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Interações

versão impressa ISSN 1413-2907

Interações v.10 n.19 São Paulo jun. 2005

 

ARTIGOS

 

Uma clínica do sensível: a respeito da relação entre destituição subjetiva e primado do objeto1

 

A sensitive clinic: on the relationship between subjective destitution and the primacy of the object

 

 

Vladimir SafatleI

Universidade de São Paulo. Departamento de Filosofia.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo articula conjuntamente os problemas da destituição subjetiva e do destino da categoria de objeto na clínica lacaniana. Tal articulação visa mostrar como a temática lacaniana da destituição subjetiva não significa em absoluto o abandono da categoria de sujeito, mas apenas o aprofundamento das conseqüências trazidas pelo conceito de sujeito descentrado. Uma recuperação psicanalítica do conceito de sensível pode aparecer assim como via privilegiada para compreendermos o que está em jogo na definição lacaniana de sujeito.

Palavras-chaves: Objeto, Destituição subjetiva, Sensível, Corpo, Amor, Perversão.


ABSTRACT

This article discusses the relationship between subjective destitution and the fate of the object in Lacan. This relationship evinces the ways in which for Lacan the issue of subjective destitution does not imply abandoning the notion of the subject, but furthering the ideas brought about by the notion of a decentered subject. By recovering the concept of the sensitive in psychoanalysis, we take an important step towards understanding what is at stake in the Lacanian definition of subjectivity.

Keywords: Object, Subjective destitution, Sensitive, Body, Love, Perversion.


 

 

A Monique David-Ménard

“E o corpo fazia-se planta, e pedra,
e lodo, e coisa nenhuma”
(Machado de Assis, Memórias póstumas de Braz Cubas).

 

Trata-se de sustentar a existência de um quiasma entre dois problemas maiores postos pela clínica lacaniana. Ele diz respeito à relação entre as questões postas pela destituição subjetiva e pelo destino da categoria de objeto no final de análise. Ou seja, há uma articulação central entre destituição subjetiva e destino do objeto que deve ser aprofundada. Tal aprofundamento nos permitirá, entre outras coisas, compreender alguns aspectos fundamentais das últimas elaborações lacanianas a respeito de sua teoria do sujeito.

Para fundamentar essa estratégia de compreensão será necessário um exercício inicial de sistematização de alguns problemas clínicos que apareceram no interior da experiência intelectual lacaniana por volta do final dos anos cinqüenta e do começo dos anos sessenta. Um deles diz respeito ao destino da categoria de objeto no final de análise. Tal problematização permitirá esboçar, ao final, o que pode ser uma relação pós-analítica de objeto, uma relação de objeto (ou, por que não dizer, uma fixação de objeto) que nasce a partir da travessia do fantasma; estranho investimento libidinal de um objeto que já não é mais suportado por estrutura fantasmática alguma. Um recurso à categoria de “sensível” pode nos ajudar a compreender o que está em jogo nessa configuração do objeto após a travessia do fantasma.

Devemos compreender esse uso da categoria de “sensível” como tentativa de especificar os modos de incidência do Real na experiência clínica. Contrariamente ao Imaginário (em sua vinculação essencial à imagem) e o Simbólico (em sua vinculação essencial ao significante), a figura lacaniana do Real carece de um operador definido. Em certos momentos da elaboração de Lacan a negatividade do Real aparece vinculada a algo próximo ao conceito de “acontecimento” (événement), desprovido de inscrição simbólica, e em outros, como gostaria de mostrar, a uma certa noção de irredutibilidade do objeto próxima à noção de “sensível”. Trata-se, neste artigo, de abordar sobretudo a segunda via, mostrando como a noção de “sensível” permite-nos reconstruir uma articulação entre Real e empírico (para além da submissão do empírico à dimensão do Imaginário, como veremos mais à frente). A hipótese de vincular diretamente a incidência do Real à noção de “gozo” como operador central parece-nos imprecisa. Primeiro, devido ao caráter sobredeterminado que a noção de gozo recebe no interior da trajetória intelectual lacaniana. Desta forma, há momentos da elaboração lacaniana em que o gozo aparece articulado à dimensão do Simbólico, e mesmo do Imaginário – o que impede uma determinação direta entre gozo e Real. Segundo, porque uma clínica que usa o gozo como operador central na determinação do campo de experiências do Real terá dificuldades em distinguir fim de análise e perversão – questão que, devido à sua complexidade e extensão, tratarei em outro artigo.

A título de esclarecimento, vale a pena lembrar que “sensível” deve ser pensado aqui como materialidade que funciona como base não-conceitual do pensamento conceitual. Isto não significa que se trata de pensar o sensível como figura de uma positividade que se oferece à intuição imediata. Sensível é aquilo que aparece como operador de resistência ao esquematismo do pensamento categorial. Ele é o que impede que o entendimento hipostasie seu conceito por meio de um procedimento de totalização. Assim, a experiência do sensível deve ser pensada principalmente de maneira negativa, da mesma forma que o Real em Lacan só pode ser pensado de maneira negativa como “impossível” que aparece no limite dos processos de conceitualização, e não como a positividade da experiência imediata (via de um realismo do objeto sempre criticada por Lacan).

 

Sustentar a categoria de sujeito

Esta reflexão sobre o destino do objeto no interior da relação analítica é uma via privilegiada para a sistematização de discussões a respeito da operação de destituição subjetiva, tal como Lacan a concebe. Na verdade, a temática da destituição subjetiva insiste em vários textos e seminários a partir de meados dos anos sessenta, principalmente quando é questão da dinâmica da posição do ato analítico, da travessia do fantasma e das modalidades possíveis de “resolução” (Lacan, 2001a, p. 255) do amor de transferência. Talvez o texto mais articulado a respeito da destituição subjetiva continue sendo a Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola (Lacan, 2001 a, pp. 243-261).

Tal caráter a-sistemático da elaboração lacaniana acabou sendo responsável por certas confusões na recepção do conceito de destituição subjetiva. Várias vezes ele foi compreendido como o índice do abandono, no interior da clínica psicanalítica, da centralidade do conceito de sujeito, com suas demandas de reconhecimento e sua capacidade de subjetivação. E várias vezes afirmações tardias como: “o psicanalista na psicanálise não é sujeito, e a situar seu ato pela topologia ideal do objeto a, deduz-se que é ao não pensar que ele opera” (Lacan, 2001a, p. 377) foram vistas como prova de tal abandono. Isto permitiu a consolidação de um certo movimento de definição do final de análise por meio de uma espécie muito particular de retorno à imanência pré­reflexiva do ser (por exemplo, pelo abandono da categoria de sujeito em prol da pretensa primazia do conceito de parlêtre nos últimos escritos lacanianos) e de hipóstase do inefável (por meio dos usos de formações como l’apparole). Segundo essa perspectiva de leitura, como Lacan teria abandonado a centralidade da categoria de sujeito com suas aspirações universalizantes de reconhecimento, tal imanência se conjugaria no particular e só admitiria um gozo mudo, monológico por não se submeter à reflexividade do saber2, posição que não esconderia sua proximidade com a psicose3.

Tais derivas em direção ao que poderíamos chamar de hipóstase da irreflexividade (já que ela tende a confundir a experiência do Real como retorno a um “plano de imanência” pré-reflexivo e não­simbolizável) não são, em absoluto, autorizadas pelo conceito lacaniano de destituição subjetiva. O que ele autoriza é um processo que só pode ser compreendido como radicalização daquilo que constitui a contribuição maior da noção lacaniana de sujeito descentrado, ou seja, a recusa em aceitar um vínculo ontológico entre sujeito e princípio de identidade. Assim, a definição da destituição subjetiva como momento maior na direção da cura seria simplesmente a conseqüência inelutável da sustentação do conceito de sujeito descentrado.

A respeito do sujeito descentrado, lembremos como a psicanálise, desde seu início, forneceu protocolos de crítica à idéia de que o uso da categoria de sujeito indicaria a transparência, de direito, entre as funções intencionais, as representações mentais e a consciência. Desde Freud a psicanálise compreendeu a consciência como sinônimo de alienação. Desta forma, ao insistir no caráter auto-ilusório da consciência, ela pode então aparecer como discurso da discordância, da clivagem entre saber representacional e verdade. Por sua vez, Lacan insistiu que a alienação do sujeito seria resultado primeiro da sua submissão ao universo simbólico do significante. O sujeito só poderia falar de si através de um significante que o objetifica em uma linguagem reificada e que o faz “esquecer sua subjetividade” (Lacan, 1966, p. 282).

Mas a alienação não é completa, daí porque o sujeito lacaniano não é simplesmente uma ilusão metafísica que deveria ser dissolvida na melhor tradição da morte do sujeito foucaultiana ou da redução althusseriana do sujeito como lugar da ideologia. Antes, para Lacan, o sujeito é o locus de uma clivagem fundamental. É verdade que: “o significante produzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito como sua significação. Mas ele só funciona como significante ao reduzir o sujeito a não ser mais que um significante (à n’être plus qu’un signifiant), ao petrificá-lo através do mesmo movimento que o chama a funcionar, a falar como sujeito” (Lacan, 1973, p. 188-189). No entanto, não é totalmente correto afirmar que o sujeito não é mais do que um significante, pois como Lacan mesmo nos lembra: “se o sujeito aparece de um lado como sentido produzido pelo significante, de outro ele aparece como aphanisis” (Lacan, 1973, p. 191). Ou seja, que o sujeito apareça de um lado como suporte do significante que o faz falar na posição de sujeito, e do outro, como aquilo que está desaparecendo (por não se deixar petrificar-se totalmente pela designação significante), isto indica a necessidade de levarmos em conta uma dimensão radical de inadequação entre sujeito e universo simbólico. Há algo no sujeito que não pode ser expresso no interior do campo transcendental do significante que compõe o meio universal da linguagem4. E se o sujeito não pode ser totalmente idêntico ao significante que o designa, ele deve então ser compreendido como entidade dividida, descentrada (não só em relação à consciência, mas também em relação ao campo intersubjetivo do significante – que coloniza a lingüisticidade da consciência) ou, para ser mais claro, não-idêntica. Lembremos como Lacan será sempre sensível àquilo que o sujeito deve “perder” para se constituir como instância de auto-referência através dos processos de socialização comandados pelo significante.

A centralidade da destituição subjetiva pode começar a ser compreendida a partir deste ponto. A confrontação com aquilo que no sujeito resiste a sua inscrição significante só pode se dar pela vacilação da sua identificação com o lugar fornecido pelo Simbólico. O sujeito não é apenas sujeito do significante, mas ele também porta em si mesmo algo da ordem do Real. Daí porque: “O subjetivo é algo que nós encontramos no Real” (Lacan, 1971). De fato, uma desarticulação do poder de formalização do significante, uma vacilação da capacidade de nomeação da palavra aparece como efeito desta confrontação com a negatividade do Real. E é esta lógica que Lacan tenta dar conta por meio da temática da destituição subjetiva. No entanto, ela não exige abandono algum da categoria de sujeito, mas um aprofundamento do que pode ser uma reflexão a respeito das conseqüências do caráter descentrado do sujeito – desse sujeito divido entre o Imaginário do eu, a transcendentalidade do Simbólico e o Real.

Como gostaria de mostrar neste artigo, a confrontação com aquilo que no sujeito resiste ao significante só pode ocorrer quando este mesmo sujeito reconhece, em seu interior, a presença de um núcleo do objeto (ein kern von Objekt), para falar como Adorno (1990, p. 747), que na mesma época procurava também pensar uma figura do sujeito livre do princípio de identidade. Trata-se pois de reconhecer que o sujeito encontra, em sua relação a si, algo da ordem da opacidade do que se determina como obs-tante (Gegenstande), como não saturado no universo simbólico. Veremos mais à frente que esse objeto opaco não é outra coisa que o “resto que, como determinante da divisão do sujeito, o faz decair de seu fantasma e o destitui como sujeito” (Lacan, 2001a, p. 272), ou seja, aquilo que Lacan procura dar conta por meio da temática do objeto a. Mas, por enquanto, devemos insistir que tal reconhecimento da opacidade não implica necessariamente em entificação da irreflexividade, mesmo que este objeto seja visto por Lacan como um “Dasein corporal”. Ele implica simplesmente em uma reconsideração a respeito dos modos de subjetivação disponíveis à clinica.

A fim de apreender melhor tais pontos, o melhor a fazer é retornar e partir de algumas considerações gerais sobre o destino da categoria de objeto em Jacques Lacan. Elas servirão de preâmbulo para o encaminhamento da nossa discussão.

 

Purificar o desejo e dissolver o objeto

“Os antigos colocavam o acento sobre a tendência, enquanto nós, nós a colocamos sobre o objeto (...), nós reduzimos o valor da manifestação da tendência, e nós exigimos o suporte do objeto pelos traços prevalentes do objeto” (Lacan, 1986, p. 117). Esta afirmação lacaniana, feita com uma ponta de nostalgia a respeito da vida amorosa dos antigos, é na verdade a exposição de todo um programa analítico de cura. Enunciada em 1960, ela trazia atrás de si uma longa reflexão a respeito do destino do desejo no final de análise. Colocar o acento sobre a tendência desprovida de objeto aparece aqui como uma solução possível para romper um certo ciclo alienante do desejo preso às amarras do Imaginário; ruptura fundamental como indicação da proximidade do final de análise.

A esse respeito vale a pena relembrar alguns princípios básicos que serviram de guia para as primeiras reflexões lacanianas. Até o final dos anos cinqüenta há um conceito central na metapsicologia lacaniana: o desejo puro. Como Lacan dirá a respeito da especificidade da “nova mensagem” trazida por Freud: “este lugar que nós procuramos apreender, definir, coordenar, que nunca foi identificado até agora em seu desdobramento ultra-subjetivo, é o lugar central da função pura do desejo” (Lacan, 1962-1963, sessão de 08/05/63).

Esse desejo puro foi um dispositivo que serviu durante um certo tempo como orientação para o desejo do analista. É verdade que Lacan dirá claramente mais tarde que: “o desejo do analista não é um desejo puro” (Lacan, 1973, p. 248). Mas não basta simplesmente notar a mudança nos protocolos de direção da cura e nos modos de subjetivação do desejo na clínica. Há uma trajetória dos conceitos que se faz necessário recompor. Neste artigo gostaria de insistir como tal trajeto pressupõe uma modificação no destino do objeto na cura.

A respeito do desejo puro, notemos que na teoria lacaniana a característica principal do desejo é ser desprovido de todo procedimento natural de objetificação. Ele é fundamentalmente sem objeto, desejo de “nada de nomeável” (Lacan, 1978, p. 261)5. Aqui escutamos o leitor atento de Kojève. O mesmo Kojève que tentava costurar o ser-para-a-morte heideggeriano à Begierde hegeliana a fim de afirmar que a verdade do desejo era ser “revelação de um vazio” (Kojève, 1947, p. 12), ou seja, pura negatividade que transcendia toda aderência natural e imaginária. Um estranho desejo incapaz de se satisfazer com objetos empíricos e arrancado de toda possibilidade imediata de realização fenomenal.

Mas por que essa pura tendência, que insiste para além de toda relação de objeto, transformou-se em algo de absolutamente incontornável para Lacan? Podemos fornecer aqui uma explicação geral.

Lacan desenvolveu uma teoria da constituição dos objetos a partir sobretudo de considerações sobre o narcisismo. Nesse momento do pensamento lacaniano tanto os objetos quanto os outros indivíduos empíricos são sempre projeções narcísicas do eu. Lacan chega a falar do caráter egomórfico dos objetos do mundo empírico. De onde se segue um narcisismo fundamental guiando todas as relações de objeto, assim como a necessidade de atravessar esse regime narcísico de relação por meio de uma crítica ao primado do objeto na determinação do desejo.

Lacan é claro a respeito desse narcisismo fundamental. Ele dirá, por exemplo, que: “a relação objetal deve sempre submeter-se à estrutura narcísica e aí se inscrever” (Lacan, 1975b, p. 197). E ele dará um caráter epistemológico a sua crítica ao primado do objeto ao afirmar que: “todo progresso científico [e todo progresso analítico] consiste em dissolver o objeto como tal” (Lacan, 1978, p. 130).

Esse motivo da crítica ao primado do objeto aparece em Lacan principalmente por meio da crítica às relações reduzidas à dimensão do Imaginário, já que o Imaginário lacaniano designa, em sua maior parte, a esfera das relações que compõem a lógica do narcisismo com suas projeções e introjeções6. Aqui faz-se necessário salientar um ponto importante: o objeto empírico aparece necessariamente como objeto submetido à engenharia do Imaginário e à lógica do fantasma. A possibilidade de fixação libidinal a um objeto empírico não-narcísico ainda não é posta. Assim, a fim de livrar o sujeito da fascinação por objetos que no fundo são produções narcísicas, restava à psicanálise “purificar o desejo” de todo e qualquer conteúdo empírico. Subjetivar o desejo em seu ponto brutal de esvaziamento. O que levará Lacan a insistir que para além de suas realizações fenomenais haveria uma “permanência transcendental do desejo”. De onde se segue necessariamente a definição clássica da negatividade do desejo como manque d’être: “o desejo é uma relação do ser à falta. Esta falta é falta de ser (manque d’être) propriamente dita. Ela não é falta disto ou daquilo, mas falta de ser através da qual o ser existe” (Lacan, 1978, p. 261). Levar o sujeito a reconhecer o ser como falta de ser seria a estratégia maior da prática analítica.

Notemos que tal estratégia de dissolução do objeto não é sem conseqüências para o destino deste que é o primeiro objeto da consciência, ou seja, o próprio eu7. Pois o desvelamento do ser do sujeito como falta a ser pressupõe uma certa despersonalização resultante da abertura à transcendência negativa do desejo. O que pode explicar porque Lacan, desde o Seminário I, compreende o progresso analítico como um “declínio imaginário do mundo e uma experiência no limite de despersonalização” (Lacan, 1975b, p. 258). Isto nos lembra como a purificação do desejo implica necessariamente a consumação das fixações imaginárias do eu. Um ano depois Lacan será ainda mais claro nessa via: “Se nós formamos analistas, é para que existam sujeitosnos quais o eu esteja ausente. É o ideal da análise que, é claro, continua virtual. Nunca há um sujeito sem eu, um sujeito plenamente realizado, mas é isso que se deve sempre tentar obter do sujeito em análise” (Lacan, 1978, p. 287). Assim, ele fará alusão a uma “certa purificação subjetiva” que se realiza na análise e que anuncia um caminho que será aprofundado por meio da temática da destituição subjetiva. Podemos falar em aprofundamento porque não se tratará posteriormente apenas de dissolver as fixações imaginárias para permitir a representação do sujeito pela transcendentalidade do significante puro, mas de fazer vacilar a própria inscrição simbólica do sujeito.

Mas antes de tratar este ponto faz-se necessário insistir um pouco mais nessa estratégia inicial lacaniana, a fim de colocar a questão: o que significa deparar-se com a verdade de um desejo puro que parece transcender toda relação de objeto? Como reconhecer e dar estatuto objetivo àquilo que é pura negatividade que não cessa de não se inscrever? Lacan estaria defendendo alguma forma de ataraxia, na qual o sujeito poderia tomar distância de toda e qualquer relação de objeto, e gozar assim da indiferença absoluta em relação aos objetos empíricos (indiferença que tem como correlato a própria despersonalização do eu)? Lembremos que no Seminário XI, ao insistir na variabilidade própria ao objeto da pulsão, Lacan não deixa de perguntar: “o objeto da pulsão, como devemos concebê-lo para que se possa dizer que na pulsão, não importa qual ela seja, ele é indiferente?” (Lacan, 1973, p. 153). Poderíamos dizer que a conseqüência necessária dessa perspectiva seria que no final de análise o sujeito aboliria toda fixação e trocaria de objeto mais facilmente?

Um forte indicativo dessa estratégia de abolição de toda fixação de objeto como protocolo de cura encontra-se na compreensão lacaniana do Falo como “presença real” (Lacan, 2001b, p. 294) do desejo. Sabemos como o Falo é definido por Lacan como “o significante fundamental através do qual o desejo do sujeito se fará reconhecer como tal, quer se trate do homem ou da mulher” (1998, p. 273). Como tal significante fundamental, ele é um significante puro, sem força denotativa; ele não denota objeto algum. Lembremos da famosa definição de Lacan: “o significante é um sinal que não remete a um objeto” (1981, p. 119). Neste sentido, o significante puro pode ser compreendido como a formalização da impossibilidade da linguagem adequar-se aos objetos empíricos. O que mostra como a submissão da diversidade dos modos de sexuação a um significante puro traz como conseqüência a anulação de todo objeto empírico (por exemplo, o pênis orgânico e todo objeto empírico que venha a tentar substituí-lo, como o fetiche) como objeto de desejo e função de gozo.

Este é um ponto central, já que a hipóstase da função fálica acaba por demonstrar, entre outras coisas, que apenas a indiferença em relação aos objetos empíricos, indiferença marcada pela força da anulação, poderia abrir espaço para o reconhecimento do desejo em sua verdade.

Isto talvez possa nos explicar o movimento duplo de Lacan ao caracterizar o Falo. Raramente prestamos a devida atenção no fato de que, em Lacan, o Falo é ao mesmo tempo presença real do desejo e significante que encarna a falta própria à castração, “significante do ponto no qual o significante falta” (Lacan, 2001b, p. 277). Estamos diante de uma contradição aparente, salvo se admitirmos a existência de algo como um desejo de castração – o que só é evidente, dentro das estratégias lacanianas de leitura, para a histérica. Mas, se lembrarmos que a castração lacaniana não indica, como em Freud, a ameaça fantasmática que pesa sobre o pênis devido à relação de rivalidade com o pai ligada à posse do objeto materno, mas a impossibilidade estrutural de todo e qualquer objeto empírico (o pênis, por exemplo) ser função de gozo, então a estratégia fica clara. Pois o Falo é a maneira disponível ao sujeito para que este determine objetivamente a negatividade radical de seu desejo. Se Lacan afirmou que o Falo é presença real do desejo, “significante do gozo” (1966, p. 823) era apenas para completar que se trata de uma presença do negativo: “um símbolo geral desta margem que sempre me separa de meu desejo” (1998, p. 243).

Isto talvez nos explique porque Lacan afirma: “o homem sustenta seu gozo de algo que é sua própria angústia” (1962-1963, sessão do 20/03/63). Quer dizer, se o Falo pode aparecer como significante do gozo é porque no caso masculino as fixações devem passar por uma certa “nadificação simbólica” do objeto empírico-imaginário do desejo. Nadificação angustiante que nos indica porque: “o objeto do desejo, para o homem, só tem sentido quando é despejado no vazio da castração primordial” (sessão do 27/03/63).

Mas neste ponto é necessário fazer uma ressalva. Uma clínica que reduz o Falo a um significante puro, e que determina tal significante como operador central dos seus processos de simbolização, corre um grande risco. Trata-se do risco de afirmar que tudo o que há de real no sexual encontra sua forma no Falo como pura marca da subtração de objeto. O que nos conduz, volto a insistir, na indiferença em relação àquilo que no objeto não acede à pura marca do significante. Indiferença que se diz por meio de um rebaixamento do sensível no interior das relações de objeto. “Os antigos colocavam o acento sobre a tendência”, repetia Lacan. Será que eles tinham razão?

 

O gozo fálico como gozo perverso

Creio que Lacan tinha consciência de tal risco. Ela foi central para ele redirecionar lentamente sua perspectiva clínica. Esta mudança lenta marca o ritmo de um retorno ao primado do objeto, embora, é claro, seja necessário compreender o que significa falar em “retorno” nessas circunstâncias. O que significa falar em retorno ao objeto depois que este foi dissolvido ao ser transformado em mero pólo de projeção narcísica? Neste ponto, o problema central para Lacan consistirá em determinar as modalidades possíveis de uma experiência de objeto que não esteja inscrita a priori em uma estrutura narcísica. Daí a necessidade de pensar o objeto não mais apenas como construção da engenharia do Imaginário, mas de falar também de um real do objeto. O que nos explica porque, a partir dos anos sessenta, o final de análise será pensado menos a partir da subjetivação da falta e da temática do desejo puro, mas principalmente a partir da problematização do destino do objeto após a travessia do fantasma. O que nos explica também as tentativas posteriores de pensar o fim de análise por meio da identificação do sujeito com o objeto desprovido de estrutura fantasmática de apreensão, ou seja, o objeto como resto opaco, como dejeto, como “materialidade sem imagem”, como dirá Adorno (1973, p. 204) na mesma época, insistindo em uma noção de sensível que aparece como o que, no objeto, resiste à sua conformação pela imagem.

Mas antes de continuar nessa via e fornecer um exemplo desse retorno ao primado de objeto, vale a pena esboçar um pouco melhor esse risco, aparentemente tão problemático, de afirmar que tudo o que há de real no sexual encontra sua forma no Falo como pura marca da subtração de objeto. Creio que tal afirmação leva-nos necessariamente a definir o gozo fálico como gozo perverso por excelência8, o que nos traz problemas para a compreensão dos processos de simbolização do desejo disponíveis à clínica.

Se procurarmos definir o gozo fálico de maneira operacional – gozo submetido à Lei da castração –, encontraremos essa proposição­chave dos Escritos: “a castração significa que é preciso que o gozo seja recusado, para que possa ser atingido na escala invertida da Lei do desejo” (Lacan, 1966, p. 827). Ou seja, a castração implica a impossibilidade de um certo gozo – no caso, gozo imaginário vinculado à alienação do desejo em objetos empíricos e narcísicos. Mas o reconhecimento da impossibilidade do desejo satisfazer-se com tais objetos é a abertura para um outro gozo, não mais vinculado à empiria, mas vinculado à Lei. Longe de se opor ao desejo, a Lei da castração pode conservar o desejo puro, já que a Lei está literalmente “a serviço do desejo” (Lacan, 1966, p. 852)9.

Podemos dizer que é exatamente por isto que o gozo fálico é necessariamente perverso. A este respeito seria necessário comentar de maneira mais demorada Kant com Sade, o que já fiz em outra ocasião (Safatle, 2003). Aqui valeria a pena insistir em uma característica maior da perversão, mas muitas vezes negligenciada, a saber: o perverso é aquele que nega todo e qualquer gozo do sensível10 ao afirmar que: “não há outro gozo além do gozo fálico” (Braunstein, 1990, p. 253)11, gozo da Lei desprovida de vínculos patológicos aos objetos.

De maneira esquemática, podemos dizer que “o fantasma perverso não é a perversão” (Lacan, 1959-1960, sessão do 24/06/59), ou seja, não há diferenças entre fantasmas neuróticos e cenários perversos, já que não há fantasmas exclusivos dos perversos (o que Freud havia mostrado em Bate-se em uma criança) Na verdade, o acesso compreensivo à estrutura perversa se dará se olharmos a relação particular do perverso à Lei da castração. O perverso é aquele que transforma o sacrifício do objeto à Lei da castração em motivo de gozo12. Ele não conhece assim aquilo que poderíamos chamar de gozo da resistência do sensível, gozo da opacidade de objetos que resistem à sua conformação integral à Lei ou, o que dá no mesmo, à sua anulação pela castração. Neste sentido, sua convergência com o gozo fálico, gozo que se impõe necessariamente por meio de um “rebaixamento do sensível” (David-Ménard, 1997), é evidente.

Vale a pena insistir neste ponto: o gozo perverso não é o resultado da fixação no particularismo de um objeto sensível. Mesmo no caso da fixação fetichista, elemento central da economia masoquista, não temos uma fixação de objeto, já que o fetichismo é na realidade o resultado da anulação de toda resistência sensível do objeto por meio de sua conformação perfeita a uma estrutura fantasmática ligada à falicização da mulher (e haveria muito a dizer a respeito de certas simetrias possíveis entre o Falo e o fetiche, em Lacan). Lembremos que a idealização fetichista deve ser primeiramente compreendida como anulação de toda determinação qualitativa e da integralidade dos atributos imaginários de uma mulher. Ela advém objeto que passou por uma desafecção, puro suporte de um traço (um veludo, uma peça de látex, um certo brilho no nariz etc) que determina a integralidade de seu valor no interior de uma economia fantasmática de gozo. Neste sentido, mais do que exatamente um objeto, podemos falar do fetiche como: “presença real do objeto como ausente” (Rey-Flaud, 1994, p. 100), já que ele permite o aparecimento de uma feminilidade que se apresenta por meio do vazio deixado pela dissolução do que fornece uma mulher.

Por outro lado, no caso do sadismo, as cartas são ainda mais claras, já que o sadismo pressupõe a despossessão do sujeito em relação à série de objetos empíricos aos quais seu desejo de destruição se vincula.É isto que dá força para Dolmancé ensinar a Eugénie, em A filosofia na Alcova: “todos os homens. Todas as mulheres se assemelham. Não há em absoluto amor que resista a uma reflexão sã” (Sade, 1976, p. 77). Despossessão feita por amor à Lei.

 

“Ce ratage en quoi consiste la réussite de l’acte sexuel”

Chegamos assim a algumas conclusões provisórias: uma clínica do sensível reconhece a simetria em gozo fálico e gozo perverso. Ela insiste na necessidade de operarmos um retorno ao objeto que possa desvincular o sujeito de uma submissão completa à função fálica, via perversa por excelência. Esse retorno ao objeto é recuperação do sensível para além da redução do empírico ao imaginário e ao narcísico.É tal retorno que permite compreender como o objeto deixa de ser pensado como pólo de projeções vinculado à lógica do Imaginário, o que fica claro nesta afirmação lacaniana: “o objeto é ob, obstáculo à expansão do Imaginário concêntrico, ou seja, englobante” (Lacan, 1975-1976, sessão do 10/03/76).

A teoria lacaniana do amor fornece-nos um campo privilegiado para pensarmos uma figura desse retorno ao objeto.

Todos nós conhecemos uma das frases mais repetidas do pensamento lacaniano. Trata-se de: “a relação sexual não existe”. A hipóstase dessa fórmula nos fez esquecer como a parte mais inovadora do pensamento lacaniano sobre o sexual não se encontra nessa impossibilidade relativamente trivial da relação sexual. Lacan nos indica, ao contrário, que há uma relação sexual possível, uma relação que se realiza através do seu fracasso. Afinal, não devemos esquecer que: “o não há relação sexual não implica que não haja relação ao sexo” (2001a, p. 464).

Há várias maneiras de declinar as causas da impossibilidade da relação sexual. Vamos nos ater a uma derivada da constatação de Lacan: “com seus próximos, vocês apenas giraram em torno do fantasma a respeito do qual vocês procuraram neles a satisfação. A eles, este fantasma substituiu mais ou menos suas imagens e cores” (2001b, p. 319). “Nossos próximos” aparecem sempre como tela de projeção de fantasma. O que nos envia aos fundamentos narcísicos da relação de objeto.

Essa maneira de insistir na importância do fantasma na estruturação das relações entre sujeitos permite-nos abordar o problema da inexistência da relação sexual. Lembremos que a relação sexual é um dos protótipos da relação intersubjetiva. Ela seria a única relação na qual o sujeito poderia estar presente ao Outro por meio da materialidade do corpo. Mas com sua teoria do fantasma Lacan insiste que o sujeito sempre encontra no corpo do Outro os traços desses objetos fantasmáticos que ele chama de objeto a. Se o sujeito vai ao corpo do Outro é para aí encontrar os traços arqueológicos de suas próprias cenas fantasmáticas vindas das primeiras experiências de satisfação. E se: “só podemos gozar de uma parte do corpo do Outro” (Lacan, 1975a, p. 26), é porque na relação sexual é o corpo do Outro como montagem de objetos a que aparece em cena. Talvez isso nos explique porque ao falar do amor Lacan não esquece de insistir no “narcisismo até seu termo extremo que se chama amor” (1967-1968, sessão do 07/02/68).

É apenas nessas condições que esse corpo pode transformar­se, como dizia Lacan, em metáfora do meu gozo. Antes de ser metáfora, ele deve transformar-se em corpo fetichizado por meio de procedimentos de destruição da resistência sensível do corpo ao pensamento fantasmático do eu. O que nos indica uma certa proximidade entre Lacan e Winnicott a respeito do destino da categoria de objeto.

Winnicott também percebe a necessidade de não reduzir o objeto a um “feixe de projeções” (1975, p. 123), mesmo que sua forma de pensar o objeto como “coisa em si” que se oferece no interior de uma realidade partilhada não deixe de nos levantar uma série de questões que até onde posso ver coloca-nos nas vias do retorno a um certo pensamento da identidade. Mas no interior do escopo deste artigo é pertinente salientar as conseqüências da afirmação de Winnicott, segundo a qual: “o objeto no fantasma está sempre sendo destruído” (p. 130); isto devido à tentativa de destruição da resistência do objeto por meio de sua conformação ao fantasma. Isto nos leva à conclusão de que “objeto” é exatamente aquilo que pode resistir à sua destruição pelo fantasma. É tal resistência que, entre outros, permite a passagem de uma relação com o objeto à utilização do objeto. Lembremos que para Winnicott: “ao ‘sujeito que se vincula ao objeto’ sucede ‘o sujeito que destrói o objeto’ (na medida em que ele transforma-se em exterior). Após pode intervir ‘o objeto que sobrevive à sua destruição pelo sujeito’” (p. 125).

Essa experiência inicial de resistência do objeto pode nos ser útil se quisermos compreender porque, para além do amor narcísico, Lacan precisa afirmar que há um outro amor que visa o ser. Trata-se de um amor que descobre que “a essência do objeto é o fracasso (ratage)” (Lacan, 1975a, p. 55)13. Eis aqui uma formulação precisa. Ela nos lembra que o objeto tem uma essência, o que equivale a dizer que ele tem uma consistência ontológica para além de sua condição de pólo de projeções narcísicas.

No entanto, e esta é a peculiaridade de Lacan, este real ontológico é marcado por uma negação, já que ele só pode ser acessível como objeto da experiência sob a forma de inadequação (ratage) à sua apreensão pelo pensamento conceitual. Neste sentido, podemos dizer que tal resistência do objeto à apreensão conceitual é sobretudo modo de presença de uma essência que só pode ascender ao domínio da experiência sob a forma de uma negação. O que levará Lacan a afirmar logo em seguida: “sim, eu ensino aqui algo de positivo. Salvo que isto se exprime através de uma negação”. Que a essência do objeto deva se manifestar por meio de uma negação que tem valor positivo, pois é modo de presença do objeto, negação aos modos de apreensão conceitual, eis uma operação que não podemos perder de vista.

Podemos compreender melhor esse ponto se voltarmos ao problema da relação sexual. Há uma forma de fracassar uma relação sexual que aparece quando o corpo do outro não se submete integralmente ao fantasma. Esta forma de não-submissão, de resistência do objeto ao pensamento fantasmático pode nos abrir à possibilidade da relação sexual e do acesso a um gozo do sensível. Lacan dirá que o amor que visa o ser exige a coragem de sustentar o olhar diante do estranhamento deste corpo não-submetido à imagem fantasmática. O olhar pode então descobrir, por meio do fracasso da procura da imagem fantasmática no corpo do outro, que “todo o corpo não foi apreendido no processo de alienação” (1966-1967, sessão do 31/05/ 67). Desta forma, o sujeito pode ver, na opacidade do corpo do outro, a encarnação do inomável do desejo. Eu vejo no seu corpo a imagem da opacidade do meu desejo.

É assim que podemos compreender a afirmação crucial de Lacan:

A mulher não ex-siste. Mas o fato dela não ex-sistir não exclui que se faça dela o objeto do desejo. Muito pelo contrário, daí o resultado. Com o que O homem, ao se enganar, encontra uma mulher com a qual tudo acontece, ou seja, normalmente, este fracasso no qual consiste o sucesso do ato sexual (2001a, p. 538)14.

Ou seja, nós alcançamos a realização do ato sexual por meio do fracasso da adequação entre uma mulher e as representações fantasmáticas da mulher. Fracasso que se dá quando o corpo de uma mulher aparece na opacidade deste sensível que só se manifesta por meio do desgaste do fantasma. Corpo radicalmente não-idêntico. Um pouco como Sartre dizia:

Após um longo comércio com uma pessoa, sempre aparece um instante no qual as máscaras se desfazem e eu me encontro diante da contingência pura de sua presença: neste caso, sobre seu rosto ou sobre os outros membros do corpo, eu tenho a intuição pura da carne. Esta intuição não é apenas conhecimento; ela é apreensão efetiva de uma contingência absoluta (1943, p. 384).

Este longo comércio que chamamos de intimidade, via na qual as máscaras se desfazem e o corpo se transforma na opacidade sensível da carne, indica o caminho para uma experiência de objeto procurada pelo final de análise. A carne é aqui figura do advento do sensível. Uma figura absolutamente central para Lacan, se lembrarmos que “há sempre no corpo, e devido ao fato de seu engajamento na dialética significante, algo de separado, algo de inerte: há a libra de carne” (1962­1963, sessão do 08/05/63).

 

A destituição subjetiva como protocolo de amor

Aqui é o momento de perguntar: qual relação existe entre este problema da experiência do sensível no interior das relações de objeto e o problema da destituição subjetiva? Esta questão pode ser desdobrada em uma outra: como pensar a posição subjetiva de um sujeito que é capaz de reconhecer o alvo do amor no ponto de exílio do objeto em relação ao pensamento submetido às coordenadas do fantasma?

Notemos, primeiro, uma peculiaridade maior na maneira lacaniana de pensar o amor. Sabemos que o amor é normalmente pensado como espaço de realização da promessa de reconhecimento intersubjetivo entre sujeitos postos em sua dignidade de sujeitos. Tal regime de pensamento ainda nos fornece as coordenadas gerais da reflexão socio-filosófica sobre o problema do amor. Axel Honneth, por exemplo, fornece-nos uma teoria do amor necessariamente articulada no interior de considerações sobre o processo de fundamentação do reconhecimento social. Para ele: “o amor representa o primeiro estágio de um reconhecimento recíproco, pois nele os sujeitos confirmam-se mutuamente tendo em vista a natureza concreta de suas necessidades e reconhecem-se como criaturas marcadas pela necessidade” (2000, p. 95). Ou ainda, em uma fórmula mais precisa, o amor seria: “simbiose refratada pela individualização mútua” (p. 107).

A perspectiva lacaniana tende a insistir em um outro ponto. Um amor que não esteja preso à lógica fantasmática do narcisismo só pode determinar as escolhas de objeto quando o sujeito for capaz de se reconhecer naquilo que no outro aparece como algo da ordem da opacidade dos objetos. Assim, um amor que não queira nos conduzir à unidade indiferenciada do Um deve ser sensível a esse quiasma, por meio do qual o sujeito encontra no outro a mesma opacidade que lhe permitirá constituir relação não-narcísica a si. Uma opacidade aos procedimentos de auto-reflexão que indica o estatuto problemático do corpo, do sexual e da verdade do inconsciente à apreensão subjetiva.

Mas essa opacidade indica sobretudo aquilo que há de impessoal no sujeito. O advento do vocabulário da carne nesse contexto das relações amorosas não é fortuito. A carne é aquilo que marca a insistência do informe e do impessoal diante da tentativa de personalização produzida pela constituição da imagem do corpo próprio. A carne é sempre abertura a esse “anonimato inato de mim mesmo”, como dizia Merleau-Ponty (1964, p. 183). Neste sentido, lembremoscomo para Lacan o eu é primeiramente a imagem do corpo próprio. É só a partir do momento em que o sujeito tem à sua disposição um esquematismo mental resultante da transcendência da imagem do corpo próprio que ele pode articular julgamentos de auto-referência próprios à instância do eu. Há uma relação fundamental entre ipseidade e imaginário do corpo para o pensamento psicanalítico. Essa “intuição pura da carne”, para além da imagem narcísica do corpo do outro, da qual fala Sartre, é uma experiência do reconhecimento do outro no limite da despersonalização. Para Lacan, o amor para além do narcisismo é pois amor que me permite reconhecer meu desejo no ponto de despersonalização do outro, ponto no qual o outro revela esse núcleo de objeto que constitui todo sujeito. Algo distante de uma: “simbiose refratada pela individualização mútua”. A reflexividade desse processo faz com que o resultado de tal amor seja aquilo que, em uma relação subjetiva, chamaríamos de “destituição subjetiva”.

Vale a pena, neste ponto, traçarmos algumas coordenadas gerais do processo analítico de destituição subjetiva como resolução necessária de um outro amor: o amor de transferência. Isto nos mostrará como esse amor, que se sustenta no ponto de despersonalização, permite­nos abordar o que está em jogo na resolução da transferência, resolução que marca a destituição subjetiva.

A fim de colocar uma equação geral, podemos dizer que destituição subjetiva é aquilo que ocorre quando o sujeito se reconhece na opacidade de um objeto pulsional que o constitui ao mesmo tempo que lhe escapa, opacidade que Lacan indica toda vez que fala do advento do objeto a em sua condição de resto, ou seja, na condição daquilo que é desprovido de valor do ponto de vista da sua conformação ao fantasma. No interior de uma relação analítica, tal processo ocorre quando podemos falar de uma “queda do sujeito suposto saber e sua redução ao aparecimento desse objeto a, como causa da divisão do sujeito que vem no seu lugar” (Lacan, 1967-1968, sessão do 10/01/68). Entendamos: o Outro não aparece mais nessa posição fantasmática de sujeito suposto saber na tranferência, sujeito que detém o saber sobre o gozo pensado como a capacidade de nomear de forma positiva e fornecer o objeto adequado ao gozo. O que aparece em seu lugar é o outro, mas em sua condição de objeto opaco vinculado ao Real.

No entanto, se o analista aparece aqui como objeto, principalmente no sentido de que ele paradoxalmente age como objeto15, isto não significa que ele age hipostasiando a dimensão da irreflexividade (conclusão na qual poderíamos chegar se lêssemos mal a afirmação lacaniana: “é a não pensar que ele [o analista] opera”). Afirmar que o ato analítico é operado pelo objeto é, na verdade, conseqüência direta da defesa de que o desejo do analista não é um desejo puro. Pois se o desejo do analista não é puro, é porque ele deve estar necessariamente vinculado a um objeto. Ele é patológico, no sentido kantiano, por não se colocar no ponto de indiferença em relação à série de objetos empíricos. Mas esse objeto ao qual o desejo do analista está vinculado, e que guia seu ato, não é mais objeto preso ao fantasma, e é neste ponto que devemos insistir.

Tal confrontação com um desejo vinculado a um objeto que não se submete mais às coordenadas do fantasma impõe uma mudança radical na posição subjetiva, isto se o sujeito for capaz de sustentar o investimento libidinal em um objeto posto nessas condições. Pois a queda do sujeito suposto saber na transferência não deve ser pensada simplesmente sob o signo da desilusão ou da dessublimação, marcas sempre presentes na tentativa de destruição do analista na transferência. Ela deve ser pensada como a revelação de que o amor de transferência não era integralmente suportado pela promessa de um saber sobre o gozo. Ao engajar-se na transferência, o sujeito era animado também pela promessa de encontrar um objeto capaz de resistir à destruição pelo pensamento identificante do fantasma – e é a realização de tal promessa que lhe permite encontrar uma via detravessia do fantasma. É a realização de tal promessa que sustenta a possibilidade do sujeito rencontrar o núcleo de sua economia pulsional para além do fantasma.

De fato, faz-se necessário falar aqui em destituição subjetiva. Mas tal necessidade impõe-se como conseqüência do fato de se tratar aqui de um reconhecimento reflexivo do sujeito no que aparece no outro como não submetido ao fantasma. Como é o fantasma que fornece as coordenadas de significação dos objetos empíricos, já que ele é um “índex de significação absoluta”, o que aparece por meio da travessia do fantasma aparece necessariamente desprovido de significação que o singulariza, desprovido de coordenadas estruturais de valor (daí porque Lacan utiliza o vocabulário do resto e do dejeto nesse contexto). Em suma, aparece como algo de informe, de impessoal, de opaco às determinações de identidade.

No entanto, essa destituição subjetiva não é o resultado do abandono da categoria de sujeito. A confrontação do desejo com o impessoal no interior de uma relação amorosa, confrontação que pode nos fornecer certas coordenadas para pensarmos a resolução do amor de transferência, não é solidária da auto-dissolução do sujeito. Falar de uma destituição subjetiva por meio de seu quiasma com a dissolução da significação do objeto no fantasma não significa, por exemplo, confundir o final de análise com processos de indiferenciação extra­psíquicas tão presentes em funcionamentos psicóticos, como no autismo simbiótico ou na esquizofrenia. Trata-se simplesmente de reconhecer a necessidade de pensarmos um sujeito capaz de formalizar experiências de não-identidade, e este me parece o verdadeiro desafio deixado pela experiência intelectual lacaniana.

Neste ponto, a articulação entre problemas aparentemente tão dissimétricos, quanto podem ser a irredutibilidade da experiência da carne na relação sexual e o vínculo ao real do objeto no desejo do analista, encontra uma justificação. Não se trata de tentar submeter a especificidade da resolução da experiência clínica analítica a um problema próprio à “fenomenologia” das relações amorosas. Trata-se simplesmente de reconhecer que problemas convergentes podem estar presentes em esferas divergentes e autônomas. A confrontação com a experiência da carne no interior de uma relação amorosa permite-nos pensar como um sujeito é capaz de por-se em uma relação que não submeta o não-idêntico à “síntese fantasmática” do Um (Lacan, 1966, p. 827). Essa posição do sujeito fornece-nos subsídios para pensarmos a relação de objeto após a travessia do fantasma, relação a meu ver importante para compreendermos o que está em jogo na confrontação com o desejo do analista no final de análise. Que um problema não exatamente clínico nos permita pensar os modos de subjetivação em operação na clínica, eis algo que não é estranho no interior do pensamento lacaniano.

Por fim, fica a idéia de que a temática da destituição subjetiva serve sobretudo para nos lembrar que: “os homens só são humanos quando eles não agem e não se colocam mais como pessoas; esta parte difusa da natureza, na qual os homens não são pessoas, assemelha-se ao delineamente de um ser inteligível, a um Si que seria desprovido de eu (jenes Selbst, das vom Ich erlöst wäre)” (Adorno, 1973, p. 267). Os homens só são humanos quando eles se reconhecem naquilo que não tem os contornos auto-idênticos de um eu. Pois só há sujeito lá onde há a possibilidade de reconhecer uma experiência interna de não-identidade.

 

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Endereço para correspondência
Vladimir Safatle
Rua Dr. Homem de Melo, 629 / 2021 – 05007-001 – Perdizes – São Paulo/SP
tel: (11) 3873-9828
e-mail: vsafatle@yahoo.com

Recebido em 19/05/04
Versão revisada recebida em 06/12/04
Aprovado em 20/12/04

 

 

Notas

IProfessor-Doutor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.
1Este texto é a versão final de uma conferência ministrada em janeiro de 2004 na Universidade de Paris VII, à ocasião de um seminário dedicado ao “Impessoal”, organizado pela Profª Monique David-Ménard, e de outra conferência apresentada, em agosto de 2003 na Universidade Federal de Minas Gerais, à ocasião do evento: “Dez encontros: psicanálise e filosofia”, organizado pelo Departamento de Psicologia. Na redação deste texto tive o privilégio de discuti-lo com Christian Dunker. A ele deixo aqui meu mais sincero agradecimento pelos comentários preciosos.
2“Há um gozo dela [da mulher] a respeito do qual talvez ela mesma não saiba nada, a não ser que ela o experimenta” (Lacan, 1975a, p. 69).
3Neste sentido vale a pena lembrar, por exemplo, a maneira com que Jacques Alain-Miller se serve da elaboração lacaniana de l’apparole. Para ele: “L’apparole é no que a palavra se transforma quando ela é dominada pela pulsão e quando ela não assegura a comunicação, mas o gozo”. Tal dicotomia entre o gozo de l’apparole e o diálogo mostraria como “no nível de l’apparole, não há diálogo, não há comunicação, há autismo. Não há Outro” (Miller, 1996, p.13). A fórmula é muito interessante devido a seu caráter corajoso e é possível que Miller não esteja errado em indicar esta tendência em certos escritos lacanianos. Mas podemos perguntar se não se trata aí apenas de um momento (o momento da disjunção) no interior de um movimento de subjetivação que supera este gozo mudo por meio de uma palavra renovada. Lembremos, por exemplo, que ao falar da destituição subjetiva, momento no qual poderíamos alcançar o nível de l’apparole, Lacan seja obrigado a insistir que: “de qualquer forma, esta experiência não pode ser eludida. Seus resultados devem ser comunicados” (2001a, p. 255).
4Campo cuja consistência só será produzida por operações do fantasma fundamental. Tal interferência do fantasma na estruturação do campo do significante levará Lacan, por exemplo, a aproximar significante e semblant ao falar: “daquilo que é do significante: ou seja, por excelência, o semblant” (2001a, p. 17). Lembremos deste ponto central: não há universo simbólico que não retire sua consistência do fantasma. Isto implica, entre outras coisas, que “a relação do sujeito ao significante necessita da estruturação do desejo no fantasma” (Lacan, 1962-1963, sessão do 08/05/63) e que a inadequação entre sujeito e significante será fundamental para sustentar uma experiência possível de travessia do fantasma.
5Ou ainda, “nós sempre desconhecemos, até um certo grau, o desejo que quer ser reconhecido, já que nós lhe fornecemos seu objeto, enquanto que não é de obejto que se trata – o desejo é desejo desta falta que, no Outro, designa um outro desejo” (Lacan, 1998, p. 329).
6“Nós consideramos o narcisismo como a relação imaginária central para a relação inter-humana” (Lacan, 1981, p. 107).
7Lembremos como Lacan afirma claramente que: “o eu é um objeto” (1975b, p. 196), produzido por meio da sedimentação de captações imaginárias. Neste sentido, ele não faz outra coisa que seguir Sartre, para quem o eu tinha o estatuto de um objeto transcendente; o que o levava a afirmar que: “o Ego não é o proprietário da consciência, ele é seu objeto” (Sartre, 1992, p. 77).
8Daí porque, entre outras coisas, Lacan afirmará que: “o ato de amor é a perversão polimorfa do macho, isto no ser falante” (1975a p. 68).
9Lembremo-nos, por exemplo, da afirmação lacaniana: “a verdadeira função do pai é de unir (e não de opor) um desejo à lei” (1966, p. 824).
10Sensível deve ser pensado aqui como materialidade que funciona como base não­conceitual do pensamento conceitual. Isto não significa que se trata de pensar o sensível como figura de uma positividade que se oferece à intuição imediata. Sensível é aquilo que aparece como operador de resistência ao esquematismo do pensamento categorial. Ele é o que impede que o entendimento hipostasie seu conceito por meio de um procedimento de totalização. Assim, a experiência do sensível deve ser pensada principalmente de maneira negativa, da mesma forma que o Real em Lacan só pode ser pensado de maneira negativa como “impossível” que aparece no limite dos processos de conceitualização, e não como a positividade da experiência imediata (via de um realismo do objeto sempre criticada por Lacan).
11Isto o levar a defender, de maneira perspicaz, que na perversão “o desmentido não é a castração, mas o gozo feminino, do Outro” (Braunstein, 1990, p. 253).
12É isto que leva Lacan a afirmar que a Lei moral é o desejo em estado puro: “este mesmo desejo que se realiza no sacrifício de tudo o que é objeto de amor na sua ternura humana – eu digo claramente, não apenas rejeição do objeto patológico, mas seu sacrifício e a seu assassinato. É por isto que escrevi Kant com Sade” (1973, p. 247). E é por isto que na perspectiva lacaniana a moralidade kantiana com sua estratégia de determinação transcendental da vontade pura nos leva diretamente à perversão sadiana.
13A tradução de ratage por “fracasso” não é precisa, mas é melhor do que “rata”, sugestão de MD Magno em sua tradução do Seminário XXRatage indica o fato de se ter perdido algo (como nós vemos na afirmação “J’ai raté un rencontre”), de ter fracassado (“Je suis un raté”, “Il rate toujours”), e por fim, uma inadequação entre intencionalidade do ato e realização. Uma outra alternativa também utilizada consiste em traduzir ratage por “fiasco”.
14A passagem da “relação sexual” para o “ato sexual” é a princípio uma maneira de impedir o retorno final da relação entre dois termos incompatíveis. Mas lembremos, e isto sabemos ao menos desde Hegel, que uma não-relação não é expulsão do outro a uma exterioridade indiferente, senão o valor de experiência produzindo pelo fracasso da relação não poderia sequer ser posto. Em certos casos, uma não-relação é uma relação que se funda em uma unidade negativa, e este parece bem ser o caso do sexual.
15Como podemos ver na afirmação de que o ato analítico funda-se “em uma estrutura paradoxal, já que nela o objeto é ativo e o sujeito subvertido” (Lacan, 2001a, p. 332).