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Temas em Psicologia

versão impressa ISSN 1413-389X

Temas psicol. v.1 n.2 Ribeirão Preto ago. 1993

 

Variações do ensino incidental e o desenvolvimento da linguagem oral em indivíduos portadores de deficiência mental

 

 

Maria Amélia Almeida

Universidade Estadual de Londrina

 

 

A linguagem tem sido considerada como um dos aspectos mais importantes do repertório comportamental do ser humano. Habilidades verbais são requisitos para comportamentos sociais e acadêmicos, assim como um instrumental importantíssimo nas atividades diárias de uma criança. Fracasso na aquisição da linguagem normalmente, seria um desastre para o desenvolvimento, pois isso alteraria todo o curso de vida de uma criança. Se não corrigidos, os distúrbios da linguagem, terão efeitos penetrantes em muitos aspectos da vida da criança com conseqüências educacionais e sociais (King, Jones e Lasky, 1982; Nippold e Fey, 1983; Schiefelbusch, 1978).

Segundo Fleming (1978), uma das características mais comuns no comportamento do indivíduo mentalmente deficiente é a dificuldade em adquirir padrões de comunicação. A produção da linguagem em crianças portadoras de deficiência mental não é apenas mais dispersa e mais limitada que em crianças normais mas também mais pobre sintaticamente, uma vez que lhes faltam habilidades para impor uma estrutura temporal ou hierárquica aos eventos. Logo, ensinar linguagem funcional para crianças portadoras de deficiência mental que apresentam atrasos severos de linguagem num ambiente o mais natural possível, deveria ser um dos principais objetivos da Educação Especial. No entanto, o ensino da linguagem para deficientes mentais tem, de uma maneira geral, ocorrido em salas de terapia isoladas daquela que a criança frequenta. Além do mais, esse treino geralmente é direcionado mais para o ensino de vocabulário, sintaxe e morfologia, sem a preocupação com a sua funcionalidade.

Hart, em, 1985 afirmava que até aquela época poucos estudos haviam investigado os efeitos dos procedimentos in vivo ou "ensino incidental" para treino remediativo da linguagem. Em contraste com os modelos de terapia clínica tradicional, esses procedimentos podem ser aplicados no ambiente diário da criança e, com supervisão e treino adequado, poderão ser utilizados por professores, pais ou outros adultos (Warren e Rogers-Warren, 1985). Os procedimentos de "ensino incidental" devem ser usados sempre que uma criança inicie, verbalmente ou não, uma interação especificando o reforço (por exemplo, atenção, brinquedo, alimento, material ou atividade) que o adulto pode lhe oferecer (Hart e Risley, 1968, 1975, 1980). Quando a criança não inicia a interação, mas o adulto sabe o que ela deseja, as técnicas de "mando-modelo" e "espera", que são uma variação do "ensino incidental", devem ser implementadas (Rogers-Warren and Warren, 1980). Antes de dar à criança aquilo em que ela está interessada, o adulto deve dirigir toda a sua atenção para ela, solicitando uma linguagem mais elaborada sobre o assunto (brinquedo, material, atividade). Ao solicitar da criança uma "linguagem mais elaborada", o adulto está aproveitando a oportunidade para lhe ensinar formas e funções da linguagem dentro de condições altamente funcionais e reforçadoras. Almeida (1989) apresenta uma descrição mais detalhada do uso de tais procedimentos.

Toda a escola especializada tem uma rotina diária a seguir com horários específicos para o desenvolvimento de atividades diversas, como educação física, fono, AVD, habilidades acadêmicas etc... bem como o "sagrado " horário das refeições. Este momento é muito importante nas escolas, não apenas porque é, na maioria das vezes, aquele que oferece a única refeição para muitas crianças, mas também porque é muito rico para o treino de uma série de habilidades, como alimentar-se independentemente usando talheres e outros utensílios, boas maneiras à mesa e até linguagem. Porém, muitas vezes a professora não tem tempo para tal pois, além de atender sua classe, também tem que atender outras crianças na hora das refeições. Além disso, muitas vezes, o refeitório é pequeno fazendo com que o elevado número de crianças e adultos provoque barulho e aglomeração tornando inviável qualquer tentativa de treinamento.

Levando em consideração a literatura acima revisada e na tentativa de sugerir soluções para os problemas levantados, três estudos, que serão descritos a seguir, foram desenvolvidos.

 

Estudo 1

Através de um delineamento de linha de base múltipla cruzando com comportamentos (Hersen e Barlow, 1976), Almeida, Nunes, Shores e Warren (1986) treinaram três tutoras a usar as técnicas de "mando-modelo" e "espera" em treino de linguagem com três crianças, que além de deficiência mental apresentavam também atrasos de linguagem. Suas idades variavam de 3 anos a 3 anos e oito meses. O nível de linguagem de cada criança era de 2 palavras-frase. O professor da classe informou que, antes do estudo, nunca observou nenhuma dessas crianças iniciando nenhum tipo de conversação com colegas ou adultos.

As tutoras foram três adolescentes cujas idades variavam de 12 a 13 anos, frequentando 7ª e 8ª série do primeiro grau. As três eram consideradas ótimas alunas, visto estarem classificadas academicamente como as melhores da classe em todas as séries já frequentadas.

O estudo foi conduzido na própria sala de aula durante as refeições, quando as crianças eram sentadas em três diferentes mesas com outras quatro ou cinco crianças. Uma estante móvel, contendo os alimentos, os utensílios a serem utilizados naquela refeição e demais materiais, era colocada ao lado da mesa.

As observações foram realizadas ao vivo por dois observadores, que foram previamente treinados pelos pesquisadores. Os dados eram registrados em formulários próprios de acordo com a descrição dos comportamentos das tutoras e das crianças e depois transformados em gráficos para melhor visualização.

Durante a fase de Linha de Base, as tutoras eram instruídas a servir as refeições para as crianças de maneira que achassem ser a mais correta.

Na fase de Intervenção I, as tutoras, primeiramente, foram treinadas através de role playing e feedback a usar a técnica de mando-modelo, que consistia em dar instigações verbais para as crianças, como: a) perguntas que não envolvem apenas uma resposta sim/não, mas uma resposta mais completa, como por exemplo: "O que você quer?". As tutoras foram desencorajadas a usar perguntas que envolvessem apenas respostas do tipo sim/não; b) instruções para verbalizar, como por exemplo, "Diga-me, para que serve isto?"; e c) modelos, que eram usados quando a criança não conseguia responder. A tutora dizia exatamente o que era esperado que a criança falasse, como por exemplo: "Fulano, diga, eu quero ________". As tutoras também foram treinadas a elogiar as respostas corretas das crianças antes de entregar o objeto solicitado através de: a) reforço social, que consistia em um elogio, como "muito bem", "ótimo " etc.; b) reforço discriminativo, que consistia em reforçar a criança socialmente e, em seguida, repetir a resposta correta fornecida pela criança. Ex.: "muito bem, você disse prato amarelo! Aqui está ele!". Quando a resposta fornecida pela criança era incorreta, a monitora era instruída a fornecer feedback corretivo, cujo objetivo era corrigir a criança, falando o modelo correto. Ex.: "Isto não é pão. Isto é uma bolacha salgada" e entregava o alimento para a criança.

Era esperado que as crianças respondessem às perguntas das tutoras, num primeiro momento da linha de base, empregando adjetivos em suas frases, como por exemplo: "Eu quero arroz branco. Num segundo momento da linha de base, era esperado que as crianças usassem artigos antes dos substantivos, como por exemplo, "Eu quero o prato branco". Num terceiro momento da linha de base, era esperado que as crianças usassem as preposições "em cima", "em baixo" e "dentro", como por exemplo: "Eu quero o prato branco em cima da mesa."

Após verificar-se uma quantia estável de respostas corretas por parte das crianças às instigações verbais, iniciou-se a fase de Intervenção II. As tutoras foram instruídas a usar a técnica de "espera", que consistia em mostrar o objeto ou o alimento pelo qual a criança demonstrava interesse, e esperar que ela fizesse a solicitação. Se ela não respondesse a essa instigação não verbal, a tutora era instruída a usar a técnica de "mando-modelo".

O índice de fidedignidade foi avaliado em 25 % de cada fase experimental para cada díade. A média total do índice de fidedignidade dos comportamentos dos tutores foi de 90% e dos comportamentos das crianças foi de 89%.

Os resultados demonstraram que após a introdução da intervenção, a freqüência de respostas verbais das crianças aumentou significativamente. Com a introdução das técnicas de mando-modelo, houve um aumento das respostas verbais das crianças a partir das instigações. A introdução da técnica de "espera" provocou nos sujeitos uma diminuição de verbalizações às instigações verbais, mas por um outro lado provocou um aumento de verbalizações às instigações não verbais ao mesmo tempo que também provocou nos sujeitos aumentos significativos das verbalizações espontâneas.

Os resultados demonstraram a eficácia do uso de tutores adolescentes na aplicação de procedimentos de ensino incidental para promover a linguagem em pré-escolares portadores de deficiência mental e atraso de linguagem durante as refeições.

 

Estudo 2

O segundo estudo foi desenvolvido por Almeida (1987), e teve como objetivo principal investigar se adultos portadores de deficiência mental através de treinamento apropriado e supervisão, também seriam capazes de empregar as técnicas de "mando-modelo" e "espera" para treinar crianças em novas habilidades de linguagem, durante as refeições, como aconteceu no estudo anterior com as tutoras adolescentes. Um outro objetivo do estudo foi verificar se as tutoras seriam capazes de aplicar as técnicas aprendidas em outras crianças, fora da situação de treinamento.

Os sujeitos deste estudo foram três crianças portadoras de deficiência mental, com idades variando de 3 a 5 anos, apresentando também atrasos severos de linguagem. As tutoras foram três mulheres portadoras de deficiência mental, com idades variando de 33 a 42 anos. Seus scores de QI variavam de 30 a 42. Todas já eram funcionárias da escola na parte de serviços gerais. Eram sempre requisitadas pelas professoras para prestar ajuda na hora das refeições, quando lhes era dada a incumbência de alimentar alguma criança.

Como no estudo anterior, este também foi conduzido nas respectivas salas de aula, onde o lanche era servido diariamente para as crianças, que ocupavam duas mesas. Os utensílios e alimentos eram colocados num canto da mesa, de maneira que só a tutora e a professora da turma tinham acesso a eles. A tutora sempre se posicionava ao lado da criança-sujeito.

Todas as sessões, de todas as fases do estudo, foram gravadas em video-tape para posterior coleta e tabulação dos dados em formulários próprios.

Com a finalidade de avaliar os efeitos dos procedimentos experimentais, empregou-se um delineamento de linha de base múltipla cruzando com sujeitos (Hersen e Barlow, 1976). A variável independente consistiu na aplicação das técnicas de "mando-modelo" e "espera" pelas tutoras.

Durante a fase de Linha de Base, era apenas solicitado às tutoras que servissem a refeição para as crianças que lhes foram designadas.

Na fase de Intervenção I, a tutora 1 foi treinada através de role-playing e feedback a usar as técnicas de "mando-modelo" que, como no estudo anterior, consistiam em dar instigações verbais para as crianças através de instruções para verbalizar, perguntas que envolviam uma resposta não sim/não e modelos. Ao contrário do outro estudo, neste as tutoras podiam usar perguntas que envolvessem uma resposta sim/não, apesar de aos poucos serem desencorajadas no uso de tais perguntas. As tutoras também foram treinadas a elogiar as respostas corretas das crianças e a fornecer feedback corretivo para as respostas incorretas.

Tão logo o sujeito 1 conseguiu uma quantia estável de respostas corretas às instigações verbais, iniciou-se o treinamento com a tutora 2. Tão logo o sujeito 2 conseguiu uma quantia estável de respostas corretas às instigações verbais, iniciou-se o treinamento com a tutora 3.

Era esperado que as crianças respondessem às instigações verbais das tutoras usando frases completas empregando sujeito, verbo e complemento, do tipo "Eu quero _____".

Tão logo observou-se que os sujeitos estavam respondendo consistentemente a 80% das instigações verbais, as tutoras foram treinadas a empregar a técnica de "espera" que, como no estudo anterior, consistia em mostrar o objeto ou alimento pelo qual a criança estava demonstrando interesse e esperar que ela fizesse a solicitação. Se ela não respondesse a essa instigação não verbal, a tutora também era instruida a usar a técnica de "mando-modelo".

Para verificar se houve Generalização dos comportamentos das tutoras, pelo menos uma vez por semana, era solicitado às tutoras que servissem o lanche para qualquer criança da sala, menos para aquela que ela estava habituada a servir diariamente. Nenhuma instrução verbal ou feedback era fornecido à tutora.

O índice de fidedignidade entre observadores foi realizado em 25% das sessões de cada condição experimental para cada díade. A média de concordâncias obtidas tanto para os comportamentos das tutoras, quanto para os comportamentos das crianças foi 91 %.

Os resultados demonstraram que, da mesma forma que as tutoras adolescentes, as tutoras portadoras de deficiencia mental também foram capazes de assimilar e de aplicar corretamente as técnicas de "mando-modelo" e "espera". Elas apenas precisaram de um pouco mais de tempo para melhor assimilar e praticar o emprego das técnicas. Com relação às crianças, como no estudo anterior, os dados também demonstraram que com a introdução da técnica de "mando-modelo ", houve um aumento das respostas verbais das crianças às instigações verbais. A introdução da técnica de "espera" também provocou nos sujeitos uma diminuição das verbalizações às instigações verbais e um aumento das verbalizações às instigações não verbais. O dado mais importante foi que também houve, por parte das crianças, aumentos significativos de verbalizações espontâneas.

 

Estudo 3

O terceiro estudo desta série foi desenvolvido por Dagnoni, Almeida e Bzuneck(1). Na escola onde o estudo foi desenvolvido, é norma geral que todas as crianças façam suas refeições no refeitório no mesmo horário. Como o refeitório é considerado pequeno para o número de crianças que deve atender, o horário das refeições é barulhento e tumultuado. Logo, o objetivo principal deste estudo foi investigar se algumas modificações no ambiente e o uso das técnicas de "mando-modelo" e "espera" faria com que três crianças deficientes mentais com atrasos severos de linguagem, cujas idades variavam de 5 a 6 anos conseguiriam falar mais espontaneamente durante as refeições. Um objetivo secundário, foi investigar se o professor da classe, depois de participar de todas as sessões de treinamento e também após ter sido especialmente treinado pelo investigador em como empregar as técnicas, continuaria servindo o lanche para as crianças de maneira mais falante no próprio refeitório.

As observações foram realizadas ao vivo por dois observadores, que foram previamente treinados pelos pesquisadores. Os dados eram registrados em formulários próprios, de acordo com a descrição dos comportamentos das crianças e depois transformados em gráficos para melhor visualização.

Um delineamento de linha de base múltipla cruzando com sujeitos (Hersen e Barlow, 1976), foi empregado e constou de 5 fases: Linha de Base, Reestruturação do Ambiente I, Reestruturação do Ambiente II, Reestruturação do Ambiente III e Generalização.

As sessões de Linha de Base foram feitas no refeitório, onde os observadores limitavam-se a registrar as frases ditas pelas crianças em fichas individuais. Nenhuma instrução era dada para a professora nem para as crianças.

Na fase de Reestruturação do Ambiente I, a experimentadora disse à professora que passaria a servir o lanche para algumas crianças na própria sala de aula, onde teriam oportunidade para falar mais livremente. Nessa turma de alunos estava incluído o primeiro sujeito da pesquisa a iniciar a intervenção. Foi pedido à professora que continuasse no refeitório com as demais crianças e que aos poucos as mesmas seriam levadas para a classe. Na sala de aula, a experimentadora colocava todos os utensílios e alimentos próximos de si, mas fora do alcance das crianças e apresentava instigações verbais, tai como: perguntas que não envolviam apenas uma resposta sim/não, instruções para verbalizar e modelos. Era esperado que as crianças respondessem às instigações verbais da experimentadora com frase completa empregando sujeito, predicado e complemento, do tipo: "Eu quero ______". De acordo com a resposta, a experimentadora aplicava a respectiva conseqüência, conforme já foi explicado no estudo de Almeida, Nunes, Shores e Warren (1986).

Assim que a primeira criança aproximou-se do critério estabelecido, que era de 10 frases completas em sessões de 40 minutos, a experimentadora iniciou o tratamento com o segundo sujeito. Enquanto isso, o terceiro sujeito continuava tendo seu lanche no refeitório com a professora e demais crianças. Assim que o segundo sujeito atingiu o critério estabelecido, iniciou-se a intervenção com o terceiro sujeito. Daí, todas as crianças da classe passaram a fazer também suas refeições na sala de aula. A professora foi orientada a observar como a experimentadora conduzia as sessões.

Tendo sido constatado que to das as crianças respondiam às instigações verbais da experimentadora, iniciou-se a terceira fase do estudo, que foi Reestruturação do Ambiente II. Nessa fase, a experimendora iniciava a sessão descrevendo e mostrando tudo o que havia para o lanche e esperava que os sujeitos solicitassem os utensílios e alimentos que desejavam, favorecendo assim uma linguagem mais espontânea. Caso os sujeitos não respondessem, a experimentadora aplicava as técnicas de "mando-modelo".

A partir do momento em que foi observado que as crianças estavam necessitando de menos instigações verbais para expressar frases mais completas e consequentemente falando mais espontaneamente, iniciou-se a quarta fase do estudo, que foi Reestruturação do Ambiente III. Nessa fase, a experimentadora sugeriu à professora que voltasse para o refeitório com as crianças e passasse a conduzir as sessões da mesma forma que ela (experimentadora) fazia na sala de aula. Nessa fase, a experimentadora observava a professora e, quando necessário, ensinava-a como agir. Ao final da sessão, a experimentadora lhe dava feedback.

Na fase de Generalização, as sessões continuavam sendo conduzidas no refeitório pela professora, na presença de todas as crianças e professoras da escola, mas na ausencia da experimentadora. Apenas as observadoras estavam presentes para a coleta de dados.

O índice de fidedignidade foi avaliado em 25% das sessões de cada fase experimental de cada sujeito. A média dos índices de fidedignidade variou de 93 a 97%.

Os resultados demonstraram que durante a linha de base, os três sujeitos praticamente não verbalizavam a resposta-alvo ou seja: "Eu quero ". Com a introdução da Reestruturação do Ambiente I, quando a professora, em situação de sala de aula, começou a apresentar instigações verbais, verificou-se que em poucas sessões as crianças já podiam expressar o que desejavam com frases mais completas tanto em resposta às instigações, quanto espontaneamente. Com a introdução da Reestruturação do Ambiente II, ocasião em que a experimentadora apenas descrevia o que havia para o lanche e esperava que as crianças verbalizassem o que necessitavam, observou-se que a freqüência de respostas espontâneas continuava aumentando, enquanto que as respostas instigadas diminuíam. Com a introdução da Reestruturação do Ambiente III, que consistiu na volta das crianças e da professora para o refeitório tendo a professora como condutora das sessões sob a orientação da experimentadora, verificou-se o mesmo efeito da fase anterior. Os dados se repetiram na fase de generalização, quando a professora conduzia as sessões na ausência da experimentadora.

 

Conclusão

Os três estudos acima descritos demonstraram que é perfeitamente possível treinar crianças portadoras de deficiência mental em habilidades lingüísticas, durante as refeições, através das técnicas de "mando-modelo" e "espera". Dessa forma, ficou demonstrado que o horário da refeição não deve ser visto apenas como um intervalo prolongado que obriga os professores a interromper suas atividades, geralmente acadêmicas, para colocar diante das crianças um prato de comida e esperar, pacificamente, que elas se alimentem. Pelo contrário, o momento é muito dinâmico e rico em estímulos, oferecendo à criança oportunidade para: a) fazer e responder perguntas; b) imitar ações, palavras; c) gesticular para objetos; d) fazer comentários agradáveis e positivos; e) solicitar assistência ou ajuda dos outros, que de acordo com Warren (comunicação pessoal) são estratégias que a criança precisa desenvolver para tornar-se mais falante. No entanto, para que isso ocorra tornam-se necessárias mudanças não só na rotina da escola, como no ambiente e, principalmente, mudança de atitude dos professores, como sugere o estudo 3, de Dagnoni, Almeida e Bzuneck.

Os dois primeiros estudos (Almeida, Nunes, Shore e Warren, 1986 e Almeida, 1987) sugerem que outras pessoas, além das professoras, também são capazes de desenvolver tais atividades. Portanto, o professor também pode e deve lançar mão da ajuda voluntária, bem como treinar outros deficientes mais velhos para ajudá-lo em suas atividades com a classe, pois "aquele que ensina, também aprende" (Gartner et al, 1971).

Os resultados dos três estudos também deixaram claro que o emprego das técnicas de "mando-modelo" e "espera" para treinamento de linguagem em crianças deficientes mentais com atrasos acentuados de linguagem, foram muito eficazes, pois levaram as crianças a verbalizar espontaneamente aquilo que desejavam. Nos três estudos, o uso da técnica "mando-modelo", pelas tutoras e experimentador, facilitou a aquisição da resposta alvo, que quase nunca foi produzida durante a fase de linha de base. Resultados semelhantes são também relatados por Rogers-Warren e Warren (1980) e Warren, McQuarter e Rogers-Warren (1984). Atécnica "mando-modelo", portanto, facilita a aquisição das respostas-alvo pela criança. Por um outro lado, a técnica de "espera", que deve ser usada como uma espécie de desvanecimento da técnica "mando-modelo", permite que a criança se comunique mais espontaneamente. Consequentemente, a partir desse treinamento, as crianças ficam prontas para participar de atividades que envolvem o procedimento de ensino incidental (Hart e Risley, 1968,1975 e 1980), que só deve ser empregado quando a criança é capaz de iniciar, verbalmente ou não, uma interação.

Concluindo, é bom lembrar que quanto mais uma criança fala, mais progresso ela obterá no processo de aquisição de linguagem. Quanto mais ela participa do mundo da linguagem que a rodeia, mais prática ela adquire e consequentemente mais sucesso ela obterá em outras áreas (Warren, comunicação pessoal).

 

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(1) Trabalho apresentado durante a 43a Reunião Anual da SBPC. Rio de Janeiro, 1991.

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