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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.1 n.2 Ribeirão Preto ago. 1993

 

O uso da fantasia como instrumento na psicoterapia infantil

 

 

Jaide A. R. Nalin

Universidade de Mogi das Cruzes Departamento de Psicologia. Universidade São Francisco Setor de Pós-Graduação em Psicopedagogia. Endereço para correspondência: Rua Piauí, 77 - Apto. 12 -Higienópolis. 01241-001 - São Paulo - SP

 

 

Segundo Skinner (1974), enquanto no mentalismo afasta-se a atenção dos acontecimentos externos que podem explicar o comportamento, o behaviorismo metodológico faz exatamente o contrário; ao enfatizar os acontecimentos externos, desvia a atenção da auto-observação. Por outro lado, o behaviorismo radical restabelece o equilíbrio, passando a considerar relevante para a análise do comportamento, tanto os acontecimento externos quanto aqueles ocorridos no mundo privado. Não considera tais acontecimentos inobserváveis e nem os descarta por serem subjetivos.

Os eventos privados, tais como pensamentos e sentimentos, são observáveis pelo próprio sujeito engajado em tais ações e consequentemente são considerados como comportamentos (Zettle, 1990). E todos esses comportamentos são até certo ponto verbais e se tornam relevantes para uma análise comportamental adequada se pensarmos sobre eles como acontecendo a um organismo verbal (Hayes, 1987).

Tais eventos não necessitam ser compartilhados, bastando para isso que um sujeito seja capaz de observar. Porém, o relato verbal dos eventos privados não é considerado como manifestação do comportamento encoberto, e sim, um outro comportamento da mesma classe de respostas, e desse modo nos conduz a inferências a respeito dos eventos privados.

Ainda é importante ressaltar que o behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas sim, a filosofia dessa ciência. Utiliza-se dos progressos da análise experimental do comportamento que examinou de forma mais detalhada as condições em que as pessoas respondem ao mundo, no interior de suas peles (Skinner, 1974).

Para os problemas clínicos efetua-se uma análise do comportamento externo e encoberto para identificar as variáveis ambientais das quais o comportamento é função. Em seguida, propõem-se intervenções que se supõe sejam de alta probabilidade de provocar mudanças de comportamento.

De acordo com estas colocações, a análise do comportamento procura identificar os possíveis fatores ambientais que controlam o comportamento, envolvendo os eventos externos e internos, e deste modo se propõe a ser mais abrangente do que as abordagens que se limitam ou apenas aos eventos encobertos ou tão somente aos eventos externos.

Os comportamentos encobertos, todavia, como não podem ser manipulados diretamente, não são vistos como iniciando outras ações, mas podem entrar nas seqüências causais, não sendo porém aceito como a causa iniciadora de outros comportamentos (Zettle, 1990). Continuando, este autor ressalta que os tipos de análises às quais o comportamento publicamente observável pode ser submetido, podem não ser apropriadas ou mesmo possíveis para os eventos privados.

Por outro lado, Skinner (1974) já assinalava que os relatos do mundo interior, o qual é sentido e observado introspectivamente, são pistas: 1) para o comportamento passado e as condições que o afetaram, 2) para o comportamento atual e as condições que o afetam, e 3) para as condições relacionadas com o comportamento futuro.

Levando-se em conta estas afirmações, efetuou-se uma classificação em três categorias de comportamentos a serem exploradas no atendimento clínico, como meio de facilitar a identificação dos aspectos aos quais devemos estar atentos ao levantar um conjunto de dados.

1) O aspecto comportamental externo - identificado através do relato dos eventos externos, por meio de entrevistas com membros da família e por observações diretas, ambas contendo a descrição das sequências comportamentais e como estas se interrelacionam com as sequências comportamentais dos outros membros da família e pessoas circundantes. A partir destes relatos se efetua a análise funcional do comportamento.

2) O aspecto comportamental encoberto - onde se identificam os sentimentos, sua função no ambiente e a descrição das formas nas quais se expressam. Podem ser utilizados para esta identificação diversos instrumentos como: entrevistas com a família, observação direta pelo próprio sujeito, fantasias (relato verbal de estórias sobre personagens fictícios) e outros.

Embora os sentimentos tenham sido culturalmente considerados como manifestações espontâneas e autênticas do indivíduo, necessitamos fazer uma diferença entre suas formas de expressão. Para melhor compreensão, tomemos como exemplo o sentimento de tristeza de uma mulher, o qual se manifesta inicialmente frente a uma situação de perda (luto). A ocorrência do choro em situação de isolamento poderia nos fornecer pistas de um sentimento de tristeza especificamente relacionado à situação de perda. Porém, a ocorrência do choro na presença de outros membros da família poderia acarretar alterações de comportamento entre seus membros e modificar as interrelações pessoais. Neste caso, o marido que se comportava de modo "desligado" (sem dar atenção à esposa), frente ao choro, mostra-se mais "afetivo", correndo para seu lado. O filho que se comportava de forma "agressiva" se torna "meigo" quando a mãe chora. Assim, o choro da mãe, que inicialmente estava ligado ao contexto específico da perda, agora passa a ser função de outros eventos ambientais.

Desta forma, ter a informação de que a mãe se sente triste e chora devido a um luto recente, não é o bastante. Necessitamos identificar os fatores que se superpõem ao evento inicial.

3) O aspecto conceituai - englobando a formação de conceitos adquiridos no decorrer das experiências de vida do indivíduo, bem como as crenças e regras que governam o comportamento.

Levando em consideração esses três aspectos, ampliam-se as possibilidades de clarificação dos fatores determinantes dos problemas de comportamento.

Tornando isto mais claro ao nível da aplicação, recorremos a uma descrição feita por uma família em situação clínica.

De acordo com o relato verbal da família, o evento observável mostrava que a criança aumentava seus comportamentos inadequados ao ser elogiada pelo padrasto.

Num primeiro momento, este relato poderia levar à hipótese de que os elogios poderiam ter sido inadvertidamente emparelhados com comportamentos adequados precedidos por comportamentos inadequados numa sequência comportamental, como se segue:

- comportamento inadequado --- comportamento adequado --- elogio (Sd) --- comportamento inadequado.

A criança, porém, nos ofereceu outra alternativa para tentar explicar esta situação ao verbalizar que considerava os elogios como não sendo "sinceros" por parte do padrasto e então supunha que quando este a elogiava, o fazia apenas para agradar a sua mãe; isto a fazia sentir muita raiva e em seguida agredia o padrasto verbalmente.

Obter o relato de como a criança se sentia na situação possibilitou ampliar o número de hipóteses prováveis sobre os fatores determinantes, o que favoreceu a alteração na análise do comportamento, como se segue:

- comportamento inadequado --- comportamento adequado --- elogio --- comportamento encoberto de onde inferimos que a criança sente raiva e pensa que elogio é falso --- comportamento inadequado.

Considerando o pensamento como comportamento encoberto, ele entra nas sequências causais, mas não pode ser aceito como a causa iniciadora de outros comportamentos. Estaríamos falando da análise da relação comportamentocomportamento que, para ser válida do ponto de vista do behaviorismo radical, deveria especificar o apoio ambiental para tais relações (Zettle, 1990).

Neste sentido, Skinner (1974) já afirmava que os sentimentos seriam respostas a estímulos, mas seu relato seria o produto de contingências verbais especiais, organizadas por uma comunidade.

Frente a isso, podemos levantar várias hipóteses a respeito da descrição dos eventos sequenciais apresentados pela referida familia.

1) Poderíamos identificar o comportamento inadequado da criança como provocando um afastamento entre mãe e padrasto, uma vez que eles brigavam após um desentendimento entre criança e padrasto.

2) Concomitantemente ao elogio, o padrasto poderia estar fornecendo dicas não verbais de desaprovação e a criança respondendo apenas às dicas não verbais com agressão.

3) A criança pode apresentar uma "percepção distorcida" a respeito dos eventos, uma vez que não responde a contingências ambientais (no caso do padrasto fornecer dicas que demonstrem ser "sincero"). Seguindo este raciocínio, podemos hipotetizar, através dos dados de entrevista, que a criança vivenciou situações passadas com o pai, onde os elogios deste ocorriam apenas na presença da mãe, como forma de garantir uma aproximação desta. Na ausência da mãe, o pai não lhe demonstrava afeto. Situações semelhantes ocorridas com outras pessoas poderiam ter facilitado o processo de generalização para novas situações com contexto semelhante.

Nestas condições, mesmo que o padrasto emita comportamentos de elogio na presença e na ausência da mãe (com dicas que demonstrem ser "sincero"), a criança continua a se comportar de acordo com seu padrão antigo, não atentando para as dicas adicionais deste novo contexto, que agora não é mais semelhante ao anterior. Se as novas dicas da situação fossem percebidas, a criança seria auxiliada para uma releitura da situação.

A manutenção do comportamento da criança, de acordo com o antigo padrão, provoca um afastamento do padrasto, e a criança permanece com seu conceito fortalecido a respeito da "falsidade" e seu comportamento agressivo se mantém governado pela regra - "devo rejeitar qualquer homem que se aproxime de minha mãe porque são falsos comigo e quando me agradam o fazem como meio de aumentar a aproximação com ela".

Desse modo, o comportamento da criança é governado pela regra e não pelas contingências ambientais.

Embora a formulação de regras seja muito importante para a adaptação do indivíduo ao meio, pois segundo Skinner (1969) a formulação de regras o auxilia a reagir mais efetivamente quando o comportamento modelado por contingências estiver enfraquecido, a regra também pode dificultar a sua adaptação, como mostrou o exemplo anterior.

Uma possível explicação é que as regras podem gerar padrões de resposta que impedem de contatar o meio ambiente de forma efetiva e, então, não seria surpreendente ver efeitos a longo prazo e generalizados das regras, como afirma Hayes (1987).

Desta forma, o interesse em trabalhar com o relato verbal de estórias fictícias (fantasia), onde a criança descreve os sentimentos dos personagens e as possíveis regras que governam seus comportamentos, se deve ao fato de que este instrumento - a fantasia - favorece a identificação de possíveis sentimentos da própria criança, através de inferências baseadas no seu relato verbal.

A fantasia foi amplamente utilizada por Stevens (1971) que, trabalhando numa abordagem gestáltica, utiliza-se desse instrumento para que o indivíduo vivencie situações, as quais supõe, possa levá-lo a ter insight sobre um determinado problema.

Na psicoterapia infantil, Oaklander (1978) retoma o uso da fantasia, ainda na proposta gestáltica, descrevendo uma nova maneira de trabalhar com esse instrumento. Em algumas situações, pede a criança que permaneça de olhos fechados, enquanto descreve estórias irreais que devem ser imaginadas. É então solicitado que a criança complete a fantasia. Em seguida, desenha o que imaginou.

Em outras situações, pede um desenho e conversa sobre ele. Pede ainda que escolha uma parte do desenho para ser ela mesma. Conversa sobre os sentimentos que a criança descreve, procurando estabelecer relação entre os elementos da fantasia e a vida real. Neste momento, algumas crianças relatam suas próprias dificuldades pessoais. Questiona a criança sobre as alternativas de comportamento que possam solucionar seus problemas.

De Zorzi (1991) retoma o trabalho de Oaklander (1978) ampliando o questionamento e conduzindo a criança a escolher cada parte do desenho para ser cada um dos membros de sua família.

No trabalho clínico infantil, utilizamo-nos de algumas propostas apresentadas por Oaklander (1978) com algumas modificações; a cada contato com a criança são propostos cinco tipos de atividades para que escolha uma delas: desenho livre, desenho em quadrinhos, estória de gravura, argila e construção de cena com brinquedos. Cada atividade é finalizada com uma fantasia, sendo registrado o relato verbal da criança. A seguir, são feitas perguntas para tornar mais compreensíveis os pontos obscuros e omissões, enquanto outros tipos de perguntas pretendem levar à identificação de incoerências no relato. A criança é direcionada a escolher alguma coisa da situação para ser ela e cada um dos membros de sua família. É levada a comparar semelhanças do relato com sua própria vida. Algumas crianças, na fase inicial do trabalho, dizem não haver correspondência com sua vida. Neste caso, a conversa focaliza os sentimentos e dificuldades dos personagens da fantasia e as alternativas de comportamento que poderiam ajudá-los.

Quando a criança identifica as semelhanças entre o relato e a vida real, geralmente descreve as situações que vivência como problema. Uma análise de comportamento das pessoas envolvidas na situação auxilia a criança a identificar formas alternativas de comportamento que possam alterar as contingências ambientais.

Paralelamente ao atendimento da criança, a família é atendida mensalmente, com todos os seus membros ou com subgrupos do sistema familiar, de acordo com as necessidades. Procura-se, através de várias técnicas, alterar o arranjo das contingências ambientais.

A fantasia como instrumento avaliativo se mostra útil na medida em que favorece a identificação, pelo terapeuta e pela criança, dos comportamentos manifestos e encobertos e das variáveis das quais passam a ser função. Para o terapeuta, auxilia na escolha de técnicas de intervenção; para a criança, a própria identificação dos comportamentos e seus possíveis fatores determinantes pode levá-la a alterar a maneira como tem lidado com a situação. O terapeuta também pode fornecer à criança novos Sds (estímulos discriminativos) para que aumente a probabilidade de emitir novos comportamentos.

Não haveria, portanto, uma separação nítida entre a fase de avaliação e a fase terapêutica onde se espera que as mudanças ocorram, uma vez que ambas são interrelacionadas.

Exemplificando o que foi dito até aqui, vamos analisar um caso clínico, de modo a tornar mais claro o uso da fantasia.

O relato a seguir refere-se a um corte no processo terapêutico correspondente a uma sessão em que a fantasia foi utilizada.

Relato de uma criança de onze anos (R), que morava com o pai, a mãe e um irmão de oito anos. Os pais apresentavam queixa de comportamentos dependentes, e de que a criança não tomava iniciativa em situações de interação social e tarefas escolares, nas quais pedia ajuda à mãe. Medo de ladrão, com excessiva preocupação em brincar na frente de sua casa como faziam seu irmão e vizinhos. Falava pouco e apenas respondia perguntas. A mãe trabalhava fora o dia todo. R. morava em uma casa confortável de quatro dormitórios.

Em uma das sessões, foi solicitada à criança, a execução de um desenho livre. Desenhou um homem musculoso de calção. Apresentou dificuldades em falar sobre o desenho e em contar estória. Iniciou-se, então, um questionamento, ocorrendo o seguinte diálogo entre a criança (R) e a terapeuta (T).

1. R -Esse homem vive na casa dele.

2. T-Com quem?

3. R -Com a mãe e com o pai. Ele não tem irmão.

4. T-Que idade ele tem? .

5. R -Trinta e um ou trinta e dois anos. Trabalha em química e faz musculação para ficar com físico bom e manter-se sempre em forma. No fim de semana, vai ao clube, nada na piscina, faz musculação, faz corrida com caloi dez.

6. T - Quem cuida dele?

7.R - A mãe e o pai.

8.T - De que jeito?

9. R -Dando comida, água, lavando a roupa dele e pede para ele tomar banho. .

10. T -Tem amigos?

11. R - Tem.

12. T - De que tipo?

13. R -Legais. Uns legais e uns chatos.

14. T - Por que ele continua amigo dos chatos? .

15. R -Conhece uns chatos e não é mais amigo.

16. T - Tem namorada?

17. R - Ele já é casado.

18. T - Como é a mulher dele?

19. R -É bonita.

20. T - O que ele sente por ela?

21. R -Ele sente bem.

22. T-Tem filhos?

23. R -Não. Faz pouco tempo, nem um ano. Na casa mora o pai, a mãe, ele e a mulher. Ele ainda não conseguiu comprar uma casa.

24. T-Por que?

25. R -Não é que não conseguiu. Comprou a casa mas ainda não mudou prá lá. Tem que comprar mobília. Não. Esqueceu. Acasa do pai só tem um quarto. Dorme o pai, a mãe, ele e a mulher dele. Tudo junto. Se ele tiver um filho fica cinco no quarto.

26. T- Ele gosta?

27. R -Não. Ele quer comprar mobília. Quando ele vai numa loja de mobília, esquece o que foi fazer e volta e assim todo dia.

28. T - O que faz a mulher dele?

29. R - A mulher dele tem que trabalhar na cozinha, não pode ficar cuidando da casa. Ela não trabalha fora, porque senão não tem ninguém prá cuidar da

30. T - Tem a mãe dele.

31. R -Só que a mãe dele trabalha.

32. T - E o pai?

33. R -Também. No fim de semana quem cuida é a mãe e o pai, porque a mãe trabalha e não dá prá tomar conta dele durante a semana. Ih! (Ri) Parece que estou falando de uma criança! (Ri). Parece que não tem lógica! Só que não precisa tomar conta. Ele acha que não precisa tomar conta.

34. T - Parece que cresceu de repente!

35. R -Parece que era criança! (Ri).

Nesta fantasia podemos observar que a criança descreve um conjunto de situações que estão fora do contexto de realidade, ao efetuar um relato sobre o personagem central, um rapaz de trinta e um anos (5), que mora com a família e necessita ser cuidado pelo pai e pela mãe (7), que lhe dão comida, água e pedem para ele tomar banho (9). Dorme com a esposa no mesmo quarto que o pai e a mãe (25). Vai comprar mobília para poder mudar de casa, mas ao chegar a loja esquece o que foi fazer (27).

Tais situações fornecem pistas sobre as necessidades da criança de ser cuidada com exclusividade, sem irmão para dividir as atenções (3), sendo dependente dos pais para as tarefas mais elementares. Coloca na situação uma esposa que não trabalha fora, que poderia cuidar dele nos períodos em que a mãe trabalha (29). Denota ainda dificuldades de romper com a situação de dependência ao relatar que o rapaz não consegue comprar mobília para poder mudar (27).

Descreve situações ambivalentes (5-9-29) que se alternam entre ser grande e musculoso e divertir-se e, ao mesmo tempo, ser cuidado com muita assistência como se fosse criança pequena.

Superpõe a imagem de mãe e esposa (29-33), onde a esposa parece desempenhar o papel de mãe na ausência desta. Ao apontar que dormem os quatro juntos (25), oferece pistas que merecem investigação posterior.

A experiência no contato com crianças nos mostra que perguntas diretas dificultam a expressão de suas necessidades e sentimentos enquanto que um contexto alterado como ocorre na fantasia parece favorecer esta expressão.

A pergunta "Quem cuida dele?" foi um tipo de sonda que lançou a incoerência no relato sobre um adulto. Não houve percepção da incoerência e apenas ao final, ao retomar ao assunto sobre "ser cuidado", é que ocorre o apontamento: "Parece que estou falando de uma criança!" Neste momento, a criança modifica o relato sobre o personagem ao dizer que ele não precisa mais ser cuidado (33-35).

De que modo a percepção da incoerência, seguida pela alte ração do relato, poderia acarretar uma mudança nos comportamentos dependentes da criança fora do consultório?

Uma primeira hipótese pode nos conduzir à suposição de que uma criança ao "necessitar" ser cuidade geralmente demonstra um desempenho falho ao comportar-se sem ajuda, pois isto vai aumentar a probabilidade de receber ajuda. Tornando isto mais claro: a criança não se lembra de tomar banho - os pais pedem para que tome - criança não toma - pais insistem - criança toma banho.

A análise desta situação vai depender de onde pontuamos a seqüência comportamental: os pais lembram a criança de tomar banho porque ela se esquece ou a criança se esquece do banho porque os pais a lembram?

Este é o dilema em que a família se encontra ao não achar uma saída para os problemas da dependência. Ninguém parece disposto a interromper a seqüência: os pais, porque ao nível racional, parecem acreditar que a criança nada fará se interromperem a ajuda; ao nível comportamental o padrão que eles exibem pode estar sendo mantido por regras e não pelas contingências ambientais.

A criança resiste à mudança pelo custo da resposta e da aquisição do novo padrão e provavelmente devido a fatores superpostos, como por exemplo, provocar o afastamento dos pais ao fazer as coisas sozinha.

Devido à complexidade da situação, a análise não esgota todos os possíveis fatores envolvidos e, desse modo, não se pode esperar que mudanças no relato da criança durante a fantasia sejam suficientes por si só para provocar mudanças no comportamento de dependência. Porém, não descartamos a possibilidade de que o processo ocorrido durante a fantasia venha a favorecer a mudança.

O que poderia estar sendo alterado durante o relato da criança: 1) a percepção da incoerência, 2) a mudança na afirmação "precisa ser cuidado" para "ele acha que não precisa ser cuidado", 3) em decorrência, aceitar ajuda em situação em que não precisar de ajuda tem culturalmente uma conotação de "infantilidade" e poderia ser punido pela comunidade social, 4) não solicitar ajuda pode agora ser percebido como um comportamento valorizado socialmente.

Além do aspecto avaliativo da fantasia já mencionado, apontamos para o aspecto terapêutico, ressaltando que outros procedimentos de intervenção são necessários, tanto nas sessões com a criança, como nos atendimentos do grupo familiar.

 

Referencias Bibliográficas

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Hayes, S.C. (1987). A contextual approach to therapeutic change. In N. Jacobson (Ed.). Psychotherapist in Clinical Practice: Cognitive and Behavior Perspectives. New York: Guilford.         [ Links ]

Oaklander, V. (1978). Windows to Our Children. Real People Press.         [ Links ]

Papp, P. (1984). The Process of Change. The Guilford Press, New York.         [ Links ]

Skinner, B.F. (1974). Sobre o Behavior ism o, São Paulo: Cultrix: Ed. USP.         [ Links ]

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Zettle, R.D. (1990). Comportamento governado por regra: uma resposta do behaviorisino radical ao cognitive challenge. The Psychological Record, 40, 41-49.         [ Links ]

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