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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.26 no.3 Natal jul./set. 2021

http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20210029 

10.22491/1678-4669.20210029

TEMAS EM POLÍTICAS SOCIAIS: ASSISTÊNCIA SOCIAL E SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

 

"Tudo por causa do crack": um estudo sobre as percepções e sentidos das drogas na população em situação de rua

 

"All because of crack": a study of the perceptions and meanings of drugs in the homeless population

 

"Todo por el crack": un estudio sobre las percepciones y significados de las drogas en la población sin techo

 

 

Kíssila Teixeira MendesI; Telmo Mota RonzaniI; Fernando Santana de PaivaI

IUniversidade Federal de Juiz de Fora

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo busca compreender as concepções acerca das drogas na população em situação de rua. Para tal, propõe um debate sobre a relação entre a guerra às drogas, a criminalização da pobreza e o direito à cidade. O procedimento metodológico é composto por cinco meses de observação participante e seis entrevistas com homens em situação de rua que usam drogas a partir do método da história de vida, categorizadas posteriormente a partir da análise de conteúdo do tipo temática. Os resultados indicam que a droga aparece como elemento principal das histórias de vida. Há ainda a reprodução de discursos ideológicos sobre as drogas, com teor individualista, moralizante e estigmatizante. A pesquisa aponta para a valorização de categorias cruciais da sociedade burguesa, como trabalho e consumo, e indica mais do que para limites das políticas públicas para a população em situação de rua, para limites societários.

Palavras chave: situação de rua; drogas; pobreza; estigma; políticas públicas.


ABSTRACT

This article aims to understand the conceptions about drugs in homeless population. To this end, it proposes a debate on the relationship between the war against drugs, the criminalization of poverty and the right to the city. The methodological procedure consists of five months of particip nt observation and six interviews with men in street situations that are drug users based on the method of life history, analyzed later with the thematic content analysis. The results indicate that drugs appear as the main element of life stories. There is also a reproduction of ideological discourses on drugs, with an individualistic, moralizing and stigmatizing content. The research shows the valuation of crucial categories of bourgeois society, such as work and consumption, and indicates, rather than limits of public policies for the population in street situation, the corporate limits.

Keywords: homeless; drugs; poverty; stigma; public policy.


RESUMEN

Este artículo busca comprender las concepciones sobre las drogas en los sintecho. Para ello, propone un debate sobre la relación entre la guerra contra las drogas, la criminalización de la pobreza y el derecho a la ciudad. El procedimiento metodológico consta de cinco meses de observación participante y seis entrevistas a hombres sin hogar que consumen drogas utilizando el método de historia de vida, luego categorizados en base al análisis de contenido temático. Los resultados indican que la droga aparece como un elemento principal de las historias de vida. También aparece la reproducción de discursos ideológicos sobre las drogas, con un contenido individualista, moralizante y estigmatizador. La investigación apunta a la valoración de categorías cruciales de la sociedad burguesa, como el trabajo y el consumo, e indica, más que límites de las políticas públicas para la población sin hogar, límites corporativos.

Palabras clave: personas en situación de calle; drogas; pobreza; estigma; política pública.


 

 

O presente artigo tem como objetivo compreender as concepções acerca das drogas e sentido do uso em homens em situação de rua. No campo teórico, a fim de caracterizar melhor a realidade, traça uma contextualização da guerra contra as drogas e sua relação com a pobreza e o direito à cidade para, por fim, refletir em como tais discursos atravessam o uso e as pessoas que usam drogas na rua - em uma equação perversa para estes. O trabalho surge como recorte de uma dissertação que objetivou compreender o processo de estigmatização em pessoas que usam álcool e outras drogas em situação de rua a partir de uma pesquisa de cunho etnográfico realizada na cidade de Juiz de Fora - MG.

A pobreza é aqui compreendida enquanto intrínseca e necessária ao capitalismo e enquanto expressão máxima da questão social, que se mostra profundamente articulada ao desenvolvimento do capitalismo e ao desenvolvimento urbano e industrial. No caso do Brasil, ainda, os processos de favelização e de população de rua estão ligados ao processo escravocrata e às formas de lidar com a questão, também historicamente, são via repressão e higienismos. Além deste trato, visível e concreto, temos ainda o estigma, que aparece como forma de status social que conduz à vergonha e à humilhação e se constitui como um elemento importante na equação das opressões e dominações. Isto é acentuado na população em situação de rua (PSR), tidos como os mais pobres entre os pobres.

No que tange às drogas, o discurso de guerra, localizado em determinado contexto e tempo histórico, se baseia em vieses individualizantes e punitivistas, sobretudo, voltados às classes subalternas. Assim, os processos de criminalização da pobreza e de não direito à cidade possuem como função o controle destas classes dos meios de produção e do trabalho desqualificado. No entanto, embora reconheçamos que há uma relação econômica fetichista em torno da droga na rua, é inegável que esta é elemento importante na trajetória de vida de muitas destas pessoas e traz sofrimentos às pessoas que usam drogas. Além disso, o uso de drogas assimila ao estigma da PSR ainda mais problemas, deixando claro que também as drogas estão associadas ao debate classista, visto que é importante se considerar quem usa, onde e quando se usa.

A partir da fala das pessoas aparecem não só aspectos estigmatizantes, mas também a diminuição do sujeito exclusivamente ao uso da droga. Assim, o objetivo do trabalho é também o de debater o lugar institucionalizado desses sujeitos. Além disso, pesquisas com perfil etnográfico nesses contextos marginais permitem uma etnografia da própria realidade macroestrutural, sendo essas margens necessárias, paradoxalmente, à manutenção do próprio Estado. O estudo sobre estigma nos indica que, ao dizer que um indivíduo não é aceito, dizemos também de todo um discurso discriminatório. E os discursos que permeiam as pessoas em situação de rua, são, entre outros, o da criminalização, o da negação do direito à cidade e o do proibicionismo das drogas. Para além da necessária leitura que leve em consideração a crítica ao capitalismo, faz-se fundamental compreender ainda que este forja subjetividades e que a pobreza gera sofrimentos específicos em uma sociedade de consumo e de valorização da acumulação. Nesse cenário, é imperioso questionarmos sobre o papel da Psicologia – e outras ciências, visto que a concretude da miséria gera impactos identitários e subjetivos.

 

O uso de drogas nas ruas

Segundo dados da Pesquisa Nacional sobre o uso do crack e outras drogas (Bastos & Bertoni, 2014), realizada em cenas abertas de consumo em todo o território nacional com cerca de 25.000 pessoas, o perfil das pessoas que usam drogas compreende, em sua maioria, jovens adultos, do sexo masculino, de cor não branca, com até o ensino fundamental completo e que viviam na rua, sobretudo se tratando das capitais. Tratam-se de poliusuários e o tempo médio de uso do crack é de oito anos na capital e de cinco anos nas demais cidades, o que indica a interiorização da droga e também desmistifica a ideia de que o crack é uma droga de rápida letalidade. Mais de 50% faz uso em latas de alumínio, grave questão de saúde. O uso foi iniciado por curiosidade, conflitos familiares e pressão de amigos, prioritariamente. Quarenta e um por cento foi detido no período de um ano por motivos tais como: uso e posse de drogas, assalto, furto e tráfico. A maior macrorregião de uso no Brasil é o Nordeste e, embora variável por região, o crack não representa, nas capitais, a maioria das drogas ilícitas consumidas.

O uso de drogas "apresenta-se como estigmas de culpabilidade e penalização de sua condição de rua, o que resulta na produção da identidade social do 'encharcador', ou seja, malandro, bêbado, que desqualifica essas pessoas e orienta a forma de tratá-las" (Alcantara, Abreu, & Farias, 2015, p. 5). Isso porque, há substâncias específicas de determinadas classes sociais (Mayora, 2016). Por isso, Rui (2006) tensiona que o uso de drogas só pode ser compreendido a partir da ressalva do marcador de classe. O uso de drogas atribui barreiras dentro da sociedade, havendo legitimações de quem pode e tem controle para fazer ou não o uso da droga. Assim, é fundamental saber quem consome, o local e a forma. Fica claro, então, que há a necessidade de ver o uso de drogas como fenômeno coletivo, e não individual (Alvarado, Guerra, & Mejías, 2013).

O sentido dos usos, assim, é diferente para população em situação de rua, havendo a necessidade de a droga, por si própria, não ser o ponto principal de análise, pois ela é um desafio entre tantos outros encontrados na rua. Assim, em um contexto de extremo pauperismo, como na rua, a análise das implicações do uso de drogas parece mais complexo: "o que seria um consumo problemático ou não problemático na vida de quem não tem nada, de quem passa fome, frio e dorme no chão?" (Mayora, 2016, p. 159). Segundo Raupp e Adorno (2011), o uso do crack no contexto de rua é tido como perfeitamente ajustável ao estilo necessário para se viver nesse contexto. Isso porque as propriedades químicas do crack permitem viver o prazer do instante além de deixar mais esperto e com mais coragem para enfrentar situações complexas. O uso das drogas, assim, tem uso prático, em relação com a estrutura objetiva, permitindo, por exemplo, dormir com mais tranquilidade.

Assim, se o uso de álcool e outras drogas no contexto das ruas é tido como alternativa para suportar a total vulnerabilidade, possibilitando alívio ao sofrimento (Alcantara et al., 2015), o uso de drogas também é apresentado como anterior à ida para as ruas e como causa para tal ao ter gerado grandes perdas materiais. Além disso, momentos de "recaídas1" do uso estão associados à ida ou retorno para as ruas, mas, por outro, estão ligados também à falta de trabalho, a pertencimentos de classe, gênero e raça, e à incapacidade de resolver problemas e acessar serviços públicos, como saúde e serviço social. O abuso de drogas, então, surge como artifício e resistência concreta para busca da superação de faltas, discriminações e lugares socialmente atribuídos aos pobres. Porém, tal forma de resistência, cujo crack tem papel central, tem como resultado a maior opressão desses grupos. A classe social, assim, é tão importante quanto os efeitos farmacológicos do crack, visto que o nível de acesso aos capitais econômico e cultural é decisivo para regulação e controle do uso.

Não é possível, dessa forma, afirmar que, mesmo em não situação de rua, não havia vulnerabilidades outras, como a afetiva, a étnico racial, de gênero, de violências e de discriminação. Todas elas resultam em uma sociabilidade que oprime e se referem à gestão da pobreza na sociedade brasileira. Por isso, é necessário evitar o risco de se cair em uma situação de causa e consequência em relação ao uso de drogas e situação de rua, compreendendo que as pessoas em situação de rua são um grupo heterogêneo (Alvarado et al., 2013). Além disso, embora pesquisas indiquem o uso de drogas enquanto causa primordial de ida para as ruas, tal relação causal deve ser relativizada visto que a proporção de ricos e brancos que usam drogas não vai morar nas ruas por essa razão, em sua grande maioria. Assim, os processos de marginalização são mais complexos do que a ausência de lar, e dizem respeito a trajetórias marcadas por opressões e que resultam em quadros de vulnerabilidade, bem como às formas históricas de tratamento ao debate sobre as drogas que, como veremos a seguir.

 

Guerra às drogas, criminalização da pobreza e (não) direito à cidade

Em 1971 o então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, declara Guerras às Drogas, consideradas inimigas número um do país, o que legitimou a intervenção diplomática, militar e econômica em países tidos como ameaças (os "produtores" latino americanos). Assim, com a droga tida como novo inimigo externo, há nesse período a instituição de bases militares na América Latina e a clara distinção entre países inimigos e países vítimas do tráfico, bem como também o fortalecimento do discurso médico-jurídico, historicamente utilizado como estratégia de controle social (Batista, 1998) onde a pessoa que usa droga passa a ser qualificado como doente e o traficante como delinquente (Pilati, 2011).

No Brasil, houve a incorporação desses modelos normativos e, sobretudo, a implementação de um modelo militarizado de segurança pública de combate às drogas (Teixeira, 2012). Após o golpe militar, em 1964, houve um deslocamento das políticas criminais para o modelo bélico e a repressão ao uso de drogas, legitimada pela medicina com a expansão dos modelos de internação. A partir dos anos 90, com o advento do neoliberalismo e suas consequências, como a precarização do mundo do trabalho e aumento das desigualdades, nota-se ainda o fortalecimento do crime organizado ilícito e de um mercado paralelo, altamente lucrativo (visto o papel funcional da corrupção no capitalismo) concomitante ao aumento do mercado consumidor de determinadas drogas, como a cocaína, estimulante e também funcional ao produtivismo capitalista (Teixeira, 2012). Pós anos 2000, percebe-se uma passagem importante das políticas públicas nacionais voltadas às pessoas que usam drogas para o campo da saúde pública a partir da perspectiva da redução de danos (Passos & Souza, 2011).

Por outro lado, há o reforço da repressão nas políticas de segurança pública. A lei de drogas (Lei nº 11.343), de 2006, não incorporou grandes novidades, permanecendo o viés criminalizante e a imposição de medidas terapêuticas (Pilati, 2011). Segundo a legislação, a diferenciação entre usuário e traficante se dá a partir de critérios como quantidade apreendida e antecedentes criminais. Porém, não há definição prévia da quantidade que define a pessoa que usa ou um traficante, prevalecendo critérios subjetivos do policial que apreende ou do juiz. Além disso, há o aumento da pena mínima do tráfico de drogas, o que trouxe como consequência o crescimento nos níveis de encarceramento (Boiteux & Pádua, 2012). A mais recente lei de drogas do país (Lei nº 13.840, de junho de 2019) deve aprofundar esse caráter, visto seu perfil conservador e manicomial. Dessa forma, a política de drogas no Brasil se estrutura pela tríade: repressão, prevenção e tratamento (Teixeira, 2012).

O poder punitivo do Estado, entretanto, não atinge toda a sociedade. Se a globalização das políticas de tolerância zero transferiu o problema da criminalidade para o âmbito moral, retirando a responsabilidade das desigualdades geradas pelo capitalismo, tal estratégia possui caráter étnico classista. De acordo com Dornelles (2003), a partir de um discurso de promoção de bem-estar coletivo, tais políticas acabam por legitimar ações repressoras e de controle social do próprio Estado. Logo, as políticas de tolerância zero não correspondem a um aumento real da criminalidade, e sim a uma necessidade de controle das classes pobres (Wacquant, 2001). Após a lei de drogas de 2006, entre os anos de 2007 e 2012, há um aumento de 320,31% de presos por tráfico de drogas (Boiteux & Pádua, 2012). Eis o crescimento do eficientismo penal (Dornelles, 2003), onde a política criminal é apresentada como única forma de estabelecer a ordem.

Termos como "guerras contra as drogas" e "epidemia do crack" são utilizados para justificar a violência estatal e gerar um pânico moral na sociedade. A partir da análise histórica social do Brasil, é possível observar a reprodução de um Estado punitivo que visa o encarceramento e o controle e extermínio das classes excluídas dos meios de produção, colaborando para a criação de um estereótipo de inimigo comum para a sociedade (que, de forma contraditória, é também a mais vitimada pela dita violência urbana): pobre, negro, jovem e do sexo masculino (Dornelles, 2003). A esse processo chamamos "criminalização da pobreza". A população em situação de rua, não por acaso, está em conformidade com essas características "criminalizantes".

No que tange às políticas públicas, em 2010 é criado por decreto o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas (Decreto nº 7.426/10), cujo objetivo, embora tenha trazido avanços na tentativa de articular as áreas de saúde, educação e assistência social, já é compreendido no verbo que consta em seu próprio título: isso porque não se enfrentam drogas, se enfrentam pessoas que usam drogas. Na campanha presidencial de 2014, contudo, é que o "combate ao crack" ganha destaque alinhado ao discurso de limpeza urbana "necessária" para os eventos internacionais ocorridos no Brasil, como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas do Rio em 2016. A "cracolândia", então, passa a ser o "grande centro da questão social brasileira contemporânea" (Rui, 2013, p. 288). Esse caráter higienista histórico exacerba os estigmas e atribui o status de "viciado em crack" e "drogado" a toda PSR (Raupp & Adorno, 2011). Além disso, esses territórios estigmatizados surgem como símbolos da patologia urbana, que alteram as formas de interação com o Estado (Wacquant, 2001). Logo, não se trata de um problema local, mas de toda a metrópole. O centro, contraditoriamente, passa a ser a periferia da periferia e o destino final de muitos pobres.

Dessa forma, também a limpeza urbana, dada de forma essencialmente repressiva, aqui exemplificada pelo caso de São Paulo, constituem um aspecto da criminalização da pobreza e do (não) direito à cidade. Se vivemos em uma lógica (neo)liberal, como afirma Faulhaber (2012), as cidades acabam por serem reflexo desse sistema, se adaptando, assim como o Estado, à lógica das grandes corporações e do capital financeiro. Isso porque, historicamente, há uma ligação entre urbanização e desenvolvimento do capitalismo, sendo a cidade o local de concentração do excedente de produção, absorvido pelo mercado imobiliário, que desapropria das massas o direito à cidade. Assim, a qualidade de vida urbana torna-se uma mercadoria acessível a poucos, o que fica visível nas formas espaciais das cidades.

Embora pertinente e atual, tal conclusão sobre a forma de composição das cidades não é diferente da de Engels, em 1845, início da industrialização urbana, ao descrever a situação da classe trabalhadora na Inglaterra, onde já identificava como eram reservados aos trabalhadores locais específicos na cidade, escondidos e miseráveis, bem como o crescimento da população que vivia nas ruas. Além disso, apontava para "a desagregação da humanidade em mônadas, cada qual com um princípio de vida particular e com um objetivo igualmente particular, essa atomização do mundo, é aqui levada às suas extremas consequências (Engels, 2010, p. 68)". As cidades são tidas para o autor como sinônimos de egoísmo, miséria e guerra, cujas armas são o capital e a propriedade, e o "modo como vemos o mundo e definimos possibilidades depende do lado da pista em que nos encontramos e a que tipo de consumismo temos acesso" (Harvey, 2014, p. 47).

Os impactos psíquicos desse constante individualismo da ética neoliberal são evidentes: isolamento, ansiedade, neurose e (por que não?) um novo padrão de uso de drogas diverso daquele verificado em tradições passadas. Além disso, a lógica do consumo, do excesso e do individualismo imposta pelo modo de vida capitalista faz com que aqueles que não estão no fluxo formal da mercadoria se insiram no consumismo de outras formas, como a partir do uso de drogas: "o prazer na sociedade atual foi resumido a um mercado repleto de promessas de satisfação imediata e fugaz meio do consumo de produtos" (Raupp & Adorno, 2011, p. 54). A droga é mais um desses produtos e seu consumo, ao se tornar ilegal, passa a ser regido pela lógica do mercado marginal (mas ainda mercado!) e não mais das tradições. Harvey (2014) aponta que a criação do novo está na possibilidade de ação coletiva. Assim, reivindicar o direito à cidade não é um objetivo por si só, sendo a luta anticapitalista urbana o caminho. Logo, o direito à cidade é mais do que direito ao acesso, e sim o direito de mudar e reinventar a cidade.

 

Percurso metodológico

Contextualização e Inserção no Campo e Território da Pesquisa

O município de Juiz de Fora está situado na Zona da Mata mineira e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2016), possui uma população estimada de 559.636 habitantes. Apesar dos bons índices no que tange os indicadores sociais, a cidade possui a maior diferença de IDH entre negros e brancos do estado de Minas Gerais (IBGE, 2010). Logo, não está distante das consequências do capital no meio urbano, sendo notória em seu histórico a produção desigual do espaço e uma separação socioespacial de classes. O diagnóstico da população em situação de rua da cidade de Juiz de Fora (Prefeitura de Juiz de Fora, 2016) estimou, após uma varredura inicial, que utilizou a definição do decreto 7.053/09, que 242 pessoas que dormem exclusivamente na rua. Desse total, e a partir da divisão em territórios socioassistenciais do município, a maior parte (67,3%) se encontra na região central. As outras percentagens maiores estão em regiões próximas ao centro.

A fim de facilitar o acesso a um público que, à primeira vista, pode parecer de difícil contato, foram procurados dois serviços como primeiros informantes da pesquisa para a realização do conhecimento da população em situação de rua de Juiz de Fora. São eles o Consultório na Rua (equipe II) e o Centro Pop. Para ambos, se fez necessário um contato inicial para explicitação dos objetivos da pesquisa. Fundamentalmente pela escolha das instituições, ainda que tenham sido percorridos outros locais da cidade na fase de exploração da pesquisa e conhecimento do público, a maior e mais significativa parte do campo se deu no centro de Juiz de Fora.

Algumas particularidades do território em questão merecem ser destacadas. Trata-se de um local de concentração de dispositivos (três instituições) voltados para a população em situação de rua. Além disso, é caracterizado como ponto de uso de drogas e pequeno tráfico. No território é evidente a implementação do capital globalizado: a localização é central, porém mais desvalorizada, tanto por suas caraterísticas específicas (a presença da população em situação de rua é uma delas), quanto por estar na "parte baixa" da cidade. O local possui um movimento de grande fluxo, fundamentalmente em horários de pico. Entretanto, apesar de estigmatizada, a presença da população em situação de rua e o uso de drogas são naturalizados ali. Quando essa presença excede e "invade" outros locais – sobretudo os centrais -, mesmo que próximos, passa a ser incômoda e vira pautas dos jornais locais.

Etapas da Pesquisa

A pesquisa foi realizada em duas fases: a de observação participante e a de entrevistas. A de observação participante é "parte essencial do trabalho de campo na pesquisa qualitativa" (Minayo, 1993, p. 70) e é o momento onde o pesquisador se coloca na posição de observação com finalidade científica. A análise do presente trabalho se repousa em uma observação participante de inspiração etnográfica realizada no período de 5 de setembro de 2016 a meados de março de 2017 (uma a duas visitas semanais) registrada em diário de campo, e posteriormente analisado sistematicamente e afetivamente. A observação desses cenários possibilitou aos pesquisadores apreenderem o universo do grupo estudado, favorecendo ainda a identificação dos posteriores entrevistados na investigação.

O roteiro de entrevista semiestruturada foi elaborado pelos pesquisadores baseado na literatura e, sobretudo, nos dados coletados no período de observação participante, enfatizando categorias pertinentes à pesquisa e ao cotidiano dos participantes. Foi realizado inicialmente um piloto para se determinar a versão final do roteiro. A construção do roteiro de entrevistas foi baseada na história de vida, que é um método amplamente empregado nas ciências humanas e sociais que visa compreender as histórias de vida de sujeitos que representam diferentes grupos sociais, bem como os processos, as relações sociais e os códigos simbólicos e de valores construídos por e entre sujeitos a partir de sua inserção na realidade sócio cultural (Chizzoti, 2013).

Os participantes das entrevistas foram exclusivamente homens em situação de rua e que usam substâncias psicoativas localizados nos contextos antes explicitados. Não houve restrição de idade, porém esta permaneceu na faixa de 30 a 48 anos. Estes foram abordados de maneira progressiva, dado o caráter etnográfico da pesquisa, de forma verbal, e convidados a participarem das entrevistas. Todos já haviam tido contato com a pesquisadora durante o período de observação participante e se mostraram solícitos ao convite. As entrevistas, a fim de melhor armazenamento dos dados, foram gravadas em equipamento celular e, posteriormente, transcritas integralmente. As autorizações dos participantes (termo de consentimento livre e esclarecido) foram fornecidas via áudio, considerando a possibilidade de haver entrevistados não alfabetizados e, assim, evitar possíveis constrangimentos. Serão utilizados aqui os nomes fictícios de Marcos, Pedro, Tomé, Mateus, Tiago e João.

A definição do número de participantes foi feita pelo critério de exaustão/saturação dos dados construídos durante o processo de observação participante. Esse tipo de fechamento amostral é realizado pelo pesquisador quando é percebida a repetição de conteúdo nos dados, já sendo possível analisá-los sem grandes perdas de material. Assim, dada a densidade de informações que o instrumento ofereceu, foram totalizadas seis entrevistas.

Análise dos Dados

Para análise dos dados qualitativos das entrevistas realizadas, foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo do tipo temática (Gomes, 2008). As categorias analíticas foram determinadas a priori e a posteriori da realização da pesquisa de campo. Neste artigo, será analisada uma família – "uso de drogas" - de sete categorias: início do uso; razão atual do uso e suas consequências; tipos de drogas e classificações; possibilidades de conter o uso; tipos de tratamentos já feitos; administração e rotina na rua; relação com o tráfico e criminalidade. Todo o material foi organizado e analisado a partir do Software Atlas.ti. Foram definidos três pesquisadores que compuseram o grupo de análise para a discussão e definição de categorias e subcategorias de análise. A definição final desses dados foi feita através do consenso entre os pesquisadores. Por fim, os dados encontrados foram analisados a partir da literatura na área.

Aspectos Éticos

Houve a submissão do protocolo de pesquisa aos órgãos competentes do país, bem como ao Comitê de Ética em Pesquisa Humana. Os procedimentos previstos obedeceram aos Critérios de Ética na Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

 

Resultados e discussão

As histórias de vida, embora diversas, desembocam em um caminho praticamente único, que é o uso de drogas, sendo este um elemento fundamental nas histórias de vida. Dessa forma, a fala mais comum ao serem questionados sobre o porquê da ida para as ruas é "tudo por causa do crack", seja pelo próprio uso, seja por dívidas ou conflitos oriundos desse uso. Quando perguntados sobre suas trajetórias - pergunta ampla, iniciavam falando do envolvimento com as drogas. Essa colocação inicial resulta em um apagamento do passado e na emergência de questões imediatistas (Morale, 2012). Todos eles, sem exceção, afirmam diversas vezes que o motivo de todos os seus problemas é a droga, mesmo estando ela alinhada a um longo histórico familiar e às trajetórias de vida. Assim, não podemos negar a importância da compreensão dos sentidos da droga e de seu uso nesses contextos (Raupp & Adorno, 2011), mesmo compreendendo que tais substâncias não devem constituir o ponto principal de análise ao tratarmos sobre a PSR (Mayora, 2016). Isso porque, é possível vislumbrar nas falas dos entrevistados os efeitos ideológicos do discurso dominante, que identifica a droga como "o problema", escamoteando a discussão das relações estruturais de dominação e invisibilizando suas próprias trajetórias de vulnerabilidades. Tal fato nos remonta também às relações fetichizadas, onde o crack se torna sujeito de ação e as pessoas que usam drogas os objetos (Adorno, 2015). É importante também, ao analisar o papel das drogas ilícitas no contexto da rua, compreender como os processos de estigmatização das pessoas que usam drogas, que homogeneízam, conferem apenas um significado ao uso, e imputam à categoria única de "dependente químico", dando à droga sentido fantasmagórico que retira a humanidade de quem a consome (Raupp & Adorno, 2011). Assim, a supremacia da droga nos discursos aparece de forma totalizante e acrítica e corrobora com o senso comum e com o que se produz no âmbito social: "O crack, tudo por causa do crack. " (Marcos)

O início do uso, de forma geral, se deu antes da ida para as ruas, ainda na juventude, com o uso de drogas mais "leves", como o álcool e a maconha. Em algum momento, "perderam o controle" desse uso. Os participantes da pesquisa acreditam ainda que o uso das consideradas mais leves influi no abuso futuro. Essa percepção confirma as falas de senso comum de que "uma droga puxa outra" e, de alguma forma, interfere na defesa de abstinência levantada por eles: "Maconha pra mim é porta para outras drogas. Acho mesmo que é o cigarro. Cigarro também é droga, então começa pelo cigarro" (Tiago). Aqui, novamente, é possível visualizar como as trajetórias são vistas de maneira linear e sem mediações. A compreensão sobre a "evolução do uso" nos remete ao conceito de carreira moral, definido por Goffman (1996) como os processos de mudanças que geram efeitos nas concepções que sujeitos têm de si e dos outros.

Os tipos de drogas usadas são variados, girando basicamente em torno do álcool, tabaco, maconha, cocaína e crack. Condizente ao discurso hegemônico e midiático e a um histórico de políticas públicas que assim prefere analisar a realidade – tomando a droga como objeto única de ação - algumas substâncias têm efeitos minimizados e o crack é tomado como grande vilão: "o crack você compra ansiedade e depressão. Ainda mais depois que acaba. Quando tem você compra aquela onda, cada uma fica de um jeito. Agora quando não tem mais droga só vai te faltar depressão e ansiedade" (Tiago). Todo o discurso que permeia o crack – e é reproduzido pela PSR – contribui à constatação de que a atitude social perante uma droga influi diretamente no consumidor desta (Mayora, 2016).

As razões para o início desse uso são variadas, embora consigamos relacioná-las. O divertimento, a necessidade de entrosamento em grupos e a fuga de conflitos afetivos e familiares são os principais. Logo, a droga surge em um momento inicial enquanto socializadora. As consequências desse uso, porém, parecem ser unânimes nas trajetórias de vida, provocando afastamento dos vínculos e a ida para as ruas. Tomé, porém, ressalta: "Essas duas casas que eu tenho lá foi construída com dinheiro de droga. Pelo menos uma coisa boa. E o aluguel vai pra minha filha, dessas duas casas. E minha irmã também tá lá, tem duas casas" (Tomé). Tal fala sinaliza as contradições em torno das drogas na vida desses sujeitos e da própria organização social. Ou seja, a mesma droga que pretensamente "destrói" - inclusive no ponto de vista dos entrevistados -, é a mesma que, frente às mazelas da pobreza no capital, podem possibilitar arranjos de vida mais dignos do ponto de vista econômico.

As razões atuais para o uso, dessa maneira, não se encontram na busca de prazer pela droga, e sim pelos sintomas de abstinência ou, novamente, para se esquecerem dos conflitos e revoltas gerados, segundo eles, pelo próprio uso da droga, como em um ciclo vicioso: "Esquecer ex mulher, esquecer tudo que eu perdi, esquecer da vida" (Marcos). Aqui também aparecem justificativas de cunho culpabilizantes, pautadas em características individuais:

Fraqueza. O cara é fraco, assim, de repente, um pedacinho de pedra, 'toma aqui, Tiago, um pedacinho de pedra'. É só colocar aquela porcaria na minha boca. Ai os meus pensamentos são outros, meu batimento cardíaco é outro, minha ansiedade é mais, minha revolta é mais com as coisas. De não aceitar a situação que tá, já começo a ficar mais revoltado, né. (Tiago)

O discurso religioso/espiritualista, nesse sentido, aparece como central na constituição da história de vida seja para justificar uma postura resignada perante a situação de vulnerabilidades, ou para encontrar possibilidades de saída dela. Logo, buscam no divino a mudança concreta. As religiões neopentecostais e a católica são preponderantes nos discursos, bem como a ida a Comunidades Terapêuticas de designação religiosa. A associação entre fatalismo e religião é bem demonstrada por Martín-Baró (2017). O fatalismo, assim, pode ser classificado como "comportamentos de conformismo e resignação diante de qualquer circunstância" (Martin-Baró, 2017, p. 175) e é definido por três ideias: a de que toda a vida está destinada desde o nascimento, sem que as individualidades pesem no processo; a de que a vida é definida por forças alheias; e tem a religião como marco de referência. Essas ideias reverberam nos sentimentos de resignação, aceitação do destino e de sofrimento enquanto afetos dignos e nos comportamentos de conformismo, submissão, passividade e presentismo. Assim, o fatalismo adquire status de força natural e a histórica e se converte em ideologia no sentido em que sua aceitação pelas classes oprimidas conduz à manutenção da ordem social opressiva. No entanto, Costa e Mendes (2020) alertam para a natureza dialética do fatalismo, afirmando que os processos de resistência e revolta estão presentes em tal dialética. Porém, em seu caráter individualista ou coletivo, os processos de revolta não têm sido capazes de alcançar caráter insurgente e de ruptura da ordem, com as respostas institucionais se voltando contra os indivíduos "revoltosos" em forma de extermínio, criminalização ou mais apassivamento. Logo, trata-se da necessidade de um fatalismo da ordem ao invés dos sujeitos.

Todos os entrevistados já passaram por internações em Comunidades Terapêuticas, grande parte de cunho religioso, e são oscilantes quanto a resultados. Entretanto, traçam críticas pertinentes, como à privação de contato e de bens – como uma simples passagem de ônibus –, o uso excessivo de medicação, que também definem como droga, e o trabalho exaustivo gratuito. Porém, também aqui, se culpabilizam pelo não sucesso do tratamento, mesmo que conscientes das razões pela escolha do tratamento: "A primeira foi internação certa, eu decidi mesmo. O resto foi tudo pra ganhar um tempo, pra ganhar um corpo" (Marcos).

As possibilidades de conter o uso no contexto da rua são limitadas pela falta de acesso e adequabilidade aos serviços e também pelo discurso de vontade individual. Entre os fatores que cessaram o uso em outras situações – visto que a abstinência é a meta primordial seguida por eles – estão, fundamentalmente, a depreciação física e as responsabilidades familiares: "Voltei pra ela, acabei engravidando ela e tive que ter mais responsabilidade, fiquei quatro anos sem usar" (Marcos).

No contexto da rua, há ainda diferentes sentidos e administrações do uso de drogas. O uso exposto, por exemplo, aumenta o estigma. Por isso, todos usam crack escondidos. Tal fato remete à necessidade de compreensão do uso de drogas como fenômeno coletivo (Alvarado et al., 2013), onde as questões "quem?" e "onde?" são cruciais ao entendimento do tratamento destinado a este uso. Quanto ao controle do uso, há diferenças nos discursos, havendo quem diga conseguir controlá-lo, os que assumem que isso não é possível e os que oscilam. Nesse ponto, é importante refletir sobre como o estigma, compreendido enquanto centro das relações de poder dos sistemas sociais (Parker & Aggleton, 2001), estabelece relações de poder/dominação. O "controle" do uso por eles contado pode expressar uma estratégia de fugir destas opressões. Usar o crack escondido, por exemplo, tem um efeito de segurança, tendo em vista a ilegalidade e truculência policial, mas ao mesmo tempo pode estar relacionado ao sentimento de vergonha e humilhação pública aos quais estão expostos, bem como ligação direta com os diversos sofrimentos objetivos vividos por eles: "Quando tinha usado e depois não tinha mais, não tinha nada, não tinha mais dinheiro, entendeu. E eu não tinha nada e queria usar mais. Ai é uma vontade de morrer danada" (Tiago).

É ainda evidente, sobretudo nas observações em campo, o intenso movimento de tráfico que envolve a região, seja entre a própria PSR, com um pequeno tráfico, seja com o tráfico externo, visível, sobretudo, nas "rondas" de motos frequentes nas ruas do território. Logicamente, essas duas modalidades não estão separadas. Assim, a percepção de que há um tráfico que se beneficia desse circuito compulsivo de uso contribui para a confirmação da hipótese de que a PSR não está "excluída" da sociedade (Martins, 2002), sendo mais aceitável a hipótese de uma inclusão perversa (Sawaia, 1999). Há também recorrência nos históricos de vida de envolvimento com o tráfico anterior à ida para as ruas, o aponta para a precarização das relações trabalho, seja o formal (o que cria a necessidade de formas alternativas de renda), seja em postos inferiores no próprio tráfico. A violência associada a esse tráfico que, inclusive, impede de irem a alguns locais da cidade – notadamente bairros com domínio do tráfico - também é reconhecida. Nas entrevistas, essa relação é pouco evidenciada, porém possível de ser vista em: "Uso pouco na rua. Porque na rua tem muita violência por causa de droga. Uso mais afastado" (Tiago).

A relação com o dinheiro na rua, por sua vez, se mostra complicada, novamente, por conta do uso de drogas, evidenciando uma forma especial de compulsividade do consumo nas ruas (Raupp & Adorno, 2011), local de suposto "não consumo". Morales (2012) indica que os valores como o individualismo, a competitividade e o imediatismo do consumo de bens e serviços contribuem ao empobrecimento da vida coletiva e são fundamentais para uma análise atual sobre o uso compulsivo de drogas. Assim, no contexto da rua, a droga surge como principal mercadoria, o que "inclui" essa população na esfera do consumo, ao contrário do que eles mesmos acreditam: "É um dinheiro que você ganha hoje e amanhã você gasta o dobro. É uma vida de ilusão. Droga pra mim é ilusão" (Mateus).

É interessante também ressaltar sobre a construção midiática da pessoa que usa crack e em como o momento da entrevista faz com que os participantes reflitam sobre tais situações que, muitas vezes, eram normatizadas por eles – na ocasião da observação, era comum que assistissem a esse jornal, de cunho sensacionalista, e achassem engraçado -, como nesse relato:

E por causa de uma minoria eles acham que roubam. Igual aquele jornal da TV [nome da emissora] fala que tem fuma crack rouba. Todo ladrão fuma crack também. É mentira. Tem ladrão ai que é ladrão e não fuma crack, é assaltante e não fuma crack. Conheço gente ai que fuma crack e não é assaltante. Eu sou um deles. (Tiago)

É importante ressaltar esta reflexão sobre o jornal citado: é questionado o que ele acha do teor do jornal. Ele responde, exaltado, transferindo o debate para um viés individulizante (familiar): "me incomodo muito, muito. Faz música dessa situação que é doença. Eu acho isso um deboche. Isso pode acontecer na família dele, entendeu. Mesmo ele vigiando. Fala que pede dinheiro só pra usar droga" (Tiago).

Quanto à relação com políticas públicas voltadas à população em situação de rua, há ambiguidades: ao mesmo tempo em que reconhecem sua importância, utilizam dos mesmos argumentos que o senso comum usa para desmoralizá-las e estigmatizá-las. A imagem da PSR enquanto "vagabunda" é também compartilhada entre os próprios, bem como a concepção clientelista das políticas, o que influi na não percepção de si enquanto sujeito de direitos. O sujeito enquanto ser ativo é inexistente, o que corrobora com uma visão de políticas públicas marcada pela lógica do "beneficiário" e não do "propositor", e nos leva a refletir o que a política nacional e municipal tem organizado para atender às reais necessidades desta população. Nesse sentido, os serviços disponíveis para a população em situação de rua em Juiz de Fora, embora representem, de fato, avanços nas áreas da assistência social e da saúde, ainda são incipientes se pensadas em sua capacidade de tocar em questões estruturantes e de potencialização dos sujeitos.

A pouquíssima ou nenhuma relação com as redes de assistência social, de saúde e saúde mental, indicam não somente a pouca aderência dessas pessoas aos serviços, mas principalmente a não adaptação dos serviços à realidade da rua. Sendo assim, há desafios específicos na atenção a essa população que precisam ser considerados (Botti et al, 2009). Somente um dos entrevistados frequentava o CAPS AD esporadicamente, para pegar remédios, porém não os tomava nos horários prescritos, pois davam sono e "não se pode ficar com sono na rua" (Tiago). Nenhum cita o Consultório na Rua enquanto referência, embora não tenham sido perguntados diretamente sobre o serviço, o que pode indicar uma não capilaridade do mesmo. Quando, por último, questionados sobre sugestões para o aprimoramento destas políticas, a categoria trabalho aparece como fundamental, como em muitos outros momentos. A falta de opção perante a realidade e a defesa de mais repressão também aparecem, como no caso de Tomé, que, mesmo tendo tido experiências ruins em Comunidades Terapêuticas, defende a lógica de asilamento: "Eu acho que tem que ter uma instituição mais séria, porque tem muitas que você entra lá dentro e tem cachaça, tem cigarro, entra maconha, entra pó, entra de tudo" (Tomé).

 

Conclusão

É possível concluir que a PSR, enquanto fenômeno social oriundo da ordem social vigente, está exposta às formas mais precarizadas de trabalho, pouco produz e pouco consome - sendo a droga, muitas vezes, a única maneira de inserção no consumo que, por sua vez, aparece como única possibilidade de satisfação pessoal - e fica à mercê das novas formas de extermínio, que encontram nas forças policiais o aparato repressivo. Aliado à especulação imobiliária, que contribui na criação de territórios próprios para determinadas populações, surgem ainda territórios específicos para o tráfico e uso de drogas, cujo aumento indica também a deterioração da relação capital x trabalho. Tais ações são legitimadas a partir dos discursos punitivistas, de "Guerra às Drogas" e de criminalização da pobreza. O estigma entra nessa perversa equação enquanto instrumento ideológico de dominação e perpetuação do status quo.

O uso de drogas teve seu início, de forma unânime, anterior à ida para as ruas, embora os sentidos atuais para o uso sejam diferentes e inerentes a um ciclo vicioso. Quanto ao uso, todos os tipos de drogas são citados, porém algumas têm efeitos minimizados, enquanto o crack é tido como grande vilão, reverberando as opiniões midiáticas e das próprias políticas públicas acerca desta droga. Na rua, o controle do uso é mediado pela reação pública ao uso, sendo que todos os entrevistados usam drogas escondidos para evitar o estigma. Todos já passaram por Comunidades Terapêuticas e, mesmo traçando críticas a elas, acabam por reproduzir seu modelo quando posteriormente questionado sobre sugestões ao tratamento, o que talvez se deva à quase nula relação com os dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial. Quanto à avaliação dos serviços, são oscilantes, porém se reconhecem enquanto dependentes deles.

Porém, mais do que conclusões, o trabalho abre debates e, ao verificar oprimidos com discurso de opressores, evidencia questões sobre limites societários, que, por sua vez, impõe mudanças macroestruturais. A emergência de temáticas como trabalho e consumo, dessa forma, indica não somente uma transfiguração da crise do capital, mas as contradições inerentes ao próprio sistema. Assim, antes de tudo, cabe-nos compreender que "o desafio reside em construir um novo homem em uma sociedade nova" (Martin-Baró, 2017, p. 268).

Por outro lado, é inegável que a emergência de demandas imediatas - mesmo que estas não possam ser compreendidas sem uma ampla análise contextual – exigem debates pragmáticos. Nesse sentido, torna-se fundamental debater sobre as políticas públicas e sociais. Primeiramente, é evidente a necessidade de articulação entre os dispositivos próprios para população em situação de rua e os demais da rede de saúde, assistência social e saúde mental. Também aqui, os desafios próprios das políticas públicas se fazem presentes: visões individualistas, poucos recursos e estrutura e, acima de tudo, concepções estigmatizantes e não emancipatórias. No caso da população em situação de rua, ainda, há uma barreira de acesso aos serviços, visto que estes são conformados nos moldes normativos de moradia, consumo, família, entre outras categorias, que não correspondem à realidade concreta destes sujeitos. Por isso, a reestruturação dos serviços e também as capacitações com os profissionais que atuam na linha de frente com a população se fazem fundamentais. Pesquisas longitudinais acerca dessa população e das políticas a ela voltadas, bem como agregar as visões dos usuários dos serviços, por meio de metodologias participativas, como brevemente foi tentado nesse artigo, também são possibilidades de aperfeiçoamento.

Pensando em relação às políticas sobre drogas e saúde mental no Brasil, sobretudo, vale ressaltar que o reconhecimento de seus limites, não as deslegitimam. Esta afirmação se faz particularmente importante neste momento, em que desmantelamentos na política de saúde mental estão colocados em pauta em modelos antagônicos ao preconizado pela Reforma Psiquiátrica. Mesmo sabendo que decretos e leis, por si só, não mudam a realidade, não é possível permitir que forças conservadoras retrocedam com o pouco já conquistado. O cenário atual de desmonte das políticas públicas e de golpe se acentuaram durante toda a escrita deste artigo, acarretando, sobretudo, no aumento da pobreza e da população em situação de rua (fato nítido na realidade local). Tais retrocessos, mais do que nos deixar alertas, têm o papel de nos mostrar que a realidade não é natural ou apática, e que demanda luta e resistências. Ainda nesse quesito, um combate a "guerra às drogas" também é horizonte fundamental.

Ainda assim, é preciso ressaltar, a natureza limitada de tais políticas, que, como braço do capital, e agindo aos seus moldes, não são capazes de superarem as questões estruturais anteriormente sinalizadas. Isso porque, a materialização das políticas sociais não soluciona problemas, e sim é produto deles. Por isso, devem ser encaradas enquanto meio para construção de lutas mais amplas e não como fim em si mesmas. Nesse sentido, o fortalecimento de saídas coletivas via, por exemplo, movimentos sociais, também se faz importante, visto que a desmobilização social conduz ao desmantelamento das próprias políticas.

 

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Endereço para correspondência:
Kíssila Teixeira Mendes
Instituto de Ciências Humanas (ICH)
Campus Universitário
Rua José Lourenço Kelmer, s/n
São Pedro, Juiz de Fora - MG
36036-900
Telefone: (32)98823-5966
Email: kissilamm@hotmail.com

Recebido em 06.nov.20
Revisado em 09.dez.21
Aceito em 31.dez.21

 

 

Kíssila Teixeira Mendes, Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), é Professora substituta na Universidade Federal de Goiás (UFG). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7817-599X
Telmo Mota Ronzani, Doutor em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), é Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Email: tm.ronzani@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8927-5793
Fernando Santana de Paiva, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é Professor Adjunto A da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Email: fernandosantana.paiva@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6030-9777
1. O termo foi colocado entre aspas por se tratar de uma reprodução da fala dos entrevistados. No entanto, é importante ressaltar a crítica ao uso do termo no campo das drogas e seu sentido que desconsidera a não linearidade do processo terapêutico, bem como parte de prerrogativas morais e estigmatizantes.

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