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Estudos de Psicologia (Natal)

Print version ISSN 1413-294XOn-line version ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.23 no.4 Natal Oct./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20180033 

DOI: 10.22491/1678-4669.20180033

PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

 

"A dor ensina a gemer": a banalização da precariedade no trabalho

 

"The pain teaches moaning": The banalization of precariousness at work

 

"El dolor enseña gemido": la banalización de la precariedad en el trabajo

 

 

Fernanda LottermanI; Carmem Regina GiongoII; Lisiane Machado de Oliveira-MenegottoIII

IPrefeitura de São Sebastião do Caí
IIUniversidade Feevale
IIIUniversidade Feevale

 

 


RESUMO

A Psicodinâmica do Trabalho afirma que o trabalho é fonte de prazer e de sofrimento entre os trabalhadores(as) e que as estratégias defensivas são essenciais para a manutenção da saúde mental. O presente estudo tem o intuito de analisar as estratégias defensivas utilizadas pelos executivos das indústrias de alimentos na região do Vale do Caí. Com delineamento qualitativo, a pesquisa contou com oito entrevistados. Utilizaram-se entrevistas focalizadas e questionários. Os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo. Concluiu-se que as estratégias defensivas utilizadas com maior frequência entre esses profissionais são a racionalização da relação trabalhista, a negação dos próprios sentimentos, a banalização frente à precariedade imposta pela organização, o silêncio e a fuga frente a esses aspectos. Reflete-se sobre a necessidade de promoção de movimentos de prevenção da saúde mental, reduzindo assim, a necessidade do(a) trabalhador(a) em utilizar meios próprios para a manutenção da própria saúde psíquica.

Palavras-chave: psicologia; saúde do(a) trabalhador(a); fatores de risco.


ABSTRACT

The psychodynamics of work, says that work is a source of pleasure as well as suffer, within workers, and that defensive working strategies are essential to maintain their mental health. The study aims to analyze the types of defensive strategies applied by the food industry executives, in the Vale do Caí region. Based on a qualitative design method, where eight persons were interviewed, factors such as questionnaires and guided interviews were applied. The study showed, based on a critical analysis of the results, that the most predominant types of defensive strategies are the rationalization of working relations, the denial of their own feelings, the insignificance, given by the organization, towards precarious working conditions and the silence and flee upon this aspects. A reflection about the necessity to promote mental health prevention motions is undertaken, reducing therefore, the needs of a worker to utilize their own methods of mental health preservation.

Keywords: psychology; worker's health; risk factors.


RESUMEN

La psicodinámica del trabajo determina que el trabajo es una fuente de placer y sufrimiento entre los trabajadores y que las estrategias defensivas son esenciales para el mantenimiento da la salud mental. Esta investigación logra identificar las fuentes de placer de los ejecutivos de la industria de alimentos en la región del vale do Caí. Con un diseño cualitativo, la pesquisa incluyó ocho entrevistados. Se utilizaron cuestionarios y entrevistas específicas. Los datos fueron analizados mediante el análisis de contenido. Se concluyó que las estrategias defensivas utilizadas con más frecuencia entre estos profesionales son la racionalización de las relaciones laborales, la negación de los propios sentimientos, trivialización contra la precariedad impuesta por la organización, el silencio y el escape frente a estos aspectos. Esto se refleja en la necesidad de promoción de movimiento de prevención de la salud mental, reduciendo así la necesidad de que los trabajadores puedan utilizar sus propios medios para mantener su propia salud mental.

Palabras clave: psicología; salud del trabajador; factores de riesgo.


 

 

Sabe-se que o trabalho proporciona ao trabalhador(a) o relacionamento com seus pares, o que, por consequência, além de auxiliar na construção de estratégias defensivas contra o sofrimento, também contribui para a construção do sentimento de pertencimento a um coletivo. Este processo permite que o(a) trabalhador(a) receba de seus pares o reconhecimento do seu fazer, contribuindo assim, para a construção da própria identidade (Dejours, 1992). No entanto, é também no trabalho que surgem as vivências de sofrimento, adoecimento e mortes relacionadas à precarização da organização do trabalho.

Estatísticas do Ministério do Trabalho e do Emprego (MTB) apontam que, somente no Brasil, foram contabilizados 101.091 afastamentos de trabalhadores(as), por questões relacionadas à saúde mental, somente no primeiro semestre do ano de 2016; sendo considerada esta, a quarta maior causa de solicitação do benefício auxílio-doença neste período. Além disso, estatísticas fornecidas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) indicam que foram pagos, no ano de 2015, mais de 152 mil auxílios-doença e no ano de 2014, mais de 220 mil auxílios-doença em função de transtornos mentais e comportamentais, sendo estes considerados, oficialmente, a terceira maior causa de afastamentos do trabalho no Brasil (Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho [Diesat], 2016). Tais estatísticas reforçam a preocupação com a saúde mental do(a) trabalhador(a) e tornam o tema uma questão de saúde pública, fazendo refletir acerca da necessidade de implantação de estratégias que previnam o adoecimento.

Para analisar, então, a saúde mental do(a) trabalhador(a) e as relações estabelecidas entre os sujeitos e o cenário em que estes interagem, se faz necessário abrir mão de teorias que atribuem somente ao próprio sujeito a responsabilidade pela integridade de sua saúde no local de trabalho. É necessário compreender e atentar para a influência que a organização do trabalho exerce sobre a saúde/doença mental do(a) trabalhador(a).

A organização do trabalho pode ser analisada a partir de duas perspectivas diferenciadas: a divisão do trabalho e a divisão dos homens. A primeira refere-se ao modo operatório e prescrito de como o operário deve agir, além das determinações sobre a divisão e repetição das tarefas. Já a segunda fala sobre a hierarquização, sobre o comando e o controle e considera, sobretudo, a relação entre as pessoas e a mobilização dos investimentos afetivos entre as mesmas, o amor e o ódio, a amizade, a solidariedade e a confiança, fatores que incidem diretamente no funcionamento psíquico do(a) trabalhador(a) (Dejours, Abdoucheli, & Jayet, 1994). Assim, pode-se considerar que o ponto de partida da Psicodinâmica do Trabalho está na compreensão de como estes trabalhadores conseguem manter o equilíbrio psíquico mediante condições e formas de organização do trabalho, muitas vezes consideradas desestruturantes (Bendassolli & Sobol, 2014).

Frente a isso, diante das condições de trabalho fragilizantes é comum surgir, por parte dos trabalhadores, diferentes formas de estratégias de defesas ou de mediação. As estratégias defensivas são entendidas como estratégias elaboradas para que o trabalhador enfrente mentalmente a organização do trabalho e assim se mantenha psiquicamente equilibrado (Soldera, 2016). Elas podem possuir três formas: de proteção quando há pensamentos e sentimentos compensatórios, na tentativa de racionalizar o sofrimento; de adaptação que tem como base a negação e de exploração que, geralmente e da mesma forma que as de adaptação é inconsciente, mas que, por sua vez, se caracteriza pela submissão ao desejo da organização.

Diferentemente das estratégias defensivas que são de uso coletivo, os mecanismos de defesa são individuais, mas, por sua vez, também são instrumentos utilizados pelos trabalhadores na tentativa de manutenção da saúde mental. Considerando as considerações de Dejours et al. (1994) são considerados mecanismos de defesa aquilo que não operam em coletivo, no real do trabalho. Mas que, não por isso, deixam de ser reflexo dele em uma tentativa de suportá-lo com equilíbrio. Para Dejours et al. (1994), a diferença fundamental entre um mecanismo de defesa individual e uma estratégia coletiva de defesa é que o mecanismo de defesa está interiorizado (no sentido psicanalítico do termo), ou seja, ele persiste mesmo sem a presença física de outros, enquanto a estratégia coletiva de defesa não se sustenta a não ser por um consenso, dependendo assim de condições externas"(Dejours et al., 1994, p. 178).

Sabe-se que essas estratégias e mecanismos colaboram para o não adoecimento, no entanto, essas mesmas estratégias podem prejudicar a busca por auxílio e o maior investimento em mobilização dos trabalhadores contra as situações que realmente causam o sofrimento, gerando uma forma de alienação frente às situações vivenciadas. Nesse contexto e corroborando com os apontamentos de R. Silva, Deusdedit-Júnior e Batista (2015), entende-se que essas estratégias não devem ser consideradas patológicas, mas sim, saídas possíveis em busca da saúde.

Frente à falta de apoio o sujeito acaba se percebendo isolado e mobilizado a enfrentar sozinho as adversidades diárias na organização, excluindo-se cada vez mais do seu grupo e do convívio social. Dessa forma, o trabalhador acredita poder se proteger das adversidades impostas pela organização do trabalho. No entanto, essa prática, muitas vezes inconsciente (Freitas & Facas, 2013), pode contribuir para a propagação do adoecimento. Segundo Vasconcelos e Faria (2008), o sofrimento que não é compartilhado pelos sujeitos, "tem maior probabilidade de se tornar uma doença individual, com uma solução também individual: o afastamento, o desligamento ou o medicamento como possibilidade de se manter trabalhando" (p. 462). Além disso, entende-se que quanto mais rígido e menos oportunidades ele oferece ao trabalhador de se adaptar e se ajustar conforme as suas próprias necessidades, desejos e valores, maior se torna a possibilidade do trabalho se tornar patogênico (Oliveira & Mendes, 2014). Nesse sentido, quanto maior for o distanciamento entre as práticas prescritas do trabalho e a realidade, maior também, será o sofrimento.

Neste contexto estão inseridos também os executivos que atuam em diversos segmentos organizacionais do Brasil. No atual cenário de precariedade em que se encontra o setor das indústrias, o sofrimento no trabalho já se transformou em um tema onipresente, "o trabalho contemporâneo tende a ser associado à ideia de mal-estar e de danos psicológicos que pode até conduzir ao suicídio, ou pelo menos à depressão" (Linhart, 2011, p. 150). Nesse cenário, os executivos também sofrem as consequências das diversas mudanças organizacionais (Maffia & Pereira, 2013).

O nível de cobrança, o excesso de carga horária de trabalho, as pressões, a falta de perspectiva de futuro, o clima social instável, as pressões por metas entre outros fatores, geram nos executivos uma sensação de mal-estar (Maffia & Pereira, 2013). As constantes tensões e preocupações experenciadas pelos executivos os colocam em estado de alerta diário, impossibilitando os momentos de relaxamento e de equilíbrio entre o tempo de trabalho e o de não-trabalho (Couto, 1987). Além disso, a busca frenética para alcançar um maior número de objetivos em menos tempo, a competitividade constante, a pressa, a agressividade em conjunto com as relações interpessoais superficiais são características comuns entre a maior parte dos executivos brasileiros e que exercem influência tanto sobre a vida profissional como sobre a vida pessoal dos mesmos (Mota, Tanure, & Carvalho Neto, 2008).

O trabalho gera, nos próprios executivos, um sentimento de "pouca valia", pois, apesar de toda a carga de trabalho, as metas nunca serão atingidas completamente (já que sempre existirão novas e mais ambiciosas, por parte da empresa). Tais afirmações mostram que os trabalhadores nessa posição procuram formas adaptativas de trabalho, na esperança da manutenção de seus empregos. Com isso, acabam por deixar de lado a busca por reais melhorias no seu contexto de atividades diárias (Sarriera & Silva, 2003).

Compartilhando dos pressupostos teóricos sugeridos pela Psicodinâmica do Trabalho, ressalta-se que o trabalho é fonte de prazer e de sofrimento entre os indivíduos que interagem nos contextos laborais e que as estratégias defensivas das quais fazem uso esses trabalhadores, são essenciais para a manutenção da saúde mental de cada um deles. Apesar de se conhecer a importância das estratégias defensivas no contexto de transformação de sofrimento patogênico em sofrimento criativo (Oliveira & Mendes, 2014) e até mesmo prazer no ambiente de trabalho, prevenindo assim, em muitos casos, o adoecimento de trabalhadores, pouco se encontram estudos que tomam esse como tema principal. Esse cenário se torna ainda mais precário quando se trata de pesquisas com públicos pertencentes a altos níveis hierárquicos, como os executivos.

Em rápida pesquisa em duas bases de dados científicos a plataforma Scielo e BVS-Psi, ao cruzar os termos "executivo" e "estratégias defensivas", nenhum resultado foi encontrado. Em outra tentativa, modificou-se o termo executivos, em um primeiro momento, pelo termo "líder" e, em segundo momento, pelo termo "gestor", mas, da mesma forma que na pesquisa inicial, nenhuma publicação foi encontrada.

A escassez de publicações científicas sobre a saúde mental dos executivos, por si só, já justifica a importância do presente estudo. No entanto, além da escassez citada anteriormente, se torna relevante considerar as colocações de Mota et al. (2008) sobre a amplitude e abrangência das decisões tomadas diariamente por estes profissionais, fator que faz refletir sobre a saúde destes e sobre a necessidade da utilização de métodos e ferramentas próprias e individuais para que essa saúde se mantenha. Diante disso, o presente estudo buscou analisar as vivências de trabalho de executivos das indústrias alimentícias do Vale do Caí-RS e as estratégias defensivas utilizadas por estes profissionais frente às vivências de sofrimento.

 

Método

Este estudo possui um delineamento qualitativo exploratório-descritivo. A escolha desta abordagem relaciona-se aos pressupostos teóricos da Psicodinâmica do Trabalho e também ao fato de que os executivos ainda são um grupo de trabalhadores pouco investigados, demandando aproximação e análise aprofundada sobre as vivências de trabalho dos mesmos. Como ferramentas de coleta utilizaram-se uma entrevista focalizada, que por definição "deve respeitar o foco de interesse temático, sem que isso implique conferir-lhe maior estruturação" (Gil, 2008, p. 114), e um questionário elaborado pela pesquisadora com o intuito de desenhar o perfil do público pesquisado e assim, enriquecer as informações. Continha questões como sexo, idade, formação, entre outras. O presente estudo contou com a participação de oito executivos. Para a pesquisa consideraram-se os profissionais que atuam em empresas do setor alimentício do Vale do Caí-RS, não sendo estes necessariamente, moradores da região.

Os critérios de inclusão exigiam que os profissionais deveriam estar atuando no mínimo há dois anos na mesma empresa, considerando este fato como primordial para a apropriação das funções e conhecimento da organização de trabalho. Os indivíduos que compuseram a população independiam do sexo; tinham mais de 26 anos, independentemente do nível de escolaridade. Além disso, tinham a função de executivo caracterizada, prioritariamente, por um nível hierárquico elevado (gerente/diretor/presidente), por poder de comando em um contexto em que as suas decisões exercem influência sobre a atividade de outros indivíduos que atuam na mesma empresa, além da gestão de pessoas e processos. Outra característica importante a se considerar foi a formalização do cargo. Os executivos pesquisados estavam devidamente registrados e reconhecidos em sua função.

A população (n = 8) de executivos entrevistados se dividiu igualmente entre homens e mulheres; tem em média 35,12 anos, dois deles têm filhos, três são casados, cinco são solteiros e a maioria (sete entrevistados) é católica, enquanto um é Evangélico Luterano. Quanto à escolaridade, um executivo ainda está em processo de graduação, outros dois são graduados e os demais são especialistas (dois executivos) ou mestres (três executivos).

Ao dar início ao processo de coleta de dados para a pesquisa, se fez necessário um mapeamento das indústrias do setor alimentício da região. Após a seleção dos executivos e a definição oficial da ferramenta, as entrevistas foram agendadas diretamente com cada um deles, respeitando aspectos como as datas, os horários, as rotinas e atividades dos entrevistados. Como não foi possível compor a amostra de oito executivos apenas com os procedimentos citados acima, fez-se uso da metodologia conhecida por snowball (Biernacki & Waldorf, 1981), caracterizada pela indicação dos entrevistados de outros possíveis participantes. Cada entrevista teve duração de no máximo duas horas e não foi necessário agendar um segundo momento com nenhum dos entrevistados.

No dia da realização da entrevista, inicialmente, se resgataram os objetivos da pesquisa e as explicações quanto aos procedimentos técnicos e éticos, além de esclarecerem-se outras dúvidas que apareceram como interesse do entrevistado. Todos foram apresentados ao TCLE e com o mesmo concordaram. O projeto em questão foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Feevale e aprovado sob protocolo 1.656.212.

Todas as transcrições das entrevistas foram analisadas de acordo com a metodologia da análise de conteúdo proposta por Laville e Dionne (1999). Esses autores defendem que a análise de conteúdo não deve ser considerada um método rígido, mas sim, um conjunto de caminhos possíveis, nem sempre regimentados, que auxiliam na revelação do sentido presente em um conteúdo. Neste estudo foi utilizado o modelo de categorização misto, definido como padrão em pesquisas que determinam as categorias utilizando temas definidos a priori e a posteriori (Laville & Dionne, 1999). Ao longo da análise e discussão dos resultados optou-se pelo uso de nomes fictícios a fim de preservar a identidade de cada participante.

 

Discussão dos resultados

Esta seção tem a intenção de apresentar e discutir os achados da presente pesquisa. Neste sentido, propõe-se-há a reflexão acerca das características identificadas no trabalho diário destes executivos e que se caracterizam como estratégias defensivas frente a uma organização de trabalho pautada no acúmulo de lucro.

Além disso, essa mesma organização do trabalho possui outros aspectos similares e que, em sua maioria, podem ser caracterizadas por prescrições rígidas no padrão de qualidade e de fiscalização constante por instituições regulamentadoras. Esse fator exerce forte influência na dinâmica das relações com o trabalho, fomentando uma forma de trabalhar individualizada e submissa que impossibilita a troca de experiências e dificulta a comunicação entre os trabalhadores.

Ao analisar-se, especificamente, a função dos executivos do setor, ressaltam-se características importantes como a autonomia, o gerenciamento de processos e colaboradores, a responsabilidade pelo cumprimento e pelo alcance das metas. Além disso, o cargo caracteriza-se por um regime de trabalho diferenciado e, pautado, especialmente, em um modo de trabalhar que exige do profissional uma dedicação exclusiva ao cargo demandando longas jornadas de trabalho. Frente a esse contexto, os profissionais executivos vivenciam experiências de prazer e de sofrimento.

Diante disso, os trabalhadores necessitam encontrar formas diversas de se defenderem das mazelas oferecidas pelo contexto de trabalho. Algumas estratégias podem ser de proteção, outras de adaptação ou de exploração. Nesse contexto, apresentar-se-á, a partir de agora, as estratégias defensivas utilizadas pelo grupo de profissionais entrevistados na seguinte ordem: 1- "Eu acho que eles me pagam e eu vendo o meu tempo": a racionalização enquanto mecanismo de proteção; 2- "Se tá ruim, nós vamos levantar a cabeça e vamos melhorar": a submissão e o silêncio frente à realidade; 3- "Às vezes, há males que vêm para o bem": a banalização da precariedade; 4- "Aí eu vou deixar a indústria": os planos aparecem como uma fuga do presente; 5- Quando a única saída encontrada está fora do trabalho: "Aí eu comecei a procurar alternativas".

"Eu Acho que Eles me Pagam e Eu Vendo o Meu Tempo": a Racionalização enquanto Mecanismo de Proteção

Como já visto, a Psicodinâmica do Trabalho afirma que as estratégias defensivas podem ser caracterizadas de três formas: como proteção que se dá através da racionalização das situações de sofrimento, enquanto a adaptação e a exploração se dão através da negação do sofrimento e da submissão, levando o sujeito, que trabalha, a cegar-se frente às exigências da organização que o trabalho impõe (F. H. E. Silva & Freitas, 2010). Na tentativa de demonstrar essa estratégia de defesa, podemos ressaltar alguns trechos relevantes de racionalização, por exemplo.

A partir do momento que uma pessoa exerce uma determinada função deveria, também, tá preparado pra não levar as coisas para o lado pessoal, então, se eu não gosto da tua cara porque tu é colorado e eu sou gremista, bom... lamento; tu tá nessa função e eu naquela e a gente vai precisar se acertar para o bem da empresa. Claro, é impossível tu ser um zumbi e não levar nada pro lado pessoal, ser completamente impessoal. O que eu acho é que tem como administrar isso aí e olhar pra cara da pessoa e pensar, não, não tem nada a ver se eu não vou com a tua cara. Eu vou tentar ser o mais positivo possível pra colaborar com a empresa junto contigo (Nair, empreendedora, comunicação pessoal, agosto 2016).

Eu também desenvolvi uma característica de não colocar grandes expectativas, nem no trabalho e nem em nada. Como eu te disse: eu vendo meu tempo pra eles e eles me pagam e eu faço meu trabalho da melhor maneira que eu posso. Ainda me considero uma pessoa de bastante sorte porque eu tenho uma gratificação, mas acredito na minha responsabilidade pra essa gratificação (Rafaela, gerente de produção, comunicação pessoal, agosto 2016).

As defesas de proteção tendem a encontrar formas de "compensar" as maneiras de organização do trabalho que geram sofrimento (Dejours, 2004). No trecho a seguir, a entrevistada Rafaela demonstra a racionalização ao afirmar que não desenvolve grandes expectativas em relação à empresa para qual vende o seu tempo. Essa maneira racional de descrever o trabalho, alienando os seus sentimentos e expectativas, pode estar relacionado à organização do trabalho que se estabelece na empresa. Segundo a mesma entrevistada, quando um trabalhador deixa de ser útil à organização, ele é descartado. A entrevistada busca "compensar" a superficialidade dos vínculos oferecidos pela empresa, evitando se relacionar emocional e pessoalmente com a empresa; "eu também não romantizo o relacionamento com a empresa, sabe? Eu acho que eles me pagam e eu vendo o meu tempo [...] se amanhã ou depois for ruim pra eles ou ruim pra mim, esse relacionamento vai terminar" (Rafaela, gerente de produção, comunicação pessoal, agosto 2016).

O mesmo sentimento pode ser identificado na fala de outro entrevistado, demonstrando que a racionalização é um mecanismo utilizado, também, frente às possibilidades de desligamento e, assim, surge como fator de proteção para a saúde desses(as) trabalhadores (as). No entanto, o mesmo fator também faz refletir sobre a impossibilidade de exposição dos sentimentos reais frente a esta ameaça, sentimentos esses de incerteza e insegurança. Sobre o assunto, o entrevistado Fabrício responde:

Mas eu tô sempre preparado, se amanhã entrar alguém por essa porta dizendo: "Então tá, obrigado por tudo, mas, a gente não precisa mais de ti", eu vou dizer: "então ta!" e vou seguir minha vida. No Meu caso eu não tenho problema com isso, até porque, eu tenho outros negócios. No meu caso, eu não tenho essa preocupação em ser desligado, pelo menos não é uma coisa que eu me preocupo. Até já pensei: "Ah, se eu for desligado será que eu vou me desesperar ou não?" Acho que nem um pouco. Eu ficaria até feliz. Penso que talvez se abrissem outras portas (Fabrício, gerente de logística, comunicação pessoal, agosto 2016).

De acordo com Dejours (2005), os gerentes são mobilizados, através da racionalização, a por em prática os "planos sociais" impostos pelas organizações, além de induzidos a exercer "metodicamente a ameaça de demissão com fins intimidadores" (p. 120) e, com isso, passam também a vivenciar o medo da própria demissão. Diante disso, esses profissionais passam a sofrer frente à necessidade de pôr em prática atos dos quais discordam sob a mesma ameaça.

"Se Tá Ruim, Nós Vamos Levantar a Cabeça e Vamos Melhorar": a Submissão e o Silêncio Frente à Realidade

Como citado acima, as estratégias defensivas tanto de adaptação como de exploração são pautadas na negação do sofrimento gerado pela realidade de trabalho por vezes perversa, bem como pela submissão às normas da organização do trabalho que são voltadas predominantemente para a produtividade (Oliveira & Mendes, 2014). Nem sempre são de fácil identificação, visto que na dinâmica de trabalho, os elementos se atravessam e por vezes confundem-se. Na presente categoria de análise, as estratégias de adaptação podem ser identificadas no silêncio dos executivos ao calarem-se acerca do próprio sofrimento, enquanto as estratégias de exploração são identificadas na submissão às exigências impostas pela organização do trabalho.

De maneira geral, essas estratégias ocorrem de maneira inconsciente e são responsáveis por orientar os pensamentos, atitudes e sentimentos do(a) trabalhador(a) em prol da excelência organizacional (Oleto, 2011) e, muitas vezes, em prol da manutenção das suas próprias funções. Tais aspectos podem ser percebidos na fala de Rafaela (gerente de produção, comunicação pessoal, agosto 2016), ao se referir aos processos com os quais não concorda dentro da organização do trabalho: "Se tá ruim, nós vamos levantar a cabeça e vamos melhorar".

Nesse primeiro relato, a executiva demonstra a necessidade de negar a própria opinião e sentimentos em relação às formas de trabalho impostas pela empresa, em prol do desempenho organizacional, elemento que caracteriza uma estratégia de adaptação por parte da trabalhadora (Dejours, 2004). Nesse caso, a gerente de produção não se permite expor sua percepção já que, do contrário, corre o risco de desmotivar a própria equipe e, por consequência, não alcançar os resultados esperados. Dessa forma, o mecanismo encontrado para manter as funções psíquicas minimamente equilibradas diante do sofrimento, é o de "controlar" os sentimentos e concepções a respeito da organização do trabalho, mesmo que, para isso, seja necessário "morrer por dentro" como relatado pela mesma executiva.

No que lhe concerne, o ato de "controlar" (-se) dentro do contexto de trabalho, faz dos profissionais só mais um dos recursos da empresa, através dos quais a organização de trabalho visa, apenas, alcançar as suas metas e os seus objetivos. No entanto, e de acordo com Bendassolli e Soboll (2014), ser tratado como objeto ou como recurso da organização de trabalho, jamais é agradável para o(a) trabalhador(a), já que este comportamento é uma negligência daquilo que, na verdade, estabelece a existência de todos nós, a subjetividade.

Os achados aqui expostos corroboram com os que foram apontados por Souza (2008) ao relatar que, para alguns executivos, a liderança exige esforço para suprimir suas características e expressões pessoais. Assim, podem atingir tanto as expectativas institucionais, como também, as expectativas que os demais colegas de trabalho depositam sobre ele.

A negação dos próprios sentimentos e das condições e organizações que o trabalho impõe, aparece como uma das formas de sustentar-se psiquicamente no ambiente de trabalho, como se percebe na fala de Nair ao dizer que "São coisas assim, que vão desgastando. Que são cansativas. Às vezes as únicas coisas que eu posso pensar é que eu tenho que trabalhar. Não posso pensar muito em como que vai ser ou como que não vai ser"; outra forma possível de sustentar o sofrimento é a submissão.

Era uma fuga. E eu tenho plena consciência disso. Foi bem isso, uma fuga. Muitos gestores passam pela mesma coisa. Agora não faço mais, mas, por muito tempo foi assim [...] E nesse sentido, eu tenho visto algo que tem me deixado muito triste. As pessoas tão vivendo fora da empresa, antigamente as pessoas se dedicavam 100% pra empresa e hoje, se tu fizer um treinamento no sábado e não pagar hora extra, não vem ninguém (Leonora, gerente de RH, comunicação pessoal, agosto 2016).

Enquanto estratégia de exploração, identifica-se inúmeras situações de submissão nas falas do grupo pesquisado (Dejours, 2004), o que diz respeito ao atendimento por parte do(a) trabalhador(a) das exigências, muitas vezes perversas, produtivas e do funcionamento que a organização do trabalho padroniza (Mendes & Araujo, 2012). Em vista disso, pode-se refletir sobre o recorte acima, quando a entrevistada Leonora reflete sobre as suas horas diárias de trabalho. Apesar de o cumprimento da carga horária excessiva (ultrapassando aquilo que se prevê em lei) ser considerada uma fuga de dificuldades encontradas no âmbito familiar, a teoria da Psicodinâmica do Trabalho percebe esse excesso, da mesma maneira que nos demais relatos, como uma estratégia defensiva de exploração encontrada pelo sujeito trabalhador para que se evite ou se reduza o sofrimento frente aos movimentos e atividades repetitivas, intensas horas de trabalho e demandas de produtividade ou metas por vezes inalcançáveis.

Tanto o acúmulo de horas extras de trabalho como qualquer outra forma de submissão (ou outras estratégias de exploração) às exigências impostas pela organização, pode ser analisado sob a ótica de que quanto mais se faz, menos se tem tempo de pensar a respeito dele. Assim, age-se mais na tentativa de pensar e refletir menos sobre as características mundanas que circundam as vivências de trabalho diárias desses executivos. A entrevistada, além de reconhecer esta prática como algo comum, tanto na sua rotina como também na rotina de outros colegas executivos, ainda se posiciona negativamente, sobre a ideia de que outros(as) trabalhadores(as), aqueles que são alocados no "chão da fábrica", não façam o mesmo.

Ao se referirem sobre as vivências dos executivos, Dejours e Jayet (1994) afirmam que esses(as) trabalhadores(as) são pressionados pela direção para que as metas sejam cumpridas, fator que depende do engajamento dos demais trabalhadores(as), elemento esse, também, agregado ao trabalho do executivo. Quando a pressão da direção ocorre e os objetivos não são alcançados, inevitavelmente, aumenta a desconfiança dos executivos em relação aos operários, fato que, por diversas vezes, gera modos violentos de se relacionar no trabalho.

Essa lógica, segundo os mesmos autores, é desastrosa para a transparência, para a confiança e para a cooperação no trabalho. Esses elementos podem ser origem de padrões enrijecidos e polarizados de se relacionar (Dejours & Jayet, 1994). Observa-se, a partir disso, o desenvolvimento de outras tendências defensivas como a cobrança excessiva por parte do executivo, bem como o surgimento de sentimentos de desconfiança para com os trabalhadores(as) da sua equipe ou demais colegas, como pode-se evidenciar em seguida:

Eu, por exemplo, sou mais exigente e to sempre cuidando de tudo e sou muito detalhista. Até porque, se der alguma coisa errada eu, também, vou ser cobrado e eu não gosto de ser cobrado. Então, eu cuido e olho pra tudo. Eu cobro bastante os outros pra mim não ser cobrado (Fabrício, gerente de logística, comunicação pessoal, agosto 2016).

Mas uma coisa que meu ex-marido me deixou de bom e que eu concordo plenamente com o que ele dizia é que não da pra confiar em quem a gente contrata. Que quando a gente paga um salário pra alguém, tu não pode confiar, porque, é sempre dinheiro que aquela pessoa vai esperar de ti. Hoje eu não confio em ninguém daqui (Leonora, Gerente de RH, comunicação pessoal, agosto 2016).

Identificou-se nas falas do grupo entrevistado outra estratégia: o silêncio. Segundo Dejours e Jayet (1994), o silêncio é uma das tantas formas encontradas pelos trabalhadores(as) como ferramenta de defesa contra o sofrimento imposto pela organização de trabalho. Nesse contexto, a fala a seguir expõe um esforço persistente desses profissionais que, por sua vez, não permitem que os assuntos de trabalho venham à tona fora do contexto organizacional.

E eu, também, não gosto de falar de trabalho, então, talvez, eu que tenha desenvolvido essa forma. E outra coisa que eu tenho que, também, é engraçado, mas, antes, quando eu tava no mercado externo, a gente fazia um churrasco com o pessoal da equipe, eu sempre abria lá em casa e fazia pra eles. Eles chegavam lá e em cinco minutos eles tavam falando de trabalho. Aí eu era obrigado a dizer: "gente, se vocês querem fazer churrasco, vocês façam, mas, é proibido falar de trabalho". Então em casa também. Eu nem falo, porque, não adianta. Dificilmente a gente fala de trabalho (Fabrício, gerente de logística, comunicação pessoal, agosto 2016).

Sabe-se que, de forma geral, as estratégias defensivas tendem a amenizar os efeitos do sofrimento, no entanto, elas mascaram a origem do problema, bem como retardam a mobilização em prol da resolução do fator que originalmente desencadeou o sofrimento. O recorte apresentado acima é um desses exemplos. O fato de não falar sobre o trabalho impede a reflexão sobre ele e a criação de formas diferentes de agir ou de maneiras para ressignificar o sofrimento já imposto.

Outro entrevistado relata que, em momentos mais tensos da sua rotina de trabalho, a estratégia encontrada para lidar, também, é o silêncio. Augusto (gestão ambiental, comunicação pessoal, agosto 2016) relata que: "Prefiro não falar com ninguém, não falar com ninguém. Então são duas semanas que eu prefiro ficar pensando sozinho". Outro relato que remete ao silêncio como estratégia defensiva frente à organização do trabalho e o sofrimento que ele produz é o de Cíntia. A entrevistada conta que, como não tem o hábito de falar sobre o seu trabalho, acaba por buscar saídas alternativas, exemplificando o que Dejours (2005) já apontava como uma armadilha que insensibiliza contra aquilo que faz sofrer:

Aqui dentro, também. Mas, eu mesma, dificilmente falo sobre minha vida. Quando eu preciso, eu tomo meus florais, rezo bastante, sou muito de ir caminhando e rezando. Não sou muito de contar e nem de falar sobre o que acontece aqui (Cíntia, gerente de produção, comunicação pessoal, agosto 2016).

Percebe-se nesse relato que as alternativas encontradas para dar conta do sofrimento são sempre individuais. Muitas vezes, contextualizadas fora do ambiente de trabalho e de forma nenhuma, vinculado a ele. A Psicodinâmica do Trabalho afirma que as estratégias defensivas são essenciais frente à adaptação ao sofrimento. No entanto, e, apesar do seu caráter essencial nas vivências de trabalho, a sua tendência não é a de solução ou modificação dos fatores de sofrimento. As estratégias criadas para sanar demandas momentâneas podem perdurar e, com isso, dar origem a situações diferentes de sofrimento.

"Às vezes, Há Males que Vêm para o Bem": a Banalização da Precariedade

Mesmo que o desemprego seja considerado a pior face da precarização do trabalho, não se pode deixar de refletir sobre as demais. Os profissionais que se mantêm empregados são vítimas de tanta precarização quanto àqueles que já não ocupam o seu tempo com uma relação de trabalho formal. Diante disso, identifica-se a exploração como estratégia de defesa utilizada. Pode-se identificar no recorte abaixo que o executivo em questão considera que a crise e os desligamentos que a seguiram tenham o seu aspecto positivo.

Mas a dor ensina a gemer. Durante essa crise, teve muita coisa que a gente melhorou dentro dos processos que agora talvez nem precise se recontratar o número de pessoas que a gente tinha antes. Às vezes, há males que vem para o bem. A gente ganhou muito em eficiência nos últimos tempos e melhorou bastante a qualidade da mão de obra. Agora a gente tem muita mão de obra qualificada disponível. Antes era muito complicado. A gente tinha um turnover alto. (Maurício, gerente de qualidade, comunicação pessoal, agosto 2016).

A precarização dos postos que se mantiveram abertos, se efetiva através do acúmulo de trabalho, do ritmo (Bouyer, 2015) e da ameaça de desemprego. A aceitação dessas características fragilizantes das atuais vagas de trabalho por parte dos executivos, não são meras resignações ou constatação de impotência frente a um contexto que é muito maior. Na verdade, esse processo de banalização da injustiça social funciona como defesa contra o sofrimento da própria cumplicidade e de responsabilidade tanto no agravamento da adversidade social que se dá através do desemprego (Dejours, 2005), como na precarização dos postos de trabalho.

Outras formas de banalização podem ser encontradas ao longo dos discursos desses trabalhadores(as), o que caracteriza o uso dessa ferramenta como estratégia defensiva que impede os entrevistados de vislumbrar a realidade fragilizante de seus ambientes de trabalho e, sobre elas, agirem com intuito de mudança. Um dos exemplos a se destacar, no momento, é a colocação da entrevistada Rafaela ao se referir sobre as diferenças de gênero. Mesmo frente ao fato de ser a única gerente envolvida no processo de produção, ela relata não haver nenhum tipo de diferenciação entre homens e mulheres. A executiva faz uso de uma fala institucional para justificar a ausência de trabalhadoras nos postos de trabalho de maior responsabilidade:

Tá muito dentro da cabeça das mulheres de não terem atitudes necessárias e depois culparem o mundo ou a empresa e dizerem que são machistas, do que tu fazer o que tu tem que fazer [...] lá o que acontece é o "mimimi" das mulheres (Rafaela, gerente de produção, comunicação pessoal, agosto 2016).

Ao banalizar a injustiça como forma de proteção psíquica, a executiva, também, reduz a sua percepção frente à realidade existente no contexto de trabalho e perpetua as condições de trabalho, mesmo que precária, submetendo-se a ela. Tais elementos são característicos das estratégias de exploração que, de acordo com Facas, Mendes, Santos Júnior, Anjos e Lima (2013), exige do(a) trabalhador(a) mais do que o investimento físico, sendo necessário também um investimento sociopsíquico, tendo em vista que só dessa forma, os(as) trabalhadores(as) são capazes de ignorar as próprias necessidades para poder atender as  imposições da organização do trabalho, para que assim, seja possível manter o ritmo de produção, bem como o próprio emprego. A partir dessas ocorrências, a probabilidade é que se desenvolva um processo de embotamento, impedindo a mobilização dos(as) trabalhadores(as) frente à realidade opressora (Moraes, 2008). Há, nesse caso, uma responsabilização do próprio indivíduo pelas faltas ou falhas, eximindo, assim, a culpa da organização do trabalho que se institui em regras pautadas em estruturas discriminatórias. Tendo em vista a importância e abrangência que o trabalho exerce na vida do indivíduo, se faz possível que os modos de ser, vivenciados no contexto organizacional, se multipliquem e ultrapassem as barreiras da empresa. Nesse sentido, cabe atentar para a possibilidade de que essa banalização da precariedade organizacional passe a se tornar social.

"Aí Eu Vou Deixar a Indústria": os Planos Aparecem Como Uma Fuga do Presente

Um elemento citado com frequência entre os entrevistados está relacionado ao planejamento do futuro profissional, muitas vezes, ligado a funções fora da empresa na qual os executivos atuam. Nesse sentido, destaca-se que os planos para uma profissão distante da empresa que atuam se caracterizam enquanto fuga, surgindo como uma forma de negar o presente que é, para o(a) trabalhador(a), fonte de sofrimento, apresentando-se, então, como estratégia de adaptação à realidade. Destacam-se alguns relatos para exemplificar: "bom, eu tô fazendo meu estágio de docência e a ideia é poder experimentar a vida acadêmica, também, e depois eu quero relaxar (Maurício, gerente de qualidade, comunicação pessoal, agosto 2016); "eu tô dando aula numa escola técnica, mas, quem sabe, num futuro. Não penso em deixar a indústria hoje, mas, quem sabe no futuro" (Augusto, gestão ambiental, comunicação pessoal,  agosto 2016).

Diante disso e, apesar de a literatura não apontar o planejamento de ações futuras fora do ambiente organizacional como estratégias defensivas, fica claro, ao longo das entrevistas, que tal ação surge em prol da resistência ao sofrimento gerado pelo trabalho atual. Além disso, essa estratégia aparece como uma tentativa de "não ver" as situações vivenciadas na atualidade que, por sua vez, são fontes de sofrimento. Os cargos executivos e a remuneração que dele provêm, apareceram, ao longo das entrevistas, como uma forma de fomentar e oportunizar uma carreira futura, fora da organização em que os profissionais atuam. As ações realizadas pelos executivos em prol de uma carreira diferente no futuro podem, por sua vez, estar relacionadas ao sentimento de insegurança e à necessidade de proteção frente à organização do trabalho imposta pela empresa. Nesse sentido, entende-se que a estratégia de adaptação discutida aqui é uma forma inconsciente de manutenção da saúde mental, assim como da realização adequada do trabalho, mesmo em condições precárias. É uma ferramenta utilizada pelo(a) trabalhador(a) diante da situação de sofrimento, a fim de se recompor e voltar ao trabalho em condição de realizá-lo (Mariano, & Carreira, 2016).

Quando a Única Saída Encontrada Está Fora do Trabalho: "Aí Eu Comecei a Procurar Alternativas"

De acordo com Moraes (2008), todo o(a) trabalhador(a), frente ao desgaste que a organização do trabalho gera, constrói estratégias de compensação para com isso, suportar o retorno diário ao ambiente organizacional. Entre as compensações relatadas pelos executivos, identificaram-se as atividades fora do trabalho e a valorização dos momentos e de relacionamentos familiares. Esse elemento surge como mecanismo de defesa individual, se diferenciando das estratégias de defesa coletivas, já apontadas anteriormente. Destaca-se que, além disso, é considerada também uma estratégia defensiva de proteção, tendo em vista a sua função de proteger o(a) próprio(a) trabalhador(a) do sofrimento ou mesmo do possível agravamento dessa condição, bem como de um adoecimento. Assim, considera-se que essa forma de proteção, diferente das demais, é, pelo menos em parte, consciente. De acordo com Oliveira e Mendes (2014), o(a) trabalhador(a) "pensa e age de modo a proteger-se do sofrimento" (p. 392).

É nesse sentido que destaca-se a colocação de Rafaela: "acho que bem pelo contrário, se eu chego carregada em casa, ai sim que eu saio pra correr ", demonstrando que o exercício surge como uma forma de compensar a tensão acumulada durante o dia. Além desse relato, identificaram-se estratégias compensatórias nas falas de Fabrício, ao se referir sobre a procura de auxílio profissional fora da empresa.

Ai eu aproveitei o momento que eu tava já há um ano aqui, sendo que eu fiquei dois anos fora e eu tava achando que eu não ia conseguir me adaptar de novo ao ritmo. Porque, trabalhar numa empresa é muito chato. Muito chato. Pela burocracia, pelo desgaste que tu tem com as pessoas, aí procurei ajuda de uma profissional. Comecei um acompanhamento com uma Coaching (Fabrício, gerente de logística, comunicação pessoal, agosto 2016).

Outros entrevistados falam sobre o hábito de conversar com a esposa e com os amigos, praticar dança e outros esportes, cozinhar, sair com amigos e beber em momentos de tensão, assim como rezar. De forma geral, todos(as) os(as) trabalhadores(as) destacaram que usam estratégias de compensar o desgaste que o trabalho gera. No entanto, o que chama a atenção, é que essas estratégias são, na maioria dos casos, buscadas isoladamente por cada trabalhador(a), ressaltando a cultura individualista que a organização do trabalho assume.

Em nenhuma das entrevistas se evidenciaram promoções por parte da empresa, que estimulem o executivo a dialogar e a refletir, individual ou coletivamente, sobre suas rotinas de trabalho e nem ações que estimulem a expressão dos sentimentos que o trabalho gera nesses profissionais. No que lhe concerne, a necessidade de buscar soluções para o sofrimento no trabalho fora dele, coloca os(as) trabalhadores(as) em posição passiva frente ao sofrimento gerado pela organização. Diante disso, entende-se que essa forma de vivenciar o sofrimento gerado pelo trabalho, não permite mobilização para a mudança por parte desses executivos e, tão pouco, a transformação dos fatores de sofrimento que o trabalho gera. As condições de trabalho permanecem sem modificação.

 

Conclusão

Frente aos dados obtidos através deste estudo identificou-se que, diante do sofrimento vivenciado pelos executivos, cada trabalhador(a) assume estratégias na tentativa de proteção. Essas estratégias, apesar de fundamentais para o contato com o real do trabalho, já que são formas de manter a saúde mental, bem como para a subjetivação do indivíduo nesse espaço, por vezes, podem camuflar a necessidade de modificações das condições de trabalho ou mesmo impedir a mobilização dos(as) trabalhadores(as) para que isso aconteça. Diante disso, concluiu-se que as estratégias defensivas utilizadas com maior frequência entre esses profissionais foram as de proteção, que se operam através da racionalização da relação trabalhista, e da fuga frente aos aspectos da atual organização de trabalho; as estratégias de adaptação caracterizadas pelo silêncio e pela negação dos sentimentos do(a) trabalhador(a) em relação à organização de trabalho; e por fim, mas não menos relevante, as estratégias de exploração que podem ser identificadas no cotidiano de trabalho a partir da necessidade que os profissionais percebem em produzir cada vez mais e estarem disponíveis para a organização em qualquer momento, além da banalização frente à precariedade imposta pela organização.

Percebe-se que as organizações do trabalho nas quais se inserem estes(as) trabalhadores(as) promovem uma forma de trabalho mecanicista e segregadora, representando fatores de risco à saúde mental tanto dos executivos quanto para suas equipes de trabalho. Entende-se, diante disso, que as mesmas não promovem ações de prevenção da saúde mental, nem tão pouco, propõem espaços de discussões coletivas que podem, diante deste cenário, auxiliar na ressignificação do sofrimento que o trabalho gera. Percebe-se que a organização do trabalho vivenciada pelos(as) trabalhadores(as) entrevistados está pautada em uma cultura individualista.

Nesse sentido, evidencia-se a necessidade de promoção de espaços de fala e escuta coletiva nos contextos de trabalho. Assim, para novas pesquisas sugere-se o planejamento de metodologias que permitam a interação entre os participantes para que assim, além de coletar dados, se possa oportunizar a reflexão sobre os mesmos e proporcionar um espaço de ressignificação das vivências de trabalho. Além disso, percebe-se nos profissionais que atuam em cargos de gestão, uma cobrança constante em manter o equilíbrio saudável entre as exigências da organização e as necessidades dos(as) trabalhadores(as). Partindo dessa reflexão, fica uma lacuna ainda a ser respondida por estudos futuros sobre os efeitos dessa dicotomia que a função de executivo enfrenta. Função essa de mediação entre os desejos da organização e as necessidades do sujeito que a faz existir.

 

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Recebido em 27.mai.17
Revisado em 09.abr.19
Aceito em 10.jul.19

 

 

Fernanda Lottermann, Mestre em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é psicóloga em Casa Lar de acolhimento institucional, vinculada à Prefeitura de São Sebastião do Caí-RS. E-mail: fernandalottermann@hotmail.com
Carmem Regina Giongo, Doutora e Pós-Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é docenter no curso de Psicologia da Universidade Feevale-RS. E- mail: carmemgiongo@feevale.br
Lisiane Machado de Oliveira-Menegotto, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é docente no Programa de Pós-Graduação em Diversidade Cultural e Inclusão Social e do Curso de Psicologia da Universidade Feevale. E-mail: lisianeoliveira@feevale.br

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