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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.26 no.1 Natal jan./mar. 2021

http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20210005 

10.22491/1678-4669.20210005

PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

 

Contato com pessoas com diferença funcional e concepções de deficiência

 

Contact with people with functional difference and conceptions of disability

 

Contacto con personas con diferencias funcionales y concepciones de discapacidad

 

 

Alex Roberto Nogueira de Rezende JuniorI; Maria Nivalda de Carvalho-FreitasII

IFundação Presidente Antônio Carlos de Conselheiro Lafaiete
IIUniversidade Federal de São João del Rei

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi verificar possíveis relações de associação entre as concepções de deficiência e o contato intergrupal entre pessoas com e sem diferença funcional. Os conceitos de concepções de deficiência e de contato intergrupal foram utilizados como referências. O estudo foi realizado em duas etapas: na primeira, de natureza quantitativa, participaram 196 universitários dos últimos cinco períodos dos cursos de Engenharia de Produção e de Administração. Na segunda etapa, qualitativa, foram entrevistados 14 universitários, que pertenciam a clusters distintos. Concluiu-se que o contato intergrupal com pessoas com diferença funcional modifica os destinos e as possibilidades dessas pessoas e criam condições para o desenvolvimento de concepções de deficiência diferenciadas. Essas concepções podem favorecer ou dificultar os processos de inclusão no trabalho. Implicações práticas da investigação foram discutidas.

Palavras-chave: crenças; pessoas com deficiência; inclusão.


ABSTRACT

The aim of the present study was to verify whether the conceptions of disability are related to intergroup contact between people with and without functional difference. The concepts of disability conceptions and intergroup contact were used as references. The study was carried out in two stages: in the first, of a quantitative nature, 196 university students from the last five periods of the Production Engineering and Administration courses participated. In the second, qualitative stage, 14 university students were interviewed, who belonged to different clusters. It was concluded that the intergroup contact with people with functional difference change the destines and possibilities of these people and creates conditions for the development of different conceptions of disability. These conceptions can facilitate or hinder the inclusion processes in the work. The practical implications of the investigation were discussed.

Keywords: beliefs; disabled persons; inclusion.


RESUMEN

El objetivo del presente estudio fue verificar si las concepciones de discapacidad están relacionadas con el contacto intergrupal entre personas con y sin diferencia funcional. Los conceptos de concepciones de discapacidad y contacto intergrupal se utilizaron como referencias. El estudio se realizó en dos etapas: en la primera, de naturaleza cuantitativa, participaron 196 estudiantes universitarios de los últimos cinco períodos de los cursos de Ingeniería de Producción y Administración. En la segunda etapa cualitativa, se entrevistó a 14 estudiantes universitarios, que pertenecían a diferentes grupos. Se concluyó que el contacto intergrupal con personas con diferencias funcionalesaltera los destinos y las posibilidades de estas personas y crea condiciones para el desarrollo de diferentes conceptos de discapacidad que pueden favorecer y dificultar los procesos de inclusión en el trabajo. Se discutieron las implicaciones prácticas de la investigación.

Palabras clave: creencias; personas con discapacidad; inclusión.


 

 

O processo de inclusão de pessoas com diferença funcional nas organizações tem sido objeto de vários estudos nos últimos anos, os quais têm identificado dificuldades para contratar, valorizar ou reter esses profissionais (Assis, 2012; Carvalho-Freitas & Marques, 2010a; Carvalho-Freitas, Suzano, & Nepomuceno, 2011; Carvalho-Freitas, Toledo, Nepomuceno, Suzano, & Almeida, 2010; Coutinho, Rodrigues, & Passerino, 2017). Por diferença funcional entende-se o grupo que tem sido denominado como pessoas com deficiência e que faz parte da diversidade funcional nas organizações, ou seja, é formado por pessoas que enxergam, ouvem, compreendem o mundo e se locomovem de formas distintas dos padrões típicos e que, por conseguinte, desempenham suas atividades de forma não convencionais (Carvalho-Freitas, Silva, Tette, & Silva, 2017; Palacios & Cabrero, 2006). A escolha da terminologia tem por intenção reposicionar o conceito de deficiência, conforme discussões produzidas pelo Modelo da Diversidade (Palacios & Romañach, 2006). Esse modelo compreende a deficiência como uma questão social, pois a organização da sociedade desabilita as pessoas com formas atípicas de funcionamento (motor, sensorial e cognitivo) de suas possibilidades de garantia de acesso e usufruto de seus direitos. Nessa forma de compreensão, as pessoas têm diferenças funcionais, isto é, se apropriam do mundo de formas diversas; e a deficiência é uma categoria social, circunscrita à organização normativa da sociedade, que exclui aqueles que não se enquadram em seus padrões de normalidade. A nomeação como diferença funcional está restrita às pessoas que pelo seu modo atípico de realizar suas atividades no mundo (de forma motora, sensorial ou cognitiva) sofrem desvantagens em função das deficiências da sociedade em ser acessível a todos.

Essas dificuldades e a questão terminológica se inserem no bojo de um conjunto de investigações que tem indicado a existência de relações significativas entre as concepções de deficiência compartilhadas pelos gerentes e a adequação das condições e práticas de trabalho na organização (Carvalho-Freitas, 2009; Omote, 2006; Werneck-Souza, Ferreira, & Soares, 2020); a verificação de que a visão da qual os gestores têm sobre o trabalho das pessoas com diferença funcional estão associadas às dificuldades de inserção no trabalho dessas pessoas (Tanaka & Manzini, 2005); e também de que as concepções de deficiência estão relacionadas à avaliação de desempenho dessas pessoas (Suzano, Carvalho-Freitas, Tette, Brighenti, & Vieira-Silva, 2014). Ademais, pesquisas têm indicado que o contato com pessoa com diferença funcional em situações positivas de trabalho tem contribuído com a melhoria do clima organizacional (Felizardo, Ronchi, Robaina, & Paiva, 2016); que o convívio com essas pessoas, em universidades, impacta positivamente as concepções de deficiência dos alunos (Carvalho-Freitas, Simas, & Souto, 2014; Silva & Pinto, 2016) e que o convívio com pessoas com diferença funcional é favorecido em situações em que elas têm maior status social (Shannon, Schoen, & Tansey, 2009).

Considerando que as concepções de deficiência e o contato têm sido considerados categorias relevantes em estudos distintos, o objetivo da presente pesquisa é verificar possíveis relações de associação entre as concepções de deficiência e o contato intergrupal entre pessoas com e sem diferença funcional. A contribuição que se antecipa é a possibilidade de avaliar possíveis relações entre as crenças sobre a deficiência e o contato com pessoas com diferença funcional, visando identificar situações e formas de contato que podem favorecer crenças mais inclusivas.

Por concepções de deficiência entende-se o conjunto de crenças construído ao longo da história e que trouxe consequências objetivas para as possibilidades das pessoas com diferença funcional e que justificou e justifica o comportamento e a atitude das pessoas (Carvalho-Freitas & Marques, 2007, 2010b). Essas concepções de deficiência foram tipificadas tendo por referência regularidades nas crenças e nas ações em relações às pessoas com diferença funcional, sendo elas denominadas como matrizes de interpretação da deficiência/diferença funcional. As principais concepções de deficiência são (Carvalho-Freitas & Marques, 2007, 2010b): (1) A deficiência como fenômeno espiritual. Há uma associação da deficiência com um destino a cumprir e normalmente suscitam sentimentos de piedade e compaixão nas pessoas. (2) A normalidade como matriz de interpretação. O parâmetro adotado é o do "homem-padrão" e os critérios de análise são os oriundos da medicina, tendo por parâmetros a saúde e a normalidade, sendo o foco de ação predominante a reabilitação. (3) A inclusão como matriz de interpretação: a deficiência é concebida como fruto da opressão social, que gera desvantagens para as pessoas com diferença funcional, devido ausência de condições de igualdade para o pleno exercício da cidadania. Seu pressuposto é de que a sociedade precisa se adequar e incluir todas as diferenças. (4) A matriz de interpretação técnica da deficiência: avalia a funcionalidade da pessoa com diferença funcional para o trabalho. Essa forma de ver a deficiência representa um deslocamento da deficiência de problema social para um problema técnico que deve ser gerido pelas empresas. Enxerga a deficiência como um recurso competitivo a ser gerido, que se traduz em três fatores: percepção de desempenho: identifica a percepção das pessoas em relação ao desempenho, produtividade e qualidade de trabalho das pessoas com diferença funcional e suas implicações para a competitividade da organização; percepção do vínculo: focaliza a percepção das pessoas em relação ao comprometimento e estabilidade no emprego; e percepção dos benefícios da contratação: identifica a percepção do impacto da contratação de pessoas com diferença funcional para a imagem da empresa junto a funcionários e clientes e também para o clima da organização. Vários estudos empíricos têm demonstrado a contribuição da identificação das concepções de deficiência para a explicação e compreensão de diversos aspectos relacionados à inserção no trabalho de pessoas com diferença funcional (Werneck-Souza et al., 2020).

Por contato intergrupal entende-se a interação face a face entre membros de grupos claramente definidos e distintos em suas classificações (Allport, 1954), como pessoas com e sem diferença funcional. A Teoria do Contato Intergrupal (TCI) introduzida por Allport (1954) tem em sua formulação, o princípio de que o contato devidamente gerenciado entre os grupos diferentes deveria reduzir os problemas de preconceitos e discriminação e levar a melhores interações e contato positivo. Para Tajfel (1981), o problema das hostilidades entre grupos perpassa por processos de categorização social que resultam em preconceito. É a pertença a um grupo/categoria social que leva à atribuição de características positivas aos membros de um e negativas de outro, mantendo assim autoestima favorável ao grupo de pertença. Segundo Allport (1954), posteriormente complementada por Pettigrew (1998), algumas condições são facilitadoras do contato (as quatro primeiras foram propostas por Allport (1954) e Pettigrew (1998) inclui o quinto critério ou condição): (1) Manutenção de um status de igualdade, sendo que as diferenças de origens acadêmicas, riqueza, habilidade ou experiências devem ser minimizadas se essas qualidades influenciarem a percepção de prestígio e classificação no grupo. (2) Terem objetivos comuns. (3) Cooperação intergrupal. (4) Imposição de leis e sanções legais em caso de violação dessas condições. (5) Interação pessoal tanto em situações formais quanto em situações informais.

Pettigrew e Tropp (2006) realizaram um estudo meta-analítico utilizando 515 estudos individuais com 713 amostras independentes e 1.383 testes não independentes. Em conjunto, 250.089 indivíduos de 38 nações participaram da pesquisa, além de incluir mais de 300 estudos adicionais em várias orientações teóricas e empíricas importantes. Os resultados meta-analíticos indicam claramente que o contato intergrupal geralmente reduz o preconceito intergrupal. Achados adicionais sugerem que essas relações entre contato e preconceito não são artefatos da seleção de participantes ou do viés de publicação. Os resultados da análise também mostram que os efeitos de contato intergrupal geralmente generalizam, além dos participantes na situação de contato imediato. Os resultados também revelam que o contato intergrupal pode ser útil para reduzir o preconceito em uma variedade de situações e contextos intergrupais, resultados estes confirmados por estudos recentes de Vezzali e Stathi (2017) e de Hodson, Turner, e Choma (2017), pois os padrões de efeitos de contato-preconceito observados para amostras raciais e étnicas se assemelham bastante aos observados nas demais amostras envolvendo diferentes grupos-alvo, grupos etários, áreas geográficas e configurações de contato. Em suma, os resultados meta-analíticos de Pettigrew e Tropp (2006) fornecem evidências substanciais de que o contato intergrupal pode contribuir de forma significativa para reduções do preconceito em uma ampla gama de grupos e contextos.

 

Método

Serão apresentados, a seguir, os procedimentos que foram adotados para a realização da investigação proposta. O estudo foi realizado em duas etapas: a Etapa 1, de natureza quantitativa buscou caracterizar os respondentes conforme suas concepções de deficiência e suas formas de contato com pessoas com diferença funcional ; e a Etapa 2, de natureza qualitativa, objetivou aprofundar a compreensão dos resultados da Etapa 1, buscando compreender as situações em que o contato poderia favorecer crenças mais inclusivas.

Participantes da Pesquisa

Na Etapa 1 participaram196 universitários (de um universo de 238) dos últimos cinco períodos do curso de Engenharia de Produção e de Administração de uma Faculdade Particular de Minas Gerais, que não possuem disciplinas específicas sobre o tema. A aplicação foi feita em sala de aula, com participação voluntária. A decisão de trabalhar com este público foi por conveniência devido à facilidade de contato, além de serem cursos que preparam seus alunos para atuarem como futuros gestores de pessoas e processos, sendo sujeitos importantes para a inclusão, socialização e aceitação da pessoa com diferença funcional no trabalho. Os resultados foram analisados e os estudantes foram separados em grupos, conforme concepções de deficiência predominantes.

Na Etapa 2, participaram da pesquisa 14 universitários, escolhidos aleatoriamente, conforme suas pertenças aos três grupos identificados na Análise de Cluster realizada na Etapa 1. A Análise de Cluster foi utilizada para separar os respondentes em grupos relativamente homogêneos entre si e heterogêneos entre os agrupamentos no que se refere às "concepções de deficiência", tendo participado, voluntariamente, seis pessoas do Cluster 1, quatro pessoas do Cluster 2 e quatro pessoas do Cluster 3. As entrevistas foram realizadas conforme disponibilidade das pessoas para participarem da pesquisa.

Instrumentos e Procedimentos de Coleta de Dados

Na coleta de dados relativa à Etapa 1 foram utilizados os seguintes instrumentos:

Questionário sociodemográfico. Objetivou caracterizar os participantes da pesquisa mediante variáveis sociais e demográficas, tais como idade, curso, período do curso, cor/raça, estado civil, renda total familiar, tipo de escola onde estudou no ensino fundamental e médio, ocupação atual e sexo.

Perguntas estruturadas sobre o contato anterior deles com pessoas com diferença funcional. Para análise dos tipos de contato foram utilizadas as variáveis propostas por Allport (1954) e avaliadas em pesquisas posteriores (Pettigrew & Tropp, 2006; Vezzalli & Stathi, 2017), sendo: (1) Aspectos quantitativos dos contatos: frequência, tipo de vínculo, duração, variedade; (2) Status atribuído às pessoas com diferença funcional; formas de contato com pessoas com diferença funcional (cooperação, subordinação, etc.); (3) Atmosfera social do contato (voluntário, involuntário, real, artificial, de igualdade ou como grupos segregados, etc.); (4) Áreas de contato (casual, familiar, ocupacional, social, etc.).

Inventário de Concepção de Deficiência em Situações de Trabalho – ICD-ST, escala auto-administrada, proposta por Carvalho-Freitas (2012). A versão adotada na presente pesquisa foi definida a partir da análise confirmatória realizada por Carvalho-Freitas e Marques (2010b), para avaliação das concepções de deficiência historicamente reproduzidas. Essa versão inventário é composta de 19 afirmativas (Carvalho-Freitas & Marques, 2010b), a serem respondidas em escala de concordância de 1 a 6 (1 – discordo totalmente, 2 – discordo muito, 3 – discordo pouco, 4 concordo pouco, 5 – concordo muito e 6 – concordo totalmente). A análise das propriedades psicométricas, na versão adotada (Carvalho-Freitas & Marques, 2010b) e na presente investigação, identificou estrutura fatorial composta por seis fatores principais. No presente estudo os seis fatores explicaram 65% da variância total. Os coeficientes de alfa de Cronbach variaram de 0,53 a 0,81, no estudo original (Carvalho-Freitas, 2012) e no presente estudo variaram de 0,64 a 0,89, tendo o fator de vínculo sido retirado das análises, devido baixa consistência interna.

Na coleta de dados relativa à Etapa 2 foi realizada uma entrevista semiestruturada, cujo objetivo foi aprofundar a compreensão sobre as concepções de deficiência e o contato com pessoas com diferença funcional, realizando perguntas tais como: Já teve contato com pessoa com diferença funcional? Se sim, como foi este contato? Quantas vezes tiveram contato? Quanto tempo durou? Como foi a experiência, pensamentos e sentimentos em relação a este contato? O que você pensa sobre a inclusão de pessoas com diferença funcional nas organizações? Qual conhecimento você tem disto? As entrevistas duraram, em média, 30 minutos. Foram anotados os principais aspectos mencionados das questões durante a entrevista, sendo que, no fim, o pesquisador certificou os principais pontos anotados junto ao entrevistado (validação subjetiva). Foi respeitado o encadeamento lógico do entrevistado ao responder as questões e deixado espaço no fim para o que o entrevistado acrescentasse outras informações relevantes.

Procedimentos de Análise de Dados

Na Etapa 1, os dados oriundos do Inventário de Concepções de Deficiência em Situação de Trabalho e de Contato Intergrupal foram analisados por meio da estatística descritiva, a fim de identificar a distribuição percentual das respostas relacionadas às concepções de deficiência e às formas de contato. Além disso, foi realizada Análise de Cluster com o objetivo de identificar agrupamentos dos respondentes com base em suas concepções de deficiência (Hair, William, Babin, & Anderson, 2009). Mais especificamente, foi utilizada a técnica de Agrupamento Hierárquica Aglomerativo, visando identificar a homogeneidade interna (dentro dos conjuntos) e a heterogeneidade externa (entre conjuntos). O método utilizado foi o de Ward, baseado nos princípios da análise de variância e a medida de similaridade utilizada foi a da distância euclidiana, que representa a similaridade como a proximidade entre observações ao longo das variáveis na variável estatística de conjunto. Além disso, foi verificado se havia relação de independência (qui-quadrado) entre a pertença aos agrupamentos (clusters) e os tipos e frequências de contato com pessoas com diferença funcional.

Na Etapa 2, a análise dos dados das entrevistas foi feita com auxílio da metodologia de análise de conteúdo temática, inspirada na proposta de Bardin (2011), adaptadas ao objetivo e especificidades da presente pesquisa. O objetivo foi de buscar as unidades (categorias) cujo sentido seria significativo para a investigação do contato intergrupal (seus diversos tipos) e suas possíveis relações com as concepções de deficiência dos universitários. As pessoas foram selecionadas conforme sua pertença aos clusters identificados na Etapa 1.

Considerações Éticas

A pesquisa está aprovada pelo Comitê de Ética da UFSJ, sob o número CAAE94280818.9.0000.5151 da Plataforma Brasil. Todos os 196 participantes, voluntariamente, aceitaram contribuir com a pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram garantidos o respeito a todos os procedimentos éticos necessários.

 

Resultados e discussão

Etapa 1

Caracterização da Amostra

Quanto às características demográficas dos universitários que participaram do estudo, a amostra foi 59,2 % do sexo feminino e 40,8% do sexo masculino, com idade média de 25,15 anos (DP = 5,15), variando de 18 até 54 anos, dos quais 108 alunos (55,1%) são do curso de Engenharia de Produção e 88 alunos (44,9%) são do curso de Administração. Considerando a distribuição por sexo, conforme os cursos, a amostra foi composta por 74% de mulheres e 26% de homens no Curso de Administração. Na Engenharia de Produção foram 53% dos respondentes do sexo masculino e 47% do sexo feminino. A distribuição por sexo, com predominância feminina na Administração e masculina na Engenharia de Produção é similar às demais universidades do país, conforme Censo da Educação Superior de 2017 (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [INEP], 2019).

Destes alunos, 50,5% se autodeclararam de cor branca, 42,3% pardos, 5,1% cor preta e outras 2% não quiserem declarar ou declararam outra cor. Solteiros correspondem a 80,6%, enquanto somente 16,3% são casados e outros 3% divorciados ou outro estado civil. A ampla maioria (56,1%) possui renda total familiar entre 1,5 e 4,5 salários mínimos, sendo que apenas 7,2% possui renda acima de oito salários mínimos. Em relação ao tipo de escola que estudou no ensino fundamental, 87,2% estudou em escola pública, enquanto que 88,8% estudou também em escola pública no ensino médio. Mais de 60% dos alunos trabalha em empresas privadas da região e apenas 15,8% estão desempregados.

Concepções de Deficiência Predominantes entre os Universitários

Considerando todos os participantes da pesquisa, verificamos que em relação à matriz espiritual, a média obtida foi de 2,84, o que demonstra que os respondentes discordam dos pressupostos de que a deficiência tem uma origem metafísica. Já na concepção baseada na normalidade, a média encontrada foi de 3,25, indicando que os estudantes discordam pouco de que as pessoas com diferença funcional são mais vulneráveis e tendem a ter atitudes inadequadas no trabalho e que devam ser alocadas em setores específicos em função da deficiência. Essa pouca discordância indica certa ambiguidade ou incerteza em relação aos pressupostos dessa matriz. Em contrapartida, a concepção baseada na inclusão (M = 4,90) foi a que obteve maior média dentre todos os fatores, o que indica que essa amostra de universitários concorda que, se oferecidas as condições necessárias, as pessoas com diferença funcional podem exercer qualquer função, assim como é possível a inclusão delas nos mais diversos espaços sociais. No fator desempenho, foi obtida uma média de 1,83, o que indica, na percepção dos universitários, um alto nível de discordância de que o trabalho das pessoas com diferença funcional seja inferior e improdutivo se comparado ao das demais pessoas. Em relação ao fator benefício, cuja média foi de 4,67, aponta que esses universitários percebem que a contratação de pessoa com diferença funcional é fundamental para a organização em que podem vir a atuar, principalmente em termos de imagem perante os clientes e colaboradores.

Esses resultados indicam que, de uma forma geral, o desempenho das pessoas com diferença funcional é creditado como bom pelos universitários (83,2% discordam que o desempenho dessas pessoas seja pior que o das demais pessoas), além disso, veem a sociedade como corresponsável pelo processo de inclusão, na medida que acreditam que dadas as condições adequadas de trabalho, as pessoas com diferença funcional terão bons resultados de trabalho (66,5% concordam com a Matriz de Inclusão). No entanto, grande parte desses universitários tem dúvida em relação à atitude e ao relacionamento dessas pessoas e à adequação dessas pessoas em apenas alguns setores (70,2% têm dúvida sobre os pressupostos da Matriz de Normalidade). Uma hipótese que se levanta para esses resultados, principalmente para as dúvidas em relação à Matriz de Normalidade, é de que essas incertezas promovem o pensamento de que ter uma diferença funcional impediria de realizar algumas atividades conforme concebido na atual divisão do trabalho, além de criar possibilidades maiores de acidentes. Por outro lado, a dúvida em relação às atitudes e relacionamentos dessas pessoas reforça um processo de organização da sociedade que continua mantendo as pessoas com diferença funcional fora das escolas, dos ambientes sociais e com poucas exigências tanto nas relações quanto nos resultados (Braga & Schumacher, 2013; Mazzotta & D'Antino, 2011), gerando dúvidas sobre suas possibilidades de relação. Nesse sentido, verifica-se que as concepções de deficiência predominantes reproduzem uma condição social e histórica que ainda colocam as pessoas com diferença funcional em situação de suspeição sobre suas possibilidades. Estes resultados apresentados são semelhantes aos encontrados por Carvalho-Freitas, Simas, e Souto (2014) com 800 universitários e que também analisou as concepções de deficiência. Verifica-se que, de uma forma geral, essa é uma temática em que universitários não têm uma convicção grande em relação a ela.

Visando verificar se poderiam separar os respondentes em grupos relativamente homogêneos entre si e heterogêneo entre os agrupamentos no que se refere às concepções de deficiência foi realizado a Análise de Cluster. Após a identificação de três clusters, foram feitas análises descritivas das médias de resposta de cada fator conforme Tabela 1.

 

 

Os respondentes foram divididos em três clusters, sendo que o primeiro agrega pessoas com respostas com o nível de percepção mais Inclusivo (Média= 5,52) e menor de Normalidade (Média=2,78) e menor Espiritual (Média=1,91) com um total de 70 respondentes e denominado Grupo Inclusivo; o segundo grupo de pessoas concordavam com os pressupostos da matriz Inclusiva (Média=5,22) e apresentavam tendência a concordar com os pressupostos tanto da matriz da Normalidade (Média = 3,55) quanto da matriz Espiritual (Média=3,91), o que pode remeter a concepção de deficiência que eram dependentes do contexto em que se inseriam, gerando ambiguidade em relação às pessoas com diferença funcional, com o total de 79 respondentes e denominadas Grupo Ambíguo/Indeciso; e o terceiro grupo, considerado nesta pesquisa como menos inclusivo, pois as respostas da concepção de Normalidade (Média= 3,42) foram maiores do que a de Inclusão (Média= 3,23) com o total de 39 respondentes, denominado Grupo Não-Inclusivo.

Caracterização Descritiva do Contato Intergrupal

No estudo foi verificado que a maioria dos alunos já teve algum contato com pessoa com diferença funcional, seja na família, em ambientes sociais, na escola ou no trabalho, conforme Tabela 2. Verificamos que apesar de uma frequência maior de contato em ambientes sociais (64,3%), apenas 13,5% têm um contato mais diário e apenas 8,2% têm contato mais frequente como familiares de pessoa com diferença funcional. Em estudo realizado por Mazzotta e D'Antino(2011) sobre a inclusão social de pessoas com deficiência/diferença funcional na área da cultura, educação e lazer, foi identificado que os ambientes sociais têm um alto poder de mediação para a inclusão; entretanto, bons resultados desta mediação são construídas no cotidiano das relações interpessoais, sociais e políticas e os fatores contextuais de ordem pessoal e ambiental podem tanto favorecer quanto criar e ampliar desvantagens para pessoas com diferença funcional, pois é também no social que se inscrevem condições limitadoras que podem favorecer o amálgama deficiência-carência acentuando a desvantagem do sujeito em relação ao meio. No entanto, é interessante sublinhar o aumento de possibilidades de contato com pessoa com diferença funcional, considerando que 99% deles já tiveram algum tipo de contato, o que vem diferenciar a situação histórica relativamente recente sobre esta questão conforme discutido por Ribeiro, Moio, Bovkalovsky, Chemin. e Corradi-Perini (2019).

 

 

Conforme Tabela 2, verifica-se uma diminuição gradual de contato à medida que se aumenta o grau de instrução. Uma das explicações para este fato é o número baixo de pessoas com diferença funcional que alcançam níveis mais altos de formação acadêmica, como confirmada nos estudos de Neves-Silva, Prais e Silveira (2015), que verificou que a formação de pessoa com diferença funcional, tanto no que se refere à educação, quanto à capacitação profissional, é um desafio. Muito se tem feito na educação de nível fundamental, mas menos no ensino médio e no ensino superior. Ainda segundo estes autores, o Brasil tem realizado vários avanços no sentido de melhorar a formação e favorecer a educação inclusiva de nível básico; no entanto, as pessoas com diferença funcional e seus familiares ainda se deparam com muitos desafios para uma educação de qualidade.

Identifica-se também (Tabela 2) um aumento considerável de contato em contexto escolar, mas sem ser em sala de aula, possivelmente fruto das políticas públicas de inclusão de pessoas com diferença funcional na educação (Ministério da Educação [MEC], 2008), embora possa ser identificado que a procura por este contato é baixa, com números abaixo de 6,1% de interação diária. Verifica-se, ainda, que 25,5% das pessoas tiveram contato com pessoa com diferença funcional no trabalho, mas somente 6,6% possuem algum tipo interdependência ou trabalha junto delas. Esses resultados são similares aos identificados em estudos sobre a socialização de pessoas com diferença funcional nas organizações (Assis, 2012; Carvalho-Freitas et al., 2011; Carvalho-Freitas et al., 2010; Freitas, 2016; Freitas, Pereira, Honório, & Silva, 2017) em que osresultados indicam presença de dificuldades de adaptação ao contexto de trabalho, em função de barreiras e de preconceitos velados. Os estudos indicam a necessidade de alinhamento do discurso com os princípios da inclusão, da ética, da moralidade e da equidade, característicos da responsabilidade social empresarial (Freitas et. al., 2017); contudo, em termos práticos, verifica-se um considerável distanciamento entre o processo de inclusão realizado pelas instituições e tais princípios (Freitas, 2016).

Visando verificar se havia relação de independência entre a pertença aos agrupamentos identificados e o tipo e frequência de contato, identificamos que havia dependência em relação à frequência de contato fora de sala de aula, tanto no Ensino Fundamental (χ¦ = 9,966 e p = 0,04), quanto no Ensino Médio (χ¦ = 9,631 e p = 0,04), assim como dependia da frequência de contato em ambientes sociais (χ¦ = 15,268 e p = 0,02) e da qualidade (positiva, negativa ou neutra) da experiência de contato (χ¦ = 5,888 e p = 0,00). Tal resultado aponta consonância com a discussão realizada por Maciel (2000) que afirma que estes contextos levam a uma interação aluno sem diferença funcional - aluno com diferença funcional, fazendo com que os primeiros aceitem e respeitem os segundos.

Etapa 2

Caracterização dos Participantes

Visando compreender e qualificar essas relações de dependência entre contato e os clusters de concepções de deficiência, identificados na Etapa 1, foram contatadas as pessoas que se dispuseram a fazer parte dessa segunda etapa da pesquisa. Foram entrevistadas seis pessoas do Grupo Inclusivo denominadas I1 (Curso Administração, Sexo Feminino), I2 (Curso Administração, Sexo Feminino), I3 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Masculino), I4 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Feminino), I5 (Curso Administração, Sexo Feminino), I6 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Feminino); quatro pessoas do Grupo Ambíguo/Indeciso denominadas A1 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Masculino), A2 (Curso Administração, Sexo Feminino), A3 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Masculino), A4 (Curso Administração, Sexo Feminino); e quatro pessoas do Grupo Não-inclusivo denominadas N1 (Curso Administração, Sexo Feminino), N2 (Curso Administração, Sexo Feminino), N3 (Curso Engenharia de Produção, Sexo Feminino), N4 (Curso Administração, Sexo Feminino). A análise de conteúdo realizada possibilitou a identificação de duas categorias que atravessavam e se distinguiam nos três agrupamentos: a frequência do contato e a qualidade da experiência de contato, referendando a análise quantitativa realizada.

No primeiro grupo, considerado Inclusivo, todos citaram uma frequência de interação maior com pessoas com diferença funcional, inclusive com uma relação fraterna, social e de trabalho, por exemplo: "Tenho convívio diário com pessoa com diferença funcional, minha mãe e duas tias têm diferença funcional visual e uma que é amiga da família tem Síndrome de Down, todo fim de semana a gente se reúne e ela está junto". (I2); "Tenho contato com dois sobrinhos que têm diferença funcional e eu os amo, inclusive são meus vizinhos." (I1); "Experiência bacana, pois em termos profissionais não deixou nada a desejar, desenvolvia igual aos outros e até melhor, somente a comunicação tinha que ser adaptada, pois ele tinha diferença funcional auditiva, aí eu usava mais textos." (I3).

A interação pessoal é umas das condições facilitadoras, de acordo com Pettigrew (1998), para haver o contato positivo e em consequência a redução de preconceito e discriminação intergrupal. Também de acordo com estudo feito por Ishige e Hayashi (2005), sugeriram que a qualidade geral, bem como a quantidade de contato, impacta as atitudes em relação às pessoas com diferença funcional, auxiliando a minimizar o estigma e a incentivar a aceitação/inclusão. Batson et al.(1997) e Pettigrew e Tropp (2006) consideraram que os maiores efeitos positivos do contato parecem envolver o afeto geral e as emoções específicas, além do gosto, empatia e respeito pelo membro do grupo externo. Já estudos de Islam e Hewstone (1993), colocam a redução da ansiedade intergrupal como fundamental consequência do contato positivo. Tal afirmação é corroborada pelos trabalhos de Barr e Bracchitta (2014) que afirmam que o contato com pessoas com diferença funcional influencia as atitudes positivas em relação a esses indivíduos.

É importante considerar a distinção entre a quantidade de contato versus a qualidade do contato com pessoas com diferença funcional. Há evidências de que o contato pessoal, íntimo e recompensador com essas pessoas, diminua estereótipos e é associado a um aumento de atitudes positivas. Outro exemplo, McManus, Feyes, e Saucier (2010) constataram que uma maior qualidade de contato previa unicamente atitudes mais positivas em relação aos indivíduos com diferença funcional, enquanto maior quantidade de contato e maior conhecimento sobre deficiências não estavam relacionados a atitudes positivas.

Verificamos que nesse cluster todos os respondentes têm uma atitude positiva em relação às possibilidades de trabalho das pessoas com diferença funcional e ela está associada a uma concepção inclusiva da deficiência, como pode ser exemplificado nas seguintes falas: "Acredito que a pessoa com diferença funcional pode trabalhar onde quiser, só ofertar as condições e ela ter o perfil pra vaga, assim como para quem não é pessoa com diferença funcional" (I3); "Se as empresas promoverem condições adequadas, as pessoas com diferença funcional entregarão serviços de qualidade" (I5).

Esses resultados ratificam constatações de pesquisas que mostram que em situações de trabalho dos indivíduos com diferença funcional que se aproximavam das condições ótimas de contato descritas por Allport (1954), eles têm mais probabilidade de serem socialmente integrados no trabalho (Novak, Feyes, & Christensen, 2011), muito devido a melhoradas atitudes dos colegas de trabalho. Tal constatação corrobora também o estudo de Assis (2012), que afirmou que a convivência com pessoas com diferença funcional é um importante aliado na quebra de preconceitos, no aprendizado de como lidar e no suporte a essas pessoas, influenciando positivamente na socialização organizacional.

No segundo grupo, considerado Ambíguo/Indeciso, os respondentes têm contatos mais esporádicos, normalmente apenas visuais, sem interação direta. "Tenho um contato visual no meu trabalho e com vizinhos" (A1); "Nunca trabalhei diretamente, mas sei que tem na empresa" (A2); "Não tenho contato direto, vejo mais vizinhos, só contatos visuais, mas não direto" (A3); "Tive um contato na infância, pois de vez em quando visitava um projeto social. Hoje não" (A4).

Apesar de todos afirmarem que as pessoas com diferença funcional têm habilidades próprias e que podem desempenhar funções adequadamente, também afirmam que essas pessoas deveriam ser tratadas de maneira diferente visto sua deficiência e afirmam, paradoxalmente, questões espirituais relacionadas à concepção de deficiência.

É missão da pessoa com diferença funcional nos ensinar a sermos mais humanos, eles têm um superpoder de ver o mundo diferente, com mais amor, Deus as fez assim ou permitiu acontecer isto para nos mostrar que podemos conviver com diferenças e limitações, desde que a gente os oriente. (A4)

Esses resultados ratificam o que Hughes (2012) discutiu sobre a questão da ausência de contato com pessoas com diferença funcional como fruto de um processo civilizatório que segrega essas pessoas ou busca reabilitá-las, ampliando a insegurança e a ansiedade frente a essa realidade desconhecida. Por outro lado, também referenda a premissa defendida por Frankl (2008) de que o ser humano busca construir explicações que possam dar sentido à sua realidade e à vida, de forma geral. No caso das pessoas com diferença funcional, as explicações espirituais são uma possibilidade identificada ao longo da história (Carvalho-Freitas & Marques, 2007).

Já no terceiro grupo, considerado menos inclusivo, pois a concepção de Normalidade era maior que a de Inclusão, os respondentes têm um contato atual que prejudicam a relação, desfavorecendo a diminuição de preconceito, tal como: eventual, nenhum contato, ansiedade no contato, piedade no contato. "Tenho contato eventual com a irmã de uma amiga minha que tem paralisia cerebral, mas coitada, é totalmente dependente da irmã e da mãe" (N1); "Hoje tenho relação mais próxima com uma menina que trabalha comigo no mesmo setor, tento fazer o possível para ter bom relacionamento, mas pela parte dela tem um bloqueio que eu nunca entendi" (N3).

Conforme Shannon et al. (2009), percepções e atitudes negativas em relação às pessoas com diferença funcional persistem. Essas barreiras invisíveis servem para limitar as interações sociais com pessoas com diferença funcional e alimentar a reciprocidade de atitudes negativas. De acordo com McCaughey e Strohmer (2005) "atitudes negativas incluem crenças de que todos os indivíduos com deficiências são dependentes, isolados e emocionalmente instáveis" (p. 90). Em estudo recente realizado, Coutinho et.al. (2017) revelam que a constituição de preconceitos em relação à pessoa com diferença funcional contribui para que ela seja percebida como a responsável pelas limitações advindas dessa condição – atributo da concepção de Normalidade - omitindo-se fatores provenientes de um contexto social que não assume, ainda, a inclusão como compromisso em todos os âmbitos.

 

Conclusão

Na presente investigação foi possível verificar que o contato intergrupal com pessoas com diferença funcional está relacionado às concepções de deficiência que as pessoas possuem. Resultado similar foi identificado por Silva e Pinto (2016) em amostra de discente de Administração em universidade pública, que identificou relação entre a convivência com pessoas com diferença funcional e as concepções de deficiência dos discentes.

Foi verificado que quando é possível construir relações mais afetivas com as pessoas com diferença funcional ao longo da vida ou que, em situações de trabalho, são oferecidas condições de exercício profissional em que elas não fiquem em desvantagem, as pessoas compartilham uma concepção de deficiência inclusiva. Por outro lado, quando não existe contato com essas pessoas, ocorre a mobilização de sentimentos ambivalentes, isto é, há uma aposta na possibilidade de inclusão, mas condicionada à necessidade de um tratamento diferenciado e até de uma explicação espiritual para com a existência da deficiência. A pessoa, na ausência de um contato concreto com essas pessoas, busca explicações e advoga por tratamentos especiais, para minimizar sua insegurança, fruto de um processo histórico de exclusão dessas pessoas (Hughes, 2012). Além disso, há aquelas pessoas que têm contato com pessoas com diferença funcional, mas esse contato contribui para referendar a exclusão delas do trabalho, seja por problemas relacionais, seja pela identificação de grande dependência dessas pessoas. Nesses casos, a concepção de normalidade ganha proeminência.

Essas constatações reforçam a importância do conjunto de pesquisa desenvolvida internacionalmente, principalmente sobre o contato intergrupal (Vezzali & Stathi, 2017). O contato modifica os destinos e as possibilidades das pessoas com diferença funcional e criam condições para o desenvolvimento de concepções de deficiência diferenciadas que tanto podem favorecer quanto dificultar os processos de inclusão no trabalho.

Algumas implicações práticas podem ser consideradas a partir da presente investigação: a importância de garantir às pessoas com diferença funcional condições de trabalho adequadas, de tal forma que o contato com as demais pessoas da organização possa contribuir para a ressignificação da associação da deficiência com a incapacidade e sensibilizações/capacitações visando problematizar a relação entre contato (em situações favoráveis e desfavoráveis de trabalho) e suas concepções de deficiência. Os resultados indicam que a possibilidade de identificar o papel das condições de trabalho no exercício profissional das pessoas com diferença funcional pode auxiliar a compreender a deficiência dentro de uma concepção mais inclusiva.

Importante salientar a importância e o impacto das políticas públicas de inclusão no Brasil. Esses resultados ratificam, no contexto brasileiro, resultados da pesquisa de Shannon et al. (2009), que indicam que a convivência com pessoa com diferença funcional em situação de maior status social favorece a ressignificação da visão do potencial dessas pessoas.

Por fim, faz-se necessário considerar a limitação desta pesquisa que utilizou uma amostra de conveniência e que esses resultados devem ser investigados em outros segmentos populacionais. Novas investigações, no contexto brasileiro, podem contribuir para confirmar os resultados desta pesquisa e ampliar o campo de atuação relacionado à inclusão nos meios organizacionais, educacionais e sociais. Por outro lado, pesquisas podem ser conduzidas visando identificar se a pertença social a grupos baseados em critérios de gênero, raça/cor, curso, renda, posição hierárquica podem ser variáveis explicativas na relação entre contato intergrupal e concepções de deficiência.

 

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Recebido em 19.mar.20
Revisado em 02.ago.20
Aceito em 17.nov.20

 

 

Alex Roberto Nogueira de Rezende Junior, Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), é Professor Universitário na Fundação Presidente Antônio Carlos de Conselheiro Lafaiete/MG (UNIPAC Lafaiete).
Maria Nivalda de Carvalho-Freitas, Doutora em Administração pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Pós-doutora em Psicologia pela University of Greenwich, Inglaterra, é Professora associada da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Email: nivalda@ufsj.edu.br

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