aos dois grupos constituíram-se da seguinte forma: 49,2% e 38,1% declararam que querem se casar, e 41% e 44% assinalaram a opção “talvez”. Por outro lado, 90,9% e 91,6% desses adolescentes afirmaram que não têm a intenção de casarem virgens, mesmo porque a maior parte deles já tem vida sexual ativa pré-marital. O casamento, portanto, ainda aparece como uma alternativa desejada, embora a virgindade (especialmente a masculina neste caso) não o seja. Há também alguns adolescentes que afirmam querer casar virgens (6,6% e 7,5%). Em geral, esses casos apareceram associados à adesão a alguma religião, especialmente as evangélicas neopentecostais.

Os números correspondentes àqueles que associam a relação sexual a uma prova de amor distribuíram-se de forma equilibrada em ambos os grupos, a saber: 43,7% e 51,5%. Além disso, 79,3% (privada) e 80,4% (pública) declararam que o sexo é importante para eles.

Os adolescentes da amostra acreditam que o aumento do índice de gravidez nessa faixa etária deve-se aos motivos apresentados na figura 2.

Figura 4. Motivos pelos quais as/os adolescentes têm engravidado, segundo os estudantes da amostra.

A grande maioria (96,6%, e 92,7%) opinou que a(o) adolescente não está preparada(o) para ser mãe/pai.

 

Considerações finais

Pesquisas semelhantes vêm sendo desenvolvidas não só no âmbito do Brasil e da América Latina, mas também em vários outros países no mundo. Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um documento contendo resultados sumários de estudos que investigaram o comportamento sexual e reprodutivo de jovens de países em desenvolvimento (WHO, 2001). Muitos assemelham-se aos indicadores da presente pesquisa e servem como um parâmetro a respeito de sexualidade dos jovens no âmbito mundial.

À semelhança do apontado pela OMS, pode-se afirmar, a partir dos resultados encontrados, que os adolescentes investigados mantêm alguns padrões conservadores, como o casamento incluído no projeto de vida e a representação do preservativo masculino como algo que “quebra o clima” da relação. Ademais, apontam a confiança na parceira, o que subentende a idéia de fidelidade como motivo para a não utilização do preservativo. Na rede privada de ensino ainda se encontram, em maior número, aqueles que tiveram sua iniciação sexual com profissionais do sexo, o que também se pode associar a um padrão tradicional de gênero. É possível identificar, ainda que em número bastante restrito, adolescentes que pretendem manterse virgens até o casamento.

Por outro lado, na maioria dos casos, a parceira da iniciação sexual é uma adolescente também, e o local utilizado para tal é conhecido (casa dele ou dela em geral). As relações sexuais ocorrem com uma freqüência irregular e com parceiras distintas (desde aquela que o adolescente acabou de conhecer até as namoradas).

Preocupa particularmente o uso inconstante do preservativo e os indícios da insuficiência de informações, apesar dos programas de educação sexual e campanhas preventivas. A grande maioria desses jovens mantém-se em situação de vulnerabilidade, especialmente no que diz respeito às Dsts/Aids, uma vez que o uso do preservativo não é constante e a gravidez parece amedrontar mais do que a Aids.

Pode-se levantar algumas hipóteses que problematizam os motivos declarados para o não uso do preservativo nas relações sexuais. O argumento de que não sabem usá-lo pode ser pensado quanto à inexistência, insuficiência e/ou inadequação das informações disponíveis. É surpreendente que a alternativa “não acha necessário” tenha tido tantas respostas na rede privada, haja vista que, por estes estudantes pertencerem a camadas sociais mais privilegiadas, estão mais expostos a informações e têm mais acesso a métodos preventivos.

Também chama a atenção, na rede pública, o alto índice de respostas que apontam que o uso da camisinha “quebra o clima” da relação, depreendendo disto que o preservativo não faz parte dos jogos eróticos, que talvez sequer sejam desenvolvidos, pelo fato que muitas das parcerias sexuais e amorosas serem tênues e pouco duradouras nesta fase. Este caráter das relações pode ser verificado por meio das respostas sobre a duração do namoro mais longo que se concentrou, em ambos os grupos investigados, na faixa de um a seis meses. A freqüência do “ficar” é alta e presta-se a entendimentos bem distintos, que incluem ações que podem ir desde o olhar interessado até as relações sexuais com penetração em um único encontro. É preciso considerar, ainda, a representação que circula no imaginário social que a camisinha “atrapalha” a relação e diminui a sensibilidade.

A resposta “está namorando firme”, por sua vez, demonstra que o conhecimento do outro e a estabilidade da relação parecem funcionar como atestado de segurança, dispensando a prevenção. Nesse caso, a palavra-chave é a confiança, que teria o poder de conferir proteção, subordinando o uso do preservativo à suposta fidelidade atual entre os parceiros. Há a desconsideração aqui, entre outros elementos, da história pregressa de ambos.

Não dispor do preservativo no momento da relação demonstra a inexistência de planejamento de estratégias preventivas e da própria relação sexual. Ademais, segundo afirmam, sua atividade sexual no que diz respeito à freqüência das relações é irregular.

Finalmente, o uso de outros métodos contraceptivos, a despeito da proteção com relação à gravidez indesejada, coloca-os em risco quanto às Dsts/Aids, caso não seja associado à camisinha (masculina ou feminina). Uma hipótese a ser testada é a de que esses jovens preocupam-se mais com a prevenção da gravidez do que com a Aids, que parece manter-se mais distante de sua realidade.

É possível pensar, portanto, que elementos de ordem da moral sexual, como a confiança/fidelidade, são particularmente importantes na determinação do comportamento preventivo. No entanto, faz-se necessário problematizar, junto aos adolescentes, o sentido3 atribuído a esses termos. A constituição da intimidade e da sensualidade na relação também precisa ser discutida, uma vez que o uso da camisinha não parece estar incluído nos jogos eróticos, até mesmo em função do caráter transitório e efêmero das parecerias sexuais. Se por um lado esses jovens não utilizam a camisinha por confiarem no parceiro, por outro alegam que “quebra o clima” da relação, o que demonstra a necessidade de se problematizar o sentido e o uso do preservativo de maneira mais prazerosa.

Curiosa também é a diferença encontrada entre os estudantes das duas redes quanto ao que incluem no “ficar”. Se a maioria dos adolescentes da rede privada afirma que o limite é a parceira que coloca, os da rede pública afirmam que “transar” faz parte. Estes já se iniciaram sexualmente (69,8%) em maior número do que os da rede privada (52,8%). É importante não esquecer que historicamente os homens são incitados a serem ativos sexualmente, uma vez que um dos atributos da identidade masculina, segundo os padrões tradicionais, é exatamente a virilidade/potência sexual.

Todos esses dados demonstram semelhanças com os encontrados em outras pesquisas em contextos socioculturais e econômicos diferentes (Pantelides, Geldstein e Domínguez, 1995; Afonso, 2001; WHO, 2001), o que chama a atenção para a existência de alguns aspectos comuns no comportamento dos adolescentes nos últimos anos, como o uso irregular do preservativo, a maior preocupação com a prevenção da gravidez do que com Aids e a confiança na parceira, que aparece como atestado de segurança para o não uso de preservativo. Estaríamos diante de um “padrão”? De qualquer maneira, deve-se considerar a influência dos meios de comunicação, em especial da mídia televisiva, que no caso brasileiro cada vez mais é responsável pela erotização da infância e pela banalização do sexo em sua programação. Este pode ser um dos elementos associados ao adiantamento da iniciação sexual com relação a alguns anos.

É preciso problematizar esses aspectos junto às equipes e programas de saúde sexual e reprodutiva, de forma a incluírem estas discussões em suas atividades, auxiliando eficazmente os jovens a exercerem sua vida sexual e reprodutiva de maneira apoiada e segura. Deve-se pensar também no desenvolvimento de estratégias de capacitação e preparação dos próprios adolescentes como multiplicadores de informação, uma vez que, conforme os resultados apresentados, os pares são também importantes como interlocutores quando o tema é a vida sexual desses jovens.

 

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Endereço para correspondência
Maria Juracy Filgueiras Toneli
Av. César Seara, 192 - Carvoeira
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Mariana Barreto Vavassori
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Recebido em 13/11/02
Versão revisada recebida em 20/05/04
Aprovado em 20/09/04
Apoio Financeiro: PIBIC/CNPq

 

Notas

I Doutora em Psicologia (USP); Professora do Departamento e do Programa de Pós-graduação em Psicologia (UFSC); Bolsista em Produtividade do CNPq.
II Graduanda do Curso de Psicologia (UFSC); Bolsista de Iniciação Científica pelo Programa PIBIC/CNPq – UFSC.
1 A pesquisa que deu origem ao presente artigo foi desenvolvida com a colaboração de Daniela Mendes, Ivana Finkler e Thais Guedes.
2 A partir desses índices, passaremos a mencionar sempre em primeiro lugar o percentual relativo ao grupo da rede privada.
3 Vygotsky definiu sentido como: “a soma de todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em nossa consciência. É um todo complexo, fluido e dinâmico, que tem várias zonas de estabilidade desigual. O significado é apenas uma das zonas de sentido, a mais estável e precisa” (1999, p. 181).