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Interações

versión impresa ISSN 1413-2907

Interações v.9 n.18 São Paulo dic. 2004

 

RESENHAS

 

Ester Felícia do Amaral Teixeira Correia*

Endereço para correspondência

 

 

SILVA, Ana Márcia. Corpo, ciência e mercado: reflexões acerca da gestação de um novo arquétipo da felicidade. Florianópolis: UFSC/Autores Associados, 2001. 144p.

O livro faz parte da Coleção Educação Física e Esportes, e seu tema se direciona para os aspectos sociais e filosóficos do corpo humano. Além da Introdução, estrutura-se em três capítulos. São 144 páginas em que a autora se apóia no eixo Natureza e Cultura, e tem como foco de reflexão o corpo humano como interconexão entre ambos.

Ana Márcia Silva, professora do departamento de Educação Física da Universidade Federal de Santa Catarina, é mestre em Educação e doutora em Ciências Humanas – Sociedade/Meio Ambiente. Como pesquisadora, sua atuação volta-se às temáticas relacionadas à corporeidade, epistemologia e ecologia.

A capa sugere uma leitura de questões referentes à beleza feminina e do culto ao corpo. Ledo engano. A autora aprofunda e vai além. Transita com maestria entre autores de diferentes áreas e abordagens, denunciando a supremacia da tecnociência e do capitalismo nas questões referentes à cultura corporal.

O prefácio de Carmen Lúcia Soares confirma o trabalho polêmico que gera desconforto ao lidar com as diferentes questões centradas no corpo, pensado como máquina química.

O tema vai sendo desfiado com segurança e sensibilidade pela autora, que busca a visão do corpo humano desde a mitologia, traçando paralelos com a visão hodierna, em que o desenvolvimento da tecnologia e da ciência permite maior conhecimento e manipulação. O corpo, antes não tocado, considerado sagrado, hoje é manipulável, exposto a diversos tipos de análise, profundas, minuciosas, para diferentes fins. O desenvolvimento da genética o projeta em um patamar de possibilidades antes nunca visto. Alteram-se os conceitos de saúde, que afastam as possibilidades da doença e da morte como se estas não fizessem parte da vida, da natureza. Essas manipulações afetam o imaginário social, que deixa de refletir sobre as conseqüências danosas de todas estas interferências. Disso decorre a desconexão do ser consigo mesmo.

Corpo que perde gradativamente seus segredos e precisa do artificialismo dos novos padrões de beleza e saúde para encantar. Se como natureza não encanta por não ser perfeito, como artificial encantará assumindo papel de fetiche, objeto de consumo, que justifica o desenvolvimento de uma infinidade de produtos, ampliando o mercado capital. Intensificam-se todas as iniciativas para a manipulação do corpo humano em nome da ciência, conectada com novos ideais de beleza e saúde. Todas estas iniciativas mascaram problemas cuja solução deveria estar na reflexão ética, visto serem conseqüentes de falhas humanas. No entanto, o construto tecnocientífico entretém e afasta o ser humano de resoluções humanas. Neste caminho, o ser humano no mundo moderno fragmenta-se. Não se considera o ser psíquico.

O conteúdo denso do livro incomoda e provoca questionamentos e reflexões sobre aspectos imperceptíveis frente às maravilhas que prometem os caminhos desbravados pela tecnociência. No decorrer da leitura a impressão é a de que se irá embrenhar pelo caminho do antiprogresso. Ao invés da surpresa, o estarrecimento e questionamento: até que ponto esses avanços significam progresso? Em um contexto em que os homens são quase deuses, faz-se necessário uma pausa para refletir sobre onde nos levarão essas conquistas.

A autora propõe uma revisão e transformação dos conceitos que regem o atual eixo civilizatório. Tal proposta não implica atravancar os movimentos nas áreas cientificas, mas atender aos apelos do ser humano em sua totalidade, não mais como um ser fragmentado. Silva aponta um caminho aparentemente romântico e utópico, mas norteador de novo eixo civilizatório. Apóia-se em autores que são uníssonos ao apontarem a ética e a reflexão crítica como necessárias para a transformação, emancipação e autonomia dos indivíduos e da sociedade. Porém, alcançar a autonomia requer liberdade em um sentido mais amplo e profundo na relação entre seres humanos, e destes com a natureza. A liberdade tem o amor como parceiro, e esta é a chave apontada pela autora, que recorre à visão platônica para falar da necessidade do homem alçar do amor pandêmico ao amor celeste. Em outras palavras, do amor vulgar que cultua o corpo ao amor que vai muito além das aparências, valorizando a virtude e a sabedoria. É este amor que resgatará a totalidade do homem e salvará a humanidade. A autora se direciona para esse desfecho, que abre novo portal de esperança de uma sociedade emancipada, pautada pela ética e pela reflexão crítica, permeadas pela liberdade e amor entre os seres humanos.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: esterfelicia@bol.com.br

 

 

* Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos.