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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.2 no.2 Natal dez. 1997

 

Apresentação

 

 

José Q. Pinheiro
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

 

 

Psicologia Ambiental ainda é um corpo mais ou menos estranho no cenário da Psicologia brasileira, o que me faz lembrar de uma conversa com uma colega sobre o assunto, em meados dos anos 80. Ela terminara seu mestrado (Almeida, 1985) e trabalhava como psicóloga clínica, procurando incluir na prática profissional suas crescentes preocupações com o papel do ambiente em seu trabalho. Interessada em trocar experiências sobre o assunto, contou-me ter colocado um anúncio no jornal do Conselho Regional de Psicologia (CRP-06), pedindo que psicólogos ambientais entrassem em contato com ela para tal intercâmbio. Vários colegas a contactaram, de fato, mas para perguntar o que era Psicologia Ambiental.

Desde então, a Psicologia Ambiental tem tido presença cada vez maior em nosso meio, como atestam uns poucos artigos em periódicos especializados, disciplinas em cursos de graduação (de Psicologia, ou outros) e pós-graduação, e trabalhos em congressos internacionais, como os do 26º Congresso da Sociedade Interamericana de Psicologia, recentemente realizado em São Paulo. Essa presença, no entanto, ainda é limitada e esparsa, com pouca integração entre os trabalhos, a não ser pelos aglomerados de produções em torno das poucas pessoas ou grupos atuando no setor. Se levarmos em conta que as pessoas responsáveis por esses núcleos são, em sua maioria, produto de formação individual em outros países (notadamente Europa e Estados Unidos), concluiremos que a Psicologia Ambiental está presente entre nós, sim, mas ainda engatinha.

Tal situação não é muito diferente do cenário mais amplo da Psicologia Ambiental na América Latina. Com base em levantamento realizado na primeira metade da década de 80, colegas venezuelanos indicavam uma situação bastante semelhante para a região (Sánchez, Wiesenfeld, & Cronick, 1987). Mais recentemente, uma edição especial do periódico Environment & Behavior apresenta uma amostra de trabalhos de Psicologia Ambiental por autores latino-americanos, observando que a busca de informação sobre tais produções em nossos países enfrenta sérias dificuldades (Corral-Verdugo, 1997). Segundo aquele autor, para um levantamento do setor na região seria preciso consultar uma ampla variedade de periódicos, atas de congressos, dissertações de mestrado, teses de doutorado e outros manuscritos não publicados. Uma vez que nossas bibliotecas, de um modo geral, têm acervo bastante limitado e como poucas dessas fontes são indexadas internacionalmente, "uma revisão da produção latino-americana em Psicologia Ambiental poderá significar uma odisséia!" (p. 166).

Assim, este dossiê não pretende ser representativo das produções em Psicologia Ambiental no Brasil mas, antes, um pequeno leque de exemplos; quatro artigos que exemplificam o tipo de preocupação e interesse de profissionais da área. Três trabalhos provém de integrantes do Grupo de Estudos Pessoa-Ambiente (GEPA), núcleo de pesquisas vinculado ao Departamento de Psicologia da UFRN, mas aberto a pesquisadores de todas as disciplinas voltadas à interface humano-ambiental. Ao mesmo tempo, quisemos incluir um relato de pesquisa de um colega de outro país latino-americano por entender que os problemas teóricos e práticos que enfrentamos na região são bastante parecidos e facilmente traduzíveis entre nossas realidades.

Segundo o novo código de trânsito brasileiro, já aprovado no Congresso Nacional e submetido à sanção do Presidente da República, o pedestre também poderá ser considerado responsável pelos problemas que venha a causar no trânsito, podendo mesmo vir a ser multado. O pedestre como co-autor em potencial de acidentes nas vias públicas foi justamente a premissa inicial da investigação realizada sobre o assunto pelo psicólogo chileno Emilio Moyano, professor de Psicologia Ambiental e especialista em Psicologia do Trânsito. Em seu relato, o Professor Moyano analisa o comportamento infrator de normas de trânsito de moradores da cidade de Santiago do Chile, baseando-se na teoria do comportamento planejado. Seu estudo leva em conta a idade e o gênero dos respondentes, bem como a influência de habilitação para dirigir e de experiência em acidentes de trânsito.

Vale mencionar que aqui no Brasil o fenômeno do trânsito também tem sido estudado. Günther e Rozestraten, por exemplo, mencionam uma tese de mestrado que analisou a influência de variáveis ambientais na opção de percurso do pedestre (Nunes, 1991; apud Günther & Rozestraten, 1993) e já foi publicado pelo menos um livro sobre Psicologia do Trânsito (Rozestraten, 1988). Além disso, a atuação de nossos psicólogos nos departamentos estaduais de trânsito certamente já terá gerado outros estudos na área.

A indagação "estamos medindo o que pensamos que estamos medindo?" não é uma exclusividade da pesquisa psicológica, sendo preocupação de ampla gama de profissionais em educação, direito e jornalismo, entre outros (Marans & Ahrentzen, 1987). A consideração da confiabilidade e da validade das técnicas utilizadas é parte integrante do processo de pesquisa científica, tornando-se especialmente relevante diante de situações complexas, que envolvem muitas possibilidades de interferência sobre o fenômeno em estudo, como no caso das relações pessoa-ambiente. Uma alternativa de enfrentamento dessa questão é a abordagem multimétodo, que pode ainda contribuir para o refinamento teórico diferencial dos conceitos sob investigação. O artigo da professora Gleice Elali apresenta importantes aspectos dessa abordagem, ao descrever a utilização de algumas das ferramentas de investigação características de estudos das inter-relações humano-ambientais. Seu trabalho analisa ainda a rica área de intersecção entre Psicologia Ambiental e Arquitetura, possivelmente a ponte interdisciplinar mais profícua da Psicologia Ambiental brasileira até aqui (Pinheiro, 1985; Sánchez et al., 1987).

O trabalho sobre Psicologia Ecológica e os acontecimentos da vida diária, dos professores Clarisse Carneiro e Pitágoras Bindé, apresenta uma visão da evolução teórica e aplicada do conceito de behavior setting, oriundo dos trabalhos pioneiros de Roger Barker e seus colaboradores (Barker, 1968), posteriormente desenvolvido por outros autores. Tal análise é bastante oportuna em nosso meio pois, apesar da enorme importância daquela noção para a área das interações pessoa-ambiente, seu emprego (e conhecimento?) pela comunidade acadêmica da Psicologia brasileira parece ser ainda bem reduzido.

Entre nós, a Psicologia Ecológica de Barker é mencionada por uns poucos autores de Psicologia Social e Organizacional, pelas óbvias implicações de tal conceituação para aquelas áreas. Duas outras áreas também apresentam rápidas referências a ela: Psicologia do Desenvolvimento, possível decorrência da ênfase dada ao cotidiano infantil nos pioneiros trabalhos de observação (Barker & Wright,1955, 1951), e Psicologia Escolar, talvez em consequência dos trabalhos de Barker com Paul Gump sobre a importância do tamanho das escolas para as oportunidades de participação (Barker & Gump, 1964). Dessa forma, o estudo de Carneiro e Bindé preenche uma lacuna informativa, retomando e atualizando uma das contribuições mais importantes da trajetória da Psicologia Ambiental (Bechtel, 1990; Schoggen, 1989).

O quarto artigo, de minha autoria, traça um panorama da Psicologia Ambiental, que inclui breves notas sobre a história da área a nível internacional e nacional, com o propósito de explicitar as condições que lhe deram origem e a caracterizam. Algumas especificidades do campo são analisadas, bem como suas relações com outros setores da Psicologia. Tópicos correntes de investigação são introduzidos, especialmente aqueles considerados mais relevantes para as perspectivas futuras da área em nosso meio, uma vez que mudanças em temas de pesquisa e aplicação têm ocorrido em anos recentes, com sérias implicações para as contribuições potenciais desse campo de estudo.

Com este dossiê ora publicado na Estudos de Psicologia, esperamos estar contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia Ambiental entre nós, desenvolvimento esse que poderia gerar benefícios em duas grandes direções, uma interna, a outra externa à Psicologia. Em primeiro lugar, uma Psicologia Ambiental mais bem desenvolvida poderia contribuir com a Psicologia como um todo, tanto no sentido de levar ao campo de aplicação ambiental mais amplo as teorias e métodos da Psicologia, como no sentido inverso, levando à Psicologia ampliações e reformulações teóricas e práticas, matizadas de tons "ambientais". Forçada que é, por sua própria natureza, ao contato com outras disciplinas, a Psicologia Ambiental poderia também contribuir com o melhor encaminhamento de soluções para os muitos problemas ambientais que um país como o Brasil tem pela frente.

 

Referências

Almeida, S. (1985). O lugar de morar. Dissertação de Mestrado não-publicada. Faculdade de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica, São Paulo.        [ Links ]

Barker, R. G. (1968). Ecological Psychology. Stanford, Califórnia: Stanford University Press.        [ Links ]

Barker, R. G., & Wright, H. F. (1955). Midwest and its children. New York: Harper & Row.        [ Links ]

Barker, R. G., & Wright, H. F. (1951). One boy's day. New York: Harper & Row.        [ Links ]

Barker, R. G., & Gump, P. V. (Orgs.). (1964). Big school, small school. Stanford, Califórnia: Stanford University Press.        [ Links ]

Bechtel, R. B. (Org.). (1990). The Midwest Psychological Field Station: a celebration of its founding [número especial]. Environment & Behavior, 22(4).        [ Links ]

Corral-Verdugo, V. (1997). Environmental Psychology in Latin America, efforts in critical situation [introdução à edição especial sobre Psicologia Ambiental na América Latina]. Environment & Behavior, 29, 163-168.        [ Links ]

Günther, H., & Rozestraten, R. J. A. (1993). Psicologia Ambiental: algumas considerações sobre sua área de pesquisa e ensino. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 9(1), 109-124.        [ Links ]

Marans, R. W., & Ahrentzen, S. (1987). Developments in research design, data collection, and analysis; quantitative methods. In E. H. Zube & G. T. Moore (Orgs.), Advances in environment, behavior, and design (vol. 1, pp. 251-277). New York: Plenum.        [ Links ]

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