SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número21 índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Interações

versión impresa ISSN 1413-2907

Interações v.11 n.21 São Paulo jun. 2006

 

RESENHAS

 

 

Glaucy Karon Abdon Alves1

Universidade São Marcos. Programa de Pós-Graduação em Psicologia

Endereço para correspondência

 

 

GARCIA, M.T.; BEATON, G.A. Necessidades educativas especiais desde o enfoque histórico-cultural. São Paulo: Linear B, 2004. 129p.

María Teresa Garcia é Licenciada em Psicologia, Doutora em Ciências Psicológicas, Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia da Universidade de Havana. Guillermo Arias Beaton é licenciado em Psicologia, Doutor em Ciências Pedagógicas, Professor Assistente da Faculdade de Psicologia da Universidade de Havana; dirigiu o trabalho de Aperfeiçoamento da Educação Especial do Ministério da Educação de Cuba. Ambos realizaram numerosas investigações na área do desenvolvimento infantil, da atenção a crianças com necessidades educativas especiais e sobre os serviços de orientação a esses escolares e seus familiares, além de possuírem publicações sobre os temas mencionados.

O interesse pelo tema surgiu como resultado de um trabalho que vem sendo realizado pelos autores no campo da educação especial, mais precisamente no modelo de educação de Cuba, que se baseia no enfoque histórico-cultural. Os autores fazem uma análise desde o período pós-1959 (fim da Revolução Cubana) até os dias atuais.

A obra está dividida em sete capítulos, começando por um levantamento histórico da Educação Especial, a análise do modelo de Educação Especial em Cuba, a necessidade de uma Psicologia Especial como fundamentação teórico-prática para a Pedagogia Especial, o papel do psicólogo dentro desse contexto, e finalizando com questões éticas ao se trabalhar com pessoas portadoras de necessidades especiais.

No primeiro capítulo, que introduz o livro, os autores mostram a relevância social do tema como questão atual e de grande interesse científico, além de sempre ser um tema polêmico. O segundo capítulo fala do desenvolvimento histórico da educação especial, mostrando que todas as conquistas alcançadas atualmente são fruto de um longo processo de evolução histórica, que juntamente com as transformações das condições materiais e culturais que o ser humano produziu na sociedade, resultam nas políticas educacionais atuais. Os autores trazem a evolução de concepções humanista com o exemplo do médico Philippe Pinel em seus trabalhos com doentes mentais, que favorecia o desenvolvimento social e psicológico. Relatam os avanços no campo da Pedagogia que possibilitaram reflexões importantíssimas para a educação especial, enfatizando as contribuições de alguns pensadores, como J.J. Rousseau (1712-1778), G.H. Pestalozzi (1746-1877) e F. Froebel (1783-1852). Já no século XX, mostram Binet, que por solicitação do Ministério de Instrução de França, elaborou uma escala de medida para identificar escolares (alunos) que necessitavam de ajuda especial. Seu trabalho teve grande contribuição para a Educação Especial, pois possibilitava que as crianças especiais fossem desde cedo atendidas e acompanhadas. Porém, suas intenções foram mal interpretadas, fazendo-se uso inadequado de seus testes, ao se classificar e rotular crianças que obtinham coeficiente de inteligência abaixo da média.

O terceiro capítulo, dedicado à Educação Especial em Cuba, mostra que antes de 1959 essa modalidade de educação era praticamente inexistente. No entanto, após esse período, percebe-se que Cuba passou por inúmeras transformações políticas e sociais, que podem ser vistas em seus sistemas educacionais e de saúde. Foram incentivadas a abertura de escolas especiais e de centros de diagnósticos e orientações no país.

O quarto capítulo enfoca a Psicologia Especial, que é considerada um ramo recente da Psicologia, que surge como uma necessidade da Pedagogia Especial em fundamentar-se cientificamente e como base teórico-metodológica das ações pedagógicas em educação especial. Esclarece os objetivos da Psicologia Especial, que segundo os autores, “é estudar as particularidades das pessoas que apresentam desvios de desenvolvimento” (p. 45). Subdivide a Psicologia Especial em nove sub-campos de estudo, que são: Psicologia dos Retardos Mentais; Psicologia das Dificuldades de Aprendizagem; Psicologia dos Transtornos Severos de Conduta; Psicologia dos Deficientes Auditivos; Psicologia das Pessoas com Talento; Psicologia do Deficiente Visual; Psicologia das Pessoas Surdocegas; Psicologia das Pessoas que Apresentam Impedimentos Físicos e Motores; e Psicologia dos Transtornos de Linguagem.

O quinto capítulo trata dos princípios da Psicologia e Pedagogia Especiais, mostrando que em Cuba as duas áreas postulam dez princípios teórico-metodológicos, apoiados no enfoque Histórico-Cultural criado por Vygotsky (1896-1934), que são uma forma de conduzir o trabalho. Esses dez princípios são: Determinação Social do desenvolvimento psíquico; Papel do ensino no desenvolvimento; Enfoque individual; Diagnóstico precoce, científico, integral, dinâmico e multidisciplinar; Intervenção precoce e pré-escolar; Correção e compensação; Diferenciação do ensino; Interação com a comunidade; Preparação laborial e profissional; Orientação, atenção e educação da família.

No sexto capítulo, Garcia e Beaton mostram o psicólogo na educação especial, seu papel e a importância de seu trabalho associado à Pedagogia Especial. Para os autores, a Psicologia como ciência insere-se em todo o trabalho realizado na Educação Especial, desenvolvendo um trabalho importante junto a pedagogos e médicos, entre outros profissionais. Mostra que é impossível conseguir um trabalho eficiente e que vise o desenvolvimento da criança se não for um trabalho multidisciplinar, conjunto. Indica várias áreas da Educação Especial em que o psicólogo pode atuar, dentre elas no diagnóstico dos escolares, na orientação escolar e familiar e na formação docente.

O último capítulo traz reflexões sobre a ética para trabalhar com pessoas especiais. Segundo os autores, “são o conjunto de valores e princípios de comportamento do profissional em seu âmbito de trabalho e fora dele que o definem em suas posições em relação às pessoas” (p. 117). Tal conjunto de valores e princípios é derivado do processo de desenvolvimento profissional. Entretanto, ao se trabalhar com pessoas especiais deve-se ter cuidado para não projetar suas próprias inseguranças e conflitos. Existe ainda o problema da insegurança em diagnosticar e ajudar a pessoa especial em seu desenvolvimento. Por vezes o profissional não se sente capaz de colaborar para o desenvolvimento do outro, o que é considerado normal, uma vez que os profissionais são, antes de tudo, pessoas que muitas vezes se sentem incapazes diante de casos tão complexos que lhe são apresentados.

De acordo com a leitura do livro, percebe-se que o interesse na educação e no desenvolvimento de crianças especiais nem sempre foi constante. Com a evolução histórica e social da Educação Especial pode-se compreender os esforços de grupos que hoje comemoram a inclusão social e escolar de pessoas com necessidades especiais. Analisar o modelo educacional de Cuba traz reflexões para a prática profissional, uma vez que devido a seu contexto histórico-social, Cuba superou os impasses sociais que lhe foram impostos e pôde construir suas políticas públicas baseadas em pressupostos teórico-práticos que valorizam o desenvolvimento social e cultural de seu povo. Além de valorizar a atuação dos profissionais que trabalham com educação, mais especificamente com educação especial, incentiva a capacitação docente e o trabalho multiprofissional. Cuba nos mostra que não é um personagem apenas que faz a diferença em educação: é um conjunto de ações bem pensadas e elaboradas, fundamentadas em um referencial teórico-metodológico, que dará suporte para que as ações educativas sejam voltadas para o desenvolvimento integral da criança.

Entretanto, se formos analisar o que vem sendo trabalhado atualmente em educação de pessoas com deficiência, o livro não nos traz muitas contribuições, restringindo-se à educação especial e não abrangendo a educação inclusiva, pouco colaborando com políticas e práticas de inclusão. Discordo, por exemplo, da idéia de uma “Psicologia Especial” ou do “Excepcional”, uma vez que isso não está mais sendo utilizado nem mesmo nos cursos de graduação em Psicologia, não sendo condizente com os pressuposto da Psicologia Sócio-Histórica.

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: abdon@uepa.br

 

 

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade São Marcos.