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Estudos de Psicologia (Natal)

versión impresa ISSN 1413-294Xversión On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.26 no.4 Natal oct./dic. 2021

http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20210036 

10.22491/1678-4669.20210036

TEMAS EM POLÍTICAS SOCIAIS: ASSISTÊNCIA SOCIAL E SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS

 

(Re)união, feira e horta: expressões do trabalho intersetorial de um território

 

Re(union), market and vegetable plot: expressions of intersectoral work in a territory

 

(Re)unión, feria y huerta: expresiones del trabajo intersectorial de un territorio

 

 

Letícia de AndradeI; Allan Henrique GomesI, II; Kátia MaheirieIII

IUniversidade da Região de Joinville
IIAssociação Catarinense de Ensino
IIIUniversidade Federal de Santa Catarina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo busca investigar o trabalho intersetorial desenvolvido em um CRAS do município de Joinville – SC. Foram realizadas observações participantes e entrevistas semiestruturadas, além do acesso aos documentos produzidos pelo grupo de articulação mobilizado pelo CRAS. As informações produzidas foram analisadas a partir do Método da Igualdade, no sentido de compreender e articular os enunciados do campo com as produções científicas, sem a pretensão de interpretar os dados de maneira hierárquica. A apresentação e a discussão dos resultados foram divididas em três categorias construídas a posteriori, que relatam os modos de trabalho intersetorial construídos pelo grupo de articulação, sua relação com o território e com o Estado. Considera-se a potência do trabalho do grupo e da criação de ações intersetoriais para o trabalho afinado com as demandas do território. Além disso, faz-se necessários outros estudos acerca da relação do coletivo com o Estado, e suas interferências no trabalho desenvolvido.

Palavras-chave: intersetorialidade; território; Psicologia social; assistência social.


ABSTRACT

This article aims to research the intersectoral work developed in a Social Assistance Reference Center (SARC) in the city of Joinville - SC. Participating observations and semi-structured interviews were performed, in addition to access to documents produced by the articulation group mobilized by SARC. The information produced was analyzed using the Equality Method, in the sense of understanding and articulating the utterances in the field with scientific productions, without the intention of interpreting the data in a hierarchical manner. The presentation and discussion of the results are divided into three categories built a posteriori, which report the intersectoral work modes built by the articulation group, their relationship with the territory and with the Government. The power of the group's work and the creation of intersectoral actions for work in tune with the demands of the territory are considered. In addition, further studies about the relationship of the collective with the Government, and their interferences in the work developed, are required.

Keywords: intersectoriality; territory; social Psychology; social assistance.


RESUMEN

Este artículo busca investigar el trabajo intersectorial desarrollado en un CRAS (Centro de Referencia de Asistencia Social) en la ciudad de Joinville - SC. Fueron realizadas observaciones participantes y entrevistas semiestructuradas, además del acceso a documentos producidos por el grupo de articulación movilizado por el CRAS. La información producida se analizó utilizando el Método de Igualdad, en el sentido de comprender y articular los enunciados del campo con las producciones científicas, sin la pretensión de interpretar los datos de manera jerárquica. La presentación y discusión de los resultados fueron divididas en tres categorías construidas a posteriori, que relatan los modos de trabajo intersectoriales construidos por el grupo de articulación, su relación con el territorio y con el Estado. Se considera el poder del trabajo del grupo y la creación de acciones intersectoriales para el trabajo en sintonía con las demandas del territorio. Además, se necesitan más estudios sobre la relación del colectivo con el Estado y sus interferencias en el trabajo desarrollado.

Palabras clave: intersectorialidad; territorio; Psicología social; asistencia social.


 

 

No Brasil as décadas de 60 e 70 foram marcadas pela pobreza, repressão política, desigualdade social, estratégias de organização popular e afins. Na mesma época, a psicologia foi regulamentada como profissão no país, e alguns pesquisadores problematizaram a atuação elitizada da profissão e contribuíam teórica e metodologicamente com a construção de "novas maneiras de fazer política a atuar sobre o social" (Maheirie, 2019, p. 127). Buscando responder às questões sociais, a partir de uma perspectiva sócio-histórica, debruçaram-se sobre as periferias, comunidades, movimentos sociais, ações coletivas e, mais recentemente, sobre as políticas públicas (Sawaia, 2014).

A Constituição Federal de 1988 assegurou direitos aos cidadãos que são garantidos pelas políticas públicas, entre elas a de assistência social. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) foi instituído em 2005, organizando a execução dos serviços socioassistenciais em dois níveis: proteção social básica, destinada a pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade; e proteção social especial, cujo atendimento é voltado às pessoas e famílias com direitos violados (Gomes, Andrade, & Maheirie, 2017).

A pesquisa privilegiou a discussão acerca da proteção social básica e sua principal porta de entrada que são os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS). O CRAS é um equipamento que objetiva o fortalecimento dos vínculos familiares e a convivência comunitária. As orientações do Ministério do Desenvolvimento Social sugerem trabalhos em grupos e com foco no território, demandando dos profissionais uma atuação intersetorial, abrangendo não só outras políticas públicas, mas instituições não governamentais, iniciativas comunitárias, de movimentos sociais, etc. (Ministério do Desenvolvimento Social, 2012).

Para operacionalizar esses objetivos e princípios, o CRAS está organizado para executar duas funções: 1) o Programa de Atenção Integral às Famílias (PAIF), cuja finalidade consiste na orientação e no convívio sociofamiliar e comunitário; 2) a gestão da proteção social básica no território, que abrange: "a articulação da rede socioassistencial de proteção social básica referenciada ao CRAS; a promoção da articulação intersetorial e a busca ativa" (Centro de Referência de Assistência Social, 2009, p. 19). Nesse trabalho, destinaremos atenção à discussão acerca da promoção da articulação intersetorial que "propicia o diálogo da política pública de assistência social com as demais políticas e setores e o acesso das famílias aos serviços setoriais" (CRAS, 2009, p. 21).

A articulação intersetorial apresenta-se como uma estratégia de garantia de direitos e potencializa o enfrentamento à desigualdade social e vulnerabilidades, uma vez que integra os saberes e as práticas, construindo respostas adequadas às problemáticas presentes nos territórios. A articulação deve ser uma ação contínua e efetiva para potencializar os resultados do CRAS e das outras organizações da comunidade. Vale ressaltar que "a promoção da articulação intersetorial no território de abrangência do CRAS é uma ação coletiva, compartilhada e integrada a objetivos e possibilidades de outras áreas" (CRAS, 2009, p. 28).

No SUAS, o território é compreendido como base da organização, representando mais que um espaço geográfico. Nesse sentido, é entendido como um espaço de vida, onde são realizadas trocas, construções, criação de vínculos, bem como conflitos, disputas, relações de poder. Portanto, o trabalho territorializado demanda a identificação dos problemas e das potencialidades existentes para que o planejamento e ação sejam orientados a partir dessas demandas (Nascimento & Mellazzo, 2013).

Com base nos documentos da política de assistência social, e dos trabalhos do geógrafo Milton Santos, trouxemos o conceito de território, como essencialmente interdisciplinar. As interlocuções disciplinares se fazem necessárias para, a partir de uma perspectiva crítica, qualificar os processos de trabalho na complexidade que a lógica territorial exige. Próximas da Psicologia é possível identificar território como comunidade, vínculos, dimensão subjetiva, espaços de vida. Entretanto, Furtado, Oda, Borysow, e Kapp (2016), em uma revisão de literatura sobre a concepção de território na política de saúde mental, aponta que existe uma imprecisão conceitual acerca do termo território nas publicações na área da Psicologia.

Com a inserção no campo de pesquisa e a articulação com os pressupostos teóricos, buscamos responder ao objetivo de pesquisar os modos de trabalho intersetoriais que são desenvolvidos em um CRAS do município de Joinville. Para tanto, foram construídas estratégias para a produção de informações e análises que serão expostas na próxima seção.

 

Procedimentos metodológicos

A pesquisa de campo foi realizada com um grupo de articulação intersetorial mobilizado por um CRAS do município de Joinville. Para a produção de informações, foram realizadas observações-participantes nas reuniões do grupo, entrevistas individuais com alguns dos participantes e análise dos documentos (atas de reunião e ofícios) produzidos pelo coletivo. O campo de pesquisa já era conhecido em decorrência de pesquisas anteriores.

A entrada no campo ocorreu após a aprovação do projeto pela Secretaria de Assistência Social do município e pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Em seguida, iniciaram as observações-participantes em seis reuniões do grupo de articulação, que acontecem mensalmente em um serviço ou instituição do território. Em tais ocasiões, a inserção no campo de pesquisa aconteceu viabilizando a observação e a participação nas reuniões intersetoriais, acompanhamento das discussões, planejamentos, bem como conhecimento do território. A observação participante, de acordo com Minayo (2015), é um processo no qual o pesquisador se coloca na posição de observador, convivendo com o grupo que vivencia a situação social observada e compreendendo os aspectos que vão aparecendo na medida em que o pesquisador vai criando vínculos e se envolvendo com o campo e o tema estudados.

O grupo era composto por representantes de serviços e entidades do território de abrangência do CRAS estudado. Participavam no grupo, em média, 30 pessoas, entre elas servidores públicos das políticas de saúde, assistência, educação e segurança pública, representantes da sociedade civil e de associações, integrantes de instituições religiosas e organizações não governamentais do território.

Concomitante à observação-participante, foram realizadas sete entrevistas semiestruturadas com pessoas escolhidas por serem atores expressivos da articulação intersetorial. As entrevistas foram conduzidas em forma de conversa, iniciando com perguntas gerais sobre a pesquisa, construindo um ambiente descontraído e, em seguida, as questões específicas. A entrevista semiestruturada não se detém somente aos questionamentos do roteiro, mas, como profere Zago (2003): "O encontro com o entrevistado se amplia para além do que foi previsto, produzindo uma conversação rica em detalhes" (p. 304).

Para registrar e qualificar a presença em campo, foi utilizado como ferramenta metodológica um diário de campo. A escrita colaborou com a construção de uma narrativa, além de se constituir como um processo reflexivo potente, já que as problematizações acerca do lugar do pesquisador e o descolamento com o campo de pesquisa foram viabilizados pelo processo de escrita no diário. Escrever é uma possibilidade de significar o que foi vivenciado, não com o compromisso de registrar a veracidade dos fatos, mas os diferentes pontos de vista que colaboram com a compreensão das situações (Freitas & Pereira, 2018).

No processo da pesquisa, foram disponibilizados os documentos produzidos pelo grupo, tais como atas de reunião e ofícios, dos anos de 2014 a 2019. O grupo iniciou em 2013, mas os registros do primeiro ano não foram localizados.

A partir do método da igualdade construído por Rancière (2014), os enunciados contidos nos documentos, nas transcrições das entrevistas e nos diários de campo foram analisados em diálogo com a produção científica tecendo, assim, uma narrativa. Orientados por este método buscamos nos documentos, entrevistas e registros das observações articular "nomes, lugares e posições em formas e relações não perceptíveis ainda" (Marques & Prado, 2018, p. 19). Isto quer dizer, construir uma rede a partir das informações produzidas e dos discursos científicos para que se produzam reconfigurações no campo dessas experiências.

Tomando o método da igualdade como proposta metodológica para a análise das informações produzidas na pesquisa, utilizamos como recurso a descrição dos fatos e a evidência de singularidades, a partir do posicionamento horizontalizado do pesquisador. Desta forma, as significações já estabelecidas por meio dos ordenamentos e lógicas classificatórias puderam ser problematizadas, explorando outras redes de significação, colaborando com a compreensão dos modos de atualização dos consensos que ocorrem no plano da desigualdade e afinadas com a verificação da igualdade (Gomes, 2016; Rancière, 2014).

Para a apresentação dos resultados, foram construídas três categorias a partir da emergência das temáticas no campo e do enlace com os enunciados científicos. As três categorias apresentam modos de trabalho intersetoriais, expressões da atividade do grupo de articulação estudado.

 

Resultados e discussões

A (Re)união do Grupo de Articulação

A presença no campo de pesquisa se iniciou pela participação nas reuniões do grupo de articulação de um CRAS de Joinville. Os encontros aconteciam mensalmente, iniciaram em 2013 com ofícios convites construídos pela coordenadora do CRAS e líderes comunitários que eram entregues aos serviços governamentais, entidades religiosas, organizações não governamentais, associações de moradores, subprefeituras e afins.

Durante os primeiros anos do grupo de articulação, as reuniões aconteciam todas no CRAS, mas o grupo, especialmente a comissão que organiza essa estratégia (eleita pelo próprio grupo no início de cada ano), foi percebendo que uma das demandas dos próprios serviços, que dificultava os atendimentos aos usuários era o desconhecimento acerca das instituições do território, portanto, decidiram fazer as reuniões itinerantes. Sobre esse assunto, a facilitadora do grupo relatou: "As pessoas não conhecem os equipamentos [...] então a gente decidiu fazer as reuniões descentralizadas, e eu acho que foi um grande ganho pra nós".

É possível compreender o modo como as reuniões do grupo de articulação estão orientadas para as demandas do território, e buscam, inclusive com a organização do próprio encontro, trabalhar em resposta a essas demandas. Acerca da estratégia de realizar os encontros de forma itinerante, a facilitadora comentou os benefícios: "A gente entende o fluxo de trabalho das pessoas e pode encaminhar com mais clareza".

Romagnoli e Fadul (2018) mencionam que a intersetorialidade emerge no SUAS não apenas como um princípio, mas como um método que enfrenta a centralização dos serviços e a distância das ofertas com as necessidades reais da população. Dessa maneira, momentos em que grande parte dos serviços e instituições de um território se encontra para identificar problemáticas e planejar possíveis soluções podem contribuir com as finalidades expostas, sobretudo quando recordamos que um dos pressupostos para a operacionalização da intersetorialidade é o diálogo entre os diversos setores e a participação popular.

A presença em campo e o acesso às atas e aos ofícios do grupo de articulação colaboraram com a compreensão dos fluxos de trabalho do próprio grupo. Uma situação que ajuda a elucidar está relacionada com as discussões e encaminhamentos referentes à demora na liberação de corpos para o velório. Em reunião, um dos participantes relatou que o instituto policial responsável pela investigação das mortes em Joinville demora na liberação dos corpos, e que esse problema interfere na vida das famílias enlutadas. O grupo decidiu por encaminhar um ofício à gerência do instituto, solicitando informações sobre a quantidade de médicos legistas, sobre os protocolos de atendimento à comunidade. Sem resposta, no ano seguinte o grupo resolveu encaminhar um novo ofício com as mesmas solicitações.

O novo ofício foi respondido pelo órgão responsável, mostrando a dificuldade relacionada à equipe técnica reduzida, quando comparada a demanda da cidade. O grupo deliberou outras ações, como o envio de um ofício para a Secretaria da Saúde, solicitando ampliação da equipe. A resposta desse ofício contou com a descrição do fluxo de trabalho do referido órgão, fato que motivou o grupo a escrever um novo ofício, solicitando a presença de algum representante na reunião. No mês seguinte, a gerência do órgão participou do encontro do grupo, explanando as funções do instituto e apontando para outro serviço do município que poderia ser responsável pela questão levantada pelo grupo, o serviço que atende às demandas de investigação acerca das mortes com causa desconhecida nos hospitais. O encaminhamento construído pelo grupo foi o envio de ofício para esse serviço.

O serviço respondeu prontamente ao ofício e alguns representantes compareceram à reunião do grupo. Explicaram sobre o fluxo de trabalho e mostraram ao grupo dificuldades com a Central de Funerárias de Joinville, e que lá poderia estar uma das causas da lentidão. O grupo acatou a sugestão e encaminhou ofício à central. A coordenação da Central de Funerárias compareceu e explicou suas atribuições, ressaltando que a lentidão relatada pode estar relacionada ao serviço e a carga horária dos profissionais. O grupo determinou que, para compreender o que realmente afetava no tempo de liberação, precisaria conversar com os três serviços juntos, e iriam encaminhar os ofícios para conseguir essa reunião.

Compartilhamos a perspectiva de Butler (2018) quando manifesta que existem vidas que são passíveis de luto e outras não. Isso quer dizer que as condições normativas produzem enquadramento e diferenciam as formas de comoção. Para a autora, "apenas em condições nas quais a perda tem importância o valor da vida aparece efetivamente. Portanto, a possibilidade de ser enlutada é um pressuposto para toda vida que importa" (Butler, 2018, p. 32).

O grupo de articulação tensiona os enquadramentos quando questiona o que está estabelecido pelos serviços, sobretudo acerca das questões que versam sobre a vida e a morte como, por exemplo, a liberação de corpos para o velório. Esse questionamento dos enquadramentos é flagrado quando a coordenação de um órgão policial afirma que depois da morte o Estado pode permanecer com o corpo pelo tempo que precisar, sem a preocupação com a espera da família enlutada, e todo o grupo deseja esclarecimentos acerca da lentidão nos procedimentos de verificação de óbitos para amenizar o sofrimento das famílias.

Em síntese, o grupo dá visibilidade a questões que não são cotidianamente discutidas, mas que causam sofrimento na população local. Uma das características desse grupo, e do modo como articulam as temáticas e encaminhamentos das reuniões, é a persistência. Mesmo diante da dificuldade em obter respostas e da não responsabilização dos serviços envolvidos, o grupo não desistiu. Uma das participantes afirmou: "Esse grupo ele tem uma característica de voltar aos temas que estavam sendo discutidos, então enquanto aquele assunto não se dá por concluído, não se dá por encaminhado, ele sempre retorna né, nas próximas pautas".

A persistência citada destaca a potência do grupo que, diante das precariedades do território, busca alternativas para amenizar o sofrimento ético-político vivenciado pela população. Sawaia (2012) ressalta que o sofrimento ético-político "retrata a vivência cotidiana das questões sociais dominantes em cada época histórica, especialmente a dor que surge da situação social de ser tratado como inferior" (p. 104). O sofrimento ético-político é uma peça-chave para compreender a desigualdade social, sobretudo a dor vivenciada por quem tem sua história marcada pelas violações de direito e impossibilidades impostas socialmente como, por exemplo, o acesso à "produção material, cultural e social" (Sawaia, 2012, p. 106).

Diversas questões podem ser percebidas no território estudado como consequências da desigualdade social estabelecida, e são alvo de discussão e encaminhamentos no grupo. Na medida em que os assuntos são levantados pela população e/ou pelas entidades e serviços presentes no território são construídos encaminhamentos, ofícios, convites aos gestores de outros serviços e secretarias municipais, como a situação descrita acima. Outras questões foram trabalhadas pelo grupo, dentre elas, o acúmulo de lixo em terrenos baldios, o fluxo de atendimento na maternidade municipal, problemas com o esgoto, ocupações irregulares, pavimentação e asfalto, itinerário do transporte público, trânsito e afins. Sobre esse modo de trabalho, um dos participantes frisou: "Nossa função como coletivo é informação e formação".Ele acredita que uma das potencialidades das reuniões é o compartilhamento e a construção de conhecimento sobre o território e os serviços presentes nele.

A Intersetorialidade, para Inojosa (2001), pode ser definida como uma "articulação de saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e avaliação de políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em situações complexas" (p. 105). Compreendemos que a comunicação entre os atores sociais, viabilizada pela reunião, bem como o debruçar-se sobre as questões levantadas, é pressuposto da construção coletiva de ações que buscam o enfrentamento dessas situações. Uma das entrevistadas relatou:

Eu acho que é assim, ah eu estou incomodada com isso, e aí eu levo no coletivo e eu percebo que, na verdade, não sou só eu que estou incomodada com aquilo, o coletivo também tá [...] e aí acaba sendo uma demanda coletiva.

A reunião constitui-se como um espaço de comunicação, visto que todos os participantes têm direito à palavra.

Para Rancière (1996), uma comunidade é formada por ações comunicativas em que os regimes de audibilidade dominantes podem ser questionados. Entende-se que configurações desiguais que organizam os modos de ver, pensar, agir, também determinam quem é ou não ouvido, qual som é audível como palavra, e qual é ruído incompreensível. A partir dessa hierarquia, a comunidade também é dividida, entre quem é capaz de governar e deliberar e quem, supostamente, não é. No acompanhamento das reuniões foi possível perceber que todos os participantes podem falar, trazer dúvidas, sugestões, queixas, avisos e que suas expressões são ouvidas e transformadas em uma questão de todos, uma inquietação do coletivo.

É nesse espaço de intersetorialidade que o prefixo "inter" assume seu significado de "entre" e operacionaliza a negociação de lógicas entre sujeitos, gestores, secretarias, vozes que, consensualmente, teriam mais ou menos status e que, naquela ocasião, partilharam sentidos. A partir dessa partilha, os sujeitos podem estabelecer relações outras, para além da dominação, servidão, competição, mobilizadas pela desigualdade, como enfatizou uma das participantes: "Eu acho bacana a diversidade, todo mundo que participa, a gente tem doutores, mestres, pessoas leigas, analfabetas, enfim, acho que é esse público diverso que enriquece". Portanto, os participantes do grupo de articulação construíram relações de cooperação e solidariedade, uma vez que não estão pensando nas problemáticas de maneira individual, mas conjecturando sobre como enfrentar as situações coletivamente. É possível perceber na fala de um dos entrevistados, quando questionado sobre a importância do trabalho do grupo de articulação: "Participar de um coletivo é muito melhor do que lutar sozinho".

A construção da intersetorialidade não é perpassada somente por questões técnicas e operacionais, mas pelo vínculo que é criado entre os participantes. A psicologia, sobretudo a psicologia social no Brasil, debruçou-se sobre as ações coletivas, especialmente as de enfrentamento à desigualdade social. Maheirie (2019) colabora com a definição dessas ações compreendendo que o coletivo possui uma lógica própria que difere da lógica das ações individuais. Isto quer dizer, o coletivo é constituído pelo "movimento de identificação que o caracterizará na diferença em relação ao que ele não é" (Maheirie, 2019, p. 129).

Nesse sentido, o coletivo inaugura a ideia de um NÓS que "existe como embate político em relação ao ELES" (Maheirie et al.,2012, p. 151), possibilitando a resistência e o enfrentamento à dominação, injustiças, desigualdade. Portanto, as ações coletivas se constituem como "um tipo de fazer que conta com um projeto em comum, em que a sensibilidade pode ser alterada, numa construção que se dá coletivamente, (re)criando e fortalecendo relações" (Arndt & Maheirie, 2017, p. 450).

É possível presumir que a (re)união dos moradores e trabalhadores desse território, o compromisso em discutir as problemáticas, em comunicar sobre demandas e necessidades dos bairros e encontrar caminhos para a resolução de maneira coletiva são ações que buscaram operacionalizar a intersetorialidade. Essa estratégia é potente, pois está ancorada em um princípio de compartilhamento, de construção e manutenção de vínculos e do reconhecimento da força das ações coletivas.

O CFP (2021) afirma que a/o psicóloga/o, integrante da equipe multiprofissional do CRAS, pode pensar formas de atuação em rede a partir da realidade do território e das famílias, como por exemplo: "discussão de caso em rede, planejamento conjunto, realização de ações compartilhadas, especialmente no contexto comunitário e no território, pelas diferentes políticas setoriais, de maneira pontual ou continuada" (CFP, 2021, p. 78). O trabalho intersetorial não é exclusividade do profissional de psicologia, não podendo se isentar de uma atuação articulada. Portanto, a compreensão histórica do território, a realização de contatos institucionais, a atenção ao processo grupal são ações desenvolvidas pela facilitadora do grupo de maneira interdisciplinar neste contexto.

"Começamos a Descobrir o que a Gente Podia": a Feira do Parque

Outro modo de trabalho deste grupo de articulação é a proposição de ações coletivas, em resposta às demandas identificadas. Nesta categoria de análise, vamos refletir o modo como uma ação coletiva, especialmente pela visibilidade comunitária e com características próprias do lugar de realização, pode ser potencializadora na experiência e nos modos de fazer a articulação comunitária no território e fortalecer a prática intersetorial.

Nas reuniões periódicas do grupo de articulação, os participantes criam e planejam ações como possibilidade de enfrentamento e resolução às problemáticas presentes no território. Entre as ações realizadas, é possível citar: "Dia D" com coleta e educação sobre descarte correto de lixo, abaixo assinado para garantia de melhores condições na infraestrutura e equipe na Unidade Básica de Saúde (UBS), requerimentos para mudança no itinerário do transporte público. Todavia, gostaríamos de destacar nessa seção uma experiência relatada pelos entrevistados, e que é planejada nas reuniões: a feira do Parque.

No ano de 2014, um Parque foi inaugurado em uma das avenidas do bairro que sedia o CRAS. Em 2016, o grupo de articulação estava discutindo formas de utilizar o parque para incentivar a população local a ocupar o espaço público. Como relatou uma das responsáveis pela feira: "Desde sempre nas reuniões vinha a fala de que a gente deveria usar os espaços ociosos, principalmente espaço público". Os participantes do grupo organizaram em 2016 um evento chamado Festa Cultural e Popular. Em contato com os serviços do bairro, com as secretarias municipais de cultura e lazer, com a universidade, organizaram uma programação que, de acordo com uma das entrevistadas, foi avaliada como "uma festa maravilhosa".

A responsável pela organização do evento afirmou que, a partir da experiência com a Festa Cultural e Popular, o grupo de articulação começou a descobrir a sua potência, em mobilizar a população e os serviços para ocupar o espaço público. Para Santos (2013), o território pode ser analisado a partir de seu uso, e é configurado a partir da lógica de um mercado global. As relações mercantis, capitalistas, reguladas pelo dinheiro influenciam no conteúdo do território, uma vez que são constituídas por regulações estranhas ao local. Nesse sentido, as decisões acerca de processos locais acabam sendo submissas a motivações distantes. Os interesses do Estado e do mercado estão sobrepostos ao da população local, ditando o que pode estar em determinado território, o que deve ser feito, e/ou visualizado.

Em contrapartida, Santos (2013) discorre também acerca do espaço banal, compreendido como "espaços que sustentam e explicam um conjunto de produções localizadas" (p. 109). Isto quer dizer que, além das relações de poder que operam no território, também existe a disputa, as produções localizadas que questionam os modos hierarquizados de ocupação do território. Nesse aspecto, encontramos semelhanças com o modo como a Festa Cultural e Popular foi planejada e executada, uma vez que a população local também sentia os efeitos dos modos impostos de ocupação do território e buscou organizar algo que fosse criado a partir das suas realidades, desejos e expectativas.

A política de assistência orienta a atuação dos profissionais nos CRAS para que tenham como princípio a territorialização, compreendida como a "centralidade do território como fator determinante para a compreensão das situações de vulnerabilidade e risco sociais, bem como para seu enfrentamento" (CRAS, 2009, p. 13). Compreende-se que o trabalho precisa estar orientado pelas produções localizadas, o que é do território, suas potencialidades e vulnerabilidades. A articulação intersetorial constitui-se como uma ferramenta para operacionalizar esse princípio, pois para conhecer o território se faz necessário mapear as instituições presentes e saber como trabalham em prol da proteção social.

A repercussão da ação gerou um convite por parte da Secretaria de Cultura e Turismo de Joinville (SECULT), a realização de uma feira municipal em um dos parques do território. As feiras nos bairros em Joinville são regulamentadas pela SECULT e tem como finalidades a criação e manutenção das feiras, em parceria com as lideranças locais. Buscam também "Estimular a economia criativa, originando nova fonte de renda para artesãos e artistas; Criar momento de convivência para a comunidade local; Divulgar talentos, artistas e artesãos locais por meio da priorização de moradores do bairro" (Joinville, 2019, p. 1).

A feira do Parque acontece mensalmente e foi delineada no grupo de articulação objetivando responder algumas demandas do território. Inicialmente, o grupo que fazia artesanato era vinculado à Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida (COM-VIDA) e tinha como objetivo a produção com material reciclado. Para a comercialização na feira, embasaram-se em outra demanda que era a geração de trabalho e renda. Além dos artesanatos, também são comercializados alimentos.

Em âmbito nacional, encontramos a promoção da inclusão produtiva e a economia solidária como alternativas do Ministério de Desenvolvimento Social como estratégias para a geração de trabalho e renda e, por consequência, de enfrentamento à pobreza (Portaria nº 225, 2007). Em 2008, foi produzido o Guia de Geração de Trabalho e Renda que mostrava a necessidade de conhecer o território para realizar um planejamento dos projetos que fosse coerente com as demandas e potencialidades reconhecidas (Fundação Banco do Brasil, 2008).

O desenvolvimento de programas e projetos de geração de trabalho e renda pode ser uma alternativa de fortalecimento dos vínculos, uma vez que são orientadas as iniciativas de trabalho cooperado. Também é uma possibilidade de enfrentamento aos ditames capitalistas de produção, visto que se baseiam no autoemprego, isto quer dizer, em uma forma de produzir na qual o trabalhador participa diretamente da atividade produtiva, por meio do controle do seu próprio trabalho (Fundação Banco do Brasil, 2008). A feira do Parque conta com 10 tendas de artesãos e produtores de alimentos do próprio bairro, bem como 10 tendas de serviços organizadas pelas Unidades Básicas de Saúde, CRAS, escolas e CEIS.

A responsável pela feira contou sobre o início "Eu comecei então a buscar vários artesãos da comunidade [...] a feira do Parque iniciou com o modelo socialista, de levar as pessoas para a praça [sem a comercialização de produtos]".Em uma das reuniões do grupo, ela afirmou que "o modelo atual da feira é capitalista, porque é baseado nas vendas e esse modelo não atende a necessidade da comunidade, pois muitos não vão para a feira para comprar, por não ter dinheiro para consumir artesanatos" (Diário de Campo, 11/09/2019). Apesar da oportunidade de geração de trabalho e renda que o comércio na feira pode suscitar, ela ressaltou a importância de pensar outro modelo para a feira em 2020.

Retomando a discussão de Santos (2013), é possível compreender que no espaço banal é criada "uma solidariedade orgânica, o conjunto sendo formado pela existência comum dos agentes exercendo-se sobre um território comum. Tais atividades, não importa o nível, devem sua criação e alimentação às ofertas do meio geográfico local" (p. 109). A feira do Parque é construída como uma estratégia coletiva com o objetivo de ocupar o espaço público, atendendo às demandas da população local. Essa estratégia não está pronta/acabada, uma vez que foi criada em resposta a algumas problemáticas, mas o território é dinâmico e as demandas se transformam, exigindo que algumas questões sejam avaliadas e repensadas.

Faz-se necessário refletir acerca da intervenção do Estado, a partir do incentivo da SECULT à transformação da Festa Cultural e Popular em Feira do Parque. A primeira iniciativa popular de ocupação do Parque foi a Festa Cultural e Popular, organizada por eles, sem normas estabelecidas por um órgão de fora do referido território, com o objetivo de confraternizar e ofertar opções de acesso à cultura, lazer, gastronomia. Com a transformação da Festa em Feira do Parque, a ação passou a acontecer todo mês, mas regulada por alguns critérios estabelecidos fora do território, pela própria SECULT como, por exemplo, a obrigatoriedade de ter, no mínimo, 10 feirantes comercializando produtos.

As relações estabelecidas entre o Estado e o grupo que organizou a feira evidenciaram o modo como a realidade está configurada. Rancière (1996) salienta que para compreender os arranjos da partilha do sensível, é necessário realizar análises a partir de dois operadores: a polícia e a política. A ordem policial é definida por Rancière (1996) como "uma ordem dos corpos que define as divisões entre os modos do fazer, os modos de ser e os modos do dizer, que faz que tais corpos sejam designados por seu nome para tal lugar e tal tarefa" (p. 42).

Compreende-se, portanto, que as configurações estabelecidas pela ordem policial são hierarquizadas, hegemônicas e marcadas por posições identitárias. Isto quer dizer, a lógica policial é mantenedora dos consensos que naturalizam a desigualdade, ditando o que deve ser visto, ouvido, sentido. Pode ser entendida como uma forma de governança que mantém as relações de poder como, no contexto dessa pesquisa, quem pode ou não pode ocupar um espaço público, quais ações são autorizadas e incentivadas nesses espaços.

A política rompe com essa lógica por meio dos dissensos na medida em que sua ocorrência "rompe a configuração sensível na qual se definem as parcelas e as partes ou sua ausência a partir de um pressuposto que por definição não tem cabimento ali: a de uma parcela dos sem-parcela" (Rancière, 1996, p. 42). Por atualizar o princípio da igualdade, a atividade política questiona as partilhas desigualitárias, pois:

Desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto, faz ouvir um discurso ali onde só tinha lugar o barulho, faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho. (Rancière, 1996, p. 42)

Quando os moradores do território questionaram o modo como um espaço público é utilizado, problematizaram quais sujeitos têm legitimidade para ocupar determinado lugar, o que pode ser visto ou ouvido e criaram possibilidades para romper com o que estava determinado, construindo coletivamente uma festa popular. Nesse evento, sem o interesse de comercialização, mas com o objetivo de compartilhamento, quem possuía e quem não tinha méritos poderia acessar as mesmas opções gastronômicas, culturais, além de compartilhar o mesmo espaço geográfico. As configurações desiguais foram tensionadas e, em seguida, o Estado providenciou formas de ordenar a iniciativa a partir da lógica policial, enquadrando o evento em uma categoria pré-existente entre as ações do município, as feiras nos bairros.

Problematizar a Feira do Parque não desqualifica a potência do grupo na criação do evento, apenas desvela as lógicas de normatização e gestão dos espaços comunitários pelo poder público. A Feira figurava como um espaço de expressão artística, cultural, de construção de outros possíveis como a geração de trabalho e renda. Sobre as potencialidades desses encontros, a coordenadora do CRAS conta: "Começamos uma feira. A primeira foi simplesmente maravilhosa, porque a gente conseguiu quase todos os equipamentos públicos para estar presentes, para divulgar o serviço e também fazer com que o parque seja melhor utilizado".A presidente da associação de moradores do bairro afirma: "Temos uma feira aqui no bairro que foi feita graças à união dos moradores do próprio bairro".

Podemos situar a feira do bairro como um espaço de encontro e produção de outras lógicas consonantes com o conceito de ações coletivas que, de acordo com Sawaia (2014), podem potencializar e fortalecer o sentimento do comum, fator que favorece o desbloqueio do "sentimento que transforma cada indivíduo solitário em parte de um todo maior" (p. 11). Para Maheirie (2019), a lógica da coletividade é edificada a partir da ideia de um NÓS, "uma ideia própria, que se define pela diferença e/ou pelo antagonismo em relação a um ELES" (Maheirie, 2019, p. 129). A identificação dos participantes, a construção de um NÓS, mobiliza um projeto em comum, fortalece as relações e viabiliza a união das forças na construção de enfrentamento às problemáticas sociais.

A psicologia é categoria profissional atuante no SUAS e, pautada na interdisciplinaridade, pode contribuir na promoção e na dinamicidade da intersetorialidade e da articulação em rede (CFP, 2021). Para efetivar essa contribuição, os profissionais de psicologia podem embasar o trabalho em "abordagens psicossociais, comunitárias, institucionalistas, organizacionais, grupais, sistêmicas e interacionistas [e] identificar dificuldades e potencialidades no cotidiano das articulações intersetoriais" (CFP, 2021, p. 79). Na Feira do Parque foi possível perceber a dinâmica, o compartilhamento das realizações, o trabalho em grupo e a colaboração com a ação mobilizada no processo coletivo de articulação.

A Horta Comunitária

Uma das demandas mais expressivas desse território, que aparece em todas as reuniões do grupo, está relacionada com o descarte incorreto e acúmulo de lixo em terrenos baldios e nas ruas. Diversas alternativas foram pensadas para trabalhar essa questão: cartazes informativos, dia de mobilização e coleta de lixo nas ruas, limpeza periódica dos terrenos baldios feita pela prefeitura, incentivo à produção de artesanato com materiais reciclados. A coordenadora do CRAS mencionou:"A questão do lixo é uma reclamação de todos, dá até uma angústia de falar, a gente vem trazendo há bastante tempo, já fizemos até campanha nas ruas".Ela relata que a prática de "carroceiros" colabora com o acúmulo de lixo, pois os moradores pagam para que os carroceiros busquem o descarte de objetos grandes, como móveis e eletrodomésticos, e esses são deixados nos terrenos.

Mobilizado por essa problemática, um morador do território criou um projeto de Hortas Comunitárias com o objetivo de utilizar os terrenos baldios que pertencem à prefeitura para incentivar o cultivo de hortaliças. Iniciou o projeto pelo terreno ao lado da UBS do território. Ele contou que gosta de trabalhar com iniciativas sustentáveis, com compostagem de resíduos orgânicos e, por esse motivo, decidiu pesquisar e planejar a montagem da horta. Quando foi realizar os encaminhamentos para poder utilizar o terreno público, a secretaria responsável por essa demanda informou que o terreno deveria ser solicitado via associação.

Não é a primeira vez que o território tem uma iniciativa de criação de horta comunitária. Uma das participantes frisou que: "A Associação de Moradores tentou implantar uma horta comunitária, por falta de entendimento do caminho, quem sabe, houve até uma punição no passado". O responsável atual pela horta menciona que no grupo de articulação, além de conseguir um suporte da associação de moradores, também alcançou uma"adesão maior", transformando uma iniciativa sua em um projeto comunitário. Ele idealizou a horta a partir das suas experiências com compostagem na própria casa e ensino sobre composteiras em CEIs do território. Ele é conhecido no bairro por essas iniciativas sustentáveis e conseguiu articular para que seu projeto se tornasse comunitário e ocupasse um espaço público.

Para colocar em prática o projeto, fez-se necessária a cooperação entre os interessados em plantar no terreno, o grupo de articulação e a associação de moradores que foram parceiros e colaboraram nos encaminhamentos, à Secretaria de Agricultura e do Meio Ambiente de Joinville por possuir maquinários para preparar a terra, à subprefeitura que limpou e cercou o terreno, de fato, diversos setores para a implantação. Atualmente, a horta envolve 37 famílias, divididas por canteiros. Cada família escolheu o canteiro que gostaria e tinha condições de manter, e algumas estão na lista de espera, aguardando a próxima horta.

O responsável pela horta destacou que "boa parte do pessoal que frequenta a horta são aposentados, mas tem gente de 16 a 75 anos, pessoas e famílias mais jovens também",evidenciando o interesse de várias gerações em plantar e colher as hortaliças, fato que constituiu a horta como um ambiente de convivência intergeracional. Também se percebem estratégias para o envelhecimento saudável da população: "Esse bairro tem 30 anos e as pessoas quando compraram essas casas eram novas, agora elas estão na fase de se aposentar. Essa é a hora perfeita de implantar uma horta, o pessoal vai ter uma ocupação".

Acompanhamos no Brasil o envelhecimento populacional recente. Tal processo exige que o país desenvolva políticas públicas de atenção aos idosos. Internacionalmente, a Organização Mundial da Saúde mostrou algumas questões que perpassam o debate acerca do envelhecimento: manutenção da independência e vida ativa, fortalecimento da prevenção e promoção à saúde e melhorar a qualidade de vida (Veras & Oliveira, 2018).

Dutra e Sanchez (2015) mencionaram, ao discorrer sobre as políticas de saúde de atenção aos idosos, que as ações intersetoriais são necessárias para conhecer a realidade dos idosos e também para agir de maneira mais assertiva na promoção da saúde. Cabe ao Estado a atenção aos idosos, a criação de programas afinados com as problemáticas desse grupo etário em cada território. Percebemos que a horta comunitária, iniciativa da sociedade civil, colabora com o alcance de alguns desses objetivos relacionados ao desenvolvimento humano.

Além dos diversos setores envolvidos na concepção e materialização do projeto, a horta recebe crianças dos CEIS, grupos da UBS, e está no planejamento do Restaurante Popular enviar os resíduos orgânicos para a composteira da horta. Gallo, Martins e Peres (2005) proferem que as hortas comunitárias podem contribuir com a execução relacionada à política de segurança alimentar e nutricional, pois promovem ações educacionais nos contextos ambientais, alimentares e comportamentais. As hortas comunitárias se apresentam como uma possibilidade de questionar os métodos de produção, distribuição e consumo de alimentos, pautados consensualmente na produtividade e no lucro. Ademais, colaboram com a criação de vínculos afetivos e solidários entre os envolvidos no projeto.

A motivação inicial foi a demanda relacionada com o acúmulo de lixo, mas, atualmente, esse projeto comunitário responde outras questões do território como a criação e manutenção de vínculos: "Vizinhos que nunca se falaram durante 30 anos criaram uma amizade aqui na horta, gente que mal se cumprimentava na rua, hoje estão contando piadas juntos". Vale lembrar de um dos objetivos dos CRAS, o fortalecimento dos vínculos comunitários e a ampliação do acesso aos direitos e cidadania (CRAS, 2009).

A horta comunitária colabora com o alcance desses objetivos, pois, a partir da instituição de um projeto comum, o cultivo de hortaliças, os participantes se encontram, trocam informações e produtos. Além disso, com o quadro de insegurança alimentar vigente no país, por consequência de o acesso ao alimento estar "determinado pelas leis do mercado", a nutrição é enfatizada "como um direito humano" (Gallo et al., 2005, p. 44).

Percebe-se que não é possível categorizar essa ação, a horta comunitária, como projeto de um segmento ou setor. Ao mesmo tempo em que se relaciona com a assistência social, também promove saúde, educação ambiental, segurança alimentar e outros desdobramentos que não são possíveis de mensurar. Parece que existe uma (con)fusão entre as secretarias e os objetivos. Confusão porque não é possível nomear ou identificar de qual setor essa ação pertence. E uma fusão também, pois, para que aconteça, a horta demanda planejamento e produz resultados que correspondem com os objetivos dos diversos setores envolvidos.

Entendemos a horta comunitária como uma proposta intersetorial e contínua que se retroalimenta das problemáticas do território e qualifica suas ações a partir do trabalho integrado das instituições do território e dos moradores. Acompanhamos nesse projeto uma ação que se assemelha com a intersecção, pois transcende uma simples troca de ou soma de conhecimentos, indicando um movimento conjunto e articulado, que só é viabilizado pelo movimento dialógico entre os diversos setores envolvidos e a sociedade civil. Por meio da criação de vínculos, o grupo de articulação favorece o enfrentamento dos problemas sociais complexos presentes nesse território, além de alcançar objetivos das políticas setoriais, pois é entendido que a articulação intersetorial não dissolve os setores, mas contribui com o planejamento das ações e alcance das finalidades (Prisco, 2012).

Junqueira (2004, p. 27) menciona a respeito da concretização das ações intersetoriais que incorporam "não apenas a compreensão compartilhada sobre finalidades, objetivos, ações e indicadores de cada programa ou projeto, mas práticas sociais articuladas que acarretem um impacto na qualidade de vida da população". Visualiza-se uma das potencialidades da horta comunitária, de mobilizar e agregar práticas sociais, pois, de acordo com um dos participantes: "Com o projeto coletivo, as pessoas interagem junto, criam junto, é assim que se cria relacionamento, fazendo coisas juntos".

Compreendemos que a horta comunitária se apresenta como uma prática coletiva e criativa, construída a partir das problemáticas locais. Entendemos o quanto a desigualdade e as vulnerabilidades sociais são complexas e exigem das políticas públicas e da sociedade civil ações propositivas, que contemplem de maneira integrada as dimensões que compõem o social e a vida dos sujeitos.

Na horta comunitária e nas outras duas expressões do trabalho intersetorial apresentadas no texto foi possível perceber que a Psicologia pode atuar acolhendo o sofrimento ético-político, colaborando com as ações emergentes no território, com o fazer coletivo e com realizações que trabalhem a cidadania, pautadas no compromisso com a transformação social.

 

Considerações finais

Discutimos três expressões de possibilidade, três formas de compreender os diversos modos de articulação comunitária. As reuniões do grupo de articulação, discutidas na primeira categoria, apresentam uma forma de posicionamento da população no relacionamento com o Estado. Nas discussões apresentadas sobre a feira do parque e a horta comunitária, acompanhamos ações que foram apoiadas pelo grupo de articulação. A horta é uma realização da comunidade, que tem a presença do Estado, sobretudo pela sua localização estar em um terreno municipal, mas que consegue ter autonomia nas decisões, gerência e planejamento.

Esta pesquisa pode evidenciar potencialidades da atuação profissional da Psicologia neste contexto. A investigação apresenta indícios de que o saber-fazer da psicologia, especialmente em uma perspectiva crítica, pode contribuir com alguns aspectos do trabalho interdisciplinar no SUAS e com o campo intersetorial. Outros estudos podem, no entanto, ser realizados em relação aos diferentes sentidos acerca do território por parte da Psicologia, por exemplo, complexificando melhor essa discussão.

Retomando o objetivo da investigação que buscou pesquisar os modos de trabalho que são desenvolvidos em um CRAS, salientamos que este estudo possibilitou o conhecimento acerca do trabalho intersetorial que foi desenvolvido em um território, suas modalidades, expressões e desafios. Cabe às investigações futuras compreender como as iniciativas comunitárias podem tensionar o relacionamento com o Estado. Isto significa dizer como esses grupos articulados podem problematizar os ditames do Estado, com o intuito de manter o devido afastamento do lugar de executores das ações estatais e fortalecer sua autonomia para construir ações afinadas com as demandas territoriais.

Os encontros mobilizados pelo grupo de articulação compõem a construção do comum no contexto estudado, produzem afetos de alegria, fortalecem os vínculos e a solidariedade. Essa experiência carrega a singularidade das relações que a constituem e, portanto, não poderia ser replicada ou copiada. Entretanto, é importante lembrar que existem milhares de CRAS implantados no Brasil, cada um presente em um território com suas características e demandas, que podem promover a articulação intersetorial e comunitária, inspirando a participação social em instâncias locais, bem como produzam movimentos em prol da transformação social em um contexto macropolítico.

 

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Endereço para correspondência:
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Recebido em 21.jul.20
Revisado em 30.dez.21
Aceito em 31.jan.22

 

 

Letícia de Andrade, Doutoranda e mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é Professora adjunta no curso de Psicologia da Universidade da Região de Joinville (UNIVILLE). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9619-2347
Allan Henrique Gomes, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade da Região de Joinville – SC (UNIVILLE), vice líder do Núcleo de Pesquisa em Educação, Políticas e Subjetividades (NEPS), é Professor da Associação Catarinense de Ensino – ACE e Membro do GT ANPEPP Psicologia, estética e arte. Email: allanpsi@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5366-8600
Kátia Maheirie, Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), com estágio posdoutoral em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Psicologia Social pela Universidad Autónoma de Barcelona e Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), é Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Email: maheirie@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5226-0734

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