SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.10 número20Considerações gerais e orientações práticas acerca do emprego de estudos de caso na pesquisa científica em psicologia índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Interações

versión impresa ISSN 1413-2907

Interações v.10 n.20 São Paulo dic. 2005

 

RESENHAS

 

Marisa Fortes1

Universidade São Marcos

Endereço para correspondência

 

 

VIEIRA NETO, O.; VIEIRA, C.M.S. (org). Transtorno de Estresse Pós-Traumático: uma neurose de guerra em tempos de paz. São Paulo: Vetor, 2005. 256 p. ISBN 8575850962.

Organizador da obra e autor de oito de seus onze capítulos, Othon Vieira Neto é psicólogo, psicoterapeuta e mestre em Psicologia da Saúde pela UMESP; é também professor e supervisor do UniFMU. Claudia Maria Sodré Vieira é psicóloga, psicoterapeuta e mestre em Psicologia Clínica pela USP, além de professora e supervisora do UniFMU e do Departamento de Psicodinâmica de Adultos do Instituto Sedes Sapientae. Ambos atuam como supervisores em um projeto firmado em parceria com a Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo, o CRAVI – Centro de Referência e Apoio à Vítima.

O interesse pelo tema, segundo os organizadores, surgiu a partir de atendimentos realizados com pacientes que haviam sofrido algum tipo de violência, e especialmente com uma população de bancários, vítima de assaltos em seu local de trabalho. O ponto de partida para o livro Transtorno de Estresse Pós-Traumático foi a busca de uma melhor compreensão da relação entre a experiência de uma situação traumática e um possível sofrimento psíquico eventualmente desencadeado pelo fato. Além de dados objetivos obtidos por meio de pesquisas sistemáticas, o trabalho é baseado no referencial teórico psicanalítico, que tenta entender os sintomas dos pacientes como uma expressão simbólica de um conflito inconsciente, buscando a compreensão do trauma e suas conseqüências.

Os onze capítulos fornecem um panorama completo do TEPT – Transtorno de Estresse Pós-Traumático –, abrangendo sua dinâmica, sintomas, particularidades e características. No primeiro capítulo é conceituado o transtorno e são abordadas sua etiologia e prevalência, em uma visão geral do tema. O segundo capítulo, de autoria do psiquiatra Renato Teodoro Ramos, aborda as bases biológicas do TEPT, e entre outros conceitos, ele define o termo “traumático”, esclarecendo as evidências de que organismos diversos comportam-se de maneira diferente uns dos outros, sendo alguns mais vulneráveis ao desenvolvimento dos sintomas. Claudia Maria Sodré Vieira traz no terceiro capítulo, intitulado A metapsicologia do trauma, uma sintetização teórica do trauma sob a ótica psicanalítica e sua ação no aparelho psíquico. Da mesma forma, no quarto capítulo – escrito em conjunto com a psicóloga e psicanalista Eva Maria Migliavacca –, a autora esmiuça os conceitos de Freud acerca da Fixação do Trauma e da Teoria da Libido, buscando relacioná-las.

Nos capítulos seguintes, Othon Vieira Neto aborda a concepção psicanalítica da neurose e sua intersecção com o TEPT; a instituição bancária como observatório humano do TEPT, com três casos clínicos ilustrativos; o papel da ansiedade no transtorno e outras alterações apresentadas após a situação traumática, como sentimento de culpa, irritabilidade e dificuldades de relacionamento interpessoal. Os organizadores descrevem a Síndrome de Estocolmo no nono capítulo, localizando historicamente a expressão, detalhando inclusive sua base, a identificação com o agressor. No décimo capítulo, Othon Vieira Neto apresenta a proposta de um programa de assistência às vítimas de assalto ou seqüestro; e no capítulo seguinte – escrito em conjunto com o Professor Doutor José Tolentino Rosa, do Departamento de Psicologia Clínica do IPUSP –, encerra o trabalho discorrendo sobre as contribuições da Psicologia da Saúde na atenção às pessoas com TEPT.

Os autores concluem que em concordância com as pesquisas de campo e bibliográficas realizadas, esse quadro pode ser uma conseqüência psicológica comum às vítimas de violência. O Transtorno de Estresse Pós-Traumático, inclusive, é uma designação adotada recentemente pela CID-10 para classificar um quadro anteriormente conhecido como Neurose Traumática, termo mais familiar aos leitores de orientação psicanalítica. Eles afirmam que se trata de uma patologia ainda pouco conhecida no Brasil, de difícil diagnóstico e pouco identificada pelos profissionais da saúde, apesar de atualmente ter chegado a proporções epidêmicas no mundo todo.

Há uma flagrante escassez de livros nacionais versando especificamente sobre o tema e Transtorno de Estresse Pós-Traumático: uma neurose de guerra em tempos de paz é uma contribuição valiosa, tanto por seu conteúdo rico em informações para os estudiosos do transtorno, quanto por sua linguagem fluida, acessível e concisa. Dado o grande volume e qualidade da bibliografia consultada, o livro pode ser bastante aproveitado pelos que trabalham na psicologia clínica de maneira geral, na medida em que o viver (e sobreviver) em uma grande metrópole torna todos os indivíduos vítimas potenciais da violência urbana que lhe é característica. É especialmente indicado aos que atendem e atuam diretamente junto a pacientes que experimentaram uma vivência traumática e sofrem seus efeitos. A partir das concepções de Freud sobre a Neurose Traumática, e de sua tentativa de articulação desse conceito com as demais psiconeuroses, os autores conseguem estabelecer uma linha de trabalho coerente com a proposta: utilizar o viés psicanalítico para a abordagem do tema. O ponto alto da obra é trazer também dados obtidos junto à população brasileira, fornecendo uma visão sobre o assunto bem mais próxima à nossa realidade, uma vez que estudos internacionais são comumente as mais fartas e freqüentes fontes de consulta na pesquisa sobre o tema.

 

Endereço para correspondência
E-mail: marisa.fortes@uol.com.br

 

 

1 Psicoterapeuta; Especialista em Psicologia Hospitalar (UNISA); Mestranda em Psicologia Social (Universidade São Marcos).